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Um tiro de misericórdia

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Oito dos quarenta e cinco presidentes dos Estados Unidos da América do Norte que exerceram o cargo desde que foi declarada a independência da Inglaterra, no ano de 1776, foram alvo de atentados, sendo que quatro acabaram mesmo por morrer. Já há quem considere esta série de acontecimentos trágicos uma fatídica tradição norte americana. Notável ficou o assassinato de John Kennedy, em 22 de novembro de 1963, um ano depois da célebre Crise dos Mísseis de Cuba que, segundo rezam as crónicas, se desenrolou por 13 dias atribulados, de 16 a 28 Outubro de 1962 e que teve como protagonistas os Estados Unidos e a então União Soviética. Foi, seguramente, o momento de maior intensidade dramática da denominada Guerra Fria, em que a Humanidade esteve mais perto do que nunca, de uma guerra nuclear generalizada. Não deixa de ser verdade, contudo, que o tão inesperado quanto aparatoso atentado de que foi alvo o ex-presidente e actual candidato Donald Trump, no passado dia 13 de Julho, ganhou maior relevo e projecção internacional do que qualquer dos oitos episódios congéneres atrás referidos, que ilustram negativamente a ainda curta história dos Estados Unidos. Atentado que continua a inundar o mundo com enxurradas de notícias de toda a ordem, originando especulações e explicações díspares e disparatadas, o que até se compreende, porque, em última análise, é o futuro da Humanidade que está em jogo e não apenas a política interna americana. Assim é que os mais abalizados e melhor informados especialistas na matéria dão largas à sua fértil criatividade, aventando as hipóteses mais inverosímeis, o que só faz com que o cidadão comum quanto mais ouve e lê menos compreenda e mais preocupado fique. Diga-se em abono do bom senso, contudo, que não se afigura muito viável a hipótese de que tudo não tenha passado de uma bem montada encenação, porquanto houve mortos e feridos mesmo ao lado do visado Trump, ainda que, como muitos admitem, o sangue na orelha pareça excessivo e possa ter sido simulado no instante. Tudo será lícito admitir ainda que sempre deva ser a razão a prevalecer. Profecias e teorias da conspiração à parte, o certo é que tudo continua em aberto. Ainda que quem levou o tiro real, de raspão, tenha sido o republicano Donald Trump, que se salvou por uma unha negra, ou por uma madeixa do cabelo, melhor dizendo, quem acabou por sofrer um verdadeiro tiro de misericórdia, em cheio, ainda que simbólico foi, seguramente, o seu opositor, o democrata Joe Biden. Tanto assim é que, depois de tão dramática hesitação, acabou por ser o próprio Biden a anunciar que desistia da corrida eleitoral, reconhecendo implicitamente a senilidade que se recusava a admitir. Surpreendente e preocupante não deixa de ser, todavia, que a presidência daquela que continua a ser, indubitavelmente, a maior potencial mundial, esteja agora, mais uma vez, ao alcance de Donald Trump, uma personalidade extravagante, que granjeou a fama de ser um narcisista perigoso, um mentiroso contumaz e de não olhar a meios para alcançar os fins. Personalidade mais compatível com o seu congénere russo Vladimir Putin, ao que se diz, o que justificará a amizade que ambos terão cultivado no passado, bem expressa em mútuos elogios. Amizade que, é o mais certo, ainda será manterá no presente. Não deixa de ser altamente preocupante, portanto, que a eleição de Trump, que muitos continuam a dar como garantida, possa vir a influenciar negativamente o mundo livre, favorecendo de alguma forma, directa ou indirectamente, os grandes regimes ditatoriais que se lhe opõem, designadamente a Rússia, a China, o Irão e a Coreia do Norte. Ainda que Trump, agora em plena euforia eleitoral, procure adoçar os mais dúbios quiproquós que o prejudicam. Declarar, por exemplo, que acabará com a guerra na Ucrânia e em Gaza em 24 horas, sem dizer como, e sem que tenha feito qualquer diligência nesse sentido, não passa de pura demagogia, que terá levado, por certo, a que Putin e ou- tros interessados, se tenham rido com tamanha bazófia. Por mais que o próprio e os seus apoiantes mais fa- náticos, americanos e europeus, que também os tem, promovam o papel messiânico de Trump quando declaram que terá sido Deus que o salvou, falta saber se foi Deus ou se foi o diabo. Melhor será que o futuro não esclareça esta questão, sinal de que Trump não será eleito. Esperemos, isso sim, que o bom senso do eleitorado americano prevaleça e que o mundo não veja a sinistra mão de Trump a disparar os ameaçadores tiros de misericórdia na Ucrânia, na União Europeia, na NATO e no Mundo Livre em geral. Antes assista ao sucesso de Kamala Harris na restabelecimento de um mais esperançoso clima de paz, liberdade e democracia a nível global. A começar, desde logo, pela paz política e social da grande democracia americana.

Henrique Pedro