Vivíamos num mundo encantado sem saber

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Qua, 06/10/2021 - 09:22


Cada dia que passa mais nos apercebemos que no” Outono o Sol tem sono.” Diariamente vemos mingar os dias. O nosso povo diz “Outubro a entrar, toca a vindimar”, mas este ano as vindimas vão quase findas. Muitos tiveram que vindimar mais cedo, porque as uvas estavam a ficar podres devido à chuva. Alguns tios contaram-nos que tiveram menos uvas do que no ano passado. O tio Fernando Palas, de Fradizela, Mirandela, diz que teve muito mais do que em anos anteriores. O tio João dos Santos, de Torre de Dona Chama, revelou-nos que de uma videira colheu 120 quilos e só um cacho tinha mais de três quilos.
Há alguns anos que não se ouvia falar da apanha da amêndoa aqui na terra fria, verdade é que alguns agricultores já se estão a dedicar à produção deste fruto seco.
Recolhem -se os últimos frutos e começam as sementeiras, pois “em Outubro pega tudo e recolhe tudo.”
O tio Adérito Pinela, de Sacoias, Bragança, disse-nos em modo de brincadeira que ia ter cerejas lá para o Natal, pois tem um cerdeiro em flor.
No dia 1 de outubro assinalou-se o Dia Internacional do Idoso, a que eu chamo Gente Grande, sendo grandes em todos os aspetos. Ser idoso é um prémio que nem todos conseguimos. E eu, já há muitos anos que tenho o prazer de aprender muito com esses professores doutores, catedráticos da universidade da vida.
É do conhecimento de todos que muitas das nossas aldeias estão a ficar desertificadas, pois as escolas primárias fecharam e os cemitérios aumentaram.
Uma dessas terras é Quadra, Vinhais, terra onde se criou o meu amigo Duarte Rocha, de apenas 40 anos, ainda guarda na bem na memória a sua meninice  e sugeri-lhe que nos contasse como foi a sua infância.
Nestes últimos dias estiveram de parabéns ; Alzira Coelho (78) Couços (Mirandela); Eurico Rebelo (76) Real Covo (Valpaços); Luís Ramos (70) Caçarelhos (Vimioso); Esperança Palas (57) Fradizela (Mirandela); Vítor Eira Velha (54) Cernadela (Macedo de Cavaleiros); Conceição Cabral (54) Bragança; Maria Manuela (49) Martim (Murça);  Cristofe Morais(33);a sua esposa Patrícia Santos(32) e sua filha Leonor(2) Rebordelo (Vinhais); Julien Santos (27) e Luís Santos (2) Torre Dª Chama; Marco Silva(22) Caravela (Bragança); Márcia Romão (18) Argozelo (Vimioso). A todos muitos parabéns e muitos anos de vida!

 

Nas encostas da Serra da Coroa, a cerca de 15 quilómetros da vila de Vinhais e não muito longe da raia espanhola, existe uma aldeia chamada Quadra. Esta pequena aldeia do concelho de Vinhais, outrora cheia de vida, está hoje praticamente desabitada, contudo guarda muitas lembranças e nostalgias. Foi nessa aldeia que eu passei a minha infância. Foi aí que tive a oportunidade de vivenciar coisas que hoje em dia, fruto da massificação populacional das grandes cidades, já é difícil encontrar. Naquele tempo, falo da década 80/90, já se notava a desertificação, no entanto, isso era algo que não me importava muito, porque naquela altura, o principal era brincar. Quando se é criança não se tem noção do mundo real. Tudo era uma alegria. A infância era vivida em total liberdade, sem medos nem receios, que hoje em dia se colocam. Por exemplo, um dos desportos radicais que mais gostava de praticar era subir às árvores. Normalmente, desde cedo, aprendíamos a usar algumas técnicas, não havia escadas, tudo era feito sempre com o intuito de não cair. Subíamos a todo o tipo de árvores. Fossem árvores de fruto, cerdeiros, amoreiras, macieiras, fosse a outras árvores, como carvalhos, que eram o centro de abastecimento para arranjar bolotas e daí fazer carrinhos de brincar, posteriormente usados para fazer corridas improvisadas. Quando chegava o Verão, o calor apertava e o importante era descobrir uma poça com água. Ao que hoje em dia chamam de piscinas biológicas, nós, naquela altura, chamávamos poças para o mergulho. Não nos importávamos com as rãs e com as salamandras, importante era ter alguma profundidade para poder mergulhar sem bater com a cabeça no chão. A lama fazia parte da decoração corporal. Se hoje sei nadar, muito se deve a esses tempos. Aqueles tanques comunitários onde se lavava a roupa eram piscinas olímpicas, mesmo sabendo que aquela água gelada de nascente nos congelava em pleno Verão. Guardo sempre boas recordações quando me recordo daquela infância. Lembro-me que os invernos eram rigorosos, chegavam a cair nevadas de uma semana e tudo ficava branco naquele silêncio típico de aldeia. Era necessário, muitas das vezes, fazer caminhos improvisados para poder sair de casa. As mãos gelavam, o nariz pingava e quando nos colocávamos junto à lareira, aquele momento era mágico. Tudo deitava fumo e ali se imaginavam pequenas histórias de encantar. Recordo-me de fazer a festa do galo, que consistia em andar com um galo num andor e percorrer as artérias da aldeia para receber umas guloseimas que as pessoas nos iam oferendo. Juntávamos a isto umas canções e era uma alegria. Os mais velhos da aldeia adoravam ver os miúdos a desfilar e nós no final do dia juntávamos tudo e dividimos entre todos. Estas são algumas das muitas histórias que tive oportunidade de viver. Quem cresce numa aldeia tem uma sorte tremenda. Olhando para trás, sinto que fui um felizardo. Não havia as tecnologias dos dias de hoje, a imaginação era a nossa maior virtude. Vivíamos num mundo encantado sem saber.