António Júlio Andrade / Maria Fernanda Guimarães

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Nós trasmontanos, sefarditas e marranos: Gonçalo Lobo Guedes (n. Vila Real, 1620)

Na comunidade marrana de Vila Real, a família Lobo Guedes seria das principais, ligando-se aos Espinosa-Mesquita, através do casamento de Gonçalo Lobo Guedes com Beatriz Rodrigues da Mesquita, ao findar do século de 500.
Um neto destes, também chamado Gonçalo Lobo Guedes, nasceria por 1620, quando a cidade foi varrida por uma vaga de prisões. E nessa vaga foram apanhados vários membros de sua família, nomeadamente o pai, João da Fonseca e o citado avô materno. E 3 anos depois, também a sua mãe, Maria Guedes, foi arrastada para as masmorras da inquisição.(1) Em paralelo, outros fugiriam, como foi o caso de António da Fonseca Guedes, irmão mais velho de Gonçalo, que abalou para a França. 
Não sabemos se aquela vaga de prisões que assolou Vila Real originou a mudança temporária da família para Braga, terra natal de seu pai. Sabemos é que, nos anos seguintes, a morada de Gonçalo se repartiria entre Vila Real e o Porto. E na cidade do Porto estariam no ano de 1635 quando o seu irmão António veio de França, em curta visita(2) e viagem de negócios. E no regresso levaria consigo a tia materna, Branca Loba. 
No Porto, com o mercador António Mendes de Leão estava casado a sua irmã Branca da Mesquita. E tudo isto nos deixa adivinhar uma rede familiar de negócios ligando a cidade de Hamburgo (para onde se passou António Fonseca Guedes), o Porto e a Baía – terra para onde abalou Gonçalo Lobo Guedes ao início da década de 1640, ainda solteiro. 
Na Baía, Gonçalo tornou-se um verdadeiro homem de negócios, importando e exportando mercadorias, não apenas para o Porto e Lisboa mas também para outras grandes praças europeias. E na Baía recebia capitães de navios e homens de trato de várias partes, com eles negociando mercadorias.
A título de exemplo, diremos que em 1645, ele recebeu na Baía o seu conterrâneo Vilarealense Diogo Luís que foi de Holanda à dita cidade, certamente a vender fazendas e ferragens e comprar açúcares. Em simultâneo, chegou a sua casa Manuel Fernandes da Silva com um navio carregado de negros que fora buscar ao Cacheu, no Golfo da Guiné, “por conta de um tio que tinha na Holanda”.
Naturalmente que, num e noutro caso, Gonçalo Guedes não se limitou a recebê-los, antes se tornaria parceiro nas compras e nas vendas. Anos depois, indo Gonçalo em negócios à capitania do Espírito Santo, trouxe dali uma letra que havia sido passada pelo dito Diogo Luís para ser cobrada a um Francisco Soares, morador na Baía. 
Menos informação temos sobre uma viagem que Gonçalo Guedes terá feito a Angola, mais particularmente Benguela durante aqueles anos. E não sabemos também se foi então que ele viajou para a ilha da Madeira, onde igualmente estabeleceu contactos comerciais.
Os anos em que esteve na Baía coincidiram com a existência do chamado “Brasil Holandês” em que os “homens da nação” assumiram papel primordial nas relações internacionais. O próprio D. João IV se esforçava em conseguir o apoio da “nação”, para isso criando a Companhia de Comércio do Brasil, cujas ações foram na grande maioria subscritas por “homens da nação” aos quais o rei passou salvos-condutos para viajar em Portugal e suas Conquistas. Um dos contemplados com esta medida foi António Fonseca Guedes, irmão de Gonçalo, que entretanto casara na cidade da Guarda(3) e estabelecera morada definitiva em Hamburgo.
Lobo Guedes era homem rico quando regressou a Portugal e assentou casa em Lisboa. Trazia mais de 6 contos de réis em dinheiro contado (cruzados). O dia 11 de Outubro de 1654 passou-o ele ainda no barco ancorado ao largo, não presenciando o horroroso espetáculo do auto de fé celebrado naquele dia, com 9 pessoas queimadas, uma das quais o sogro de seu irmão, o advogado Simão Rodrigues Nobre. Dias depois, conversando sobre o assunto com Fernão Mendes da Costa, casado na mesma família da Guarda,(4) este lhe diria:
— Que fora venturoso em o não ver porque tremiam as carnes vendo a quantidade de pessoas que nele fora a queimar.
Não sabemos se António da Fonseca Guedes cheirou a carne queimada do sogro, sendo certo que por aquele tempo chegou a Lisboa, passando antes pelo Porto e dali trazendo a sua mãe, a viúva Maria Guedes, que depois levou para Hamburgo. E também quereria levar o irmão Gonçalo, ainda solteiro. Este preferiu ficar, tratando de casar e assentando em Lisboa a sede da sua empresa, essencialmente virada para a importação-exportação e venda por grosso de mercadorias. 
Entretanto, ao início de 1658, a inquisição assolava mais uma vez a Invicta, especialmente a sua classe mercantil. Um dos prisioneiros arrastados para Coimbra foi António Gomes Salzedo, natural de Vila Flor e que na Baía conviveu com Gonçalo. Foi quanto bastou para o santo ofício abrir um processo ao nosso biografado. Em Agosto seguinte, outra denúncia foi registada contra ele, produzida por Manuel Cordeiro, um malsin que, depois de dois estágios na cadeia, se tornou “informador” do santo ofício. 
No Porto, entretanto, prenderam também a irmã e o cunhado de Gonçalo(5) e em Lisboa, um outro grande mercador Portuense, das suas relações, chamado Manuel Rodrigues Isidro. E assim, em 9.8.1658, se assinou o decreto de prisão de Lobo Guedes, nele escrevendo:
— Porque se presume que o delato se ausentará para fora do reino, porque está sua irmã e cunhado e muita gente da cidade do Porto, de onde é natural, e preso nesta está um Manuel Rodrigues Isidro, de cujas pessoas se teme que darão nele e juntamente andar o judaísmo naquela cidade tão picado e haver tantas prisões… 
O inventário dos bens é enorme e impossível de resumir neste espaço. Vamos retirar apenas uns apontamentos que ajudem a compreender a vastidão do mundo empresarial deste homem.
Comecemos pelo seu armazém onde estavam depositados 3 “feitos de açúcar e mais 4 caixas de açúcar, 10 meios couros em sola e 7 couros em cabelo”.
Enviadas para França, Livorno e Hamburgo seguiam então umas 30 ou 40 caixas de açúcar e para a Baía, ao seu correspondente Luís Álvares de Castro “umas peças de panos de linho, outras de tafetás e peles de camelo”, no valor de 140 mil réis, que deviam somar-se ao conto e 600 mil reis que o saldo comercial registava.
Também para o Brasil, cidade do Rio de Janeiro, despachara uma partida de cobertores de papa, de Castela, dirigida a Manuel Rodrigues, no valor de 50 mil réis. E outra semelhante quantidade seguiu para a ilha da Madeira. E dali para Angola transitavam então 8 pipas de vinho.
Relação mais completa das mercadorias em trânsito na altura de sua prisão, seriam dadas pelo seu criado Francisco Gomes, que costumava fazer os despachos na alfândega e pelo caixeiro Francisco Rodrigues de Sousa. Também este forneceria listas mais completas das dívidas ativas e passivas de Gonçalo Lobo Guedes as quais nos dão a conhecer os seus parceiros comerciais. Notemos alguns:
Em Veneza Josepo de León, Jácome Franco e Henrique Rodrigues Álvares, aos quais devia 2 fardos de seda no valor de um conto, 173 mil réis, além de outras fazendas em paga do que enviara 13 caixas de açúcar.
Em Bordéus e Bayonne eram muitos os correspondentes, a quem comprava sobretudo fazendas e vendia açúcares e tabaco. Na Índia não sabemos bem que tipo de negócios teria mas sabemos que ali o seu correspondente era André Lopes. E sabemos que, antes de ser preso, Gonçalo remetera para aquelas partes avultadas mercadorias, que seguiam em duas naus, debaixo da responsabilidade do capitão-mor Bartolomeu de Vasconcelos, “por conta de João Rodrigues Nunes, de Amesterdão, a quem se deve fazer bom retorno, trazendo-o Nosso Senhor em paz”.
Em Livorno os contratava sobretudo com Gabriel de Medina, em Amesterdão, o dito João Nunes Henriques e em Hamburgo o seu irmão António da Fonseca.
Terminamos descrevendo uma pequena operação comercial que estava em andamento. Aconteceu que um Domingos Carvalho entregou a Gonçalo um escravo negro para que o vendesse, mas fora do reino. Então ele mandou vendê-lo na ilha da Madeira. O dinheiro recebido devia ser empregue em vinho, que se remeteria para Angola… certamente esperava com o lucro da operação comprar mais escravos para vender no Brasil e comprar açúcar…
 
 
Notas:
 
1 - ANTT, inq. de Coimbra, pº 622, de João da Fonseca; pº 7054, de Gonçalo Lobo Guedes; pº 7398, de Maria Guedes.
2 - “Tendo chegado o seu irmão naquele dia do reino de França, disse que dava graças a Deus, que fora com os olhos fechados e os trazia abertos com o conhecimento da verdadeira lei que lha ensinara João Nunes Henriques, natural de Linhares e ao presente na Holanda” – ANTT, inq. Lisboa, pº 10465, de Gonçalo Lobo Guedes.
3 - Brites Mendes, mulher de António Fonseca Guedes era filha de Simão Rodrigues Nobre, advogado e prima de Luísa Mendes, futura mulher de Gonçalo Lobo Guedes.
4 - Fernão Mendes da Costa, que depois fugiu para Inglaterra, era casado com Branca Rodrigues, queimada pela inquisição em 1666, irmã da futura mulher de Gonçalo, Luísa Mendes e ambas primas de Brites Mendes, mulher de António Fonseca.
5 - ANTT, inq. Coimbra, pº 5456, de Branca Mesquita; pº 503, de António Mendes Leão.

 

NÓS, TRASMONTANOS, SEFARDITAS E MARRANOS - Manuel Fernandes Vila Real (1608 – 1652, Relaxado)

Como o sobrenome sugere, trata-se de uma família Trasmontana de Vila Real. E a história desta família na inquisição já nesse tempo era muito grande. Acaso, seria o ambiente de insegurança e medo que em Vila Real se vivia, que levou seus pais, Francisco Fernandes Vila Real e Violante Dias, a rumar a Lisboa, estabelecendo morada e loja na Fancaria de Cima. Depressa expandiu os seus negócios, de modo a mudar-se para a Rua das Mudas. E logo ascendeu à categoria de contratador, arrematando as rendas do Priorado do Crato.
Em Lisboa, no ano de 1608, nasceria Manuel Fernandes Vila Real. Teria uma educação esmerada, à maneira da gente da nobreza, pois aos 14 anos foi com o governador D. Jorge de Mascarenhas, em serviço de armas, para a praça de Tânger. Regressou a Lisboa, dois anos e meio depois, ostentando o honroso título de “capitão”, que muitas portas lhe abriria.
De regresso a Portugal, contando 17 anos, andou pelo Alentejo na cobrança das rendas que o pai arrematara. Seguiram-se dois anos no ofício de corretor dos “reales” da câmara de Lisboa e três ao serviço da mesma câmara na região de Coimbra, empenhado na compra de cereais que eram carregados em “barcos e caravelas” para a capital, onde escasseavam.
Casaria então com sua parente, em 4º grau, Isabel Dias, que em pequena se foi de T. Montes a viver em Lisboa. A mãe de V. Real terá falecido por 1619 e o pai ainda era vivo em 1627, altura em que pagou a fiança por Violante Dias e Leonor do Vale na mesa da inquisição.
Por essa altura iniciou a sua aventura pelo mundo das letras, publicando em 1637, em Madrid, o primeiro livro: El Color Verde, a la divina Celia.
Em Castela, andou por Madrid, Sevilha e Málaga, interessando-se particularmente pela navegação marítima e projetando a aquisição de um barco. Com esse espírito dirigiu-se para a Ruão, cidade portuária próxima da foz do rio Sena, onde estavam estabelecidos dois sobrinhos seus, filhos de sua irmã Branca Dias, e seu marido Luís Fernandes. Efetivamente, em parceria com seus cunhados (de Ruão e do Porto) comprou um barco que mandou alterar “acrescentando-lhe 20 palmos de quilha.” Certamente que os seus negócios passavam pela rede familiar, estendendo-se do Brasil, ao Porto, (1) a Lisboa e a Ruão.
Aproveitamos para dizer que Manuel Fernandes tinha dois irmãos e cinco irmãs. Um dos irmãos, Pantaleão Martins, foi para o Brasil, sítio do Cabo de Santo Agostinho e o outro, chamado Gonçalo Dias, tinha loja de mercearia na Rua Nova, em Lisboa. Das irmãs, referimos a Isabel Henriques, que era casada com António Rodrigues Mogadouro, grande mercador estabelecido na Rua das Mudas.
Em Ruão, o nosso biografado continuou exercitando a sua vida de escritor e meteu-se pelos caminhos da edição, impressão, tradução e venda de livros. (2) Assim o vemos traduzir do italiano e publicar, em 1639, logo depois de chegar a Ruão, um livro de Malvezzi, intitulado A Vida do Conde Duque de Olivares.
Dois anos depois publicou os seus Discursos Políticos, onde sobreleva a defesa da liberdade de consciência. No ano de 1643, na sequência da batalha de Rocroi, em que ele atuou como “consul” do rei de Portugal na libertação de prisioneiros lusos, escreveu o Anti-Caramuel em defesa do Manifesto do Reino de Portugal. Seguiu-se, em 1645, a edição da Década XII, de Diogo Couto.
Entretanto, a mulher e a filha, que ficaram em Lisboa, foram juntar-se-lhe em Ruão, munidas de passaporte do rei D. João IV. Ele, porém, passava a maior parte do tempo em Paris, em atividade diplomática, ao serviço do rei de Portugal. Ganhou a confiança do poderoso chefe do governo de França, o cardeal duque de Richelieu e sobre ele escreveu o seu livro mais famoso: Epítome Genealógico do Eminentíssimo Cardeal Duque de Richelieu e Discursos Políticos sobre Algumas Acções da Sua Vida. (3) Aliás, terá sido ele que, no Natal de 1640, levou pessoalmente e em primeira mão a Richelieu a notícia da revolução portuguesa, solicitando o apoio da França ao novo regime.
Ao início de abril de 1649, Manuel Fernandes Vila Real recebeu uma importante missão do rei D. João IV: acompanhar e prestar todo o apoio na Corte de Paris ao marquês de Nisa que ali foi na qualidade de embaixador. Não era esta, aliás, a primeira vez que Manuel Fernandes recebia e acompanhava os embaixadores portugueses no acesso aos corredores do poder em França. Desta vez, porém, o Marquês levava por secretário, Francisco de Santo Agostinho de Macedo, um frade muito ambicioso, “seu inimigo e concorrente literário” (palavras de Borges Coelho) e por confessor o franciscano António de Serpa.
Vila Real tinha prestado imensos serviços a Portugal e foi então convidado a regressar ao reino, onde seria agraciado por Sua Alteza Real. Desembarcaram em Lisboa a 30 de abril e na bagagem Manuel Fernandes trazia uns 500 livros. Foi vistoriada pelos homens da inquisição que encontraram uns 30 livros proibidos pelo seu índex. E esta foi uma primeira prova para decretarem a sua prisão. Outras haveriam de aparecer.
Entretanto, o nosso biografado ficou instalado na Rua das Mudas onde as casas de morada e de comércio da família se impunham. Certamente que os esbirros da inquisição o mantinham debaixo de vigilância constante. Meio ano depois, em 30.10.1649, Manuel Fernandes Vila Real era recolhido nos cárceres secretos da inquisição de Lisboa. (4)
Para além dos livros proibidos que lhe apreenderam na bagagem, os “mestres” e “qualificadores” do santo ofício esquadrinharam os escritos de Vila Real e neles encontraram “proposições que foram censuradas e mandadas riscar”, nomeadamente no Político Cristianíssimo… editado, aliás, sem visto prévio da autoridade censória.
Sobreveio o testemunho de frei António de Serpa dizendo que sempre o teve por judeu. Mais incisivas foram ainda as denúncias feitas por frei Agostinho de Macedo dizendo que Manuel Vila Real levava propositadamente a mulher para Ruão (5) para ali celebrar a páscoa dos judeus e que ele recebia e vendia livros compostos por hereges, indicando especialmente António Gomes Henriques, (6) “morador em Ruão, grande amigo de Vila Real”. Acrescentou Macedo que “ele se jactava de ser israelita e da tribo de Levi e que profetizava, por ter sangue de profeta”.
A ligação de Manuel Fernandes ao “escritor pícaro” António Gomes Henriques foi confirmada por João de Águila, um cristão-novo que aos 9 anos foi para Amesterdão, onde se circuncidou e viveu como judeu até aos 20 anos, altura em que se apresentou na inquisição de Lisboa a renegar a fé judaica e pedir o batismo, denunciando quantidade de antigos correligionários.
Dramático o processo de Manuel Fernandes, homem que tantos serviços prestou à Pátria. Abandonado pelo próprio Rei que, em outros tempos, o tratava como “cavaleiro fidalgo da minha casa”, Vila Real acabou queimado nas fogueiras do grandioso auto de fé do 1º de dezembro de 1652, especialmente preparado para celebrar o 12º aniversário da Revolução.
Notas:
1-No Porto eram correspondentes António Rodrigues de Morais, seu cunhado, falecido em 1640 e o irmão deste, Manuel Fernandes de Morais.
2-António Borges Coelho, referindo-se ao Mercúrio de Portugal, gazeta por ele editada em França, considera-o um dos primeiros jornalistas portugueses.
3- O livro foi composto e impresso pelo próprio em Ruão, sem indicação do autor, em língua castelhana e indicando Pamplona como local de impressão. Logo de seguida foram feitas publicações em italiano, francês e alemão. Ficou mais conhecido pelo título da edição francesa: O Político Cristianíssimo… A primeira edição em língua portuguesa aconteceu 364 anos depois, graças ao insigne historiador da questão “judaica, marrana e sefardita” o trasmontano António Borges Coelho, com chancela da Editorial Caminho, Lisboa, 2008.
4-ANTT, inq. Lisboa, pº 7794, de Manuel Fernandes Vila Real.
5-ROTH, Cecil – Les Marranes à Rouen, in: Révue des Études Juives, p. 134: - Parmi les accusations qui furent cause de sa mort, il en est une que dirigea contre lui Fra Francisco de Santo Agostinho, celle d´avoir accoutumé de rejoindre sa femme à Rouen chaque année pour célébrer Pàque ensemble.
A respeito de sua mulher deve dizer-se que abandonou a França e se foi para Itália com a filha, quando o marido foi preso. E temos notícia de um filho, chamado José Vila Real que, em 1670 recebeu autorização do “Rei Sol” para se estabelecer em Marselha, juntamente com seu cunhado Abrão Athias e suas famílias. E eles criariam a maior empresa comercial da cidade. Por 1695 José Vila Real era professor de Grego na dita cidade, autor do livro “A Escada de Jacob”– LÉVY, Lionel – La communauté juive de Livourne.
6-ANDRADEe GUIMARÃES – Na Rota dos Judeus Celorico da Beira, ed. câmara municipal, Celorico da Beira, 2015,pp. 91-95.

Bibliografia:
ALMEIDA, A. A. Marques de – Dicionário Histórico dos Sefarditas Portugueses. Mercadores e gente de Trato, Campo da Comunicação, lisboa, 2009.
COELHO, António Borges – Cristãos-Novos Judeus e os Novos Argonautas, ed. Caminho, pp. 151 – 171, Lisboa, 1998.
SILVA, Inocêncio F. da – Declaração que faço eu Manuel Fernandes Vila Real, cristão-novo, preso neste cárcere do Santo Ofício, in: Dicionário Bibliográfico Português, Lisboa, Imprensa Nacional Casa da Moeda, 1973, tomo XVI, p. 190.
VILA REAL, Manuel Fernandes – Epítome Genealógico do Eminentíssimo Cardeal Duque de RIchelieu e Discursos Políticos sobre Algumas Acções da Sua Vida. Edição de António Borges Coelho, Editorial Caminho, Lisboa, 2005.

NÓS, TRASMONTANOS, SEFARDITAS E MARRANOS - Diogo Fernandes Pato (Vila Real, 1567 – Coimbra, 1620)

Por 1620, na comunidade hebreia de Vila Real, destacava-se um grupo de médicos, advogados e grandes mercadores, ligados por laços familiares: Branca Dias, casada com Manuel Capadoce era irmã do advogado Manuel Dias Catela, pai do médico João Rodrigues Espinosa e de Joana Dias, mãe do advogado Diogo Fernandes Pato e este era irmão de outra Branca Dias, avó materna do diplomata Manuel Fernandes Vila Real.
Diogo Fernandes Pato, o nosso biografado, nasceu em Vila  Real, por 1567, sendo filho de Joana Dias e Pedro Fernandes, o Pato, de alcunha. Aos 15 anos, Diogo rumou a Salamanca, em cuja universidade se matriculou em 1582. Por uma década aparece o seu nome nos livros de matrícula da universidade, estudando Gramática e Leis e saindo advogado em 1592. (1)
Do lado paterno, Diogo teve uma tia, chamada Joana Fernandes, que casou e morou em Vila Real, e foi presa pela inquisição, em 1569 e 1589. (2) E certamente foi por causa disso que os seus filhos e netos abandonaram a terra e foram viver para a Galiza.
Do lado materno falou-se já do tio Manuel Dias Catela e da tia Branca Dias, casada com Manuel Dias Capadoce. Dos filhos destes, vem ao caso referir um Francisco Lopes Capadoce, casado com Helena Rodrigues e uma Violante Dias que casou com Francisco do Vale. Isto porque, em Março de 1518, falecendo a mulher de Francisco Lopes Capadoce, a amortalharam com “uma camisa nova de pano de linho que nunca servira e no mantéu e punhos tinha pontas de renda (…) uma touca boa e formosa (…) e um gibão de canequim e uma coifa e uma fita” e a embrulharam em “um lençol de pano de linho fino de quatro tramos e que não havia servido”…
Na execução desta e de outras cerimónias de amortalhar e prantear a defunta, notou-se a participação de Violante Dias, irmã de Francisco e uma filha desta chamada Leonor do Vale. Aliás, já um ano atrás se fez notado o papel de Violante no amortalhar de um menino de 6 ou 7, como contou uma cristã-velha, dizendo:
- Em uma peça de pano de linho novo e se cortou uma camisa muito comprida, com umas mangas muito compridas que pareciam de roupão (…) e logo se coseu a dita camisa (…) e dizendo ela denunciante à dita Violante Dias para que eram as mangas tão compridas, que seria bom cortar metade delas, que ainda ficavam mangas bastantes; ao que Violante Dias disse que não, que era o dote de menino; mostrando-se muito colérica contra ela denunciante; e logo na dita tarde morreu o menino e o amortalhou a dita Violante Dias na dita camisa nova e em um lençol grande e ela estranhou porque sabia que o dito menino tinha camisas novas e muito boas. (3)
Em Março de 1620, o inquisidor Sebastião Matos Noronha visitou Vila Real e estas e outras cerimónias e comportamentos judaicos foram-lhe denunciados, seguindo-se uma vaga de prisões. Francisco Lopes Capadoce, que ficara viúvo de Helena Rodrigues, não foi preso porque, entretanto fugiu para a Galiza. Violante Dias e a filha foram presas e os seus processos revelem uma atroz crueldade. A filha saiu cega da prisão. E Violante ficou “com chagas no corpo e entrevada e com sinal de lhe ter dado o ar, e em razão de uma enfermidade oculta provável, que por honestidade se não podia ver, e é certo que há muito tempo está desta maneira no dito cárcere, impossibilitada (…) de sair em auto, salvo se a levar em uma cadeira, sem a dita se levantar, e no cárcere se não pode curar, antes ali se acabará de consumir”.
Este foi o testemunho deixado pelos médicos da inquisição, que a observaram, confirmando, aliás, a informação dada pelo alcaide dos cárceres dizendo:
- Depois que veio para estes cárceres está chagada e com muita enfermidade, que faz asco dizer…
Acabaram os inquisidores por deixá-la sair, com fiança abonada para pagar as despesas de alimentação e custas da cadeia, fiança dada pelo mercador Francisco Fernandes Vila Real, pai do citado Manuel Fernandes.
Voltemos à visitação do inquisidor Noronha a Vila Real, em março de 1620. Perante ele apareceu um carpinteiro dizendo que, 10 anos atrás, fez uma obra de carpintaria em casa de Diogo Fernandes Pato. E nesses dias morreu lá em casa, uma cunhada do advogado, irmã de sua mulher, chamada Beatriz Dias, que com eles vivia, estando o marido, Gonçalo Dias Pato, emigrado na Galiza. E então, acrescentou o carpinteiro, notou que por espaço de 15 dias, naquela casa se não cozinhou senão peixe. E ele perguntou a uma criada porque ali se comia só peixe, respondendo esta que os amos não permitiam que se comesse carne por respeito da morte da dita cunhada. O carpinteiro contou ainda que em seguida à morte da mesma Beatriz, a mulher do advogado mandou lançar fora toda a água que havia nos cântaros.
Leonor Lopes, cristã-velha, apareceu também a testemunhar perante o inquisidor, dizendo:
- Havia 10 anos que, morrendo Beatriz Dias, cristã-nova (…) viu ela denunciante que a dita defunta foi enterrada em uma cova virgem no adro de S. Pedro, junto ao monturo, do que houve geral escândalo nesta vila (…) porque sendo a dita defunta rica se não enterrou dentro da dita igreja ou no mosteiro de S. Francisco, onde era fama pública nesta vila que os frades do mosteiro lhe ofereceram sepultura. E também foi pública voz e fama, no dito tempo, nesta vila, que por ordem do dito Diogo Fernandes Pato, foi a dita sua cunhada enterrada na dita sepultura virgem. (4)
A história foi confirmada pelo coveiro que acrescentou pormenores, dizendo que primeiro o mandaram abrir a cova no claustro de S. Francisco, o que ele fez. E que estando a cova aberta, recebeu ordens para a tapar e abrir outra “no adro da freguesia de S. Pedro, no meio de um caminho, em uma cova virgem, lugar onde se não costumava enterrar pessoas. E não quiseram que se enterrasse na cova que estava aberta no dito mosteiro, por não ir a dita defunta vestida com hábito de S. Francisco (como os frades exigiam), senão no lençol novo, como ela foi”.
Obviamente que a responsabilidade de tudo foi imputada ao advogado Diogo Fernandes, preso ao início de abril e que acabou por morrer 8 meses depois, em 9.12.1620, nos cárceres da inquisição de Coimbra.
Diogo morreu, mas o processo não parou e a sentença foi dada 18 anos depois, em 31.10.1638!!! E foi do teor seguinte:
-…Não sendo a prova bastante para condenação, o absolvem (…) e declaram que aos seus ossos se pode dar sepultura eclesiástica e fazer-se por sua alma sufrágios da igreja (…) os bens que lhe foram sequestrados, tiradas as custas dos autos, sejam restituídos a seus herdeiros.
Humor negro, certamente. Pois, onde estariam os bens, 18 anos depois?! E os herdeiros? Obviamente que tinham abandonado a terra que lhe foi madrasta e tinham ido dar vida a outros chãos. Dos 6 filhos que tinha, referência para o Luís Fernandes. Contava uns 4 anos quando o pai foi preso e ele foi levado para a Galiza onde vivia a maior parte da família. Em 1641 casou com Ana de Miranda Ayala, que morreu 3 anos depois. Casou segunda vez, em 1651 com uma filha de Francisco Lopes Capadoce, recebendo o fabuloso dote de 8 mil ducados de prata. A sua morada era então na cidade de Sevilha e o seu trato era a cobrança dos impostos das salinas da Andaluzia, que arrematou na Corte de Madrid. A propósito, diremos que na Espanha de então este sector de atividade era dominado pelo nosso advogado e pelo Fernando Montesinos, originário de Vila Flor.
Mas, os sonhos de Luís eram ainda maiores e, em 1657, liquidou o negócio do sal e foi a Madrid onde arrematou a “alcabala dos 3% de Córdoba”. Em 1663, porém, depois da sua mulher, sogro
e outros membros da família, o poderoso “hombre de negócios” Luís Fernandes Pato, foi preso pela inquisição de Castela. Ao cabo de 7 anos de cativeiro saiu absolvido! Tinha 54 anos.
Uma nota final: Os processos referenciados são deveras interessantes para o estudo do desenvolvimento urbano da cidade de Vila Real e moradas da gente cristã-nova.
Notas e Bibliografia:
1-DIOS, Angel Marcos de – Índice dos Portugueses en la Universidad de Salamanca, jn: Brigantia, vol. XII, nº 3, 1992.
2-ANTT, inq. Coimbra, pº 3705, de Joana Fernandes.
3-ANTT, inq. Lisboa, pº 6074, de Violante Dias.
4-ANTT, inq. Coimbra, pº 7374, de Diogo Fernandes Pato.
5-Francisco Lopes Capa doce nasceu em Vila Real em 1600 e morreu em Toledo em 16.12.1665.
ALMEIDA, A. A. Marques de – Dicionário dos sefarditas Portugueses Mercadores e Gente de Trato, Campo da Comunicação, Lisboa, 2009.
SCHREIBER, Marcus – Marranen in Madrid,  1600 – 1670, Stuttgart, Franz Steiner Verlag, 1904,  pp.  88- 95.

NÓS, TRASMONTANOS, SEFARDITAS E MARRANOS - João Rodrigues Espinosa (n. V. Real, 1553)

Nasceu em Vila Real por 1553, sendo filho de Manuel Dias Catela, (1) advogado e de Esmeralda Rodrigues, de S. João da Pesqueira. Em Vila Real terá feito os primeiros estudos, de modo que, aos 12 anos foi enviado para a cidade de Braga a aprender Latim. Seguiu depois para Salamanca a estudar artes e medicina. (2)
Concluída a formatura, residiu 3 ou 4 anos no reino de Leão, na localidade de Vila Franca. E terá exercido o cargo de “médico do partido” em uma vila da Galiza, onde terá sido contactado para casar com uma filha de Lopo Dias, de uma poderosa família cristã-nova do Porto, o que ele recusaria.
Viria casar no Porto, sim, com Branca Cardoso, filha de Manuel Fernandes Videira e Beatriz Cardosa (Baeça), sendo portanto, cunhado de António Videira e Afonso Cardoso. O casal começou por dividir a morada entre Vila Real e Fontelonga, terra de Ansiães, assentando finalmente no Porto. Aí o vamos encontrar, em agosto de 1614, assinando um contrato com 16 chefes de família que se comprometem a pagar mil réis cada ano e “ele se obriga a curar nossas casas, filhos e famílias e criados, de todas as enfermidades tocantes à medicina que sucederem em nossas casas…”
A medicina, porém, não era a sua exclusiva e principal atividade. Antes seria o comércio e a cobrança de impostos. Assim o vemos a arrematar a cobrança de rendas em terras de Ansiães e na aldeia de Fontelonga estaria pelo ano de 1592, data em que nasceu o filho mais velho, ali batizado com o nome de Manuel Dias. O crisma recebeu-o em Vila Real e, por 1612, já a família viveria no Porto.
Para além de rendeiro, o nosso médico era mercador, um mercador de grosso, que recebia fazendas do estrangeiro e para ali remetia açúcares que mandava comprar no Brasil. E assim, em fevereiro de 1613, mandou o seu filho mais velho, então de 21 anos, com um carregamento de fazendas e ordem para empregar o produto da venda na compra de caixas de açúcar.
Corria o ano de 1614 e andava o Manuel pela cidade de S. Salvador da Baía, com “o trato e maneio e negociação, assim de seu pai como de outras pessoas”, quando ali chegou o seu irmão Gonçalo, de uns 13 anos, para o ajudar no negócio e fazer o seu “estágio profissional”.
Em 1615, tendo os negócios arrumados, Manuel regressou ao Porto, deixando na Baía o irmão Gonçalo, em casa do seu amigo Simão Mendes, que tinha um armazém junto à praia, armazém que alugava aos mercadores para depósito e local de venda de caixas de açúcar, junto ao cais de embarque. Nesse armazém ficava muitas vezes o jovem Gonçalo. E desaparecendo duas caixas de açúcar, Simão culpou-o de ser conivente no roubo, não revelando o autor do furto. Ou seria o Simão que as fez desaparecer, culpando o miúdo e outros, para se desculpar perante os donos? A insinuação foi feita anos depois por Manuel Dias, acrescentando que Simão Mendes “era um velhaco que furtara dinheiro das caixas aos donos delas (…) costumado a vender as caixas que tem em seu poder por uns preços e dar a seus donos outros menos, dizendo que não vendera por mais”.
Facto é que o miúdo regressou ao Porto e à casa paterna logo no ano seguinte. E agora aproveitamos para dizer que o Dr. João Espinosa tinha mais 4 filhos e 2 filhas, todos solteiros. Um dos filhos, o António, era advogado e outro, o Diogo, andava a estudar medicina na universidade de Coimbra.
No mês de julho de 1617, Manuel e Gonçalo voltaram a embarcar para a Baía com nova remessa de fazendas e encomendas de açúcar. Meses depois, a cidade do Porto foi varrida por um vendaval de prisões lançado pela inquisição. E foram dezenas e dezenas de grandes mercadores, num verdadeiro arraso da burguesia Portuense.
E depois de ver prender umas 40 pessoas, muitas delas das suas relações sociais e comerciais, o Dr. João Rodrigues Espinosa meteu-se a caminho da Galiza, acompanhado do seu filho António, de “um seu negrinho e um almocreve castelhano”. No seu encalço seguiu um familiar do santo ofício, chamado Sebastião Pacheco, que acabou por alcançá-lo e prendê-lo à entrada de Baiona, uma localidade da Galiza. Levado para a cadeia da inquisição de Coimbra, (3) o médico diria que viajava para Santiago de Compostela. Certamente que os inquisidores não aceitavam a explicação, antes se convenciam de que ele ia fugido para não ser preso.
Mas isso pouco importava. Mais cedo ou mais tarde, ele acabaria por confessar. Importante era o sequestro dos bens, neles incluindo “mercadorias e encomendas para o Brasil e outras partes e eram de grandes quantias”.
E então foi dada ordem para o Fisco da cidade da Baía, sequestrar o dinheiro e mercadorias que estavam com seu filho Manuel, pois ele era filho-família e tudo pertencia a seu pai. Possivelmente haveria mercadorias contratadas e outras vendidas e por pagar e o processo de confisco não seria fácil…
Obviamente que Manuel andava revoltado e soltava alguns desabafos com pessoas amigas, e de confiança. Pensaria ele que o eram. Como um tal Domingos Fernandes, mestre do navio Nª Sª do Rosário, que antes o transportara e então acostou à Baía e lhe foi “dar os pêsames” pela prisão do pai. Manuel deixou então cair o seguinte comentário:
- Disse que muitos homens que saíam a queimar que morriam mártires, por quererem sustentar a sua honra e serem homens honrados e não quererem confessar e os que confessavam eram baixos e gente sem honra, e que por confessarem lhe perdoavam. (4)
Aconteceu então chegar à Baía o inquisidor Marcos Teixeira, em visitação. E perante ele logo apareceu o dito Domingos Fernandes a denunciar. E apareceram outros, nomeadamente um António Carvalho, natural de Vila Franca, junto a Bragança, feitor da alfândega de S. Salvador da Baía e um Manuel Fernandes que há 8 meses servia como criado a Manuel e Gonçalo Espinosa. E além daquele desabafo, outras afirmações lhe imputaram. Como esta:
- Disse que Sua Majestade devia ter alguma grande necessidade de dinheiro pois prendia todos os homens da nação.
E foi quanto bastou para o inquisidor Marcos Teixeira mandar prender Manuel Espinosa, em fevereiro de 1619. E o pior é que parece ter-se esquecido do prisioneiro, regressando ele ao Reino. E ao cabo de 2 anos, estando já em liberdade o seu pai e outros mercadores do Porto, o prisioneiro fez uma exposição para o conselho geral da inquisição, expondo o seu caso. E faltando a resposta, um ano depois, fez nova exposição. O conselho geral pediu explicações a Marcos Teixeira que disse lembrar-se de que, por culpas da visitação, por ser filho de outro prisioneiro e por “passar às partes do Brasil sem licença, o mandei pôr em custódia, por ele jurar não ter quem o fiasse, e como a custódia era larga, me pareceu que era de pouco prejuízo para o suplicante ficar nela…”
A cínica declaração de Marcos Teixeira tem data de 31.1.1622. E então, sim, começou a ser organizado o processo contra Manuel Dias Espinosa, que, em 30 abril seguinte, foi embarcado na Baía e em julho entregue na inquisição de Lisboa. Para além das culpas pessoais, os inquisidores acrescentaram uma outra:
- Além de que o réu é da cidade do Porto, terra tão infecionada e filho de João Rodrigues, que foi preso em Coimbra.
Foram mais 2 anos de calvário para Manuel Dias. Posto a tormento, ficou tão maltratado que tiveram de o curar. Saiu do auto da fé (de 5.5.1624) estropiado a ponto de nas escolas gerais ficar “enfermo de cama (…) e haver mister com brevidade de xaropes, purgas e suadouros que não pode tomar nestas escolas” – conforme relataram os médicos. Foi autorizado, por 2 meses, a ir para casa de uma pessoa amiga a curar-se. Ao fim daquele tempo e continuando enfermo, “os médicos lhe dizem que será bom ir convalescer a natureza”. Autorizaram-no a ir 4 meses para o Porto. Mas “trará sempre seu hábito penitencial”. E assim termina o seu processo, sem qualquer outro despacho.

Notas e Bibliografia:
1-Os outros filhos de Manuel e Esmeralda foram: Henrique Rodrigues Catela, casado e morador em Vila Real; Gonçalo da Mesquita, que foi casar e morar em Murça e Beatriz da Mesquita, casada em Vila Real com Gonçalo Lobo.
2-Nos livros de matrícula da universidade de Salamanca aparece um João Rodrigues de Vila Real, matriculado entre 1563 e 1569. Será o nosso biografado? Nesse caso terá nascido alguns anos antes da data referida, o que não será muito anormal.
3-ANTT, inq. Coimbra, pº 1328, de João Rodrigues Espinosa.
4-IDEM,inq. Lisboa, pº 3508, de Manuel Dias Espinosa.

NÓS, TRASMONTANOS, SEFARDITAS E MARRANOS - Diogo Henriques Cardoso (Porto, 1582 – Anvers 1641)

Domingos Henriques, mercador e rendeiro de Torre de Moncorvo, foi casar ao Porto com Isabel Cardoso Baeça (1) e tiveram 3 filhas e 2 filhos, um deles batizado com o nome de Diogo Henriques Cardoso, que nasceu por 1582.
Em Julho de 1604, Diogo embarcou na caravela Nª Sª da Boa Viagem para o Brasil, com o objetivo principal de negociar açúcar, um dos produtos que então animavam a economia europeia. Por 11 anos ali permaneceu, na região de Pernambuco, regressando ao Porto em Julho de 1615, na nau Nª Sª da Ajuda. Com ele, no Brasil, fez “estágio profissional” o seu irmão António Henriques Cardoso.
Chegou ao Porto doente e a doença agravar-se-ia no ano seguinte, a ponto que, durante 4 meses “esteve de cama sem se levantar, sangrando muitas vezes, sacramentado e ungido e já em artigo de morte, desconfiado dos médicos”. Curou-se por milagre – diria ele – milagre feito por uma toalha de Jesus que lhe trouxeram do mosteiro de S. Domingos, a seu pedido, feito com muita “devoção e fé”.
Antes, porém, soube que a irmã Branca Cardoso estava de casamento contratado com um Pero Henriques, de Viana do Castelo. Para acertar os pormenores dirigiu-se àquela cidade do Minho, acompanhado de Gaspar Cardoso de Pena, (2) seu cunhado, marido da irmã Beatriz Henriques. Aí, Pero Henriques apresentou-lhe a irmã Filipa da Costa e propôs que Diogo casasse com ela. Este recusou e Pero Henriques rompeu o acordo de casamento com Branca. Esta viria depois a casar com Álvaro Vaz Nogueira, mercador no Porto, avô materno de sua futura mulher.
E não era apenas o casamento de sua irmã Branca que esperava o regresso de Diogo do Brasil. Também a outra irmã, Catarina Cardoso, estava de casamento contratado com João Luís Gomes, mercador, emigrado em Sevilha. (3) E coube a Diogo levar a irmã para ser “recebida” pelo marido. Demorou-se nesta diligência uns dois meses, regressando em Janeiro de 1618.
Neste mesmo ano, Diogo Henriques viu-se metido em um terceiro contrato nupcial, desta vez em Torre de Moncorvo, onde ele próprio foi casar com Catarina Henriques, filha de Vasco Pires Isidro, um grande mercador com trato e casa comercial repartida entre a Torre de Moncorvo, o Porto e Madrid. (4)
O casal fixou residência no Porto (5) e, em setembro desse mesmo ano, estando casados há 4 meses, Diogo Henriques foi preso pela inquisição de Coimbra. No seu processo não consta o mandato de prisão, mas uma nota dizendo: (6)
- Este réu foi preso por uma lista geral, como consta de uma certidão (…) acostada ao processo de Miguel Pais, de Coimbra.
Imagine-se: o trabalho dos escrivães da inquisição era tanto que nem transcreviam o mandado de prisão para o processo! E nem sequer algumas culpas, conforme o registo seguinte:
- As testemunhas abaixo nomeadas disseram deste réu (…) e não se trasladaram aqui: Filipa da Costa, Pantaleão da Silva, João de Leão e Lourenço Gomes.
Mais ainda, uma terceira prova de que as prisões inquisitoriais se encontravam atulhadas: Diogo foi metido numa cela em companhia de Manuel Rodrigues Isidro, tio de sua mulher, assim contrariando todas as regras do regimento da inquisição.
Um companheiro de cela foi “bufar” aos inquisidores a familiaridade e as conversas deles, pelo que logo os separaram e “despacharam” Diogo Henriques Cardoso para a inquisição de Lisboa onde começou por negar todas as acusações de judaísmo e tentar provar que era muito bom cristão, posição que manteve durante quase 3 anos. Para isso apresentou uma infinidade de contraditas, as quais constituem um colorido retrato da sociedade mercantil do Porto naquela época. Vejamos apenas uma delas, referente ao médico Lopo Dias da Cunha e seus filhos.
Estes tinham arrendado o contrato dos 3%, ou seja o imposto pago pelas mercadorias transportadas nos barcos que atracassem no Porto. Era uma fantástica fonte de receita, pagando eles 9 contos e 600 mil réis cada ano, com um lucro estimado de 6 contos/ano. Preterido no negócio e considerando-se “homem muito poderoso”, Diogo Henriques formou uma companhia com dois sócios e arrendou contrato semelhante no porto de Vila do Conde, para onde fazia desviar muitos barcos que, de outro modo, aportariam em Matosinhos. Obviamente que isso provocou inimizades com Lopo da Cunha, filhos e outros familiares, os quais, vendo-se presos na inquisição, o denunciariam por ódio e não por amor à verdade.
Claro que não era fácil enganar a “justiça divina” e, ao fim de quase 3 anos, Diogo Henriques acabou por confessar que fora judeu e estava arrependido, pedindo misericórdia. Contou que fora catequizado uns 14 anos atrás, no Brasil, por um Pero Henriques, irmão de seu pai. De seguida denunciou umas 50 pessoas que com ele se tinham declarado seguidores da lei de Moisés e feito cerimónias judaicas. Vejamos apenas uma dessas denúncias:
Disse que, haverá 6 anos e meio, em casa de Francisco de Cáceres se juntaram com eles António da Fonseca, Marco de Góis de Morais, Simão Rodrigues Lima, Fernão Gomes Mendes, Gaspar Mendes, Rodrigo Fróis e Rodrigo Fernandes “para fazerem uma companhia para assegurarem mercadorias para o Brasil e assentando-a, disse um deles que se ganhassem se desse no fim do ano 10% para o casamento de uma órfã da nação (…) e que esta fosse mulher que tivesse conhecimento de Deus, querendo dizer que fosse judia (…) pois a Misericórdia não entendia com elas, nem lhe dava nada”.
Impressionante esta iniciativa de mercadores portuenses: criar uma companhia de comércio e destinar 10% dos lucros para financiar o casamento de uma rapariga pobre, órfã, reconhecida pela sua crença judaica! Cruel para a Misericórdia do Porto a justificação! A iniciativa não resultou porque a companhia não deu lucros e se desfez ao cabo de um ano, com a vaga de prisões lançada pela inquisição.
Resta dizer que Diogo Henriques Cardoso foi penitenciado no auto de fé de 8.11.1621, contando 39 anos. Terá regressado ao Porto, certamente menos “poderoso” mas com indómita vontade de viver e trabalhar. E sentindo-se socialmente enxovalhado, obrigado a vestir o malfadado sambenito, pôs-se em fuga para a França. Vamos encontrá-lo a viver na cidade de Ruão em 1633, na lista de 36 mercadores denunciados às autoridades pelo padre Cisneros como judeus e residentes ilegais, juntamente com o seu cunhado, irmão de sua mulher, Francisco Lopes. Veja-se como ele foi apresentado por Cecil Roth:
- Diogo Henriques Cardoso était un marchand de haut rang dont les affaires furent considérables dans le commerce de Rouen à cette époque. (7)
Não vamos falar do processo desencadeado por Cisneros e que subiu às mais altas instâncias de França. Diremos tão só que Diogo Henriques abandonou a cidade e foi para a Flandres, estabelecendo-se em Anvers. Mas não deixaria de negociar açúcares em França, a partir de Ruão, açúcares enviados do Porto por seu tio André Rodrigues Isidro e outros mercadores Portuenses, que os recebiam do Brasil. Prova disso é a denúncia feita por Simão Lopes Manuel, um “traidor” de Ruão, comparsa de Cisneros, que em 26.11.1637 se apresentou na inquisição de Coimbra, dizendo:
- Ora veio a sua notícia que na cidade do Porto se estava carregando um navio para fazer viagem em direitura para a dita cidade de Ruão e que tem por certo ele denunciante que toda a fazenda que for no dito navio é para alguma das ditas pessoas acima nomeadas, que no Porto lhe carregam seus correspondentes, os quais são Manuel Fernandes de Morais, preso que foi nesta inquisição e reconciliado; André Rodrigues Isidro, cristão-novo e poderá também ser…
Era a “rede familiar de negócios” em pleno funcionamento. E certamente haveria de continuar depois da morte de Diogo Henriques Cardoso, acontecia em 1641, segundo informação de Cecil Roth.

Notas e Bibliografia:
1-Ambos foram prisioneiros da inquisição: ANTT, inq. Coimbra, pº 8658 e 4374, de Domingos Henriques; pº 2521, de Isabel Cardosa.
2-ANTT, inq. Coimbra, pº 8461, de Gaspar Cardoso de Pena, rendeiro, natural de Vila Franca, termo de Bragança. Sua mulher, Brites Henriques, faleceu em setembro de 1618, quando a inquisição prendeu o marido.
3-Porventura as funções de “chefe de família” eram assumidas por Diogo Cardoso, em razão de seu pai, ter sido antes processado pela inquisição.
4-Por essa altura Vasco Pires Isidro mudou a sua residência para Madrid, onde “tratava em muitos negócios de especiarias e roupas” e “arrecadava os juros de D. Francisca de Aragão e de seus filhos (…) de que lhe faz pagamento nessa Corte” – ANDRADE e GUIMARÃES, Os Isidros a epopeia de uma família de cristãos-novos de Torre de Moncorvo, ed. Lema d´Origem, Porto, 2012.
5-A casa de morada, sita ao Padrão de Belmonte seria propriedade do sogro, Vasco Isidro, e estava alugada a Álvaro Gomes Bravo, que dela foi então despejado, conforme contradita apresentada por Diogo.
6-ANTT, inq. Lisboa, pº 3080, de Diogo Henriques Cardoso.
7-ROTH, Cecil, Les Marranes à Rouen: un chapitre ignore de l´histoire des Juifs de France; ANDRADE e GUIMARÃES, A Traição de Ruão, in: Jornal Terra Quente, nº 212, de 2002-05-15 e 213, de 2002-06-01.
 

NÓS, TRASMONTANOS, SEFARDITAS E MARRANOS António Fernandes Videira (V. Flor, 1566 – 1624 Relaxado)

Em dois processos que lhe instauraram se diz que ele era natural de Vila Flor, mas ele próprio dizia ter nascido no Porto, pelo ano de 1566. Batizado com o nome de António Fernandes Videira, era filho de Manuel Fernandes Videira, de Torre de Moncorvo e de Beatriz Cardoso (Baeça), do Porto. (1) Nesta cidade passou uns 6 ou 7 anos de sua juventude, porventura iniciando-se na vida de tratante. Casou com Filipa Rodrigues, filha de Lançarote Rodrigues.
Em outubro de 1602, foi preso pela inquisição de Coimbra, em cujas celas passou 29 meses. Saiu depois de abjurar de seus erros, beneficiando do perdão geral de 1605. (2) Por Vila Flor terá continuado até ao fim da década, fazendo viagens de negócios por Espanha, nomeadamente por Madrid, Granada, Pego e Baeza. Daquelas partes trazia sedas, sobretudo, as quais vendia no reino. Veja-se um pequeno exemplo:
- Morando em Vila Flor, no ano de 1606, veio a Aveiro com uma carga de tafetás, veludos e outras sedas, as quais havia despachado na alfândega de Bragança e a meteu na dita alfândega da vila de Aveiro…
Mas a terra trasmontana seria já demasiado estreita para as ambições comerciais de António Videira e, por 1611, o casal estabeleceu morada na cidade do Porto, ao Padrão de Belmonte. O tratante de Vila Flor afirmava-se já como um grande mercador e logo tomaria também o título de rendeiro. E não eram umas quaisquer rendas que ele arrematava, mas de grossos cabedais, daquelas que exigiam mais de 4 contos de réis à cabeça, como eram as rendas da Chancelaria e as do peixe.
Também os horizontes, os parceiros e os produtos comerciais mudaram, acrescentando rotas marítimas com ligação ao Brasil, de onde recebia caixas de açúcares que depois vendia para Castela e países do Norte da Europa. Resumindo a sua atividade, uma testemunha diria que António Videira “cobrava o dinheiro das sisas e despachava barcos”.
No seio da endinheirada burguesia Portuense, Videira afirmava-se como empresário de sucesso, a avaliar pelas relações mantidas com membros das famílias Pina, Tovar, Cunha, Isidro, Preto, Vila Real, Espinosa… (3)
No ano de 1618 a cidade foi varrida por um furioso vendaval lançado pela inquisição. Mais de 100 grandes mercadores, ourives, banqueiros, rendeiros… a elite da burguesia portuense foi arrastada para as celas de Coimbra. A ponto de, contra as normas, António Videira ter ficado no mesmo cárcere de seu tio Domingos Henriques e de outro mercador do Porto, explicando os inquisidores:
-Por serem mais os presos daquela cidade que os aposentos dos cárceres, era forçoso que alguns estivessem juntos. (4)
E tão atulhados de papéis estavam os notários que, estando um ano e meio preso em Coimbra o nosso biografado, nenhum auto foi acrescentado ao seu processo. Apenas o inquisidor Barreto de Meneses escreveu umas notas no seu caderno, as quais foram depois transcritas para o processo organizado em Lisboa, explicando-se ali:
- Por serem muitos os presos e os notários mui ocupados…
Sim, que em Março de 1620, António Videira foi transferido para os Estaus onde todo o processo se desenrolou. A começar pelo inventário de seus bens, o qual tem um extraordinário interesse para o estudo do desenvolvimento urbanístico de Vila Flor onde ele tinha duas casas de dois sobrados, com quintal e um pedaço de tapado e mais uma casa térrea com um lagar na Rua que vai para a Fonte; outras casas sobradadas na Rua Nova, “com portas para ambas as ruas e saída sobre o muro do concelho”; tinha mais umas casas térreas na Rua da Portela e ao S. Martinho. Fora de Vila Flor, tinha uma casa servindo de tulha ou armazém em Foz Tua e uma casa sobradada em Braga, cidade onde tinha também o contrato da Chancelaria.
De propriedades agrícolas citamos a Quinta da Barquinha, com uns 7 hectares, um souto ao Arco, um olival e um tapado ao Vale de Maria Farinha e outro ao Grilo, que levava 50 alqueires de semeadura. Tinha mais umas herdades em Samões e umas oliveiras em Vilarelhos.
Obviamente que o grosso de seus dinheiros andava investido contratos, letras e demandas por dívidas, sendo o fidalgo Manuel de Sampaio um dos grandes devedores. Investimento maior no comércio, tendo em trânsito para o Brasil quantidade de fazendas, pregaria e ferragem, contra encomendas de açúcares em vários barcos, com os cabedais necessários entregues a vários mestres de navios, que nunca se devem meter os ovos todos no mesmo cesto.
Escusado será dizer que as denúncias de judaísmo choveram sobre ele. (5) De contrário, durante os quase 6 anos que esteve preso, Videira não denunciou ninguém, antes apresentou contraditas bem credíveis, como alguns juízes reconheceram na sentença. E quando constatou que não adiantava provar que era bom cristão nem as contraditas relevavam, ensaiou uma defesa eminentemente jurídica e teológica. Vejamos as suas próprias palavras:
- Sendo presas as ditas pessoas que ele réu aqui pôs expressas e declaradas (…) por culpas que delas havia, a justiça as obrigou a jurar (…) e lhes foi dado juramento se eram cristãs, disseram que sim, sendo falso (…) e cada uma delas, depois de terem jurado e ratificado nos ditos juramentos, confessou andar apartado da nossa santa fé católica e serem judeus havia anos, por onde ficaram perjuros, de modo que a seu testemunho se não deve dar fé.
Assim tratadas de perjuras todas as testemunhas, Videira, pôs em causa a seriedade de dois inquisidores de Coimbra. Um deles, chamado Gaspar Borges de Azevedo, tio afim do meirinho Diogo Monteiro, de Torre de Moncorvo a quem o seu irmão Diogo Fernandes dera bofetadas e espancara. O outro era Simão Barreto de Meneses, que o Videira acusava nos termos seguintes:
- Nas audiências e admoestações que fazia aos presos (…) lhes fazia tanto medo e ameaças e os tratava com tanto rigor nas palavras, que andavam assombrados (…) e o dito senhor Simão Barreto de Meneses ia todos os dias aos cárceres duas e três vezes, a qualquer hora do dia, e mandava açoitar na sua presença assim homens como mulheres (…) dizendo a cada uma delas primeiramente se queria confessar que os não açoitaria; e por dizerem que não tinham que confessar, os mandava açoitar até lhes correr sangue, dizendo em altas vozes que se ouviam pelo cárcere “dai, dai nesse cão, matai-o” (…) e tantos e tão cruéis castigos eram os que no dito cárcere se faziam por modo contínuo em homens e mulheres, que dizia publicamente o alcaide Simão Fernandes “eu não sei que vos faça, não vos posso valer, sou mandado, não tendes outro remédio senão confessar e sair daqui, que isso é o que quer o inquisidor” (…) e muitas pessoas, com muitas opressões e rigores e grandes crueldades que no dito cárcere se faziam de contínuo, diziam publicamente que por se livrarem de tal aperto, diziam tudo o que quisessem…
Onde se viu tão clara denúncia dos métodos da inquisição? Invocar o testemunho do alcaide dos cárceres contra o inquisidor?!
Finalmente, quando lhe leram a sentença tomada em Lisboa, na “junta dos senhores inquisidores e prelados”, António Fernandes Videira apresentou “embargos de nulidade e suspeição de retaliação” baseados no facto de um dos membros da “junta” ser o inquisidor Pero da Silva Sampaio, apresentando provas de que o pai e um irmão do dito inquisidor eram inimigos do réu e de sua família, havendo-se registado grandes brigas entre eles e muito especialmente com o seu sogro Lançarote Rodrigues.
Claro que nenhuma destas contraditas e suspeições foi aceite e António Fernandes Videira acabou queimado na fogueira do auto público da fé celebrado em Lisboa no dia 5 de maio de 1624. Para este horroroso final muito terá contribuído o testemunho de um padre seu companheiro de cárcere que dele disse:
- Todas as vezes que há ocasião de lhe falar em auto de fé, diz aos companheiros que não confessem porque mais vale morrer que confessar e que ele assim o há-de fazer (…) que não há-de confessar o que não fez, antes quer morrer mil mortes.

Notas e Bibliografia:
1-Manuel F. Videira e Beatriz Cardosa (1534-1600) terão residido no Porto, com morada estabelecida na Ferraria Nova, mudando-se para Fontelonga (Ansiães) fugindo à “peste grande” que grassou no Porto. Ali terão vivido por 15/16 anos, mudando-se depois para Torre de Moncorvo onde faleceram por volta de 1600.
2-ANTT, inq. Coimbra, pº 909, de António Fernandes Videira.
3-Branca Cardosa, irmã de António Videira, era casada com o médico António Rodrigues Espinosa, natural de Vila Real e morador no Porto.
4-ANTT, inq. Lisboa, pº 11260, de António Fernandes Videira.
5-O conjunto das denúncias contra Videira e as contraditas por este apresentadas permitem fazer um fantástico retrato da sociedade mercantil portuense da época, coisa que não caberá no âmbito deste trabalho.

NÓS, TRASMONTANOS, SEFARDITAS E MARRANOS - Afonso Cardoso (n. Porto, 1570)

Uma das primeiras famílias de judeus conversos vindos de Castela para o Porto foi a dos Baeça. Este nome seria exatamente tomado da sua terra de origem, Baeza, cidade espanhola da província de Jaen. Afonso Baeça foi um dos membros e terá vindo com os pais, bem criança ainda. Casou com Branca Cardoso, natural de Mesão Frio. (1)
O casal fixou-se na cidade do Porto, na Rua de Belmonte e vivia desafogadamente, do “trato e ofício das sedas”, com criados e criadas e numerosa prole. Isabel Cardoso, a filha mais nova e que viria a casar com Domingos Henriques, da Torre de Moncorvo, nasceu por 1557 e por essa altura faleceu Afonso Baeça.
Branca, a matriarca, viveria ainda por mais 37 anos e a sua casa ganhou “fama de rica”. Seria uma empresária de mão cheia, dirigindo uma unidade industrial de fiação de seda que “dava que fazer a 50 casas do Porto”. Em Julho de 1569 foi presa pela inquisição de Coimbra, onde purgou por 17 meses, dali saindo “sem poder mover os braços” por causa do tormento a que foi submetida.
Beatriz Cardosa era outra filha de Branca e era também casada com um homem de Torre de Moncorvo, chamado Manuel Fernandes Videira, rendeiro. Embora assistissem algumas temporadas no Porto, a residência do casal era dividida entre a Torre de Moncorvo e a aldeia de Fontelonga, em terras de Ansiães, em virtude do ofício de cobrador de rendas.
Na cidade do Porto, por 1570, nasceria um filho do casal a que deram o nome de Afonso Cardoso, o nosso biografado. E a entrada do jovem na vida ativa, seria a de ajudar o pai na cobrança das rendas. A grande maioria dessas rendas era paga em cereal que, a partir dos portos do Pocinho e de Foz Tua era conduzido para o Porto, conforme testemunho de dois almocreves que para eles trabalhavam na condução do mesmo cereal para os ditos portos.
Morando embora em Trás-os-Montes, Afonso Cardoso deslocar-se-ia com alguma frequência a Lisboa e Braga, para efeitos de arrematação das rendas e mais ainda ao Porto. E assim, alguns anos depois, o vemos feito já um “mercador de sobrado” e homem rico, arrematar a cobrança das “rendas das entradas do mar e correntes da terra” na cidade do Porto. Significa isto que a ele competia fiscalizar os produtos que entravam na cidade, vindos por mar ou por terra, e proceder à cobranças dos impostos, ou sisas, resultantes da comercialização de tais produtos.
Das estadias no Porto, resultou que Afonso Cardoso se meteu em relações amorosas com sua prima carnal Maria Cardosa, filha de sua tia materna, Catarina Lopes e seu marido João de Vilar, ourives de profissão. Maria ficou grávida e isso era uma questão extremamente humilhante para a família da moça e ofensiva dos costumes e da lei judaica. (2)
Afonso foi obrigado a casar e as relações com a família de sua mulher nunca seriam as melhores. Uma testemunha dirá que “depois de casado, não entrava em casa de Catarina Lopes e que só uma ou duas vezes, desde o tempo em que casara até ao tempo de sua prisão o vira entrar em casa da sogra, mas que saía sempre agastado”. Ele queixar-se-ia, inclusivamente, que a tia nunca lhe pagou o dote prometido pelo casamento, que foi celebrado em 10 de maio de 1593.
E se as relações com a tia e os cunhados eram tensas, muito mais ficariam depois da morte do sogro, João de Vilar, ocorrida uns dois anos mais tarde. As partilhas foram litigiosas e, a acrescentar os ódios, aconteceu um incidente envolvendo Afonso Cardoso e o seu cunhado Manuel de Vilar. Este negociara um pouco de seda. E aquele soube do negócio e foi sobre ele exigindo-lhe o pagamento da sisa. Aquele negou-se e… o resultado foi a instauração de um processo perante o juiz.
Casado à força, Afonso Cardoso não se daria muito bem com a mulher, a acreditar nas suas palavras: “tanto que ele réu não comia coisa que sua mulher fizesse, nem que viesse de casa de sua sogra”. Isso mesmo foi confirmado por várias testemunhas, uma das quais contou que “depois de casado o réu teve muitas diferenças com sua mulher e ele viu uma vez a dita mulher do réu sair ferrada na testa e o réu arranhado no rosto”. (3)
Possivelmente as desavenças foram por ele acentuadas perante os inquisidores, na tentativa de provar que as denúncias de seus cunhados eram ditadas pelo ódio. Sim que todos eles foram presos pela inquisição e todos eles confessaram que se tinham declarado com ele e com a mulher como seguidores da lei de Moisés.
Para além dos cunhados, outras pessoas o denunciaram. Foi o caso de um confeiteiro da cidade chamado Simão de Sousa que, estando no tormento, disse:
- Em outra ocasião estando ambos ao Cais da dita cidade, a propósito de ser siseiro e de virem certas naus de Flandres e dizerem um para o outro que aquelas naus vinham de boa terra onde todos viviam à sua vontade e na lei de Moisés se declararam…
A cena haveria de ser confirmada pelo próprio, nos seguintes termos:
- Estando com o sobredito e com Álvaro Gomes, cristão-novo, confeiteiro, cunhado de Simão de Sousa, entre práticas os sobreditos disseram que estavam determinados a irem para as partes da Flandres para lá viverem mais à vontade.
Mas esta confissão foi feita em novembro de 1599, quando lhe disseram que estava condenado à morte, 2 anos e 2 meses depois de ser preso, durante os quais se manteve negativo e apresentou muitas contraditas. Como esta, bem significativa do seu modo de vida:
- Nos anos de 89 e 90 andou ele réu em Trás-os-Montes, no concelho de Freixiel, arrecadando as rendas de Luís Álvares de Távora, bailio, de mandado de seu pai, no concelho de Vila Flor e Torre de Moncorvo, das muitas rendas que seu pai tinha, razão pela qual não veio ao Porto nos ditos tempos. E no ano de 90 esteve em Torre de Moncorvo doente de cama 4 meses e não veio ao Porto nesse ano. E no dia de Santiago esteve a meter a sua irmã freira no mosteiro de Monchique. (4)
A propósito da prisão de Afonso Cardoso e outros, veja-se o testemunho de Francisco Nunes Ximenes:
- Disse que foi preso na cidade do Porto a 16 de agosto de 1597 e no aljube desta cidade esteve alguns dias e ali esteve com 18 homens entre os quais nomeou os Vilares e seu cunhado Afonso Cardoso e Francisco Lourenço e estavam numa casa de baixo e em cima estavam as mulheres que também estiveram presas.
Resta dizer que Afonso Cardoso saiu no auto de 19.12.1599, condenado a “cárcere e hábito irremissível e leve no auto hábito com fogos, visto o tempo em que confessou depois do assento” onde estava para ser relaxado.
Com ele saiu também sua mulher e ambos puderam regressar ao Porto e cuidar de seus 3 filhos (o mais velho de 5 anos) em junho de 1600, depois que a pena lhe foi comutada por “uma esmola de 200 cruzados”. O hábito, porém, só lhe seria tirado em janeiro de 1603, em cerimónia realizada em Coimbra.

Notas e Bibliografia:
1-Mesão Frio foi das primeiras terras a sofrer a investida da inquisição, a partir de uma visitação feita em 1542 pelo bispo do Porto, o inquisidor D. Baltasar Limpo.
2-IDEM, pº 2736, de Afonso Cardoso: - Disse que Catarina Lopes era inimiga do réu porque ele tivera conversação carnal com sua filha e a desonrara e ela pariu dele antes de recebidos e por ver sua filha desonrada, Catarina os casou à força.
3-Maria Cardosa foi presa em Vila Flor, em Maio de 1599. Metida na cadeia de Coimbra, por 5 vezes foi a tormento. Um bilhete que lhe apanharam, enviado a outros prisioneiros, dizia o seguinte: - Vossas Mercês me farão mercê de saber de Fernão Lopes, do Porto como está de seus negócios porque o pergunta sua irmã, por ele. Nosso Senhor nos livre a todos, como pode. – ANTT, inq. Coimbra, pº2993, de Maria Cardosa.
4- A propósito do mosteiro de Monchique, veja-se esta informação bem interessante para o estudo do judaísmo na cidade do porto. Foi tirada do processo 2576-C, de Luís da Cunha: - Disse que haverá 4 ou 5 anos no pátio do mosteiro de Monchique, se encontrou com João de Leão, que vive à Fonte Ourina, e com ele estava Francisco Paulo, cristão-novo, o romano de alcunha, que agora vive em Ciudad Rodrigo,  e é destilador,  e por ocasião de ver um letreiro em língua hebraica  que está em uma parede  do dormitório  da banda de fora,  que se vê do dito pátio e o dito Francisco Paulo o ler e explicar por saber a língua hebraica,   e dizer que aquela pedra fora de uma sinagoga  segundo o letreiro mostrava.
 

NÓS, TRASMONTANOS, SEFARDITAS E MARRANOS - Miguel Cardoso (n. Bragança, 1598)

Nasceu em Bragança, por 1598 e tinha uns 2 anos quando foi levado para o Rio de Janeiro, onde sua mãe foi cumprir o degredo imposto pela inquisição de Coimbra. (1) Ali se criou e apenas terá feito uma curta viagem ao Porto, pelos 12 anos, ao início da vida ativa. Casou com Francisca Coutinho, da família Baeça vinda de Castela para o Porto, um ramo da qual estabeleceu ligação a Torre de Moncorvo. A profissão de Miguel era mercador, um mercador de sucesso. A ponto de, em 1649, quando se criou a Companhia Geral de Comércio do Brasil, ter sido escolhido para administrador e tesoureiro da mesma em terras da América Latina.
Na origem desta Companhia, esteve um membro da Companhia de Jesus, o padre António Vieira, que a inquisição elegeu como seu maior inimigo público. E a grande maioria dos capitais da Companhia, proveio dos bolsos dos mercadores da nação hebreia. Estavam, pois, associados nesta empresa os “judeus” e os jesuítas.
Na cidade do Rio de Janeiro, Miguel Cardoso era então um dos homens de mais consideração e respeito, com acesso ao palácio do governador da capitania, o poderoso almirante Salvador Correia de Sá. Tinha lugar cativo no coro da igreja do colégio dos jesuítas e eram filhos e netos seus que tocavam órgão e harpa nas festas e solenidades religiosas. Da sua casa levavam assentos para as pessoas fidalgas ouvirem os sermões na igreja e da sua botica saíam mezinhas e remédios para os enfermos do colégio. Membro de todas as confrarias da cidade, notabilizou-se como juiz da irmandade de Nossa Senhora da Ajuda, à qual presidiu por 34 anos, promovendo as maiores festas e romarias da cidade. “Até os seus escravos levavam vantagem na doutrina” em relação aos outros! – Diria um padre jesuíta.
Imagina-se o embaraço do reitor do colégio e comissário da inquisição quando recebeu ordem de Lisboa para o mandar prender, por judeu! E do capitão Francisco Monteiro Mendes, familiar do santo ofício a quem foi cometida a tarefa.
Era o dia 22 de Fevereiro de 1661 e o capitão Monteiro fazia-se acompanhar de outro familiar do santo ofício, chamado Diogo Correia, mais velho e experiente. E esta será mais uma prova do embaraço que a situação provocava.
O ato da prisão foi seguido pelo sequestro dos bens do prisioneiro, a começar pela casa, cujas portas foram fachadas e seladas. (2) Para fazer o sequestro e necessária inventariação dos bens, foi requerido o ouvidor-geral e o trabalho prolongar-se-ia por 2 meses, o que dá ideia da sua complexidade.
Foi o preso levado para o “cárcere mais secreto da cadeia”. Porém, 3 dias depois, o comissário e os familiares do santo ofício decidiram tirá-lo da cadeia e metê-lo em um “cubículo” do colégio. Era um tratamento de favor, coisa nada usual na inquisição e que o familiar Monteiro Mendes justificou em carta para Lisboa, do seguinte modo:
- Por não me parecer muito decente a prisão para tal preso e com o receio que poderia comunicar por escrito ou por palavras e não muito segura a tal casa, e mais com a alteração deste povo…
Mais elaborada foi a justificação dada pelo comissário e reitor do colégio, o jesuíta António Fortes:
- Não podia evitar-se que com o decurso do tempo iria a falar com alguém, arriscado talvez a lhe darem peçonha os de sua nação, se porventura alguns deles se sentissem culpados (…) fui forçado a mudar-lhe a prisão.
No colégio esteve o prisioneiro até ao dia 7 de maio em que foi confiado ao mestre do navio Nª Sª da Assunção, que o entregou em Lisboa em 2 de outubro do mesmo ano de 1661.
Na base da prisão de Miguel Cardoso estavam duas denúncias. Uma feita em 1658 por Domingos Pimentel, cristão velho, morador no Rio de Janeiro e então de passagem por Lisboa, hospedado na “Estalagem da Casa dos Bicos”. Apresentou-se na inquisição e disse que estivera em Amesterdão onde um tal Gregório Mendes lhe perguntou se no Rio de Janeiro ainda se fazia a festa da Rainha Ester na ermida de Nª Sª da Ajuda. Acrescentou que havia fama de a casa de Miguel Cardoso servir de sinagoga dos judeus.
A outra denúncia foi feita por Afonso Munhoz de Lima, morador no Brasil, dizendo que “em outubro de 1649 se encontrou com Manuel Gomes Inigo, e com Miguel Cardoso, sogro do mesmo (…) e com Henrique da Paz…” e se declararam seguidores da lei de Moisés.
Claro que Miguel Cardoso se defendeu dizendo que tudo era mentira e que ele era cristão exemplar, apontando como testemunhas de defesa as pessoas mais gradas do Rio, quantidade de padres, incluindo o vigário geral, o comissário e familiares da inquisição.
A inquirição das testemunhas foi feita pelo reitor do colégio que então era já o padre Francisco de Avelar. Obviamente que o caso alimentava todas as conversas e muitas movimentações político-religiosas se ensaiavam. Como a do 3º familiar da inquisição que havia na cidade, Manuel Francisco Franco de seu nome e que, talvez despeitado e tentando ganhar “peso” na inquisição, escreveu uma carta para Lisboa dizendo que todos os padres da Companhia de Jesus eram amigos da família e frequentadores da casa de Miguel e até o próprio escrivão da diligência era suspeito e muito chegado a um genro do prisioneiro. Acrescentava que os parentes e amigos e “a muita gente da nação que aqui há poderosa (…) se dão os parabéns de que muito cedo será solto”. (3)
A acusação era bem pouco convincente e os próprios inquisidores reconheceram a debilidade da prova. Mas também notaram que duas testemunhas eram “de parentesco com o réu” e que, na verdade “entre o réu e o contraditado (Munhoz Lima) havia trato e amizade” e não “embustes e tramoias”, como a defesa alegou. Por isso o condenaram a tormento e depois a cárcere e hábito a arbítrio, saindo no auto da fé de 21.7.1665.
Não caberá nesta folha do jornal falar de todas as linhas tecidas pela sua família no seio da sociedade Fluminense da época. Bastará dizer que uma das suas filhas casou com Manuel Lopes Morais que era Secretário da Junta do Comércio no Rio de Janeiro, outra com o advogado João Álvares Figueiró e uma terceira com Manuel Gomes Inigo, um grande mercador. Dos filhos, o mais velho foi “senhor de engenho”, o que significa poder económico e elevado estatuto social. Teve o nome de Baltasar Rodrigues Coutinho, o qual foi casado com sua prima Beatriz Cardosa. O casal teve uma filha que batizaram com o nome de Lourença Coutinho e casou com o advogado João Mendes da Silva. E estes foram os pais de António José da Silva, o Judeu, um dos maiores dramaturgos nacionais, processado também ele pela inquisição.
Impossível fazer uma descrição da fortuna e vida comercial de Miguel Cardoso. Diremos tão só que tinha adquirido 3 lotes de terreno na Rua Direita (atual Rua 1º de Março), que então seria a mais comercial da cidade, onde se preparava para edificar 3 casas. Para isso tinha já ali as pedras talhadas para os portais e as varandas, pedras mandadas ir de Lisboa! Tinha uma plantação de cana-de-açúcar onde trabalhavam 8 escravos e dava umas 8 ou 10 caixas de açúcar; uma xácara de terras, “com pomar, horta e frutas da terra” e 2 escravos adstritos ao seu cultivo; 100 “braças de terra” no rio Iguaçu, 6 léguas distante da cidade. Era proprietário de uma barca equipada em permanência com 3 índios (escravos “de cabelo corredio”) e um escravo negro; uma lancha movimentada por 3 negros da Guiné e um “cabra”, indiano, feitor da lancha, com sua mulher, escrava da Guiné.
Todavia, o grosso da fortuna de Miguel Cardoso traduzia-se em escritos, sentenças e dívidas, ascendendo estas a mais de 14 contos de réis. De outra parte, o administrador da Companhia que lhe sucedeu reclamava que Miguel era devedor de 10 contos de réis, enquanto o genro Álvares Figueiró reclamava o pagamento da escritura de dote casamento no montante de 2 contos, 610 mil e 535 réis.
Notas e Bibliografia:
1-ANTT, inq. Coimbra, pº 7945, de Brites Cardosa.
2-ANTT, inq. Lisboa, pç 17999, de Miguel Cardoso. O familiar Monteiro Mendes escreveu: - Assim que o prendi, mandei logo recado ao ouvidor-geral, lançando mão das chaves e pondo guardas nas portas de dentro, que tinha, por onde se comunicava com duas filhas casadas que têm paredes meias, e com a mulher e mais filhos os mandei retirar a um aposento, por não falar o preso com eles.
3-Na verdade duas testemunhas eram da família de Miguel: o juiz ordinário, capitão Matias de Mendonça e o padre jesuíta Manuel de Araújo, vigário-geral e provisor eclesiástico.

 

NÓS, TRASMONTANOS, SEFARDITAS E MARRANOS - Simão (Brandão) de Vivar (n. Mogadouro, 1637)

O disfarce está intrinsecamente ligado à condição marrana. Convertidos à força, viam-se obrigados a disfarçar a sua fé mosaica, cumprindo as regras do cristianismo “para contemporizar com o mundo”. Ao menor deslize, arriscavam-se a ser presos. Pois, Simão de Vivar foi um verdadeiro mestre do disfarce. Vamos ver:
Terá nascido em Mogadouro pelo ano de 1637. Em data não determinada, talvez no seguimento da prisão de seus pais e uma sua irmã, fugiria para Castela onde logo trocou o sobrenome Brandão por Vivar. Isso não impediu que fosse preso na inquisição de Toledo em cujo processo ficou escrito:
- Simon de Vivar, vicino de  Mora,  y natural de Mogadoiro,   en el  reino de Portugal (…) en tres de Abril  de mil seicientos y ochenta,   fue preso  por delitos de judaismo  y en su primera audiencia  que con el se tubo declaro  llamarse como dicho  y  de ser  de la misma vecindad y naturaleza de edade de  quarenta y tres años, mercader de lienzos, hijo de Francisco Rodrigues,  natural y vecino de Mogadoiro,  y de Clara Rodrigues, natural  de la villa de Moncorvo,  neto de Gregório da Paz  y de Inês Rodrigues naturales de la vila  de Mogadoiro y de Jorge Fernandes e Inês Rodrigues naturales de Moncorvo,  casado con Francisca Lopes,  natural de Mascaraque,  deste arcebispado (…) sus padres fueren presos por la inquisición de Coimbra (…) foi desterrado por cuatro años  de Madrid, Toledo,  Mora,  Mascaraque,ocho leguas  en contorno , no lle passe a los puertos de mar  ni secos ,  sin licencia  de la inquisición  (…) y en  quinientos ducados.
Passados 23 anos, em agosto de 1703, Simão de Vivar foi preso pela inquisição de Lisboa. Interrogado sobre a sua genealogia disse várias mentiras e omitiu informações: a saber:
Que tinha 70 anos, o que fazia recuar a data de seu nascimento para 1733. Que seu pai se chamava D. Afonso de Vivar, cristão-velho, cavaleiro castelhano, natural de Sevilha. Que seus avós, assim paternos como maternos eram já defuntos e ele os não conheceu, nem sabe como se chamaram. Que não tinha irmãos nem irmãs. Na verdade tinha 2 irmãos e 2 irmãs. (2)
Obviamente que o objetivo de tais mentiras e omissões foi o de esconder dos inquisidores o historial de sua família, um historial muito comprometedor. E muito em especial a história de seu pai, Francisco Rodrigues da Paz que foi preso em 29.1.1649 e acabou queimado por judeu no auto da fé de 31.8.1650. (3)
De seguida, em 14.1.1651, foi presa a sua mãe, Clara Rodrigues, a sua irmã, Maria Brandoa e dois tios maternos: João Rodrigues Brandão e Francisco Brandão. (4) E agora repare-se na desfaçatez de Simão de Vivar que, perante os inquisidores de Lisboa declarou:
- Não sabe que parente algum seu fosse preso ou apresentado!
O mais estranho de tudo isto é que os inquisidores tivessem passado ao lado de todas estas falsas declarações, tendo à sua frente a certidão vinda de Toledo e tão organizada que era a máquina inquisitorial, no registo dos processos. Devemos explicar isto pelo muito trabalho que então se registava, com as inúmeras vagas de prisões que atulhavam a inquisição de Lisboa, com inúmeros cristãos-novos regressados de Castela? Talvez.
O regresso de Simão a Portugal aconteceria ao início da década de 1690. Vinha casado, com Violante Francisca Gomes, ou Lopes, cristã-velha, disse ele. O casal não tinha filhos e a casa de morada, em Lisboa, era no Beco da Mizarada à Rua dos Espingardeiros, uma zona bastante nobre da cidade. Tinham ao serviço uma criada, natural da Galiza e, a avaliar pelas pessoas com quem se relacionava, fica-se com a impressão de que Simão de Vivar era um homem de boa sociedade, muito bem relacionado com gente militar, do Estado-maior, inclusivamente. Dizia-se tratante, mas há quem o defina como contratador.
Sabemos que “fazia chocolate” mas não conseguimos definir os contornos da sua “empresa” e quem nela trabalhava. Porém, o essencial do seu “trato” era o negócio entre Portugal e Castela, especialmente comprando e vendendo fardos de tafetás. A rota costumada era por Campo Maior em cuja alfândega registava as mercadorias transacionadas e pagava os respetivos impostos. De Campo Maior era também o almocreve Manuel Fernandes que ele contratava para “lhe levar muitas vezes cargas para o reino de Castela”.
Em 23.8.1703, Simão foi metido na cadeia da inquisição de Lisboa, com base nas denúncias seguintes:
José Francisco, espingardeiro, seu vizinho em Lisboa, preso em Évora, contou que, falando em guerras, Simão lhe disse “que era tempo de vir o encoberto e de haver um só rei e uma só lei”.
Pedro Álvares, preso em Lisboa, disse que Simão de Vivar o informava a ele e sua mulher quando vinha o dia grande do mês de setembro, para o guardarem, explicitando:
- Há 3 anos, em casa dele confitente se achou com Simão de Vivar e Branca Cardosa, mulher dele confitente, e cunhados Heitor Dias da Paz e Clara Maria, estando os 5, por ocasião do dito Simão de Vivar lhes vir a dizer quando haviam de fazer alguns jejuns judaicos pelo decurso do ano e o mesmo Simão de Vivar lhes vir a dizer a casa quando caía o jejum do dia grande, e quando haviam de fazer outros jejuns judaicos e lhes disse o mesmo, haverá um ano, havia mandado um pouco de dinheiro para Holanda por via de João da Silva Henriques, que tinha lá seu pai e que o havia mandado pelo segurar em razão de que temia ser preso pelo santo ofício.
Esta era a acusação mais comprometedora pois o dava como conhecedor do calendário judaico e judeu praticante e como homem que temia ser preso e por isso se precavia mandando dinheiro para a Holanda, com o objetivo de fugir antes que o prendessem.
Foi vigorosa a defesa apresentada por Simão, conseguindo provar, por documentos da alfândega de Campo Maior que, no tempo da culpa, nem sequer estava em Lisboa pois “despachou a sua fazenda com que entrou para o reino de Castela em 24 de Março de 1700 e outrossim consta do livro das fianças fl 14v que entrou o réu Simão Vivar neste reino aos 7 de Outubro de 1700 e foi para a Corte da cidade de Lisboa, para despachar na Mesa Grande”.
Em simultâneo, lançou suspeitas sobre o denunciante Pedro Álvares dizendo que este lhe encomendara um carregamento de tafetás que ele foi buscar a Castela e despachou na alfândega e levou para sua casa. Porém, não se acertando no preço, Simão foi tirar-lhe a mercadoria, ficando a partir daí muito inimigos, pelo que o seu testemunho não devia merecer crédito.
Quanto à denúncia do espingardeiro, defendeu-se dizendo que “são inimigos do réu José António e seu irmão João Rodrigues, espingardeiro, em razão de lhe encomendarem que lhe trouxesse de Castela uns canos de espingarda e por ele réu não lhos querer trazer pelo risco que tem, lhe ficaram com grande ódio”.
A defesa e mais contraditas apresentadas por Simão Vivar são ainda muito interessantes do ponto de vista das suas relações com alguns cristãos-novos de Trás-os-Montes, muito conhecidos e deveras importantes do seio da comunidade sefardita da época, devendo referir-se os irmãos José e João da Costa Vila Real, (5) João da Silva Henriques e seu irmão Mateus de Sousa Henriques, (6) Francisco Soares da Fonseca, corretor do número, morador na Rua das Mudas, Manuel Henriques de Lucena, procurador da Casa dos Cinco…
Facto é que a sentença foi relativamente branda, pois que o processo foi despachado em Mesa e não em auto público da fé, condenado em cárcere a arbítrio dos inquisidores e pagamento de custas.
Notas e Bibliografia:
1-ANTT, inq. de Lisboa, pº 3677, de Simão de Vivar. Em tif 13 e seguintes apresenta-se uma certidão enviada pela inquisição de Toledo.
2-Irmãos de Simão de Vivar: Maria Brandoa, que foi presa com a mãe, pela inquisição de Coimbra; Ana Brandoa, casada em Vila Flor com Luís Vaz; António, nascido por 1633, que foi para Castela e Domingos, nascido por 1639.
3-IDEM, inq. Coimbra, pº 7397, de Francisco Rodrigues da Paz. Com ele foi preso o seu irmão Domingos Rodrigues Frade – IDEM, pº 9309.
4-IDEM, pº 3641, de Clara Rodrigues; pº 2231, de Maria Brandoa; pº 7395, de João Rodrigues Brandão; pº 6785, de Francisco Brandão. AFONSO, Berta – Subsídios para o Estudo da Comunidade Judaica de Mogadouro no século XVII. O processo de Maria Brandoa, in: Brigantia, Vol. V, 1985.
5-ANDRADE e GUIMARÃES – João (Abraham) da Costa Vila Real (1653 – d. 1729) e José (Isaac) da Costa Vila Real (1689 – 1730) in: jornal Nordeste, nº 1046 e 1047 de 29.11.2016 e 6.12.2016.
6-IDEM – De Sambade para Bayonne, Londres e Jamaica, in: Marranos em Trás-os-Montes Judeus-Novos na Diáspora, o Caso de Sambade, pp. 105 – 112, ed. Lema D´Origem, 2013.

NÓS, TRASMONTANOS, SEFARDITAS E MARRANOS - Álvaro Lopes (n. Mogadouro, 1568)

Álvaro Lopes nasceu em Mogadouro pelo ano de 1568, sendo filho de António Rodrigues, mercador e de Leonor Rodrigues, ambos nascidos naquela mesma vila. Os avós paternos chamaram-se Álvaro Lopes e Isabel Lopes e os maternos foram Pedro Álvares e Maria Álvares, todos moradores em Mogadouro.
Em data que não conseguimos apurar, casou com Isabel Nunes, natural da vila de Mirandela. O casal terá fixado residência em Vila Flor, terra onde nasceria o filho António Gomes Salzedo que iria casar no Porto com Isabel Mendes. (1)
Para a cidade do Porto se mudaria Álvaro Lopes com a sua família, pelo ano de 1605. E ali, por 1611, lhe nasceu o filho Francisco Gomes Salzedo que cedo se internou em Castela, indo casar com Ana de Rojas, natural de S. Felices de Galegos. (2)
Custou-lhe a casa mais de 600 mil réis. Era uma boa casa, de 3 pisos, com vistas para a frente e para as traseiras, ladeada de uma banda pela moradia do dr. Lopo Dias da Cunha, advogado, líder de uma poderosa família onde se contavam os filhos: Luís da Cunha, médico, António da Cunha, cónego da Sé e Paulo Lopes da Cunha, banqueiro. Da outra banda, a casa de Álvaro confrontava com a de Afonso do Vale, também cristão-novo.
Situava-se a casa junto ao Padrão de Belmonte. E a porta do mercador de Mogadouro seria um sítio muito procurado e espaço privilegiado de convívio, a avaliar pelos testemunhos recolhidos do seu processo. Com efeito, para além dos membros da família do Dr. Luís da Cunha com ele conviviam outros “homens de peso” como Diogo Henriques Cardoso, João de Leão, Pantaleão da Silva, João Rodrigues Preto, André Nunes Pina, João Rodrigues Espinosa, Manuel Rodrigues Vila Real…
Os poiais da porta de Álvaro Lopes concorreriam com o Cruzeiro que ali existia e deu nome ao local e com o Postigo das Virtudes, como espaços de encontro dos moradores daquela rua e das vizinhas, outrora integrando a judiaria. À porta de Álvaro Lopes, ao Postigo das Virtudes ou sentados nas escadas do Cruzeiro… são os locais constantemente referidos, nas confissões de declaração de judaísmo.
Talvez por isso mesmo, o processo de Álvaro Lopes apresenta-se como uma verdadeira montra da burguesia cristã-nova do Porto. Médicos, advogados, rendeiros, grandes mercadores enchem a lista dos denunciantes. Aliás, todos se denunciavam uns aos outros, apertados pelos inquisidores. Álvaro foi um de entre os mais de 120 cristãos-novos feitos prisioneiros da inquisição no ano de 1618, uma vaga de prisões como nunca se vira, que decapitou a classe burguesa do Porto e arruinou a cidade.
Não sabemos a data em que foi preso “porquanto este réu foi preso por uma lista geral” que ficou no segredo do santo ofício. Sabemos sim que em 9 de outubro de 1618, Álvaro Lopes foi entregue na inquisição de Lisboa, transferido dos cárceres de Coimbra. (3) Do inventário de seus bens, para além da casa, deve referir-se “uma negrinha de 16 anos que lhe custou 25 mil réis e não sabe de onde é natural”. O resto dos bens havia antes sido arrestado na sequência de uma demanda contra ele interposta pelas freiras de Santa Clara, de Vila do Conde, por uma dívida de 400 mil réis, das rendas que Álvaro trazia arrematadas, de parceria com Diogo Vaz da Mesquita, de Mirandela.
Referência também para uma dívida de cerca de 100 mil réis que tinha, proveniente de 2 caixões de açúcar branco da Baía, que lhe encomendara Lopo Fernandes, de Vila Flor, e que ele não tinha entregado, encontrando-se ainda na alfândega.
Problemas também surgiram com a cobrança das rendas da portagem que eram do bispo e cabido da cidade e Álvaro arrematou, de sociedade com outros, entre eles António Rodrigues Flandres, pai do médico Francisco Rodrigues Vila Real. Segundo o nosso biografado, aquele “ficou com mais de mil e quinhentos cruzados, que ele consumiu e comeu e fez deles o que quis, roubando-o a ele réu e mais companhia”.
De parceria ainda, desta vez com o “mestre-sala” Jerónimo Rodrigues, ganhou a arrematação da cobrança da renda do peixe seco nos anos de 1613-1614. E por tudo isto, Álvaro Lopes merece ser incluído na prestigiada classe dos rendeiros.
Para além da cobrança de rendas, Álvaro Lopes era um mercador de “grosso trato”. Com facilidade satisfazia uma encomenda de mil alqueires de cevada ao meirinho mor, certamente comprada em Trás-os-Montes e conduzida pelo rio Douro para o Porto. E com a mesma facilidade fazia um carregamento de pipas de vinho em Xerez de la Frontera, que dali mandava seguir para o Brasil.
Problemas, teve-os também com duas barcas chegadas ao Porto carregadas de cevada, certamente em terras do Alto Douro. A cevada de uma delas chegou molhada e foi preciso estendê-la para secar, o que se fez na loja de um Gonçalo de Sousa. E tendo-a vendida, foi novamente medida. Era suposto serem 900 alqueires mas faltavam mais de 120…
Obviamente que todas estas coisas foram contadas por Álvaro Lopes aos inquisidores para mostrar que os denunciantes eram seus inimigos capitais e, por isso, não mereciam crédito. Como acontecia com Sebastião Pacheco, um mercador do Porto que, em determinada altura, recebeu do estrangeiro, um barco carregado de esparto. O produto faltava na cidade e o Pacheco esperaria fazer um bom lucro com a venda. Porém, a descarga e o desalfandegamento do esparto demorou e entretanto chegaram outros carregamentos do mesmo produto, cujo preço logo baixaria. E Pacheco culparia do prejuízo a Álvaro Lopes, que então era rendeiro dos dízimos do esparto, assim ficando inimigos capitais.
Por mais de um ano o réu se declarou inocente e tentou defender-se, apontando muitas contraditas. Acabou, no entanto, por confessar que fora seguidor da lei de Moisés. Disse que fora doutrinado 7 anos atrás por Simão Lopes Pinheiro, “que dava casa de jogo, ao Postigo das Virtudes”.
Naturalmente que os inquisidores não acreditaram neste ensino e, por isso o retiveram na prisão e condenaram a tormento, no qual gritou muito “pela Virgem de ao Pé da Cruz”. Acabou por confessar muitas mais culpas, saindo condenado em cárcere e hábito perpétuo, no auto da fé de 28.12.1621 e recebendo autorização para regressar a casa em 6.2.1622.
Posto em liberdade, contava Álvaro Lopes uns 53 anos de idade. E dele nada mais sabemos. De sua mulher que temos notícia que pelo ano de 1725 morava em Pastrana, com o filho Francisco Gomes Salzedo, segundo informação de Markus Schreiber. Este autor diz-nos também que uma parte da família foi para as Índias de Castela. Exemplar seria o percurso de um neto de Álvaro Lopes, chamado Baltasar Gomes. Vejam apenas um excerto do seu depoimento quando, em 1665, aos 26 anos de idade, resolveu  apresentar-se na inquisição de Lisboa:
- Disse que esteve em Madrid, Málaga e outros lugares de passagem, e dali passou a Itália e esteve alguns dias em Génova e dali passou a Regio, do estado do Duque de Modena onde se circuncidou e se declarou por público professor da lei de Moisés, e depois passou a este Reino e esteve no Porto e antes de ir a Castela foi ao Brasil, onde esteve na Baía por 4 ou 5 meses. (4)
Uma nota final sobre esta família de cristãos-novos Mogadourenses que até 1618 nunca fora incomodada pelo santo ofício. A partir do momento em que prenderam Álvaro Lopes, toda a família passaria a ser tida como infetada pelo sangue abjeto da gente da nação e a generalidade dos seus membros haveria de sofrer os horrores das cadeias do santo ofício.

Notas e Bibliografia.
1-António Gomes Salzedo e a sua família viveriam mercadejando entre o Porto e Castela, pois nessa época não havia fronteiras separando os dois reinos ibéricos. Em 1658 viriam a ser presos pela inquisição. – ANTT, inq. Coimbra, pº 3447, de António Gomes Salzedo; pº  4820, de Isabel Mendes. O mesmo aconteceria com 5 de seus filhos.
2-Em 1631 Francisco Gomes Salzedo vivia em Madrid, integrando uma rede familiar de negócios como rendeiros da administração dos portos secos. Na década de 1640 trabalhou em parceria com Nuno Álvares Viseu e com Manuel Nunes Mercado na administração das salinas de Múrcia e no ano de 1651 ostentava em Madrid o título de corretor. Nesse mesmo ano foi preso pela inquisição de Cuenca, saindo reconciliado em 1654. - SCHREIBER, Markus - Marranen in Madrid 1600-1670, pp. 194-195, Franz Steiner Verlag Stuttgart.
3-ANTT, inq. Lisboa, pº 13018, de Álvaro Lopes.
4-IDEM, pº 3979, de Baltasar Gomes.