José Mário Leite

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SOLIDARIEDADE SEM PRESSUPOSTOS

Na sequência da minha crónica anterior “Pequeno demais para crescer, pobre demais para enriquecer” acabei por abordar este tema com pessoas amigas e conhecedoras do tema e que partilham total ou criticamente a minha tese. Curiosamente, o jornal Expresso de 11 de novembro deste ano dedicava um generoso espaço à batalha contra o cancro, dando especial destaque às contribuições lusitanas nesta áreao. Afirmava o articulista, a este respeito, que quem conseguir parar o cancro irá diretamente à Suécia buscar o Nobel. Sendo um sonho, se fosse um português a consegui-lo, nem seria inédito. Mas esse não é o meu ponto de partida. Aos que afirmam convictamente que Portugal é pequeno e pobre demais para se dedicar à investigação fundamental e que tentei refutar no meu último texto, nste jornal, não posso deixar de lhes colocar algumas questões. Admitamos o evidente: há países muito maiores, muito mais ricos, com muito mais recursos humanos e técnicos que nós para poderem desenvolver todas as investigações que antecedem as possíveis soluções para combater adequadamente as várias doenças e males dos tempos atuais. Nem vou realçar o facto de que se houver esse conhecimento, obviamente que será usado, se não exclusivamente, pelo menos preferencialmente e em primeira mão, por quem o detiver (e se não fazemos investigação fundamental e não tivermos acesso, por isso, à investigação aplicada, ficamos arredados de qualquer tipo de conhecimento efetivo e contemporâneo e, logo, excluídos do mundo desenvolvido). Vou limitar-me a colocar algumas questões simples para provar que o que não faz qualquer sentido é deixar de apostar na investigação fundamental.
Nada nos garante que não seja um investigador português a descobrir a cura para o cancro. Muitos dos que já se dedicam a esta atividade contam-se entre os melhores do mundo. Por que razão haveriam de parar os seus estudos e trabalhos? Só porque, se existir uma cura e estiver acessível, ela poderá ser encontrada por investigadores, nos próximos tempos? Mesmo que fosse no próximo ano? Ou mesmo no mês que vem? Ou sequer com um único dia de atraso? Porquê dispensar o talento do Miguel Godinho Ferreira ou da Raquel Oliveira, para citar apenas dois dos referenciados pelo jornal Expresso? Mesmo que o troféu vá na quase totalidade para uma qualquer equipa estrangeira com quem colaboram e partilham experiências e conhecimentos, a simples inclusão de um nome português na placa que celebrará esse feito, é de uma relevância enormíssima. Muito superior a qualquer festa de verão, ou de inverno, ou medieval, ou futurista, ou de todas elas juntas!
E porque não se há-de fazer uso do talento da Isabel Gordo, várias vezes reconhecido e premiado em instâncias europeias, para apressar a urgente e necessária resposta às bactérias multi-resistentes? Ninguém entenderia que o financiamento da sua atividade fosse diminuído para construir e inaugurar uma qualquer rotunda ou centro interpretativo. Até porque, no que diz respeito ao dinheiro europeu que é o que quase exclusivamente suporta os trabalhos do seu grupo, a sua consignação à ciência impede que seja aplicado em qualquer outra atividade.
Que moral temos nós, que reclamamos dos nossos parceiros europeus a natural solidariedade, para negarmos aos países africanos, muito mais pobres que nós, a contribuição genial da Maria Mota e do Miguel Soares para a possível erradicação da malária? É bom lembrar que estes investigadores estão devidamente “credenciados” e suportados não só por fundos públicos do Conselho Europeu, como igualmente de vários recursos privados destacando a conhecida Fundação Bill & Melinda Gates.
Para terminar e do conhecimento pessoal e direto que tenho, posso testemunhar que os cientistas referidos trouxeram diretamente para o nosso país, “apenas” para se dedicarem á investigação fundamental das áreas a que se dedicam, financiamentos estrangeiros de vários milhões de euros. Duvido que os que criticam, com tanta ligeireza, a opção por determinada linha científica de investigação, tenham currículo semelhante para ostentar.

 

PEQUENO DEMAIS PARA CRESCER POBRE DEMAIS PARA ENRIQUECER

“Portugal é demasiado pequeno e demasiado pobre para gastar dinheiro em investigação fundamental”. Esta afirmação sendo errada, como a seguir tentarei demonstrar, é estranha. Porque foi dita por alguém com responsabilidades políticas e executivas no interior do país.
Pelo contrário, um país como Portugal tem de, precisamente, apostar na investigação fundamental. Foi quando o nosso país se “esqueceu” que era pequeno e pobre que se agigantou, se fez grande, chegou à Índia e ao Japão, dominou os mares e espantou as grandes potências daquele tempo, rivalizando com elas em riqueza, possessões e domínio.
Pequena e com poucos recursos era a Bial quando apostou o que tinha e o que não tinha na investigação fundamental que lhe conferiu o conhecimento necessário à sintetização de uma molécula que lhe abru as fronteiras dos mercados internacionais e a levou, de forma rentável, aos melhores mercados europeus e americanos. “Pequeno e pobre” era o Instituto Politécnico de Bragança e foi a aposta do seu brilhante Diretor, precisamente, na investigação fundamental que o guindou à posição cimeira no ranking dos politécnicos nacionais e a um honroso e destacado lugar no panorama internacional.
A distinção e relevo que os bons resultados grangeiam nestas áreas são uma preciosa mais valia no mundo globalizado em que vivemos. O conhecimento é, cada vez mais, a fonte da riqueza das nações tal como o demosntram os seguidores de Adam Smith, onde pontuou o luso descendente David Ricardo. Já nada se inventa hoje sem se saber muito como diz frequentemente um célebre investigador português. A era em que vivemos é a era do conhecimento e é esse o maior vetor de desenvolvimento contemporâneo. Quase tudo o que temos e possuímos tem por base muito conhecimento científico e a maior valia está no desenvolvimento que daí advém. É portanto esse o caminho. É certo que o retorno nem sempre é fácil, nem sempre é rápido, nem sempre aparece no chamado “tempo útil” mas essa é, curiosamente, mais uma razão para a aposta nessa área.
A investigação fundamental, no nosso país é, direta ou indiretamente, financiada por fundos europeus, quer estes venham diretamente do European Research Council (ERC) quer sejam distribuídos pela FCT ou, mais recentemente, canalizados através das CCDR’s. Ora os projetos atribuídos pela ERC, e a participação portuguesa tem, felizmente, uma elevada taxa de aprovação, constam de fundos, com comparticipação a cem por cento, de milhões de euros que, só por isso, representam uma injeção líquida de significativas verbas no mercado nacional. Os projetos ERC têm um valor mínimo de um milhão e meio de euros para os iniciais e chegam aos dois milhões e meio para os avançados. Só em 2014 foram vinte e seis milhões de euros que chegaram ao nosso país, através deste programa europeu.
Quanto a isto é necessário ainda esclarecer uma confusão tremenda que, para grande surpresa, anda a ser difundida. Há autarcas que acham que nas CCDR, há, nos fundos europeus uma fatia exagerada de verbas destinada às unversidades. Isto é um erro crasso, até porque é afirmado como se houvesse aí algum entorce, algum “desvio” de recursos. Nada disso.  Tal fatia “destinada às Universidades” é dinheiro do Programa Horizon2020 que foi aprovado autonomamente e o entorce que pode haver é o de ter sido agregado aos fundos de Desenvolvimento Regional que em Portugal tomou o nome de Portugal 2020 o que talvez tenha contribuído para a confusão. O Programa Horizon2020 é destinado integralmente à investigação científica e é anterior ao outro. Foi, curiosamente, anunciado, pela primeira vez, em Bragança, no âmbito do Congresso da EARMA que ali se reuniu em 2011 e foi aí revelado quer o nome, quer o montante. Foi o governo de Passos Coelho, nomeadamente o ministro Poiares Maduro, que resolveu juntá-lo aos restantes fundos e entregar a sua gestão às CCDR’s numa infeliz decisão, por razões que não há espaço aqui para explanar. Mas a disponibilidade desta área nao é intermutável com a outra. As autarquias nunca poderiam usar esse dinheiro para qualquer outro fim. Se não forem as Universidade e Institutos de Investigação portugueses a dar-lhe adequado uso, será “recuperado” por Bruxelas e encaminhado para outro país da União. É bom lembrar que as regras de financiamento são, neste caso muito distintas. O Horizon2020 contempla um financiamento a 100% ao contrário do restante Portugal 2020 que exige uma contrapartida nacional.

 

DA CATALUNHA A CARVIÇAIS PASSANDO POR CASCAIS

Mais ou menos à mesma hora que em Barcelona no Parlamento Autónomo Catalão era proclamada unilateralmente a independência, na cidadela de Cascais, Teresa Patrício Gouveia questionava Rien Van Gendt sobre a legitimidade de se poder adaptar a vontade póstuma e fundadora, à realidade atual, necessariamente diferente, diversa e, seguramente, mais complexa que quando foi postulada. O consultor holandês afirmou claramente que não só era legítima como, provavelmente, seria necessária e conveniente, a incorporação do conhecimento atual para maximizar a relevância do legado. Estava certo que o próprio fundador seria o primeiro a promover uma tal reflexão. Contudo seria sempre necessário balizar as possíveis alteraçãos e adequações pelo estatuído no testamento fundacional.

O processo de independência é complexo, apaixonante e contraditório. Há seguramente razões, sobejamente conhecidas, de um e outro lado que suportam e justificam as tomadas de decisão. Compete aos interessados valorizarem as que mais lhe tocam. Há contudo duas, cujo relevo não pode ser ignorado e ambas estão do lado autonómico. A primeira tem a ver com a inviolabilidade do direito que todos os povos têm de poderem manifestar a sua opinião e vontade, de forma livre, genuína e sem que nada nem ninguém os impeça, seja de que forma for, muito menos recorrendo à violência institucional. A segunda tem a ver com ilegitimidade do argumento histórico. Legalidade e legitimidade não são a mesma coisa mesmo que andem, felizmente, muitas vezes de mão-dada. A norma constitucional impõe uma legalidade que só é legítima enquanto o texto fundamental representar, agora e não quando foi escrito, aprovado ou referendado, a expressão do povo que o sustenta e justifica. O facto de a Constituição ter sido aprovada maioritariamente, em referendo na Catalunha não pode impedir os justos anseios de gerações que entretanto surgiram e se afrmaram. Interpretar um texto datado, seja testamentário, fundamental ou instituidor, no tempo atual, sem ter em consideração as alterações que o tempo carreou é semelhante a citar uma frase polémica retirando-a do contexto.

Por igual razão de raciocínio se desvanece a “certeza” que querem fazer vingar os que garantem que o Abade Tavares ao referir explicitamente a vila de Torre de Moncorvo como o local onde pretendia que fosse instalado o Museu que guardasse e expusesse o seu rico legado. É necessário recuar oitenta anos para entender a forma como o clérigo via o mundo, o seu mundo e o interpretava. Fazer um Museu em Moncorvo era, para o investigador, colocar uma lança em África. De tal forma complicado e difícil que ele mesmo verificou da impossibilidade da sua concretização durante a sua vida. Fazê-lo em Carviçais era pura ficção. Impensável!
Não é assim agora. Pelo contrário. O Museu do Abade Tavares tem uma localização lógica e natural na Terra do Ferro e essa é uma e única: a aldeia de Carviçais. Refleti muito, recentemente sobre qual seria a genuína vontade de prior sobre o verdadeiro chão que deveria receber a sua riquíssima coleção. As poucas dúvidas que me restavam desapareceram quando, recentemente, “tropecei” num texto de Carlos d’Abreu sobre o processo de concurso para pároco de Carviçais. Apesar da sua origem, não me restam quaisquer dúvidas, nem restarão a quem quer que olhe para esta problemática da forma correta, que o padre José Augusto Tavares é um cidadão moncorvense de Carviçais. Nenhum local melhor que a sua aldeia de adoção para preservar a sua memória e reconhecer o seu mérito, talento e trabalho. Mesmo que os seus documentos contenham, em forma de letra, a expressão explícita à vila, sede do concelho.

 

O MANSO E O GUERREIRO X – O TAXISTA

Quando o Tomé Guerreiro chegou ao costumeiro lugar do encontro, já o Júlio Manso conversava com Miguel Subtil que estava de visita à terra natal, vindo de Lisboa. A conversa passou a ter três interlocutores pelo que, para melhor compreensão, desta vez farei anteceder cada intervenção pelas iniciais do nome de cada um.
TG – Ora viva, Miguel. Mais uma vez por cá?
MS – É verdade ti Tomé. Sabe bem que, sempre que posso, não deixo de vir...
JM – E desta vez, com grandes novidades. 
TG – Muito bem, venham de lá essas notícias...
JM – O Miguel fechou a Loja de Antiguidades que tinha na Baixa Lisboeta.
TG – Ah, então não se trata de uma visita mas sim de um regresso...
MS – A mudança foi grande e radical mas não tão radical quanto isso. Fechei a Loja em Lisboa mas continuo por lá. 
JM – Agora o Miguel é taxista! 
TG – Taxista? Grande mudança. Algum motivo especial?
MS – O motivo não tem nada de especial. É o de sempre. Como não tenho fortuna, vejo-me obrigado a viver do meu trabalho.
JM – Pelos vistos o negócio anterior não era rentável.
MS – Não se trata propriamente de rentabilidade. Em termos meramente contabilísticos a atividade de compra e venda de antiguidades tinha uma margem de rentabilidade boa e chegava bem para pagar as despesas de funcionamento e deixar o suficiente para viver sem luxos, mas com conforto.
TG – Então qual foi o problema?
MS – O problema foram os pagamentos. No nosso ramo ainda se usa muito o pagamento por cheque. Enchi uma gaveta de cheques sem cobertura! As despesas de cobrança são grandes e nem sempre  se consegue recuperar o que nos é devido... É impossível ir atrás de cada devedor para tentar reverter o negócio. Mesmo que fosse não adiantaria muito pois eu não como jarras de porcelana chinesa, nem visto móveis Luis XV.
TG – Pois é, com a mercadoria do lado deles fica difícil obrigá-los a desfazerem o pretenso mau negócio. Mas, diz-me cá, o que te leva a garantir que com o serviço de táxi não te acontece o mesmo?
MS – Tem toda a razão. Nada me garante. Mas nesta nova profissão, ao contrário da outra, o pagamento é pedido já depois do serviço prestado e, em caso de reclamação nem sequer é possível reverter o negócio. De nada me adiantaria levar de volta à origem um passageiro que não quisesse pagar, pelo contrário, no que me diz respeito, até agravaria ainda mais a situação, para o meu lado.
TG – Eu suporia que os clientes de táxi seriam mais propensos ao calote que os adquirentes de peças distintivas e, seguramente, longe do lote de primeiras necessidades.
MS – Supunha vossemecê e supunha eu. Mas o certo é que é como lhe digo. Nas corridas de táxi não há calotes, a não ser em circunstâncias excecionais. 
JM – E porque será?
MS – Essa é uma boa pergunta. Ora, como sabe, uma das vantagens de ser taxista é o convívio e diálogo com gente de toda a condição. Um grande economista explicou-me que isto tem a ver com a tradição. Segundo ele a importância da tradição é muitíssimo maior, no funcionamento do Mercado do que aquela que no passado se lhe atribuiu e ainda há quem atribua...
JM – Essa agora.
MS – Pois é. Mas veja bem que essa questão responde adequadamente no meu caso, onde a lógica apontaria exatamente no sentido contrário. E explica a razão porque no passado os contratos eram celebrados com um simples aperto de mão...
TG – E quem decide o que é a tradição numa e noutra circunstância?
MS – Ninguém. 
JM – Ninguém e todos. 
TG – Ora aí está. Veja bem o que se passou com as recentes eleições!
JM – Não me diga que isso também tem a ver com a política! 
TG – Tem, tem. E muito. Tudo na vida atual pode ser assemelhado a um mercado. E nada como as eleições para as autarquias. Há quem queira um produto e há quem possa proprocioná-lo. Há um contrato de promessa de compra e venda, se assim lhe podemos chamar. Ora quando um político jura a pés juntos que vai fazer uma obra, logo no início do mandato, nem que chovam picaretas...
JM – E não a faz...
TG – E, pior que isso, fá-la nas vésperas das eleições...
JM – Ah, mas aí, provavelmente, já não resulta...
TG – Isso é que resulta. Este ano quando me indignei por causa da obra que só apareceu no final de setembro, o que não faltou foi gente a mandar-me calar. Que, mais valeu tarde que nunca, o importante era ter a rua arranjada. Estamos assim a criar a tradição de que basta fazerem o que é preciso em ao cair do pano para se livrarem da devida penalização.
MS – E isso é mau...
TG – Não é mau. É péssimo!

 

O MANSO E O GUERREIRO IX – MIS ABUELOS

O encontro desta tarde cálida de setembro aconteceu em casa do Júlio Manso que esperava o seu velho amigo, Tomé Guerreiro, na varanda de madeira, logo ao cimo das escadas de cantaria, recostado numa velha cadeira de braços, encostada à parede. Lia calmamente um livrinho com marcas do tempo nas páginas amarelecidas.
– Hoje deu-lhe para a literatura?
– Estou a reler este exemplar que tinha ali no fundo da estante.
– De alguém conhecido? – perguntou, curioso o Tomé.
– Conhecidíssimo. Jorge Luís Borges.
– Ah sim, o moncorvense.
– Supostamente!
– Seguramente!
– Não está nada provado.
– Nada há para provar. O próprio não assumiu que eram portugueses e de Moncorvo “sus abuelos”?
– Mas isso não chega. Por isso mesmo a autarquia celebrou um acordo com a Universidade de San Martin para apurar a verdadeira genealogia do escritor argentino.
– Que desperdício de dinheiro!
– Essa agora? Porque acha que é desperdício?
– Simples. Pense comigo. Porque acha que a Universidade de Buenos Aires está interessada no estudo em causa?
– Para poder descobrir a verdade, porque haveria de ser?
– Sim, sem dúvida, mas com uma permissa clara e evidente.
– Que permissa? O que sabe o meu amigo disso?
– O que eu sei é o que a lógica me diz. Os investigadores argentinos querem estudar a genealogia dos Borges com a expetativa que não sejam efetivamente de Moncorvo.
– O que o leva a pensar assim?
– Veja bem, os investigadores trabalham, em qualquer ramo científico, para  poderem publicar, certo?
– Certo, e daí?
– Daí que só é digno de publicação o que trouxer novidade. A partir do momento em que o escritor se declarou moncorvense tendo até visitado a vila nordestina, as suas origens ali deixaram de ter qualquer originalidade. Singular e interessante seria descobrir que afinal a sua origem era noutro local do norte português. Ora se a Câmara, interpretando o sentimento dos munícipes, tem tanto orgulho e proa nas origens conhecidas pode na prática usar o dinheiro público para destruir esse “património” que obtivera diretamente das mãos do académico sulamericano.
– Mas pode chegar à conclusão que afinal é mesmo como se supunha.
– Pode. E nesse caso o que é que o município ganha? Nada. Pagou para obter o que já tinha.
– Mas agora certificado.
– E que valor tem essa certificação? Sabe como essas coisas são. Lançada uma dúvida haverá sempre quem a possa retomar no futuro. Mas agora imagine que a conclusão é contrária aos interesses da autarquia.
– Bem, nesse caso, efetivamente, a aplicação dos escassos recursos públicos não terá sido a mais acertada.
– Claro. Mas não só.
– Há mais?
– Claro que há mais. Muito mais. Porque se o estudo disser que a origem do Borges é outra que reação poderá ter a Câmara que  apoiou e patrocinou o projeto?
– Não será uma posição fácil, não.
– No mínimo não poderá contraditar um trabalho apoiado, promovido e sustentado por si. Pagou, perdeu e nem pode reclamar. Não parece boa ideia andar a jogar na roleta com o dinheiro de todos.
– Provavelmente tem indicadores que apontam no outro sentido.
– Mesmo assim. Nunca deveria ter admitido a dúvida. Porque a partir desse momento, sabemos bem por outros exemplos, alguém há-de, num qualquer dia, levantar de novo essa hipótese e explorá-la. Nessa altura, o Município, se não tivesse participado no estudo anterior, além de não ter desperdiçado dinheiro estaria em muito melhores condições para a contraditar
– Lá isso...

O manso e o guerreiro - VIII – Património genético

Tomé Guerreiro estava já há algum tempo à espera do seu amigo Júlio Manso e foi logo direto ao assunto sem qualquer introdução, brandindo o jornal Nordes de algum tempo atrás.
– Já viu o que vem aqui escrito?
– Não vi, mas o meu amigo vai dizer-me, com toda a certeza.
– Claro que sim. Diz aqui no jornal que a amêndoa coberta de Moncorvo obteve a certificação da União Europeia.
– Estamos então de parabéns.
– Claro, todos nós, a começar pela Câmara Municipal que em colaboração com o Agrupamento de Produtores de Amêndoa, elaboraram, promoveram e candidataram o processo. Só é pena que não se tenha acautelado a preservação do germoplasma da espécie autótone e tradicional.
– Agora é que eu não entendi nada!
– A amendoeira, como sabe, ao contrário da oliveira, é uma árvore de vida curta. Por isso é necessário ir renovando os amendoais.
– Claro. Mas isso não é natural?
– Naturalíssimo! O que acontece é que as novas árvores são de origem italina, espanhola e francesa, diferentes da tradicional.
– Provavelmente porque são melhores.
– Muito melhores! Por isso é que estão a ser preferidas às de antigamente.
– E isso é mau?
– Claro que não. É bom porque permitem maior rentabilidade, mais resistência às pragas e mais longevidade. Mas com o passar do tempo, com a substituição das árvores mais antigas pelas novas espécies, estamos, pouco a pouco a perder um património que é nosso.
– E para que queremos nós esse património, para que servem essas velhas árvores se existem melhores espécies disponíveis.
– Meu caro amigo, isso nem parece seu. Para que o queremos? Ora essa, para o conservar, exatamente pela mesma razão por que conservamos os castelos, os fortes, os castros e outras antigas construções.
– Isso é diferente. São monumentos antigos e com muito valor.
– Diferente em quê? A questão é exatamente a mesma. A conservação dos monumentos não impediu a modernização da habitação. Conservar as construções antigas não quer dizer que tenhamos de manter a técnica e a forma antiga de edificar as habitações. As casas de agora podem e devem ser mais confortáveis, ter outro tipo de estruturas e comodidades. Mas isso não pode implicar a destruição ou sequer a deterioração do património edificado só por não ter essas características.
– Ou seja devem os agricultores optar por novas variedades mas deve ser assegurado o património original da tradicional?
– Exatamente.
– Mas como?
– Assegurando a existência de alguns amendoais com as espécies tradicionais que embora tendo rendimentos mais baixos e menor resistência a pragas e doenças, garante que não se perdem as espécies que durante milhares de anos povoaram as encostas dos montes da Terra Quente.
– E porque hão-de os agricultores, cujos rendimentos são tão escassos, preocupar-se com essa questão em vez de aproveitarem todo o terreno disponível para plantações modernas e rentáveis?
– Tem toda a razão. Não compete aos agricultores assegurarem esse objetivo. Essa é uma tarefa das instituições do setor com o devido apoio da autarquia!
– E não há outra forma de garantir esse desiderato?
– Sim, há outra forma que aliás é já usada em outros locais: isolando, conservando e preservando o respetivo germoplasma.
– E como é que se faz essa preservação?
– Isso é que eu não sei. Mas há, certamente quem saiba. Basta inquirir.
– Nem mais!

O manso e o guerreiro. VII – Velhas maleitas e sezões

Para grande espanto do Júlio Manso, o Tomé Guerreiro esperava-o sentado num banquinho de madeira, feito pelo Toninho Carpinteiro, já lá vai um ror de anos, em frente da improvisada mesa de pedra que a velha mó de um moinho lhe proporcionava, muito entretido e interessado a olhar para o ecrã brilhante de um novíssimo computador portátil. 
— Ora vejam só quem é que já se interessa pela tecnologia. 
— Ora essa! A informática não é coutada da gente jovem. Não sabe o meu amigo que a infoexclusão de agora é o equivalente ao analfabetismo do tempo da nossa juventude? Além de que é justo ajudar quem nos ajuda. 
— Essa agora! Ajudar quem? 
— O Bill Gates, claro. O magnata da informática. 
— E é esse que nos ajuda? Cada vez entendo menos. 
— Caro Júlio, saiba que o empresário americano sendo o homem mais rico do mundo, criou uma Fundação que, entre outras coisas, está a financiar projetos de combate à malária. 
— E o que é que isso tem a ver connosco? 
— De duas formas: por causa da malária e porque o consórcio que está a desenvolver uma vacina conta com vários investigadores portugueses, do Instituto de Medicina Molecular, do Instituto Gulbenkian de Ciência, do Instituto de Tecnologia Química e Biológica António Xavier, do Instituto de Higiene e Medicina Tropical e da Universidade do Minho. 
— Mas isso da malária não é uma doença de África? 
— É sim senhor. Uma doença terrível que só em 2015 matou mais de meio milhão de pessoas. Uma doença que afeta, entre outros, vários países de língua portugesa. Mas também é uma doença que já andou por aqui e que as alterações climáticas podem muito bem criar as condições do seu regresso. 
— Malária? Por aqui? Não tenho memória de ter ouvido falar... 
— E de Paludismo? E de Sezões? E das Maleitas?
— Não me diga...
— Pois lhe digo. É tudo e a mesma coisa. 
— Das maleitas e sezões ouvi falar muito. Quem é que da nossa idade não se lembra? 
— Pois é! Tiveram muita incidência nas zonas de arrozais dos vales do Tejo e do Sado, mas também no nordeste, sobretudo no Vale da Vilariça.  
— Doença terrível. Havia quem a associasse á Rebofa.
— É provável que sim. O Visconde de Vila Maior descreve o Vale da Vilariça como tendo sido um antigo lago que desapareceu pela deposição de aluviões que foram, por um lado, trazidos das montanhas próximas e por outro depositados pela ação violenta da Rebofa provocada pela configuração específica do Douro ao contornar o Monte Meão.
— E vossemecê sabe como é que uma coisa tem a ver com outra? 
— As maleitas, ou paludismo era e é, provocado pela picada de um mosquito.
— E então? 
— Então que a nata depositada pelas águas revoltas do Douro a que se juntavam as do Sabor, numa zona quente, exposta ao sol e abrigada do frio pela serra de Bornes, configurava um ambiente natural para a existência de focos de mosquitagem que transmitiam a doença a tantos que se dedicavam às lides agrícolas, sobretudo quando o faziam de forma exposta, com pouca roupa a cobrir-lhes o corpo e descalços.  
— Uma doença que atacava sobretudo os mais pobres. 
— Tal como agora, já nessa altura era uma doença ligada á pobreza. E é também isso que valoriza a ação da Fundação Bill & Melinda Gates.  
— Pode explicar melhor?
— A Malária, tal como muitas outras doenças, pode, tudo o indica, ser combatida com medicamentos mas, sobretudo, ser evitada com vacinas. Mas como os possíveis doentes são gente pobre e com poucos recursos não tem merecido a atenção das grandes farmacêuticas. Por isso é importante que instituições que não procuram o lucro, como são as Fundações invistam nestas áreas para que seja possível chegar a resultados práticos.
— E as entidades portuguesas? 
— Todas as entidades portuguesas de que lhe falei, são instituições sem fins lucrativos. O Instituto Gulbenkian de Ciência pertence à Fundação Calouste Gulbenkian que realizou há alguns anos um programa sem precendentes fazendo o rastreamente genético completo da ilha do Príncipe e cujo estudo está na base da atual participação neste consórcio.  
— E acha provável chegarem a uma vacina?  
— É possível. Tal como é possível e regresso do Paludismo ao nosso país fruto do aquecimento global que cria as condições para a reprodução do mosquito que o transmite!

O manso e o guerreiro VI – Qual é a tua, ó meu?

Tomé Guerreiro esperou o seu velho amigo Júlio Manso à entrada da adega. Quando o viu ao fundo da rua a dobrar a esquina tratou de cortar duas lascas de presunto e encheu os dois copos com tinto da sua colheita. 
— Veja lá se ainda se bebe pois o calor já aperta e a pipa já está quase a chegar às borras.
— Já pica um pouquito! Era bem engarrafá-lo entes que se estrague... 
— Ele não! Já não compensa. Não tarda nada está aí o novo e quando azedar de vez, fica para vinagre e também se gasta.  
— Pois isso é verdade. Este ano até há-de vir primeiro que as uvas amaduraram cedo. Já há quem queira vindimar!
— Pois eu só vou cortar as uvas em setembro. Dê por onde der...
Júlio Manso deu uma espreitadela no Jornal Nordeste que ostentava na capa a fotografia de uma brilhante locomotiva, propriedade da empresa que vai esplorar turisticamente o que resta da antiga linha de caminho de ferro parcialmente submersa pela última barragem da EDP, num dos afluentes do Douro.
— Então,lá vamos ter de novo o comboio a apitar, da Brunheda a Mirandela.
— Vamos de certeza, que a Douro Azul não brinca em serviço.
— Pena é que não estenda as suas atividades a outros locais que neste tempo de crescimento turístico por todo o país é que é de aproveitar quem faz e sabe fazer bem! 
— Muito Deus ajuda a quem madruga! 
— É bem verdade ti’ Tomé! Não basta esperar pelas oportunidades. É necessário fazer por elas. Nisso, honra lhes seja feita: os autarcas das margens do Tua não deixam os seus créditos por mãos alheias. 
— Fazem eles muito bem. Ao contrário de outros que o trataram com desdém eles resolveram acarinhar o empresário duriense. E o resto veio por acréscimo! 
— E não se esqueceram de pressionar e insistir com a EDP 
— Assim é que é! A cara feia é para quem nos tira, as gentilezas são para quem nos dá! 
— Veja só que no Tua até o que nos outros é problema, aqui é solução! 
— Está a falar dos morcegos? 
— Isso mesmo. No Tua combatem pragas e são bem vindos 
— Por falar nisso, afinal os ditos cujos hibernam ou invernam? 
— E há diferença? 
— Claro que há. Ou vossemcê acha que é apenas uma questão de grafia? 
— E não é? 
— Claro que não. Como também, parecendo, não é, apenas uma questão gráfica a diferença entre ficar calado e assim evitar ficar colado a tão grossa asneira! 
— Pois será! Mas isso de uma coisa ser boa num lugar e a mesma coisa ser problema noutro sítio e vice-versa, quase parece mau olhado! Ou feitiço. 
— Não é não, que eu não acredito nisso. Quando muito é o fator Sadim! 
— E isso é o quê? 
— Ora isso... são já outros quinhentos! Hoje já vamos muito avançados e não sobra tempo para lhe explicar. Fica para a próxima. 

O MANSO E O GUERREIRO V – O PORTO DO VINHO

Hoje o Júlio Manso e o Tomé Guerreiro encontraram-se na Taberna do Pataquim. Uma escuridão sobre o Monte Meão bifurcando-se entre a Lousa e a Cardanha prenunciava borrasca estival. Muitas vezes não passava de susto, mas pelo sim pelo não, era melhor não arriscar. Aproveitavam para alargar o diálogo a outros que igualmente se abrigavam dos humores de S. Pedro que devia ter dormido mal a sesta a avaliar pelo relampejar que estalava no céu seguido de fortes ribombadas.
– Já não passamos sem apanhar com uma boa carga d’água.
– Pode ser que não. Já puseram o S. Martinho à porta – ripostou o Júlio, molhando a palavra e aludindo à tradição centenária de colocar a imagem do Bispo de Tours no cadeirão paroquial sob a arcada da porta de entrada da igreja, para que a tempestade passe ao largo ou que não cause grande estrago.
– Com este calor, se chover, vamos apanhar com uma boa carga de míldio!
– Lá se vai o Vinho do Porto!
– Do Porto? Do Porto porquê? 
– Porque é assim que é conhecido. 
– Aqui não. Aqui é Vinho Fino. Do Porto não tem nada. Só o nome...
– Isso é a mais pura das verdades. Devia ser Vinho Fino do Douro. Mas o Porto é quase como um íman. Atrai tudo o que tem valor e fica com ele.
– O Vinho generoso é uma boa metáfora sobre a auto-intitulada capital do Norte. Serve-lhe às mil maneiras este norte desertificado e esquecido para que a Invicta possa, contrariamente a Lisboa, manter-se dentro da zona de convergência. Mas quando se trata de distribuir os meios adicionais que por nossa causa acaba por receber abotoa-se bem primeiro e só depois é que deixa cair algumas migalhas.
– E às vezes nem isso.
– Tens toda a razão. Às vezes nem migalhas nos tocam. Veja-se o que aconteceu quando o ex-ministro Jorge Moreira da Silva quiz que um pequeníssimo aumento nas tarifas da água nos consumidores do litoral permitisse uma assinalável baixa nos preços unitário do interior que têm custos de exploração mais elevados. Foi o Porto que liderou a contestação e que veio inviabilizar este pequeno gesto de solidariedade.
– O que é válido para a água, não devia ser também para a eletricidade? Os custos não são mais baratos aqui que no litoral? 
– São, claro que são. Contudo o preço que os tripeiros pagam é rigorosamente igual ao dos transmontanos.
– Oh ti Tomé, não me diga que ainda continua com a candidatura da Agência Europeia do Medicamento atravessada.
– Atravessada não está. Porque haveria de estar? Agora, o que eu mais quero é que venha para o Porto, claro. É a única forma que temos de a ter por cá e sempre é melhor que fique em território português do que vá para outro lugar, apesar de tudo.
– Apesar de tudo? Parece pouco convicto, homem. 
– Não são favas contadas, podes crer. Vai ser muito difícil ganhar essa disputa.
– Mas o Porto fez o que lhe competia...
– Pois fez. Só tem a ganhar. Ao contrário de nós. 
– Ao contrário? Porquê ao contrário?
– Porque nessa competição, tal como na questão da água, nem as migalhas vamos arrecadar. Não ganhamos nada nisso e ainda podemos perder...
– Perder? Perder porquê?
– Veja bem: se a proposta portuguesa ganhar o concurso, os louros e proveito vão inteirinhos para o Porto. Para nós nada sobra dessa mesa.
– Não sobrará não, mas também não vejo que prejuízo podemos ter.
– O estrago pode ser grande. Se a União Europeia optar por outra cidade o golpe não atingirá significativamente o Porto que já fez valer e bem o seu peso relativo. Quem vai pagar o insucesso de uma troca de última hora da cidade candidata é o movimento regionalista. O Porto encontrará sempre uma outra benesse compensadora. O centralismo lisboeta é que olhará cada vez com mais desdém para a necessária descentralização.
– Mas isso não é grande novidade...
– Pois não. Só que agora já não se trata apenas de uma posição teórica e de princípio. Agora têm um exemplo para brandir. Poderão sempre argumentar que se a candidatura fosse melhor, entenda-se a original preparada por e para Lisboa, não teríamos perdido esta importante batalha! Tenham ou não tenham razão!

O MANSO E O GUERREIRO IV – O CARTÃO E A CASACA

Quando o Júlio Manso se senta ao lado do velho amigo Tomé Guerreiro este responde-lhe maquinalmente à saudação e nem tira os olhos do jornal.

– As novidades deixaram-no preocupado, ti’Guerreiro.

– Nem por isso. Nem são novidades nem é preocupação o que sinto.

– Homessa! Hoje está muito enigmático. Explique-se, homem.

– Estou a reler uma prosa que veio publicada no Jornal Expresso já em maio.

– E o que é lê aí, que o deixa tão cisudo?  

– É um artigo de opinião do Pedro Santos Guerreiro que, a propósito dos papéis do Panamá e quejandos, veio garantir que ele e os que se meteram nesta tarefa hão-de levá-la até ao fim porque é esse o seu dever e que assim haverão de “regenerar um sistema em falência”.

– Mas olhe que isso mexe com gente muito poderosa!

– E ele não o sabe? Veja o que o homem diz: “Mesmo que ponha em causa poderes instalados – sobretudo se põe em causa poderes instalados – continuaremos inquietos e a inquietar. Mesmo que encolham os ombros nós mexeremos os braços. Mesmo que as opiniões públicas desistam, nós insistimos.”

– Pois essa deve ser a determinação de quem escolhe o serviço público, seja na administração, seja na comunicação social, seja na política.

– Na política não é assim tão simples. Nem tão direta. Nem sequer tão óbvia.

– E sabe porquê?

– Para começar porque o comportamento dos atores está longe de ser sensato e congruente. Basta ver a quantidade de gente que, a pensar no lugarzinho, já anda a mudar de companhia para o próximo ato eleitoral.  

– O virar de casaca partidária é uma moléstia a que já nos habituámos.

– Virar as costas ao partido nem sempre é mau  nem censurável.

– Essa agora!

– É verdade que as candidaturas integradas em partidos dão várias garantias aos eleitores. São estruras sólidas, permanentes e com muita inércia programática.

– E isso não é bom?

– Claro que sim! Contudo o problema é que os programas não têm força de lei e, como tal, podem ter interpretações e execuções muito diversas de acordo com quem lidera o poder executivo.

– É verdade. Mas, como sabe, a adesão a um partido é um ato voluntário. Ninguém é obrigado. Muito menos a integrar qualquer lista eleitoral. Quem aceitar a bandeira partidária aceita as regras estatutárias que integram certos preceitos de lealdade e fidelidade às opções, definidas por quem tiver legitimidade para isso.

– Concordo totalmente. Mas nem sempre tem de ser assim!

– E porque não?

– Pela própria natureza partidária.

– Agora é que fiquei completamente baralhado.

– Os partidos foram criados para exercerem o poder, em nome dos eleitores. A fidelidade dos seus membros aos respetivos estatutos serve precisamente para garantir aos votantes o cumprimento do programa partidário, genericamente, e o eleitoral, em particular. Por isso se exige aos eleitos que sejam coerentes e fiáveis.

– Sem dúvida!

– Contudo se alguém que aderiu a um partido com o genuíno sentido de serviço público, verificar que o interesse comum não está devidamente acautelado, não será legítimo ignorar os ditames estatutários? – Mesmo que isso implique a perda do cartão de militante..?

– Mesmo que a consequência seja essa! Porque, neste caso em concreto, o verdadeiro virar da casaca seria manter-se calado e cúmplice!