José Mário Leite

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A xorca de Sintra e os berrões da Vilariça

Recentemente, Emmanuel Macron anunciou a decisão inédita e marcante de devolver ao Benim uma coleção de bronzes, abusivamente retirados daquele país por militares gauleses no âmbito de uma expedição no final do século XIX. Na sequência desta declaração, assumiu estar disponível para promover uma conferência com o objetivo de analisar o futuro das obras retiradas dos seus locais de origem.

É, sem dúvida uma questão que vai revolucionar a forma como se olha e analisa esta questão. Espera-se que, acima de tudo, se estabeleçam regras justas e universalmente aceites. É verdade que a assunção desta norma vai, seguramente, causar um terramoto ideológico e, sobretudo, questionar o acervo de alguns museus de referência. Levada até às últimas consequências poderá fazer perigar a existência de alguns deles, ou, pelo menos, despromovê-los. Basta imaginar o que seria do Louvre despojado das suas melhores peças de escultura em mármore, de nacionalidade grega e romana, sem esquecer as pinturas “italianas” com relevo para a celebérrima Mona Lisa, para não falar da enorme e riquíssima coleção egípcia iniciada com o produto dos saques de Napoleão.

Receosos do terramoto que tal revolução poderá provocar, dirigentes culturais começam já a argumentar com a legitimidade inerente à posse de algumas das obras mais icónicas. E é aí que o debate tem de começar, embora não seja fácil, nem óbvia a respetiva definição. O roubo é, obviamente, um ato ilegítimo cuja reparação tem de, obviamente, contemplar a devolução do produto do furto. A pilhagem, na sequência de uma ação militar não pode deixar de ser considerada como roubo. Haverá, mesmo assim quem venha argumentar com os direitos adquiridos com o tempo de posse, uma espécie de usocapião artístico. Mas entre o roubo e a aquisição, a preço de mercado, de um produto artístico há uma enorme zona cinzenta que conviria aclarar e regulamentar. Mesmo que não seja fácil definir o justo preço de uma obra de arte, também não é impossível por recurso a leilões internacionais e análises comparativas. Uma “compra” a preço exageradamente baixo não deixa de ser uma usurpação “legalizada”.

Curiosa é a posição de José Leite de Vasconcelos que, pela mesma altura que os generais franceses se apoderavam de valiosíssimos bronzes africanos, se insurgia com a “venda” de um colar da idade do bronze encontrado nas imediações da capital e que era conhecida como a Xorca de Sintra, por um preço irrisorio ao Museu Britânico. Na sequência do precedente aberto por Paris, o Ministério da Cultura deveria reclamar junto do Governo de Sua Majestade a devolução da “mais fantástica obra pré-histórica achada em Portugal”. Mas, seguindo a mesma linha de pensamento e atuação, deveria tratar de devolver à Vilariça os célebres berrões encontrados pelo Abade de Carviçais e enviados para o Museu Etnológico criado e promovido por Leite de Vasconcelos a troco de pouco mais que as despesas de viagem.

Se na altura a “razão” da viagem de comboio (após transporte fluvial) até Lisboa foi justificada pela necessidade de os preservar e expôr, por falta do Museu Municipal de Arqueologia, esse motivo há muito que se extinguiu. O Museu do Ferro de Moncorvo pode acolher e guardar as peças referidas até que o moderno museu que perpetue a memória e o espólio do padre José Augusto Tavares seja erigido e colocado ao serviço da população.

 

Tanto com tão pouco. Tanto para tão pouco

No encerramento do Conselho Raiano, dedicado ao Ensino e ao Futuro dos Territórios Raianos levado a cabo pela Rionor, a Presidente da Câmara de Mirandela, Júlia Rodrigues, enquanto anfitriã da última jornada, ao agradecer a presenças das entidades presentes (o Ministro da Educação, Tiago Brandão Rodrigues e o Consejero de Educación de la Junta de Castilla León, Fernando Rey, entre outras individualidades dos lados de cá e de lá da raia nordestina) reconheceu e elogiou o muito que a Rionor faz, com os poucos meios que tem. Não sendo grande novidade para todos os que, de alguma forma, acompanham as actividades da Associação com sede em Rio de Onor, não deixa de ser relevante e é, de alguma forma, reconfortante ver reconhecido o esforço, empenho e resultado que a equipa liderada por Francisco Alves está a levar a cabo de ambos os lados da fronteira que o nordeste partilha com Castilla León. E é bom acrescentar que muitas das actividades que a este nível são concretizadas implicam um trabalho imenso de bastidores que sendo invisível para o público em geral, raramente é conhecido e, logicamente, ainda menos reconhecido. Curiosamente, num dos intervalos das jornadas rionorenses comentava exactamente este tema com o Norberto Veiga, a propósito do trabalho intelectual que implica, para a maioria de nós, muito suor, esforço e dedicação. Por coincidência, nesse mesmo fim de semana, remexendo em papéis velhos encontrei, por acaso, vários textos meus, com mais de trinta anos. Manuscritos, obviamente, e muito rasurados com leitura difícil a que, quando tiver tempo, me hei-de dedicar. Contudo saltou-me à vista e reconheci, de imediato, o primeiro esboço de uma descrição em que comecei a trabalhar no princípio dos anos oitenta e que apenas foi publicada integrada no meu romance, A Morte de Germano Trancoso, com mais de três dezenas de anos passados. Teve, obviamente, incontáveis versões, sendo que de muitas delas, por causa da facilidade de escrever, modificar e copiar, em computador, não ficou qualquer registo. Não se perdeu nada! 
Disto o que é importante relevar é que ao constatar que com poucos recursos se fez muito, é bom não esquecer que é necessário acrescentar ao visível a imensidão do que fica escondido e, muitas vezes perdido, para que se consiga algum valor ao produto final.
Das jornadas em si, a douta comissão designada para tal, trará a público as respectivas conclusões. Sem me querer antecipar não ignorando a qualidade dos respectivos membros não quero deixar de trazer aqui uma pequena provocação que a escassez de tempo impediu de levantar na altura. Um dos temas mais falados e defendidos por todos os intervenientes foi o da cooperação. É uma realidade inelutável. Cada vez mais o que se faz de bem feito e com valor, resulta de trabalho cooperativo e coordenado. É assim no trabalho mas também na investigação e inovação, onde residem, cada vez mais, as mais-valias importantes para o desenvolvimento futuro. Sendo assim, porque é que os exames continuam a ser individuais e não se valorizam adequadamente os trabalhos de grupo? Já agora, numa altura em que os diplomas deixaram de ser a garantia de uma ocupação futura, porque é que o ensino continua virado e focado na obtenção do certificado final de aprovação?
BOAS FESTAS!

Educação em territórios do interior – Utopias e novos paradigmas (Conselho Raiano em Mirandela)

A Plataforma transfronteiriça RIONOR (Rede Ibérica Ocidental para uma Nova Ordenação Raiana) e cuja atuação se desenvolve nos territórios de Trás-os-Montes, Alto Douro, Galiza e Castilla León vai concluir em Mirandela, no próximo dia 15 de dezembro, na Escola Profissional de Carvalhais um Conselho Raiano iniciado recentemente em Zamora. Foram ali levantadas várias questões sobre um novo paradigma educacional, ibérico, coerente e consequente com os ideais da Associação com sede na aldeia comunitária luso-espanhola.

Após o sucesso que foi a jornada castelhana e perante, não só as teses, propostas, relatos, conceitos e exemplos ali apresentados mas, sobretudo, pelas perguntas, sugestões, inquietações e propostas que a centena de delegados, dirigentes e participantes ali trouxeram, é enorme a expetativa que se criou à volta da jornada a acontecer na Terra Quente Transmontana. Bem andou, precisamente, a direção da RIONOR ao adiar o acontecimento para meados do último mês do ano, permitindo assim uma melhor, mais atenta e mais adequada intervenção dos participantes que já se comprometeram a rumar à Princesa do Tua em mais de uma centena.

Numa altura em que, não só no nordeste, mas também no nordeste, como em todo o mundo se questiona a melhor forma de investir nas novas gerações para garantir um futuro melhor e, porque não, para concretizar e até banalizar o que hoje, muitas vezes, é visto como inatingíveis utopias.

Longe de mim querer antecipar-me ao promissor conteúdo que vai brotar em quantidade e, sobretudo, em qualidade em Carvalhais. Permito-me, porém, fazer uma pequena reflexão sobre formação e educação. Vivemos um tempo em que estão já adquiridas, entre muitas outras, duas verdades incontestáveis: ninguém sabe ao certo quais vão ser as profissões do próximo futuro (sabemos todos que serão distintas das atuais) e que tudo o que possa ser feito por uma máquina, haverá, seguramente, uma máquina para o fazer, melhor e mais rápido que qualquer ser humano, por mais genial que seja! Será contudo precipitado e mesmo perigoso confundir dois conceitos que, sendo semelhantes, não são iguais. Havendo muitas tarefas que as novas gerações não precisam saber fazer, não devem nem podem ignorar como fazer.

Porque os computadores têm uma capacidade enorme e crescente de processamento mas a sua memória é sempre temporária, direta e objetiva. Por contraponto, a nossa é duradoura, sentimental e associativa. As máquinas, cada vez mais poderosas e inteligentes, tomarão conta e dominarão toda a tecnologia conhecida e repetitiva mesmo que complexa. Contudo, à saída de fábrica, as máquinas são todas iguais, ao contrário dos seres vivos que não há dois que o sejam.

Mesmo assim o trabalho humano, se rotineiro tenderá a desvalorizar-se. O mundo que nos espera é global e pequeno. O que eu faço aqui, se nada de intrinsecamente meu tiver, alguém, em alguma parte do mundo o vai fazer melhor ou mais barato.

Cabe-nos pois valorizar, adequadamente, a arte, o sentimento, a memória! Este facto torna a sustentabilidade futura mais democrática porque à desvalorização natural dos recursos tecnológicos vai corresponder um acréscimo dos valores baseados na imaginação, sensibilidade e tradição... em que os territórios interiores pedem meças aos do litoral!

Protagonismos, ferrovia e efemérides

1 - Embora ocupe e tenha ocupado centenas de cidadãos, não há nenhum Curso Regular

de Gestão Autárquica. Havendo casos evidentes de erro de casting também é certo que são reconhecíveis vários presidentes, muito competentes, alguns deles, autênticos mestres (que belíssimos professores seriam no Curso Superior de Gestão Autárquica!) Sem deixar de reconhecer a possível existência de outros, tive o privilégio de trabalhar com dois dos melhores e que, curiosamente, sendo exemplares na arte de bem governar, eram distintos em quase tudo, exceto num ou noutro aspeto, nomeadamente na capacidade de inclusão de críticos, opositores e pensadores divergentes. Para além disso e em complemento, quer Artur Pimentel, quer José Gama, sempre souberam que tudo o que de relevante acontece no município acaba por cair no colo do Presidente da Câmara. Por isso, inteligentemente, apoiavam todas as iniciativas, desde que válidas, viessem elas de onde viessem. Em vez de desperdiçarem energias a desvalorizá-las ou mesmo a ignorá-las para depois se verem na “obrigação” de arranjarem substituição adequada que poderia, na melhor das hipóteses, ser gémea da recusada. Para além dessa vantagem prática cumpriam assim um dos mais importantes desígnios dos dirigentes do interior: promover a unidade em vez da divergência. É que nós todos, unidos, já somos poucos. Divididos, somos muito menos!

2. É com alegria e satisfação que constato a conversão de alguns autarcas à causa da ferrovia. Para já “apenas” colhe a opinião favorável a linha do Douro. Será, estou certo, uma questão de tempo até que a atenção dos dirigentes regionais se concentre nas linhas de caminho de ferro de via estreita. A do Sabor, em concreto, não pode deixar de ser equacionada numa análise séria sobre o escoamento do produto das minas de ferro do Felgar.

3. Muita alegria e regozijo me causou o anúncio das comemorações dos 150 anos do nascimento do padre José Augusto Tavares, o Abade de Carviçais. Descentralizadas, tal como sempre advoguei, irão ocorrer na Lousa, Moncorvo e Carviçais. Mais do que justificadas e bem vindas mesmo que deslocadas no tempo pois foi a 4 de abril que o prelado nasceu e não a 24 de novembro. Parecendo descabido não ter havido o devido aproveitamento de uma inciativa de vários moncorvenses ligados a Carviçais que, muito a tempo pretenderam que a efeméride acontecesse no dia adequado, estou certo que tal não se deve a descuido ou outras razões menores, por parte da autarquia. Não conhecendo em concreto as razões deste considerável adiamento não tenho dúvidas que apenas uma terá força suficiente para o justificar: o espólio do pároco e arqueólogo foi definitivamente catalogado, recuperado e estará por fim, disponível para integrar o Museu Municipal de Arqueologia cumprindo a sua vontade e culminando as diligências com a Diocese e o Seminário de Bragança que tinham, há mais de um ano, entrado no bom caminho!

WEB SUMMIT (E uma cerveja ao fim de tarde)

De 5 a 8 deste mês, o Parque das Nações foi invadido por várias dezenas de milhar de visitantes, na sua maioria jovens, profissionalmente ligados às Novas Tecnologias, aficionados e utilizadores habituais de Apps, redes sociais, videojogos e muitos outros produtos digitais. O próximo futuro esteve visível na janela que se abriu e continuará a abrir, na próxima década, na zona ribeirinha que em Lisboa ladeia a Ponte Vasco da Gama. Quem percorreu os vários pavilhões e se embrenhou pelos inúmeros corredores, assistindo ou não às várias sessões paralelas do evento ficou com a impressão que a tecnologia informática, condicionando já a nossa vida, acabará por dominá-la ao ponto de substituir o género humano em todas as atividades produtivas atuais. O aparecimento de alguns robots no próprio certame, sendo a Sophia talvez o mais mediático, vem reforçar essa convicção.

Há quem comece já a anunciar cenários apocalípticos em que o mundo será dominado pelas máquinas cuja inteligência superará a humana levando a uma submissão incondicional ao silício e ao comando algorítmico residente nas memórias dos computadores e devidamente executados por processadores, cada vez mais rápidos e potentes. Não há que ter receio.

É certo que, qualquer tarefa, que seja possível mecanizar, com maior ou menor complexidade, há-de ser executada por uma máquina. Não haja qualquer dúvida que a fará melhor, mais rápido, com maior qualidade e com um custo inferior. Mas isso faz parte da natural evolução da humanidade. Esse é um passo evolutivo e nada de mal acontecerá por entregarmos a equipamentos sofisticados, alguns dotados de “Inteligência Artificial”, porque sendo produtos humanos apenas replicam os conhecimentos destes, mesmo que lhes seja afetada uma capacidade maior de processamento. O que é necessário é levar em boa conta o “ambiente” em que tudo isto acontece e, sabendo da superioridade virtual, deve ser-lhes entregue tudo quanto um algoritmo possa, de alguma forma, resolver ou solucionar. Por isso mesmo é importante que os curricula escolares comecem já a levar, em devida conta, esta realidade e orientar o ensino para as características vincadamente humanas, como a prática desportiva, a música, a pintura, a arte e a literatura. No futuro que vertiginosamente se aproxima, serão essas aptidões e capacidades a distinguir os homens dos andróides.

Se o objetivo dos engenheiros é procurar que as máquinas se assemelhem, cada vez mais, com os homens, o dos professores deverá seguir na direção oposta, procurando, incessantemente, que

os seres humanos sejam, o mais possível, diferentes dos robots.

Para finalizar, não posso deixar de referir um acontecimento ocorrido há alguns anos no Instituto Gulbenkian de Ciência onde uma investigação científica de relevo que foi, inclusivamente capa de uma prestigiada publicação internacional,  nasceu numa conversa descontraída de dois cientistas enquanto bebiam uma cerveja, ao fim da tarde.

Os computadores comunicam entre si, de forma contínua, a velocidades estonteantes e com uma exatidão sem paralelo. Contudo ainda não bebem cerveja ao pôr do sol!

A costeleta (o PCP e os CTT)

Imagine-se que alguém, tendo comprado num talho, dois ou três quilos de costeletas, regressa algum tempo depois a devolver os ossos, por serem duros demais. Obviamente que o talhante, se for educado, explicar-lhe-á que quando optou por aquele tipo de carne, em vez de bife da alcatra, sabia bem que o osso estava incluído e por essa razão o preço era mais baixo. Se estiver mal disposto, com pouca paciência ou se o reclamante for reincidente e agressivo, o mais provável é que seja corrido do talho, à frente de cutelo ameaçador! É esta, mutatis mutandis a resposta que se espera do Governo da Nação face à intenção da Administração dos CTT de fechar dezenas de postos de atendimento ao público. Contrariamente ao exemplo referido, aqui há uma terceira opção. Não podendo o dono do talho pedir a devolução do produto transacionado, o Estado pode reverter a privatização da empresa de distribuição de correio e encomendas.

Tal como o cliente do açougue, quem adquiriu as ações dos CTT, fê-lo na mira do uso da licença bancária, associada ao negócio, sabendo que a contrapartida era a garantia de assegurar o serviço público de correio e demais serviços postais em todo o território nacional independentemente da rentabilidade local. E é isso que têm de ser obrigados a manter. Mesmo que tal resulte em prejuízo. É essa lei do Mercado e esse o princípio que os empresários exibem quando lhes convém! Não se pode ignorar que, em causa está uma atividade imprescindível para uma larga faixa de portugueses, com anormes carências e fragilidades e que é necessário assegurar. Se o concessionário não o faz então que o volte a fazer o Estado que não se pode nunca assumir-se como um grande conglomerado mercantil nem basear a sua atividade na rentabilidade e no lucro.

Obviamente que a administração pública, sendo uma entidade de bem, deve comportar-se como tal. Deve cumprir os acordos que estabelece mas não pode negligenciar as contrapartidas negociadas. Os CTT estão numa senda de que já ninguém pode alegar ignorância, quanto ao destino final. Uma após outra, vai fechar TODAS as delegações onde não tenha assegurado rendimento adequado. Veja-se o que se passou, só este ano. Em janeiro anunciou o encerramento de 22 lojas e, antes de dezembro, a intenção clara e assumida, ultrapassa já largamente a meia centena. Com uma estratégia vil, cobarde e sorrateira, vai comunicando uma hoje, outra amanhã, esta no norte, a seguinte no sul, de forma a minimizar o impacto e a fazer passar suavemente o brutal golpe que pretende desferir no interesse e utilidade pública a que contratualmente se comprometeu.

Contrariamente ao que pretende fazer crer e que, de certa forma está a conseguir, a luta e a resistência contra tão ínvio intento não é uma contenda local ou sequer regional. Não é um problema de Arraiolos, Calheta, Izeda ou Vila Flor. Nem tão pouco do distrito de Évora, da CIM transmontana ou até da região autónoma da Madeira. Nem sequer uma questão partidária nem do governo ou da oposição. Este é um problema nacional e resposta adequada ao traiçoeiro e  pérfido ataque ao interesse público tem de ser de toda a população, multipartidária e situar-se muito para lá da ideologia. No meu entender, a melhor forma de o demonstrar, é assumir que não é necessário aderir a um qualquer partido nem subscrever a sua ideologia para abraçar posições claras e justas que este possa defender e liderar. Só um míope ou um cego é que não vê que, nesta situação concreta, quem está melhor posicionado para comandar as tropas é o PCP, não só pela coerência sempre assumida nesta matéria como ainda pela inquestionável capacidade de mobilização e congregação das razões de protesto. Não há-de ser preciso colocar um pin com a foice e o martelo, na lapela, nem sobraçar o Kapital para integrar uma significativa e inequívoca mega manifestação/protesto contra o golpe que estão a desferir nos nossos legítimos direitos.

De nada servem declarações grandiloquentes que não contribuam para o reforço desta urgente tarefa. Que ninguém seja questionado por engrossar este apoio. Se qualquer liderança partidária questionar um miltante por esta atitude, a este só resta mandar o partido às urtigas, já que a militância só tem sentido se puder ser canalizada para o interesse comum. Por mim, já tenho à mão um cachecol vermelho (que também é a cor do Benfica e dos CTT) e, de bom grado engancharei o meu braço no do Jerónimo para marchar ao seu lado a reclamar a reversão da privatização, se o serviço público não for devidamente assegurado.

Passe bem

Quando escrevo esta crónica, ainda não é totalmente conhecida a proposta do Go-

verno do Orçamento de Estado para 2019, contudo, tudo indica que vai contemplar uma medida de singular relevo, não tanto pelo valor em jogo mas pela mais valia intrínseca. Refiro-me aos passes sociais que, anunciados inicialmente por Fernando Medina, com aplicação, obviamente, na área Metropolitana de Lisboa e que acabaram por ser “adotados” pelo Governo e estendidos a todo o país. Entretanto várias peripécias acompanharam este processo que será interessante analisar.

Após a comunicação inicial do autarca alfacinha, esta intenção foi devidamente analisada e assinalada por Luis Marques Mendes no seu espaço de comentário semanal na SIC. Elogiando a medida e os seus previsíveis benefícios quer para a capital quer, sobretudo, para os residentes nas suas imediações e que regularmente se deslocam diariamente, não deixou de apontar uma “falha” pois sendo uma medida de aplicação regional tinha uma componente nacional, no seu financiamento. A reação política foi imediata revelando a atenção crescente que os políticos dispensam aos comentadores (efeito Marcelo?) tanto assim que a expressão “não comento comentadores” perdeu atualidade sendo usada apenas por atores secundaríssimos, incapazes e incompetentes para responderem de forma clara a críticas de que são alvo. Não sendo este o caso, a disposição foi, de imediato, alargada à zona urbana do Porto.

O antigo líder do PSD retomou novamente o tema reclamando que era um caso de flagrante injustiça, que ao fazer uso do Orçamento de Estado para implementar melhorias em zonas urbanas limitadas e com níveis médios de vida acima da média nacional estava-se a subverter o papel redistributivo do Estado colocando os pobres a pagar para os ricos. Como reação, a regra foi estendida a todo o país. Caíram então as críticas “óbvias”, a que o nordeste não escapou: a dimensão dos transportes públicos no interior é residual – lá estão, mais uma vez, a subtrair ao interior para levar para o litoral.

Sendo certo que a maioria dos queixumes e reclamações contra o Estado centralista são mais que razoáveis e justas, não o são, desta vez. Por várias razões:

1 – Se é verdade que o nível de transporte público é muitíssimo superior nas grandes zonas urbanas, também assim é, no que toca à contribuição para o Orçamento comum. Há pois uma grande proporcionalidade entre o contributo e o benefício.

2 – O princípio de solidariedade, tão caro à nossa gente, baseia-se na norma de que perante um problema com dificuldade de resolução de per si e dos recursos locais existentes, deve recorrer-se aos recursos globais disponíveis. Ora a questão das deslocações urbanas é um problema das áreas metropolitanas e necessitam de ser resolvidas com os meios comuns. Não podemos apelar a este princípio, quando nos dá jeito e abominá-lo quando não nos beneficia.

3 – Não é válido nem automático que um benefício no litoral tenha como contrapartida um prejuízo no interior. Há casos, como este, em que o benefício é do país, como um todo e logo, direta ou indiretamente, todos dele beneficiamos. A diminuição dos veículos nas grandes cidades é um imperativo para minimizar o aquecimento global que a todos afeta.

4 – Finalmente, a afirmação de que estamos perante uma situação de serem os pobres a pagar para os ricos é falsa e ridícula. A proporcionalidade fiscal garante que quanto mais rico se é, mais se contribui. Por outro lado a referida medida vai beneficiar as populações mais pobres dos dormitórios urbanos que são os principais utentes dos serviços públicos. Mesmo aceitando que pudesse haver alguma transferência de impostos do interior para o litoral seriam, quando muito, os ricos da província (que, infelizmente são poucos e sem grandes fortunas) a pagar alguma coisa para os pobres das cidades (que são muitos e, alguns, muito necessitados).

Críticas infundadas e sem adesão à realidade não só não ajudam à justa luta pela dignificação e desenvolvimento do interior, como, pelo contrário, a prejudicam, subtraindo  justeza e fundamentação ao conjunto reivindicativo, no seu todo.

Notícias e comentários

E com frequência evocada uma verdade que, sendo verdadeira e verificada, não deixa de ser recorrente com as consequências conhecidas e confirmadas:

A forma como alguns temas são tratados na comunicação social potencia o seu efeito, agravando-o.

É, nomeadamente, o caso dos estivais incêndios florestais, cujo espetáculo ígneo repetidamente transmitido, em direto (e diferido), aumenta a apetência dos pirómanos para dar seguimento à sua impetuosa vontade de forçar a atuação dos bombeiros e correspondente cobertura dos media. Estou seguro que a divulgação de reportagens recentes com residentes a resistirem à intimação de abandono das suas casa em risco, nos dramáticos episódios da serra de Monchique, deste verão, veio fomentar comportamentos idênticos noutros que, de outra forma, poderiam obedecer, sem qualquer resistência às indicações das autoridades. Disso dei conta em crónica publicada há pouco tempo.

Mais recentemente, voltei a erguer o dedo em riste, a propósito da forma como o assunto dos Ensaios Clínicos é distorcido, na opinião pública e dificultado à sua adesão, com prejuízo para todos porque as notícias apenas dão relevo aos casos mal sucedidos e dramáticos. Muitos outros casos se poderiam aduzir, todos referidos e assinalados e nunca desmentidos. E, contudo, nada indicia qualquer mudança, qualquer alteração de relevo, qualquer alternativa consistente. Dei comigo interrogar-me porquê e, curiosamente, reconhecendo a justeza da crítica, não encontro, em boa verdade, sustentação, suficientemente robusta, para uma opção diferente.

Chamar a atenção para o que é evidente, é fácil. Mesmo que o alerta não seja demais, mesmo que a intenção seja (e é) servir o público e o bem-estar comum, os alertas sobre os “pretensos” exageros mediáticos, mesmo que funestos, não podem, de forma nenhuma sugerir que não é igualmente o serviço público que move os muitos e bons jornalistas nas reportagens que, com o maior profissionalismo, trazem ao conhecimento de todos.

Se um incêndio de grandes proporções deflagrou e consome, descontroladamente, dezenas de hecatres florestais... como não o noticiar, na hora e com relevo? Se um ensaio clínico correu mal, seja de que fase for (porque se há-de querer que um repórter seja especialista em tudo o que noticia?) obviamente que tem relevância muito superior às centenas que correm bem e em segurança nas restantes fases. Como pretender que não seja exercida, na plenitude, a missão a que tantos e tão bem se dedicam?

Apontar os possíveis efeitos perversos, repito, é fácil, para mim (mea culpa) e para todos os que como eu, nos jornais e noutros meios de comunicação, se dedicam ao comentário. Nós não temos carteira profissional, não nos regemos por nenhum código deontológico público e escrutinável. Emitimos a nossa opinão e regemo-nos pela nossa própria deontologia. Não relatamos, comentamos. Não expomos factos, exprimimos pensamentos. Não nos distanciamos, pelo contrário, encarnamos os nossos relatos na primeira pessoa.

Contudo, também repito que a forma como os media anunciam e relatam determinados factos, contribuem significativamente para uma imagem negativa, que não corresponde à verdadeira e fomentam comportamentos que agravam situações já de si, suficientemente dramáticas.

Claro que gostava que fosse de outra forma. O meu problema é encontrar o princípio que seja suficientemente válido, definido e caracterizado que dê suporte a uma guinada consistente, noutra direção.

Um jornalista, tal como eu, também tem a sua opinião pessoal, mas é-lhe recomendado (muitas vezes imposto) que se abstenha de a manifestar no exercício da sua profissão. Eu também tomo conhecimento de factos mas não me interessa nem me motivo a relatá-los de forma distante e disciplinada como fazem os melhores repórteres. Talvez haja, entre estes dois mundo, uma zona de contacto e talvez exista nesse espaço a melhor resposta para este problema. Quem sabe se a solução não pode ser encontrada após uma discussão aberta, uma conversa franca e uma reflexão conjunta, entre comentadores e jornalistas?

Um evento desses seria, sem dúvida, motivo para uma boa notícia e um excelente tema para uma crónica: a opinião dos repórteres de notícias e os factos que motivam os cronistas!

PÂNCREAS (O palco e os bastidores)

Há, em teatro, cenas que têm de se deslocar para o fundo do palco, não por terem menor valor mas porque outras mais importantes lhe roubam a boca de cena.

Sem dúvida que a decisão de construir em Portugal o primeiro Centro de Investigação e Tratamento do Cancro do Pâncreas é de um relevo assinalável. Em conversa recente, na Gubenkian, um amigo, especialista em patologia do cancro, evidenciava a dimensão deste anúncio e não poupava elogios a esta relevante inciativa. O cancro do pâncreas é uma doença transversal que, não resultando de qualquer abuso de alimentação ou vício (como o tabaco) atinge todos os estratos sociais, em todo o mundo. Um centro dedicado exclusivamente a esta temática vai, obviamente, ficar no radar internacional, com todos os benefícios que daí advêm.

O primeiro deles consiste no facto de que, a partir de agora, há uma referência  obrigatória para todos os que pretendam um tratamento especializado e atualizado desta doença. De entre eles, muitos haverá com grande capacidade financeira que, ao deslocarem-se a Portugal, trazem consigo assinaláveis recursos financeiros seja para investir diretamente no tratamento, seja para viagens e estadias suas, das respetivas famílias e demais acompanhantes.

Igualmente, uma unidade especializada nesta área, única no mundo, vai atrair a atenção dos melhores especialistas na doença. O recrutamento, seguramente, far-se-á (como, felizmente já acontece noutras áreas da investigação) por simples escolha dos melhores de entre os melhores dos muitos que se candidatarão. É bom lembrar que o cancro do pâncreas é um dos mais mortíferos atualmente e que, qualquer desenvolvimento e resultado das pesquisas associadas, constituirá uma assinável mais-valia a que qualquer um dos maiores especialistas gostará de estar associado.

Acresce ainda que as farmacêuticas vão priviligiar os contactos com este centro, começando pelos ensaios clínicos de fase 2 e, sobretudo, de fase três que não só constituem uma assinalável fonte de receita, como ainda permitem aos doentes voluntários o acesso a medicamentos inovadores, quando já foram certificados como seguros mas ainda não disponíveis no mercado. É normal que, destes ensaios resultem publicações científicas que prestigiam a instituição bem como os clínicos e técnicos envolvidos.

A notoriedade não se esgota no pioneirismo da instalação. Passa igualmente pelo crédito que é conferido à Fundação Champalimaud por ter sido escolhida por um benemérito internacional, Maurício Botton Carasso, neto de Isaac Carasso, fundador da Danone, para receber cinquenta milhões de euros sem qualquer outra contrapartida que não seja a construção e colocação em funcionamento, do referido centro.

O que terá, pois levado, Maurício e a esposa Charlotte a dirigirem-se à instituição vizinha da Torre de Belém, com esta generosa oferta? Sem dúvida uma realidade suficientemente importante para ter determinado a decisão, mas que, só por si, não alcançou a notoriedade do anúncio do empreendimento. Nesta realidade cabe, antes de mais, o feito da Administração que, há dez anos ainda não tinha sequer instalações próprias e que hoje ostenta um assinalável património e, sobretudo, uma vasta atividade de grande projeção nacional e internacional na investigação científica, no tratamento do cancro e no apoio às melhores práticas e pesquisa para tratamento das doenças da visão.

Mas igualmente, algo que me impressionou quando tomei conhecimento, que a prática clínica tem, nesta unidade, uma metodologia de atuação excelente começando logo na tomada de decisão pois todos os casos clínicos, sem excessão, são objeto de discussão entre os vários especialistas sendo certo que várias vezes a opinião do chefe de equipa revê a sua decisão inicial proporcionando assim, sistematicamente, um melhor tratamento aos muitos doentes que ali acorrem, em número crescente.

A atratividade internacional do Centro Champalimaud de Investigação em Neurociências é já uma realidade comprovável, o prémio visão é disputado pelos melhores investigadores e instituições de tratamento da cegueira, por todo o mundo e, dentro em breve, igualmente será um polo de referência global.

 

Qual Bandarra?

Os mitos nascem de circunstâncias relevantes associadas a determinadas coincidências a que alguém atribui uma pretensa relação causa/efeito. A adaptação popular do relato e o acréscimo de alguns pormenores ficcionais faz o resto. A conveniência para justificar e sustentar determinada tese ou teoria, completa o quadro. Ilustro esta afirmação com uma lenda do tempo da Segunda Grande Guerra.

Timur-e-Lang (Timur o Coxo) que ficou conhecido como Tamerlão assumiu-se como descendente de Gengis Kahan, segundo alguns historiadores, apenas para legitimar o poder que exerceu sobre o largo império que conquistou. Com o objetivo de provar que efetivamente o guerreiro uzbeque tinha entre os seus antepassados o famoso conquistador mongol, o investigador soviético Mikahil Gerasimov solicitou autorização para exumar o cadáver, que lhe foi concedida, dizem que, diretamente por Estaline, em 1941. O mausuléu de Tamerlão, no Uzbequistão, está coberto por uma enorme laje em jade onde está gravada, a mando deste, a inscrição: “Quando eu ascender dos mortos, o mundo vai tremer”. Constou que dentro do respetivo caixão havia uma segunda frase, em árabe, dizendo: “Quem abrir o meu túmulo soltará um invasor mais terrível que eu!”. Poucos dias depois a URSS era invadida pelas tropas hitlerianas dando início à tremenda operação Barbarossa que dizimou milhões de russos.

Um segundo facto veio consolidar a lenda da “maldição”: na véspera da batalha de Estalinegrado, que marcou a inversão no curso do conflito, o esqueleto do guerreiro medieval foi devolvido à sua tumba, observando um rigoro ritual muçulmano. Obviamente que é fácil tentar associar estes factos entre si e é isso que a superstição popular faz. Mas cumpre olhar para todos estes fenómenos com os olhos da razão. A decisão de invadir o túmulo e abrir o caixão foi tomada e executada em alguns dias. Não é razoável sustentar que a invasão, que começou a ser planeada um ano antes, possa estar de alguma forma ligada a tal acontecimento. É igualmente ridículo sustentar que foi a devolução dos restos mortais que inverteu a sorte da invasão germânica. Não é displicente, contudo, aceitar que sabendo das crenças supersticiosas de muitos dos combatentes, a chefia militar, sabendo da sua superioridade estratégica, tenha feito coincidir o re-enterro com as vésperas do contra-ataque, para elevar o moral das tropas. Obviamente que, depois, não foi possível conter a disseminação da crença, mas nada mais há do que isso, coincidência de datas, ocasional, a primeira, provavelmente, forçada, a segunda.

O mesmo se passa, no meu entendimento, com as chamadas profecias do Bandarra que, segundo o que nos foi ensinado na escola, prenunciavam o regresso de D. Sebastião. Uma análise racional aos factos, facilmente releva a incongruência de tal teoria. Gonçalo Annes Bandarra morreu em Trancoso, em 1556, tinha o jovem príncipe, dois anos de idade. Ou seja, quando as trovas foram feitas e divulgadas, ainda não tinha nascido o rei que haveria de sucumbir em Alcácer Quibir. Como poderia o sapateiro de Trancoso apelar à vinda em qualquer manhã de nevoeiro de alguém que ainda nem existia? Mesmo quem possa acreditar nos poderes proféticos do artesão não pode defender tal teoria porque se assim fosse, haveria necessidade de explicar o rotundo falhanço da “previsão” pois é da história que nenhum cavaleiro salvador chegou, nem em manhã de nevoeiro, nem em tarde de nebilina! O anúncio de Gonçalo Annes referia-se não a um chefe militar, mas à ansiada vinda do Messias que os judeus esperavam e que, por essa altura, agitou a comunidade marrana portuguesa e espanhola. Este espírito messiânico varreu a Peninsula Ibérica e foi, de alguma forma, fomentada por D. João III, que recebeu o suposto mensageiro e percursor do Messias, David Reuveni, a quem inclusivamente prometeu ajuda e fazer uma pausa na perseguição aos marranos. Uma leitura atenta das estrofes em questão, mostra claramente que “aquele” que se esperava e anunciava seria “um pastor valente” ... “com huma limgua sagaz”, mais conformado a um líder espiritual do que a um libertador comandante militar. Aliás, o Santo Ofício, que não dormia em serviço, disso se convenceu pois prendeu e sancionou o poeta e proibiu a divulgação da obra.

Obviamente que a posterior “adaptação” serviu os interesses da Casa de Bragança e, seguramente, não seria a comunidade marrana que viria, naquela altura e naquelas circunstâncias, reclamar o sentido diferente e verdadeiro da coletânea de trovas que assim “passaram à história”.