José Mário Leite

PUB.

Qual Bandarra?

Os mitos nascem de circunstâncias relevantes associadas a determinadas coincidências a que alguém atribui uma pretensa relação causa/efeito. A adaptação popular do relato e o acréscimo de alguns pormenores ficcionais faz o resto. A conveniência para justificar e sustentar determinada tese ou teoria, completa o quadro. Ilustro esta afirmação com uma lenda do tempo da Segunda Grande Guerra.

Timur-e-Lang (Timur o Coxo) que ficou conhecido como Tamerlão assumiu-se como descendente de Gengis Kahan, segundo alguns historiadores, apenas para legitimar o poder que exerceu sobre o largo império que conquistou. Com o objetivo de provar que efetivamente o guerreiro uzbeque tinha entre os seus antepassados o famoso conquistador mongol, o investigador soviético Mikahil Gerasimov solicitou autorização para exumar o cadáver, que lhe foi concedida, dizem que, diretamente por Estaline, em 1941. O mausuléu de Tamerlão, no Uzbequistão, está coberto por uma enorme laje em jade onde está gravada, a mando deste, a inscrição: “Quando eu ascender dos mortos, o mundo vai tremer”. Constou que dentro do respetivo caixão havia uma segunda frase, em árabe, dizendo: “Quem abrir o meu túmulo soltará um invasor mais terrível que eu!”. Poucos dias depois a URSS era invadida pelas tropas hitlerianas dando início à tremenda operação Barbarossa que dizimou milhões de russos.

Um segundo facto veio consolidar a lenda da “maldição”: na véspera da batalha de Estalinegrado, que marcou a inversão no curso do conflito, o esqueleto do guerreiro medieval foi devolvido à sua tumba, observando um rigoro ritual muçulmano. Obviamente que é fácil tentar associar estes factos entre si e é isso que a superstição popular faz. Mas cumpre olhar para todos estes fenómenos com os olhos da razão. A decisão de invadir o túmulo e abrir o caixão foi tomada e executada em alguns dias. Não é razoável sustentar que a invasão, que começou a ser planeada um ano antes, possa estar de alguma forma ligada a tal acontecimento. É igualmente ridículo sustentar que foi a devolução dos restos mortais que inverteu a sorte da invasão germânica. Não é displicente, contudo, aceitar que sabendo das crenças supersticiosas de muitos dos combatentes, a chefia militar, sabendo da sua superioridade estratégica, tenha feito coincidir o re-enterro com as vésperas do contra-ataque, para elevar o moral das tropas. Obviamente que, depois, não foi possível conter a disseminação da crença, mas nada mais há do que isso, coincidência de datas, ocasional, a primeira, provavelmente, forçada, a segunda.

O mesmo se passa, no meu entendimento, com as chamadas profecias do Bandarra que, segundo o que nos foi ensinado na escola, prenunciavam o regresso de D. Sebastião. Uma análise racional aos factos, facilmente releva a incongruência de tal teoria. Gonçalo Annes Bandarra morreu em Trancoso, em 1556, tinha o jovem príncipe, dois anos de idade. Ou seja, quando as trovas foram feitas e divulgadas, ainda não tinha nascido o rei que haveria de sucumbir em Alcácer Quibir. Como poderia o sapateiro de Trancoso apelar à vinda em qualquer manhã de nevoeiro de alguém que ainda nem existia? Mesmo quem possa acreditar nos poderes proféticos do artesão não pode defender tal teoria porque se assim fosse, haveria necessidade de explicar o rotundo falhanço da “previsão” pois é da história que nenhum cavaleiro salvador chegou, nem em manhã de nevoeiro, nem em tarde de nebilina! O anúncio de Gonçalo Annes referia-se não a um chefe militar, mas à ansiada vinda do Messias que os judeus esperavam e que, por essa altura, agitou a comunidade marrana portuguesa e espanhola. Este espírito messiânico varreu a Peninsula Ibérica e foi, de alguma forma, fomentada por D. João III, que recebeu o suposto mensageiro e percursor do Messias, David Reuveni, a quem inclusivamente prometeu ajuda e fazer uma pausa na perseguição aos marranos. Uma leitura atenta das estrofes em questão, mostra claramente que “aquele” que se esperava e anunciava seria “um pastor valente” ... “com huma limgua sagaz”, mais conformado a um líder espiritual do que a um libertador comandante militar. Aliás, o Santo Ofício, que não dormia em serviço, disso se convenceu pois prendeu e sancionou o poeta e proibiu a divulgação da obra.

Obviamente que a posterior “adaptação” serviu os interesses da Casa de Bragança e, seguramente, não seria a comunidade marrana que viria, naquela altura e naquelas circunstâncias, reclamar o sentido diferente e verdadeiro da coletânea de trovas que assim “passaram à história”.

Comportamento grupal (Factos, Notas e Paradoxos)

A propósito de um telefonema recente do meu cunhado João, para ir lá a casa ver o jogo do Glorioso no estádio do Fenerbahçe, lembrei-me de um outro convite que me fez há largos meses para ir com ele ver, ao vivo um (quase) decisivo Sporting-Benfica, no estádio de Alvalade partilhando comigo um dos dois bilhetes que lhe tinham oferecido. Não sou frequentador de estádios de futebol, mas, nem sempre nem nunca, aceitei o repto, pedi emprestado um cachecol do SLB à minha filha e lá fomos até ao Campo Grande. Estacionámos na Alameda Universitária e, desconhecedor destes ambientes que, erradamente, supus serem tal e qual como nos são apresentados nas reportagens televisivas, cometi a imprudência de, atrevidamente, me aproximar do estádio com o identificador clubista à volta do pescoço. Estava certo que o propalado e celebrado fair-play se sobreporia ao fervor aficionado, julgando que a diferença de preferência, podendo ser olhada com desconfiança ou até mesmo desagrado, não deixaria de ser tolerada. Erro meu. Em três tempos os olhares de soslaio acentuaram-se e sem ter tempo de emendar a mão fui violentamente puxado pela parte posterior da tira de pano encarnada que quase me sufocou. Em tom ameaçador fui “aconselhado” a retirar a identificação. Não me fiz rogado e tratei de a retirar e escondê-la completamente no bolso interior do casaco, perante o olhar reprovador de um casal que, com dois filhos pequenos, faziam o mesmo percurso que nós, completamente “equipados” de verde e branco. Por oposição à forma como me censuravam, trocaram um gesto de cumplicidade com o arruaceiro que me ameaçara.

A porta de entrada no recinto que nos coube usar era a mesma que milhares de sportinguistas, não se vendo por ali, pelo menos de forma identificável, nenhum adepto ou simpatizante do adversário do outro lado da Segunda Circular. Havia várias manifestações clubistas naturais mas nada que se assemelhasse à sobranceria de alguns metros atrás. Contudo não conseguia já sentir-me seguro dando comigo, várias vezes, a confirmar que tinha o distintivo têxtil, devidamente guardado. Estava ansioso por entrar mas, não sabendo logo, percebi depois, a entrada estava bloqueada porque tinham feito um cordão de segurança com várias barreiras metálicas para permitir que a claque benfiquista que chegava, fortemente guardada e em ruidosa provocação, pudesse entrar sem qualquer tipo de contacto com os adeptos verde e brancos. Foi então que verificámos que havia, entre nós, mais adeptos do clube da Luz pois que se dirigiram ao polícia de guarda, pedindo para galgarem o espaço vazio, manifestando a sua preferência. Resolvemos fazer o mesmo, já que a demora na entrada nos iria, seguramente, privar do início do jogo. E foi assim que, pela primeira vez e, certamente, pela última, me vi no meio de uma claque de futebol do clube da minha simpatia. Felizmente os lugares correspondentes afastaram-nos da horda ululante e o resto pouco interessa para a história. Diga-se que o Benfica, tendo estado a perder acabou por empatar e nesse ano foi campeão. Mas isso é, para o caso que aqui trago, irrelevante. Em nada acrescenta ou diminui ao que pretendo analisar.

O que me espanta e disso quero dar conta é esta perplexidade: como posso eu ter-me sentido mais seguro e tranquilo junto de um bando de arruaceiros, provocadores e malandros (para não exagerar nos epítetos) do que junto de gente cordata e cumpridora da lei, só porque partilhava com aqueles, por oposição a estes, a mesma preferência desportiva? Igualmente, do outro lado, que razão poderei invocar para me sentir reprovado e renegado por um casal que, sem outros dados, tudo haveria neles que se identificassem mais comigo do que com o energúmeno que me provocou, para lá de um indicador clubista? Fossem outras as circunstâncias e as atitudes, em qualquer dos casos, seriam certamente diferentes; seriam inquestionavelmente opostas.

A natureza gregária e corporativa que geneticamente nos marca e define leva-nos a olhar com benevolência os nossos, e com intolerância os do grupo rival. A facilidade com que desculpamos ou, pelo menos damos o benefício da dúvida, às atitudes e atos reprováveis do político do nosso partido, contrasta, com frequência, com a intransigência com que exigimos a condenação ou, no mínimo, a retratação de atitudes, quantas vezes bem menos graves, do dirigente do partido, que não colhe a nossa simpatia.

O ARMAGEDÃO (E a Nova Arca de Noé)

“Depois vi a Besta e os reis da Terra com os seus exércitos reunidos para dar combate ao que estava sentado sobre o cavalo e ao seu exército”... “E todas as aves se fartaram com as suas carnes”
Apocalipse 19:19-21 

Há certos paradoxos que assumimos como axiomas dogmáticos, genericamente aceites e, como tal, respeitados sem que haja o cuidado de os fazer passar pela peneira da racionalidade, para não falar no crivo da ciência. Um deles passa pela credibilidade que se atribuiu às antigas previsões, provérbios e saberes. É verdade que muitos desses aforismos resistiram à erosão do tempo e passaram pelo aprimoramento da “seleção natural”, mas é igualmente verdade que o conhecimento atual é incomparavelmente superior e a sua base científica é muito mais sólida e segura. Contudo, sempre que tal se propicia, lá vem uma citação do Nostradamus, uma referência a rifão popular ou apenas a dito antigo, perpetuado de boca em boca. Estou certo que tal se deve a uma tendência natural que temos (e não só nestes casos) em sobrevalorizar as opiniões e factos que confirmam as nossas convicções e em desvalorizar todas as restantes por maiores e mais frequentes que sejam. Sempre que um acontecimento alinha com um desses prognóstico apressamos a anotar a coincidência, como reforço para a validade deste e esquecemos totalmente todos os casos em que tal não se verifica. Quando João Baptista anunciou que o Reino dos Céus estava próximo, os que o ouviram na altura supunham tratar-se de uma questão de anos; os primeiros cristãos julgaram que seria logo nos séculos seguintes; no virar do milénio, houve quem jurasse que seria esse o tempo do Fim do Mundo a que se referia o profeta e que o Apocalipse do seu homónimo prenunciava. Há quem garanta que o Julgamento que há-de finalizar a aventura humana no Universo acontecerá brevemente. A  estes junta-se a vox populi que desde pequeno me lembro de ouvir aos mais velhos que a ouviram de outros velhos a quem os mais velhos dos velhos tinham confiado: “O próximo dilúvio será de fogo”. É tempo de partilhar o temor que os olhos caldeados pelas agruras da vida me transmitiam. 
Se é de fogo o dilúvio, de que material será a Arca e quem poderá ter lugar nela?

Outro dos mitos que vai fazendo o seu caminho, nunca provada, mas também nunca desmentida, a que o passar do tempo tem conferido credibilidade, é crença numa confiança desmesurada de que, por mais desastrosa que seja a nossa atuação ecológica ou outra, o génio humano há-de, antes do cair do pano, descobrir e implementar uma solução que previna males maiores ou irremediáveis. O problema desta convicção é que por mais confirmações que tenha, nenhuma lhe confere valor perpétuo. Pelo  contrário, uma única exceção chegará para, de forma dramática, a destruir completamente!
É bom que nos disponhamos a encarar seriamente estas duas hipóteses que, infelizmente, cada vez mais se assomam no horizonte dos dias que passam: o dilúvio de fogo como peça principal do Armagedão e a incapacidade para, desta vez, haver qualquer solução milagrosa ou de última hora que o evite.
Haverá uma Arca, seguramente. Não será necessário emparelhar todos os casais de animais nem exemplares de plantas conhecidos já que um banco de genes, devidamente acondicionado será sufciente para preservar a biodiversidade! Quanto à humanidade, que não haja dúvidas: apenas os ricos e poderosos terão lugar na nave salvadora. Tal como há milhares de anos, a salvação não é universal e apenas os “escolhidos” terão o privilégio de se furtarem à destruição global. Contrariamente aquele tempo, contudo, a escolha não é divina, mas muito terrena e muito baseada na riqueza e no poder. Mas, quer uma quer outra, apenas existem e são detidas por uma elite porque lhes foram conferidas pela imensa mole humana que para ela trabalha, lhe confia o voto ou lhe garante a segurança e a poderosa perpetuação aos comandos dos instrumentos de poder.

“Aprendei, pois, a parábola da figueira. Quando já os seus ramos estão tenros e brotam folhas, sabeis que o verão está próximo” Marcos 13:28

Artigo dezanove

No dia em que se completaram sessenta e três anos sobre a morte de Calouste Sarkis Gulbenkian, a Fundação que nos legou e que adotou o seu nome encheu o Grande Auditório para fazer a entrega dos Prémios Gulbenkian, em cerimónia presidida pelo Presidente da República. Os prémios nacionais concretizam as linhas orientadoras da Instituição da Avenida de Berna, desde a mais antiga (o apoio aos mais desfavorecidos levado a cabo pelo projeto “É uma casa” que se propõe dar um lar aos sem-abrigo), passando pela mais conhecida e destacada (o apoio às artes, com relevo para o território do interior, presente no “Espaço do Tempo” de Montemor-o-Novo) até à mais recente (a assumida vocação ecológica expressa nos objetivos da Coopérnico, uma cooperativa, sem fins lucrativos e baseada no associativismo e voluntariado que promove as energias renováveis e o desenvolvimento sustentável). A Presidente da Gulbenkian, Isabel Mota, frisou esta realidade a que acrescentou a aposta na Ciência, com o anuncaido reforço de empenho e compromisso no Instituto Gulbenkian de Ciência. Mesmo as apostas mais recentes resultam do percurso já iniciado anteriormente. A verdadeira novidade chegou com o anúncio do prémio internacional que o júri, presidido pelo antigo Presidente da República, Jorge Sampaio, atribuiu à Organização não Governamental Article 19.

Esta ONG que se fez representar pela jovem e elegante advogada Jennifer Robinson, dedica-se à defesa da liberdade de expressão e informação, baseando a sua missão no artigo 19 da Declaração Universal dos Direitos do Homem e daí retirou o nome. Criada em 1987 tem assumido, incompreensivelmente, maior importância no atual mundo das “fake news”, pós-verdades, de títulos fabricados, descontextualizados, de abuso das fontes, de julgamentos na praça pública e notícias ebocmendadas. Tudo isso foi devidamente relevado pelo júri, como deu conta Jorge Sampaio. Sem dúvida que a decisão foi, como é habitual, livre e independente. Não se pode, contudo, ignorar o alinhamento deste galardão, com a nova linha orientadora emergente, na Praça de Espanha e que tem por trás, reconhecidamente, a mão do mais novo administrador, Pedro Norton. Não é possível dissociar este agraciamento da mais recente inciativa do Conselho de Administração de reservar a verba de 150.000 euros para atribuição de Bolsas de Investigação Jornalística, até dez por ano, das candidaturas escolhidas por um juri de excelência onde pontuam, entre outros, Flor Pedroso, Cândida Pinto e João Garcia.

O conhecimento, a experiência, a sensibilidade e o dinamismo de Pedro Norton são o garante do sucesso e, sobretudo, da relevância desta iniciativa, na senda de outras a que a Fundação que nos foi deixada pelo Senhor Cinco por Cento, já nos habituou e irá, seguramente continuar a surpreender.

A excessiva dependência do jornalismo de investigação de poderes económicos, tem aqui um contra-peso de relevo.

A Democracia agradece.

 

Lagos do Sabor (Ilhas de Água e Bruma)

Um lago é uma ilha de água no meio de um território mais vasto. Quer uns quer outras são formações raras no Nordeste e as que existem não são espontâneas antes foram criadas por intervenção humana. Também aí reside parte da importância do conjunto de lagos (arquipélago lacustre?) recentemente apresentado em Lisboa no auditório do Padrão dos Descobrimentos. A qualidade do projeto, a importância de que se reveste para a região e, sobretudo, a sua localização, torna-me difícil uma análise isenta e desapaixonada. Refugio-me no facto de ser cronista e não jornalista para dizer claramente o que penso e, por respeito para com os meus leitores, faço primeiro, uma declaração de interesses:

Sou desde há muito um entusiasta da barragem do Baixo Sabor que proporcionou este fantástico projeto. Foi, aliás por causa dela e da sua defesa pública que comecei esta aventura de cronista há mais de uma dezena de anos. Tenho fortíssimos laços familiares e sentimentais a Mogadouro e sou natural de Moncorvo.

Precisamente, têm origem ou raízes em Moncorvo, as duas intervenções que realmente contam e são conterrâneos de Trindade Coelho os artistas que lhe deram brilho à cerimónia, com um belo apontamento musical.

Nuno Gonçalves, Presidente da Câmara de Moncorvo, fez um excelente discurso. Realista e pragmático sem deixar de ser sensível e visionário. Partindo do retrato natural e realista que o novo lençol de água desenhou nas nossas terras pintou, em Belém, um quadro atractivo e sedutor com determinação e esperança. Tudo depende agora da vontade pública para concretizar este excelente e necessário projecto de desenvolvimento e promoção. Esse foi o mote para a intervenção da Secretária de Estado, também ela com raízes em Moncorvo de onde é natural a sua mãe e que garantiu que o PNPOT já contempla investimento direto e indireto adequado, para esta região.

É-me muito difícil destacar algo mais de tudo o resto. Gente boa, afável e acolhedora, paisagens encantadoras, gastronomia preciosa e potencial de atração, há muito por todo esse Portugal e todos os dias chega a Lisboa, prometendo histórias de encantar, lugares de perder a respiração, petiscos de provar e chorar por mais e abraços fraternos de gente genuína e generosa em troca de atenção, promoção e investimento. Records do Guiness não me parece que sejam suficientemente mobilizadores e, mesmo que captem a atenção dos média, julgo ser efémera e sem grande potencialidade futura, a publicidade assim angariada. Tudo isso explica o relativo desinteresse da comunicação social lisboeta pelo evento.

Mesmo sendo verdade que há uma enorme carga simbólica no local onde feita a apresentação, se a mensagem não for percebida por aqueles a quem a queremos fazer chegar, que utilidade poderá ter? Mais valia tê-la feito no Douro. Dos que estiveram junto ao CCB, seriam pouquíssimos a faltar lá e, seguramente, muito mais se lhes juntariam. Não tenho dúvida que a reportagem da imprensa regional acabaria por ter mais eco. Nada impediria a oportuna visita do Presidente da AMBS aos estúdios da TVI e as declarações à TSF podiam ser prestadas no local.

De qualquer forma, este passo menos acertado não pode ser razão para esmorecimento! Pelo contrário!! Chegou o tempo de arregaçar as mangas, unir esforços, congregar vontades e concretizar um projeto de inquestionável valor, para a região, para o Baixo Sabor e, sobretudo, para Moncorvo onde foi idealizado e projectado pelo antigo Presidente da Câmara, Fernando Aires Ferreira.

 

KARL MARX (Dos duzentos anos do seu nascimento às suas previsões auto-irrealizáveis)

Karl Marx, figura incontornável do século XIX e que marcou igualmente, de forma notável a quase totalidade do século XX nasceu há duzentos anos. Este ano é pródigo em aniversários “redondos” associados à obra do filósofo revolucionário nomedamente os cento e setenta da Revolução Francesa de Fevereiro que abriria espaço para a instituição, anos mais tarde, da Comuna de Paris, reconhecido como o primeiro Governo Comunistas, apesar de muito efémero e inconsequente. Completam-se igualmente cento e trinta anos sobre a publicação, em Londres, do Manifesto Comunista, este sim, obra marcante e relevante do movimento político cuja teoria e ideologia foi desenvolvida, sistematizada e divulgada por si, juntamente com o seu discípulo Engels!

O documento sistematiza a teoria e pensamento socialista de então e introduz várias recomendações e princípios de ação do proletariado enquanto força política emergente. Quanto à análise histórica da realidade vivida à época e das causas da mesma, não há como não reconhecer o acerto, a honestidade e o rigor científico do seu autor, concorde-se ou não com as soluções propostas. Contudo no que toca às previsões para o futuro imediato... são várias as “falhas” e desajustes. Compreende-se muito bem porquê. Enquanto que o tempo decorrido até ao momento em análise, era, naturalmente, imutável, o tempo que ali se inciava seria não só a consequência do que vinha de trás, mas também e, essencialmente, aquilo que os diferentes agentes dele fariam. Ora, de certa forma, os marxistas de prognóstico resultaram precisamente do acerto da análise.

Em psicologia denominam-se de “profecias auto-realizáveis” as proclamações que, pelo facto de serem publicitadas contribuem, de forma determinante para a sua realização. Este caso poderíamos chamar às previsões da dupla Marx-Engels de “profecias auto-irrealizáveis” já que a sua enunciação foi talvez a mais determinadora para que não se concretizassem. As notáveis conclusões económicas a que o revolucionário chegou apontavam para o “óbvio” recrudescimento do conflito de classe cada vez mais violento com a vitória dos proletários e  o colapso do sistemas burguês/capitalista. A Revolução Comunista seria, segundo Marx, uma consequência da Revolução Industrial e, como tal, irromperia em França, Inglaterra e Estados Unidos para a partir daí dominar todo o mundo. Ao anunciá-lo Marx criou as condições para que assim não fosse porque os seus escritos foram lidos, não só pelos seus seguidores, mas também pelos capitalistas que perante a “ameaça” iminente alteraram o seu comportamento e adaptaram-se impedindo assim a marcha imparável do proletariado unido de todo o mundo. A Marx deve ser creditada esta “outra revolução” que o seu pensamento fomentou e não só as experiências diretas dos seus seguidores que, também, não aconteceram exatamente como prescrito. A construção de um muro divisório no coração da sua Alemanha natal não estava, seguramente, na carta de ação marxista se bem que esta ideia de erguer barreiras entre povos não é, como recentemente se provou, exclusivo de dirigentes de esquerda.

A utilidade inegável da doutrina marxista advém, precisamente, das alterações que despoletou se bem que foram exatamente essas alterações que lhe roubaram força, urgência e relevância.

Há, contudo e incompreensivelmente, um propósito, o último dos dez preconizados no manifesto que, apesar do tempo passado desde a sua enunciação, continua a necessitar urgentemente da sua concretização, nomeadamente, a reivindacação da educação gratuita para todas as crianças e a eliminação total do trabalho infantil.

 

MUNDO NOVO - (Outras Praias)

No passado dia 5 de junho comemorou-se o dia mundial do ambiente. Neste mundo complexo que nos calhou em sorte e cuja sorte todos nós traçamos, no dia a dia, são contraditórios os sinais que me chegam.

Em Portugal há mais de quarenta praias com índice zero de poluição, sete delas no concelho de Torres Vedras e duas no interior (nas albufeiras de Santa Luzia em Pampilhosa da Serra e de Castelo de Bode em Tomar). Por outro lado chegam notícias dantescas sobre o uso e desperdício de plástico, com a acumulação incomportável nos oceanos, a exigir mudanças drásticas enquanto morrem cada vez mais animais marinhos por ingerirem sacos e outros artefactos baseados em polímeros. Em sentido contrário, chegou à minha caixa de correio eletrónico uma mensagem da Presidente da Fundação, Isabel Mota, apresentando o Projeto Gulbenkian Sustentável sinalizando o rompimento da instituição com o ciclo do ouro negro que, por sinal, proporcionou ao seu fundador a fortuna que esteve na base do legado que generosamente nos deixou.

É bom assinalar que esta mudança não é de agora. Em sintonia com a reconhecida mudança de cor do

ouro que antes de ser preto foi exclusivamente amarelo e que nos dias de hoje é, sobretudo, cinzento: a maior fonte de riqueza dos dias de hoje está na "indústria" do conhecimento.

Uma simples consulta à lista ordenada das maiores empresas mundiais facilmente se constata que os lugares que há duas dezenas de anos eram da Exxon Mobil, da Shell, da Chevron e da BP, estão agora ocupados pela Google, Microsoft, Amazon e Apple.

Ciência, cultura e competência são, desde sempre, imagens de marca da Gulbenkian. Conhecimento valioso e reconhecido, sendo-lhe transversal, tem uma especial concentração e atinge altos níveis de reconhecimento no Instituto Gulbenkian de Ciência. Mas se as instalações de Oeiras estão muitíssimo bem capacitadas no que diz respeito a massa cinzenta já  no que concerne às instalações físicas o cenário é radicalmente diferente à luz do novo alinhamento crescente na Avenida de Berna. O cinquentenário complexo edificado nas imediações dos Jardins do Palácio do Marquês de Pombal, apesar das muitas melhorias ali feitas nos últimos anos, continua com necessidade de melhorias na eficiência energética a que se somam uma configuração funcionalmente desajustada (à luz dos tempos atuais) e, pior que isso, foi construído em leito de cheia provocando grandes e frequentes arrepios sempre que a ribeira da Lage transborda ou quando as marés vivas ameaçam de inundação os pisos

inferiores dos vários edifícios da rua da Quinta Grande.

Recentemente, foram construídos alguns institutos de investigação, na capital que, naturalmente, evitaram estes problemas tendo, para o efeito, consultado os responsáveis do IGC aproveitando o conhecimento ali adquirido. Tiveram, é certo e contrariamente a este último, a vantagem de construirem os respetivos edifícios de raiz coisa que não se pode fazer sem investimentos elevados, cuja disponibilidade não é frequente. Nos últimos anos foi feito um esforço de modernização, também neste capítulo, dentro das limitações que as naturais condicionantes impunham.

Contudo, numa altura em que o imobiliário está em alta, valorizando, como nunca as atuais instalações, que a Câmara de Oeiras reafirma o seu empenho na valorização e desenvolvimento do cluster científico e que precisa de uma funcionalidade âncora para o mega projeto de renovação do espaço da antiga Fundição de Oeiras, estão criadas condições como nunca houve no passado e, suponho, dificilmente se repetirão no futuro para se poder construir, de raiz, um edifício ecológico, eficiente, económico, funcional e seguro.

Se a Faculdade de Medicina quando avançou com o IMM e a Fundação Champalimaud quando decidiu construir o CCfU não dispensaram o know how acumulado pelo IGC ao longo dos últimos anos e dele tiraram o respetivo proveito, seria difícil de entender que, a mesma Fundação não tire igual benefício do conhecimento por si adquirido e desenvolvido. 

PARTIS - (Arte e Inclusão)

No próximo mês de Julho a Fundação Gulbenkian vai lançar mais uma edição do Programa PARTIS (Práticas Artísticas para a Inclusão Social). Este programa pretende promover e valorizar cidadãos socialmente excluídos ou em estado de vulnerabilidade social, recorrendo a práticas artísticas. Nas edições anteriores foram vários os projetos apoiados, alguns com relevância pela força que trazem e, sobretudo, pelo meio onde se inserem.

Nos vários projetos da primeira edição chamam a atenção, entre outros, a Ópera na Prisão que ocupou 50 jovens  dos 16 aos 25 anos da prisão escola e estabelecimento prisional de Leiria; Mãos que cantam que ousou integrar 25 alunos surdos num coro em Oeiras; Dormem mil gestos nos meus dedos para ajudar na aprendizagem da Língua Portuguesa, como forma de integrar refugiados apoiados pelo CPR (Conselho Prtuguês para os Refugiados);

Na segunda edição, a decorrer merecem relevo o Projeto Zéthoven – Plante um Músico destinado a crianças provenientes de famílias carenciadas das zonas da Covilhã, Fundão e  Guarda;  Fado Dançado que recupera, em bairros da região metroplitana de Lisboa, uma tradição do século XIX, com jovens provenientes dos PALOP; o projeto Tum, Tum, Tum coloca nas mãos de desempregados e de crianças e jovens em risco, de Gondomar, instrumentos musicais de percussão feitos de materiais reciclados e ainda  Dormem mil cores nos meus dedos igualmente com refugiados entre os 14 e os 18 anos, na sequência de um projeto da edição anterior.

Não querendo fazer quaisquer comparações valorativas, não posso deixar de relevar e chamar a atenção para o significado que tem para a nossa terra o projeto Há festa no Campo, da primeira edição e que fomentou o sentimento de pertença das populações envelhecidas das aldeias de Juncal do Campo e Freixial do Campo, em Castelo Branco.

 

Apesar do elevado número de apoios, as solicitações são muito mais. Na última edição “apenas” foram selecionados 16 das 160 candidaturas, pelo que a qualidade e adequação destas últimas é crucial para poder aceder ao financiamento. Tendo-se circunscrito às grandes áreas urbanas, nos anos anteriores, a Gulbenkian pretende estender os projetos ao interior do país. Para tal uma delegação da instituição da Avenida de Berna vai a Bragança brevemente. No próximo dia 12 de junho, entre as 10h00 e as 12h30 no Centro de Arte Contemporânea Graça Morais, com a colaboração, apoio e empenho do seu Diretor, Dr. Jorge Costa, será apresentada a próxima edição desta iniciativa.

As várias e boas instituições de solidariedade do distrito, as vereações com o pelouro do apoio social das Câmaras Municipais e a sociedade civil, em geral, terão tudo a ganhar se na terça, dia 12, rumarem à Rua Abílio Beça, nas imediações da Praça da Sé para escutarem e perceberem bem os objetivos e, sobretudo, a melhor forma de concorrerem a mais esta iniciativa. Independentemente dos resultados futuros, só pela apresentação com que serão brindados, já não darão o tempo por perdido.

 

INFEÇÕES HOSPITALARES

Na última viagem ao nordeste, estando bom tempo, fomos dar um passeio pela Vilariça e acabámos por encontrar e colher alguns espargos. Fomos logo à procura de mais. “Querida, vê além naquela espargueira grande, junto ao toro da oliveira” disse eu para a minha mulher. Por acaso não havia lá nenhum e, pelo contrário, encontrámos meia-dúzia deles por entre os seixos de uma velha parede. Não havia, mas era, seguramente grande a probabilidade que houvesse e por isso era correto procurá-los ali. Normalmente haverá mais espargos onde houver uma grande concentração de espargueiras.

O mesmo se passa com as infeções. Se alguém, por absurdo, pretendesse contrair uma infeção, o melhor lugar para a procurar seria, obviamente, num hospital. Porque é nos hospitais que se encontra o maior aglomerado de agentes patogénicos e, como tal, a probabilidade de ali se encontrar o “caldo” favorável e adequado para se ser infetado é enorme. A “auxiliar” este ambiente propício à contração de uma doença está o facto de os utentes destes espaços estarem, na sua generalidade, fragilizados por outras doenças e, muitas vezes, com o sistema imunitário debilitado. Paradoxalmente, os utentes procuram estas unidades com o objetivo oposto de melhorarem a saúde, debelarem moléstias e protegerem-se contra epidemias e demais riscos biológicos. Daí a importância do Projeto “STOP Infeção Hospitalar” idealizado, desenvolvido e implementado em 12 unidades hospitalares sob a direção da Fundação Gulbenkian e com o apoio da Direção-Geral de Saúde.

No passado dia 7, no Auditório 2 daquela Fundação foram apresentados os resultados com a comclusão da primeira fase em cerimónia onde, para além da Presidente do Conselho de Administração da FCG, estiveram o Ministro da Saúde e o Presidente da República. Os resultados ultrapassaram as melhores expetativas do ambicioso objetivo de redução em 50% em quatro tipos de infeções hospitalares (as diminuições foram de 51% nas infeções associadas a cateter vesicular e nas pneumonias relacionadas com a intubação, 55% nas cirurgias de prótese da anca e joelho e 56% nas ligadas ao cateter vascular central). No final foi assinado um protocolo com o Governo para continuar,  e consolidar esta iniciativa e alargá-la a outras unidades de saúde. Tendo o mais alto magistrado da nação reconhecido a gravidade do problema em questão, foi o titular da pasta da Saúde que constatou que “Nunca Portugal tinha alcançado resultados tão positivos numa batalha como esta”.

Este foi um dos programas que, desde o início, atraíram a minha atenção, não só pela importância, pelos intervenientes, mas, sobretudo, por entre as unidades escolhidas estar, desde a fase de arranque,  o Hospital de Bragança. Tive o prazer de cumprimentar, nesse mesmo dia à entrada da Conferência, no átrio do foyer do Grande Auditório, Carlos Vaz, presidente da ULSNordeste, e Eugénia Parreira, Diretora Clínica da mesma unidade. No dia seguinte em conversa com Jorge Soares, coordenador do programa, soube, com enorme satisfação, que a Unidade Brigantina tinha tido um dos melhores desempenhos. Estou certo que, a partir de agora, nos hospitais nordestinos, os utentes e os profissionais estarão muito mais protegidos e seguros, também no que às infeções hospitalares diz respeito. 

LEGADO DO TIO SAM

A Base das Lajes traz-me de imediato à memória a célebre cimeira que carimbou a polémica e injustificada decisão de invadir o Iraque que fomentou e potenciou a escalada do radicalismo islâmico cujos efeitos nefastos estão ainda a atormentar-nos e a infernizar o dia a dia da atualidade. Dos participantes nessa reunião de má-memória, começa a ocupar-se o tempo, com o esquecimento que a história reserva a muitos dos seus menores atores e a irrelevância crescente dos que não souberam dar adequada dimensão às oportunidades que lhes foram disponibilizadas. Do terreiro ocupado pelas tropas americanas na Praia de Vitória, há agora que cuidar da contaminação ali perpetrada ao longos dos muitos anos de ocupação militar. E já não seria pouco para tão mitigadas “compensações”. Há, contudo, neste acordo de parceria com o outro lado do Atlântico, um “pequeno pormenor” em que o displicente interesse norte-americano pode, mais uma vez, representar um sério e grave prejuízo para os interesse lusitanos e para os superiores interesses nacionais.
Entre outros, um dos resultados das trapalhadas, incompetência e submissão ao poderoso loby das armas, do presidente Bush-filho, foi a infame prisão de Guantanamo, que o mesmo se encarregou de fazer ocupar por vários acusados, justa ou injustamente, de atos de terrorismo, fosse na sua execução, conceção ou cooperação. Não tenho pretensão de julgar quem quer que seja, muito menos, quem foi preso ilegalmente e mantido em cativeiro de forma desumana, mesmo que assumindo que possam ter cometido todos os crimes que lhe são imputados. Contudo tal não me pode impedir de ter as minhas convicções. Tenho para mim que a maioria dos ocupantes do presídio americano em solo cubano são radicais islâmicos ou porque já o eram quando ali foram retidos ou porque se radicalizaram fruto da revolta contra os seus captores e da convivência com muitos extremistas.
Barack Obama foi eleito a prometer encerrar a célebre prisão. O máximo que conseguiu foi dispersar parte dos prisioneiros por países amigos. Companheiros, desde o referido almoço da ilha Terceira em que o nosso primeiro-ministro de então resolveu ser anfitrião em nome e a mando do dirigente ianque, tocou-nos em sorte receber um dos encarcerados a quem foi concedida a “libertação”. Em agosto de 2009 foi acolhido em Portugal, Moammar Badawi Dokhan, capturado em 2002, sob a suspeita de pertencer à Al-Qaeda do Afeganistão. Desde então reside no nosso país, vigiado de perto pelas autoridades policiais portuguesas. Foi uma dor de cabeça para o DCIAP receoso que o sírio pudesse protagonizar alguma ação terrorista quando da visita do Papa a Portugal no ano passado levando em boa conta a revolta pela situação em que se encontra, revelada pelo próprio, numa entrevista ao Diário de Notícias.
Confio que o patrulhamento das autoridades policiais será eficaz, sem deixar de referir o custo acrescido da vigilância especial que lhe é dedicada. Não quero crer que possa haver um atentado no território português levado a cabo pelo ex-preso. O custo da possível perda de vidas é de um valor incomensurável, não havendo forma de o medir pelo que nem me atrevo a equacionar.
Contudo a simples existência de um possível gérmen de uma célula terrorista pode, só por ser possível, como esta é, configurar um prejuízo de uma dimensão enorme! Portugal atravessa uma fase positiva de desenvolvimento quer ao nível económico quer, sobretudo, ao nível de emprego. Um dos principais motores é, sem qualquer dúvida, o turismo. É verdade que temos bom tempo, simpatia, boa comida e bom acolhimento. Sempre tivémos. Não houve acréscimos significativos nem em termos absolutos, nem relativos. Aconteceu que muitos dos destinos tradicionais perderam ou viram diminuir drasticamente a segurança para pessoas e bens, enquanto que em Portugal se manteve. E esse sim é, provavelmente, o maior e mais precioso ativo lusitano. Perdê-lo ou diminui-lo teria consequências dramáticas!