José Mário Leite

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O manso e o guerreiro III – O dói-dói e a pomada

Mais uma vez, quando a tarde alaranjando se despede e desvanece, Júlio Manso e Tomé Guerreiro partilham um copo de tinto, um naco de queijo terrincho, uma lasca de presunto e um carolo de centeio ainda quente.

— As notícias são boas, ti Júlio?

— Podiam ser melhores. Veja só este título onde um deputado centrista reclama, como sendo grande desperdício, os beijinhos no dói-dói. 

— Desperdício? Só de uma enorme ignorância poderia sair tal dislate! Não terá, seguramente, propriedades terapêuticas cientificamente provadas e aprovadas, mas quando nada mais se pode fazer, não há nada como os beijinhos no dói-doi. A dor não é só física e a capacidade de a suportar aumenta na exata proporção do carinho com que os ósculos são depositados. 

— O meu amigo hoje está muito poético!

— Sabe o que realmente me dói? É a insensibilidade de alguns políticos a quem, de forma insistente e irresponsável, tudo lhes serve para arremessarem aos opositores!

— Ó ti’Tomé, vossemecê não poupa nas palavras.

— Não me resigno perante tanta demagogia. É claro, certo e sabido que os abraços e os afetos não vão resolver os gravíssimos problemas, nem apagam a tragédia que atingiram as gentes de Pedrógão e arredores. Contudo, para o que já não tem remédio e para o que, tendo, não tem solução imediata, mais nada há a fazer, de imediato, que mostrar e exercer a solidariedade que o Presidente da República veio trazer.

— Olhe que eu não diria melhor! E o que me diz desta notícia aqui logo a seguir sobre a candidatura portuguesa para sede da Agência Europeia do Medicamento? Então não é que, mais uma vez querem puxar mais esta para a capital? Mas os do Porto já vieram dizer que não pode ser assim!

— Pois vieram. Mas mais valia ficarem calados.

— Essa agora! Ainda há bem pouco se abespinhava todo com o centralismo lisboeta e agora acha bem que continuem com essa mania que é já um vício?

— Abespinhava e abespinho. Nada é mais necessário neste país, com o interior tão desertificado, do que a descentralização. 

— Pois, e então?

— Então, é que a altura não é esta. 

— Não? E porque não?

— Atente bem nisto. A vinda da agência para Portugal não é, nem de longe nem de perto, um dado adquirido. A probabilidade de sermos contemplados com tal infraestrutura é reduzida. Só por isso deveríamos juntar-nos todos à volta da melhor proposta que fosse possível apresentar. A divisão só nos vai prejudicar. Imagine agora que a gente do Porto leva a sua avante e que a candidatura portuguesa segue baseada numa localização da Invicta. A ida da agência para outro país será um trunfo enorme, que bem dispensávamos, para os defensores do centralismo. Poderão, a partir de agora, alegar, que a “cegueira” descentralizadora conduziu à derrota e, mesmo que o não possam provar, nada os impede de especular que uma proposta melhor teria outra chance de ter sido vitoriosa. Por outro lado vão martelar-nos, daqui em diante, que a insistência regionalista prejudica o país.

— Não deixa de ter alguma razão. Mas diga-me lá, já que parece estar tão bem informado. A proposta de Lisboa é melhor?

— Não tenha dúvida que é. E, ironicamente, por causa do centralismo governamental que tem instalado tudo quanto é sede de poder económico e técnico à beira do Tejo. É lá que está o Infarmed e as principais empresas farmacêuticas nacionais e as delegações internacionais. Também é ali que existe  um forte cluster científico e tecnológico público e privado. Para além de possuirem a necessária e exigível oferta de ensino internacional, a todos os níveis, para os milhares de funcionários que acompanharão a deslocalização da Agência.

– Estamos mais uma vez penalizados. E desta vez, duplamente. 

– Tem toda a razão. Mas olhe que a necessária regionalização é muito mais do que isto. Mudar o que quer que seja, de Lisboa para o Porto, não encaixa, propriamente, no conceito que tenho de descentralização!

O MANSO E O GUERREIRO II – O FOGUETEIRO IMPACIENTE

– Boa tarde, ti Júlio

– Olha o ti’ Tomé Guerreiro. Pois se é tarde viesse mais cedo. Que um bom guerreiro apronta-se de manhãzinha.

– O meu amigo está com alma de filósofo. Quem pensaria tomar conselhos de guerra de  um Manso?

– Manso, só de nome. Só de nome...

– E eu não sei? Fale-me das novidades da terra que, pelo que vejo, já leu de cabo a rabo o Jornal Nordeste.

– Ó ti’Tomé, nestes tempos eleitorais a gente já não sabe o que são notícias, o que são promessas, o que são projetos, o que são factos. Misturam tudo.

– E fazem mal. O povo precisa de esclarecimentos, não é de ilusões.

– O tempo é de promessas, homem! Por mais que discutam, por mais que condenem, por mais que prometam não fazer promessas vãs, essa é a mais vã de todas as promessas.

– Não há dúvida. Hoje deu-lhe para a filosofia... pois se querem o voto não hão-de prometer nada em troca? Como queria o meu amigo que enchessem a camapanha eleitoral?

– Oficialmente a campanha só começa em Setembro...

– Oficialmente, diz bem. Mas eles estão aí, andam por todo o lado, não podem estar calados se não ninguém sabe ao que vêm, nem tão pouco se lhes pode pedir contas depois.

– Pois melhor fora que dessem conta das promessas que já fizeram!

– Pois sim, pois sim. Mas a isso já nos vamos habituando...

– mas também já começamos a habituar-nos a outro tipo de atitudes. Veja bem o que se vai passando por esse mundo fora.

– Não me fale da América que não é bom exemplo.

– Não lhe falo da América, mas falo-lhe de França.

– Ora, ora. Mas isso é a outro nível. Ainda vai demorar a chegar ao plano das eleições deste ano. E eu até entendo que neste período comecem a despejar possíveis compromissos se calhar até com intenção séria de os levar até ao fim. E os votantes sabem bem que nem sempre as coisas correm como são projetadas e não é por falta de vontade e até mesmo de empenho.

– Então qual é o problema?  

– O problema é quando avançam cedo demais com o anúncio de empreendimentos vultuosos e que são bem necessários para a nossa terra.

– Agora é que eu não entendi nada!

– Muitas vezes começam a falar e a dar como certas, obras, realizações e investimentos na altura indevida. Criam expetativas que depois não se realizam quando deviam.

– Mas se vocemessecê  já disse que era natural...

– Natural não é, nunca. Mas quando são grandiosas e não há garantias sequer de começo e quando dependem de investimentos externos à nossa terra, se andamos a falar e a afiançar que vai, quando nem começou, o que estamos é a afastar quem podia ajudar e que assim pensa que já está e nem sequer se interessa. E não é só isso.

–  Ai não? Então que mais é?

– Acontece como no caso do Lobo. Quando for mesmo para valer, já ninguém acredita de tanto ter sido noticiado antes, em vão.

– Já houve foguetório demais.

– É isso mesmo. Demais e em tempo impróprio. Que mal compare é como se um fogueteiro, na ânsia de mostar a sua habilidade e a qualidade do fogo-de-artifício que tem, começasse a fazer demonstrações antes da festa. Quando chegasse o arraial já pouco havia e desse pouco, nada era novidade pois já tudo tinha sido visto!

O MANSO E O GUERREIRO I - OS BUFOS

Com a aproximação do período eleitoral são muitas a solicitações e é grande o próprio impulso para nos pronunciarmos sobre alguns dos muitos candidatos que se perfilam para solicitarem a confiança dos eleitores, seja para lhes elogiar as qualidades, seja para lhes apontar as faltas e as incongruências. Em vez disso resolvi dedicar-me a dar voz a dois anciãos nordestinos de seus nomes Júlio Manso e Tomé Guerreiro. Todas as tardes o Júlio e o Tomé, descem parcimoniosamente a Canelha do Campo para se sentarem em bancos de madeira feitos de troncos secos de sobreiro que um incêndio secou, em frente de uma vetusta mesa de pedra para partilharem uma generosa fatia de pão centeio apeguilhado com um naco de queijo de ovelha, curado e apimentado. Molham a palavra num palheto encorpado que trazem, à vez, em generosa cabaça de litro, rolhada a preceito com um toco de madeira aparado com mestria. Discutem a atualidade, julgam o presente, criticam o que está mal, elogiam o que se faz bem, determinam o futuro, salvam a humanidade e reforçam os laços de amizade que há décadas os identificam e irmanam.

 

– Deus nos dê boas tarde, ti Júlio

– Venha com Deus, amigo Tomé.

– Que me diz vossemecê a essa coisa que anda toda a gente a falar?

– E que coisa é essa que eu não sei?

– Não se fala noutra coisa lá por Lisboa. Parece que vamos ter de novo os bufos a darem cartas.

– Pode lá ser? Isso é coisa do antigamente. Agora vivemos em democracia e essa ocupação já não tem cabimento.

– Não tinha, mas parece que voltou a ter. Então não é que querem copiar o que se passa no Brasil e agora querem absolver a bandidagem... desde que denunciem os comparsas.

– Não pode ser.

– Eu também acho que não, mas já vi tanta coisa.

– Quer dizer que quem comete um crime pode vir a safar-se se der com a língua nos dentes?

– Nem mais. Dizem que é a única forma de combater eficazmente a corrupção.

– Essa é boa. Então a corrupção vai ser combatida com a colaboração dos corruptos? Não encontram ninguém mais credível?

– A modos que quem incriminar o parceiro, livra-se.

– E se a denúncia for mútua?

– Está bem visto! Se calhar o prémio fica para quem chegar primeiro.

– É que vai ser uma corrida! Logo que se conste de alguma investigação vai ser um ver se te avias a correr para o Ministério Público, para ganhar vez.

– E se a denúncia for simultânea?

– Então sim, fica tudo muito mais cumplicado. Vai, não vai, ainda acabam todos ilibados!  

– Pois olhe, se for assim, vamos ficar ricos.

– Era bom, era, mas não vejo como.

– Muito fácil:  assaltamos um banco.

– Ó homem você ficou maluco? Não íamos longe. Éramos logo apanhados e presos.

– Nada disso. Assaltamos um banco, de manhã, em Alfândega, distribuímos o dinheiro ao meio-dia e à tarde, exatamente à mesma hora, vossemecê vai a Vila Flor denunciar-me à GNR e eu apresento-me  no posto da Guarda em Moncorvo a incriminá-lo. Aplicam-nos a lei de forma igual e justa, como compete. Os de Vila Flor premeiam-no a si e os de Moncorvo ilibam-me a mim.

–  Não é mal pensado. Mas olhe, como isso ainda vai dar muito que falar, sente-se aqui e beba mais  uma pinga.

– Não mo diga duas vezes. À sua!

Fogueiras de Palha

A vida é feita de ciclos. Apesar de normais e habituais, alguns resultam da própria natureza tal como os diários e anuais e outros são resultado de convenções como os semanais e os eleitorais. Dos naturais existe uma característica comum que passa pela existência de um período escuro, frio e dormente, alternando com um outro, claro, luminoso, quente e de maior atividade física e mental. Os convencionais não têm, pela sua própria génese, esta diferença intrínseca embora a própria praxe criadora lha associe e seja assimilada pelos interessados. Facilmente se liga o fim de semana ao período estival de férias e descanso e os restantes dias semanais ao cinzentismo do ciclo de trabalho. Igualmente é vulgar que o início de um novo ciclo eleitoral seja agregado ao dealbar de um novo dia, de um recomeçar, de um retomar o fôlego, tal como acontece diariamente.
Mas há diferenças, claro.
O ciclo diário não aparece com opções, pelo contrário, a regularidade traduz-se pela continuidade e repetição. Já com as eleições não é assim. Mesmo nos casos em que a manutenção do status quo se assegura como certa e consequente é preciso confirmá-la através do processo eleitoral. Ora isto comporta um risco que não é nunca desprezável, como ficou provado recentemente nas última eleições autárquicas distritais. Por isso começa a ser hábito que quem está nos comandos do poder local tente abrilhantar e reforçar o clarão da madrugada para que a atenção dos eleitores não se “distraia” com todos os que lhe disputam a primazia, para lhes conquistar o poder. Para isso começam já a surgir nas cumeadas pequenas fogueiras que pretendem indicar aos detentores do precioso voto, a direção que devem tomar e para onde os querem levar.
Há, sabemo-lo, artifícios luminosos para todos os gostos.
E, quase todos são usados. De forma genuína ou artificial, convictamente ou com segundas intenções, de forma genuína ou com a maior das falsidades. E assumem formas várias e diversas. No alto da montanha que marca a chegada do período de quatro anos estão já montadas as várias estruturas que suportam a encenação da praxe. Começam já a surgir na linha do horizonte os artefactos ígneos, sejam velhos archotes, novos focos de luz LED, tradicionais pirilampos, modernos lasers, passando por sofisticados videomapings, complexos fogos de artifício, simples labaredas, arrojadas línguas de fogo ou rudimentares fogueiras de lenha.
Muito se poderia dizer da natureza de cada uma destas formas de reforçar e aumentar a “claridade” que se pretende carrear para o momento de decisão e “iluminar” a escolha adequada aos anseios individuais e coletivos. Ficar-me-ei pela análise superficial, mas intuitiva, destas últimas pela sua simplicidade, objetividade e facilidade de execução.
Desde tempos imemoriais que o os homens acendem fogueiras para vencer as trevas, para se orientarem, para se defenderem mas, muito mais que isso, para confecionarem as suas refeições. Não é fácil caracterizá-las, remotamente. Vistas de longe, são, muitas vezes enganadoras.
Os fogachos com que alguns nos pretendem atrair, são feitos de palha, folhas secas e “fanenco”. São vistosos, vêem-se ao longe, atraem facilmente, mas têm fraca consistência e o poder luminoso é inversamente proporcional ao calorífico. À distância e na obscuridade levam a palma ao braseiro feito com lenha seca ou carvão. São seguramente mais luminosas e atrativas. Sendo embora vistosas n\ao ]e l]iquido que aguentem até ao momento da chegada. Aceso ou não, o borralho é fraco, não chegará sequer para encorrilhar a pele de uma posta de bacalhau, muito menos servirá para assar sardinhas e nem pensar em grelhar par de bogas ou barbos.

Pedro e o lobo

Em algumas versões da obra de Sergei Prokofiev, o pato, quase no final da história, faz “quac” no estômago do lobo. Não sendo melómano foi esta encantadora história infantil que me apresentou dois instrumentos musicais surpreendentes, ambos da categoria dos sopros e feitos em madeira, o fagote e o oboé, que naquela obra traduzem as vozes do avô e do pato, respetivamente.
Lembrei-me da obra do compositor russo ao ouvir recentemente Pedro Passos Coelho na Assembleia da República. Tendo, por diversas vezes, criticado o antigo Primeiro Ministro, não podia deixar de vir aqui elogiá-lo quando, a meu ver, esteve particularmente bem na sua última interpelação ao atual chefe do Executivo.
O líder do PSD quis saber quais as razões que estiveram na base da recusa de dois nomes propostos para o Conselho de Finanças Públicas. Andou bem porque a legitimidade que os governos têm de decisão, entre estas incluindo, obviamente o direito de recusa, suportados na legislação em vigor, não os exime, de forma nenhuma, da obrigação, constitucional, de prestar contas e justificar os seus atos. É seu dever fazê-lo, perante os portugueses, como é óbvio e, sobretudo, a solicitação dos Deputados de acordo com os preceitos constitucionais. É bom frisar que o Governo responde perante a Assembleia da República. Submete-se ao veredito do coletivo, nas deliberações e propostas, mas tem de se justificar perante cada um dos Deputados, não lhes podendo negar o direito que têm de ser esclarecidos em todas questões que pretenderem. O facto de haver uma maioria de suporte do Executivo garante-lhe, à partida, o apoio e aprovação nas suas ações, mas não o desobriga de esclarecer e explicar os seus atos perante todos e cada um dos representantes populares que se sentam no hemiciclo de S. Bento.
É, infelizmente, muito comum que os que obtêm o mandato para governar entendam que tal os legitima para o executarem a seu bel-prazer e sem disso darem qualquer elucidação quando a propósito e convenientemente interpelados. É uma falta de respeito, um grave erro político e, quase apostava, uma ilegalidade. Tal atitude desqualifica quem a toma e dá autoridade moral a quem se lhe opõe para poder discorrer livremente sobre as eventuais verdadeiras razões para tal escusa. Fica legitimado a levantar suspeições que, de outra forma, poderiam ser sempre olhadas com desconfiança e eventualmente abusivas ou exageradas.
As eleições legitimam o exercício do poder mas não retiram a todos os outros, oponentes, apoiantes ou simples interessados, o direito constitucional de escrutínio, constante, permanente e completo sobre as ações, por mais legais, lícitas e adequadas que sejam, na ótica de quem as pratica.
Andou bem Passos Coelho.
Andou mal António Costa.
Podia ter sido pior? Podia. O chefe do governo podia ter sido tentado a desresponsabilizar-se, a dizer que nada tinha a ver com a questão, a passar a bola ao seu ministro ou a esconder-se atrás de algum dos seus colaboradores.
Mas esse é um erro que o líder do PS não cometeu e, estou certo, seguramente não cometerá!

Fazer menos Para fazer mais e melhor

Isabel Gordo, investigadora do Instituto Gulbenkian de Ciência, tinha, já há algum tempo, descoberto que as bactérias tinham uma capacidade de adaptação mil vezes superior ao que até então era tida como certa e adequada. Esta situação causou-me uma enorme preocupação pois queria dizer que as bactérias multirresistentes tinham condições para se desenvolverem enquanto se multiplicavam e assinalavam o início da morte dos antibióticos tal qual os conhecemos. Contudo as suas pesquisas recentes vieram descobrir que mau grado essa capacidade, as novas entidades pagam como preço por essa super adaptação, uma dependência do fármaco ao qual ganharam resistência. As mutações que se efetuam para conferirem a resistência acabam por lhes serem prejudiciais na ausência do antibiótico. Para sobreviverem estas adquirem outras mutações compensatórias e isto justifica que apesar da tal adaptabilidade, inicialmente referida, nem todas se desenvolvem com sucesso. O que os novos medicamentos terão de fazer é atacar, modificar, bloquear ou, eventualmente destruir, as proteínas que estão envolvidas no mecanismo compensatório. Diz-nos a investigadora que: “Se conseguirmos bloquear as proteínas agora identificadas talvez possamos matar bactérias multirresistentes, uma vez que estaríamos a eliminar este mecanismo compensatório que favorece o seu crescimento na população.” – E como fazer isso? – é a pergunta que se impõe. “Não sei, isso agora já não é comigo. Agora é com os químicos. Talvez no Instituto Técnico de Química Biológica haja alguém que possa agora pegar nisso e desenvolver um medicamento que use adequadamente as descobertas do meu grupo”

Esta conversa veio, a talho de foice, num encontro casual de corredor a propósito da reação que a divulgação deste tipo de notícias frequentemente provocam. Há várias pessoas que lhe telefonam a oferecerem-se para, voluntariamente, serem cobaias para que a investigadora possa por em prática as descobertas que vai fazendo. “Não é fácil dizer-lhes que eu não chego tão longe e que agora há que esperar que outros colegas peguem nisto e façam algo que possa ser usado em futuros medicamentos. Sentem-se frustrados... mas para que eu possa continuar os meus trabalhos de investigação é necessário que eu páre por aqui, nesta linha”. Presente a também investigadora Karina Xavier confessou que muitas vezes se sentia impelida a continuar para lá do estrito objeto da sua investigação porque, como lhe dizia o marido, se calhar com mais algum esforço poderia aprofundar as experiências e talvez contribuir, quem sabe, para mais facilmente curar doenças ou mesmo salvar vidas.  “É verdade que eu própria me sinto muitas vezes empurrada nesse sentido, mas tenho de ter a noção que ao ir por aí estou a trilhar um caminho onde não sou especialista. Haverá alguém o fará melhor que eu que me devo concentrar no que melhor conheço e sei.”

Por um lado é importante divulgar este tipo de desenvolvimentos e descobertas científicas entre outras razões para que seja apresentada a devida justificação dos dinheiros públicos que são, em grande parte, o suporte financeiro desta atividade. Por outro, sem diminuir a importância dos resultados obtidos, é necessário igualmente acautelar o excesso de expetativas que este tipo de notícias acaba por despoletar a quem sofre de doenças de uma qualquer área focada e cuja cura não seja ainda possível.

Situação idêntica se passou recentemente na Fundação Champalimaud após o anúncio de uma metodologia nova e revolucionária no tratamento de alguns tipos de cancro e cujos telefones foram completamente inundados de chamadas de doentes a quem, infelizmente, esta nova terapia não se aplicava.

 

NHA TIA

Umas das maiores prorrogativas da Democracia, talvez a maior, provavelmente a Única por ser a base de todas as outras reside no direito reconhecido a todos de poderem escolher uma entre várias opções para cada um dos problemas que o tempo e as circunstâncias nos vão colocando ao logo da vida. Mesmo que quando, quer a nossa, quer a da maioria, pender sempre ou quase sempre para o mesmo lugar é bom, reconfortante e seguro saber que essa escolha resulta da convicção de bondade da mesma pois havia, há e haverá a possibilidade de preferir, promover ou adotar um caminho diferente, uma solução alternativa, um propósito diverso. É por isso com grande estranheza, com surpresa e até com alguma mágoa que se constata que, cada vez mais, muitas das resoluções dos decisores locais, nacionais e até europeus, nos aparecem como factos consumados, definitivos, sem possibilidade de argumentação ou oposição porque, dizem, “Não Havia Alternativa”. São demasiadas e cada vez mais frequentes as circunstâncias que desembocam em ruelas estreitas, apertadas, difíceis, tantas vezes, mas inevitáveis por constituirem a única saída possível. Foi, inclusivé, cunhado um acrónimo com base na enunciação em língua inglesa desta mirífica e polivalente solução: “TINA – There Is No Alternative”. Por oposição a este existe o oposto “TIA – There Is Alternative” que no nosso português configura um nome de muito maior abundância e utilização. Mesmo sendo certo que a crescente opção pelo filho único lhe diminui a vantagem, mesmo assim há e haverá sempre mais tias do que Tinas. Preferindo embora a denominação lusófona em que a opção única nos oferece como sigla um vocábulo fonético muito nosso, muito nordestino Nha pela utilização das iniciais de “Não há alternativa” mas também usado popularmente como abreviatura de “minha” (Nha mãe, nha tia – como recentemente e com muito agrado ouvi em plena Lisboa), não me conformo com a as soluções únicas trazidas e apresentadas como inevitáveis por alguns iluminados de que se supunha haver apenas (má) memória.
É que, por estranha coincidência, quando uma opção tem por justificação a inexistência de alternativa, é sempre má, prejudicial para os cidadãos e acarreta custos que, mais tarde ou mais cedo, se irão refletir no nosso bolso. Curiosamente também se verifica que quem justifica estas deliberações, quase sempre, pouco tempo antes, desde que noutras circunstâncias e com outras responsabilidades, jurava e garantia que o leque de escolhas é, para todos e qualquer dos casos, largo, vasto e com seguras vantagens sobre as decisões alheias. Assustadoramente, floresce esta teoria e maneira de ser e pensar no centro político onde até há bem pouco se encontravam as soluções governativas maioritárias. É infelizmente nos extremos, quer da esquerda, quer da direita, que aparecem e fazem caminho ideias e propostas com diferenciação clara e evidente.
Ainda há pouco tempo se falava na “esquerda caviar” para fazer a ponte entre os extremos políticos. Chegou a vez das tias para igualmente encontrar as pontas extremadas da política. É da extrema esquerda e da extrema direita que chegam as TIA’s com consistência e estabilidade perante a deriva e desnorte do tradicional centrão de TINA’s

VINTE E UMA DÉCIMA

Jorge Sampaio cunhou a expressão “Há mais vida para além do déficit” que muitos viriam a repetir e a brandir, sempre que tal lhes convinha. Em coerência não podem agora vir reclamar louros, hossanas e louvores para a obtenção do resultado recordista de um déficit de dois vírgula um por cento do Produto Interno Bruto.
De igual forma aqueles que fizeram do controlo orçamental o leitmotiv de todo um ideário político e programa de ação governativa, não podem agora desvalorizar o notável feito que o atual governo obteve para as contas públicas no ano de 2016. Alegam os detratores da ação do atual Ministro das Finanças e outros opinadores independentes que o resultado foi obtido com recurso a ações extraordinárias únicas e irrepetíveis. Quanto aos independentes pode aceitar-se este argumento desde que no passado o tivessem igualmente brandido. Porque esse é que é o cerne da questão. Por um lado há já vários anos que estamos habituados a ver todos os governos a incluirem nas suas atuações pro-ativas ações extraordinárias de forma a amenizar os índices financeiros. É certo que desde a entrada do nosso país no clube do Euro todos os executivos nacionais têm dedicado especial atenção a esse indicador de tal forma que acabou por entrar no léxico popular vulgarizando a sua utilização e compreensão. Mas nenhum deles o promoveu a objetivo primeiro e primordial, subordinando toda a restante política económica à obtenção desse desiderato, como o vigésimo liderado por Pedro Passos Coelho. Não pode, ninguém que a ele tenha pertencido ou ativamente o tenha suportado e apoiado, vir agora menorizar a obtenção do valor em causa. E se o argumento que cifra tem o valor que tem, não é, genericamente, aceitável por causa de ações excecionais dado o histórico referido, muito menos o será para quem tudo sacrificou, incluindo o crescimento económico, o emprego, o investimento, as pensões, os salários e tantas outras malfeitorias, no altar do indicador imposto pelo Ministro da Finanças alemão, através da União Europeia de do Eurogrupo liderado por um holandês sobejamente conhecido. Mas não só. Ao reclamarem que a façanha de Mário Centeno se fez com suporte em eventos não re-editáveis estão a confessar que todas as ações levadas a cabo pelo anterior Governo, afinal não eram provisórias e temporárias mas seriam para repetir e continuar. Para que, como argumentam agora, os níveis do déficit fossem sustentáveis, caso se mantivessem no poder, manteriam os cortes nos salários e nas pensões e o Estado continuaria a deixar de se comportar como uma entidade de bem no cumprimento das suas obrigações e compromissos para com os cidadãos, sempre que “fosse necessário”.
Definitivamente, não é entendível, nem sequer razoável ver o grupo que deificou o controlo orçamental desvalorizar e menorizar o fabuloso resultado atingido este ano, nesse campo. O natural e razoável seria um aplauso generoso, um elogio rasgado à atuação ministerial, eventualmente acompanhados de uma glorificação adicional do objetivo primeiro defendido anteriormente. Ganharia credibilidade e valorizaria, mesmo que retroativamente, a direção e o rumo que em 2011 definiu e traçou para o nosso país. Não pensam assim os estrategas social-democratas. As próximas eleições revelarão se têm ou não razão.

(IN) FELICIDADE ETERNA

Na semana que terminou foi notícia a implantação de um coração artificial. Não se tratando de um coração completo, mas apenas de uma bomba mecânica auxiliar do órgão humano, não deixa de ser um passo importante no bom sentido. É uma questão de tempo e não tardará que seja possível fabricar e instalar numa pessoa que dele necessite, um coração totalmente artificial e autosuficiente em termos energéticos e de manutenção, condição que o equipamento em causa ainda não satisfaz integralmente.
Contudo esta notícia fez-me regressar à crónica da semana passada. Mas antes disso há uma realidade que se apresenta à nossa frente com uma insistência crescente e que não é possível ignorar: estamos todos a transformarmo-nos, lenta e crescentemente, em Ciborgues (cyborg na nomenclatura inglesa original de cybernetic organism). Chama-se ciborgue a uma pessoa em que parte das suas funções são desempenhadas por mecanismos cibernéticos. São já várias as próteses que, com sucesso, podem ser operadas diretamente pelo cérebro. Depois dos pace maker começam a aparecer partes de coração e, não tarda nada, outros órgãos internos começarão a ser fabricados pelos homens para serem incorporados nos corpos de seres humanos. Mesmo hoje já parte da nossa memória e funções de cálculo e registo deixaram de ser executados pelo nosso cérebro e são quase totalmente desempenhados por agendas eletrónicas, máquinas de calcular, individualmente ou integradas nos populares smartphones. Outras funções se sucederão. Com tempo, a maquinização chegará a muitos outros lugares, até há pouco reservadas aos órgão nativos dos seres vivos.
Com a crescente capacidade de substituição de partes humanas que deixaram de funcionar ou não o fazem satisfatoriamente, igualmente estamos a caminhar para a eternidade. No limite, se tudo puder ser substituído, a imortalidade será um facto. Muitas são as questões éticas e de singularidade que se colocam e que poderão ser abordadas no futuro, mas o que interessa agora é saber qual a reação natural a este fenómeno já dos nossos dias. Teoricamente todos estes avanços melhorando e prolongando a vida em boas condições devem ser encaradas como intrínseca e genuinamente boas e carreadoras de maior felicidade.
Mas tal não estará, necessariamente, garantido. Bem pelo contrário. Podem potenciar angústias, stress e sofrimento. A ciborguização será, seguramente, pelo menos nos primeiros tempos, um processo complexo e muito caro. Assim sendo estará apenas disponível para um pequeno grupo de privilegiados, causando tristeza e dor em todos os que dela precisando, não lhes esteja acessível. Por outro lado, sendo possível substituir muitos dos sistemas vitais não será possível evitar de todo acidentes, atentados e desastres que o impossibilitem tornando estes factos (ou a própria existência dessa possibilidade) mais dramáticos e terríficos aumentando exponencialmente a ansiedade antes de acontecerem e multiplicando o dramatismo da sua ocorrência.
Serve pois esta crónica para confirmar a anterior ao provar que até as coisas melhores que o progresso e a tecnologia nos pode trazer não garantem um aumento contínuo e sustentado da felicidade. Podem, pelo contrário, contribuir, de forma esporádica ou continuada, para a sua diminuição.

E FORAM FELIZES PARA SEMPRE (OU TALVEZ NÃO)

A felicidade absoluta não existe. Existem sim momentos de prazer que, muitas vezes, nos levam a desejar que se prolonguem indefinidamente. Contudo tal não é possível. A felicidade traduz-se na sensação de bem estar, percebida pelo cérebro, devido ao aumento de produção de serotonina. Esta condição biológica não é exequível. Porque, como disse no início, não é absoluta, pelo contrário é relativa. Traduz-se no aumento temporário de satisfação e, como tal, deverá regressar ao estado normal, mesmo que o estímulo inicial se mantenha. Ninguém consegue manter-se em estados permanentes de felicidade tal como, igualmente, ninguém persiste em estados contínuos de infelicidade.
É certo que, geneticamente, há indivíduos cujo estado de satisfação normal é superior ao de outros mas os limites são sempre transitórios. Numa escala de 0 a 10 podemos adimitir que o estados estáveis se situarão entre 4 e 7 e as flutuações provocadas pelos acontecimentos externos poderão levar, durante algum tempo, a níveis 9 ou 10 ou, por oposição, ao 0 e 1. Inevitavelmente regressar-se-á ao nível estável de partida. As pessoas com tendência para a boa disposição, voltarão aos seu estado de satisfação moderada e as rezingonas tenderão a regressar à sua condição  de angústia contida. Tal como se o estado psicológico de satisfação fosse um compartimento cuja temperatura seja controlada por um sistema de ar-condicionado cujo valor estável é pré-programado. A exposição ao ambiente externo provoca alterações na temperatura, para cima ou para baixo, mas, com o decorrer do tempo o sistema encarrega-se de a estabilizar ao valor fixado. A sensação agradável (ou desagradável) da transição é mais relativa que absoluta pois entrar num compartimento a 10.º graus centígrados pode causar-nos um arrepio ou uma sensação de calor dependendo do ambiente externo ser de grande calor ou glacial.
O grau de felicidade de quem adquiriu, para uso próprio, uma cabana numa floresta longínqua, pode ser, da mesma ordem de grandeza de quem acabou de se instalar numa fabulosa penthouse numa movimentada avenida de Nova Iorque. Para o que conta, o cérebero, não mede nem avalia a sofisticação da decoração ou a facilidade de acesso, bem como a tecnologia de apoio, mas tão somente a quantidade adicional de serotonina libertada.
É certo que a globalização e os meios atuais de comunicação elevam a fasquia que serve de limiar pois coloca em comparação não o que nos rodeia no nosso ambiente habitual, mas tudo o que de melhor existe em todo o mundo.

A revolta que levou à queda de Mubarack foi originada pela insatisfação que os egípcios sentiam... não porque se estivessem a comparar com os seus ancestrais do tempo de Ramsés mas porque o termo de comparação foi a sociedade ocidental, europeia e americana.

Por outro lado a sociedade descrita por Aldous Huxley em O Admirável Mundo Novo  em que um governo ditatorial induzia nos cidadãos, por meios biológicos e psicológicos um estado de felcicidade constante é assustador. Na minha modesta opinião, muito mais que o próprio 1984 de George Orwell.

Há aliás outras razões e argumentos para que esta demanda do Graal não possa ser mais que isso. Uma busca constante e permanente que, se atingida, retirar-lhe-ia a própria essência da própria procura. Em crónica futura e quando houver oportunidade, regressarei ao tema.