Luís Ferreira

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Carne pra canhão

Três meses de guerra e sem solução à vista. O que parecia inconcebível para a Europa tornou-se tão real que ofuscou completamente as mais elementares ideias de um otimismo bacoco. A cada dia que passa torna-se mais evidente que a guerra não está para acabar. A destruição que se tem verificado, à margem de todas as leias da guerra, leva a que milhares de mortos não justifiquem este massacre que não tem qualquer justificação objetiva e que toda a comunidade internacional a condene. Mas condenar é o mínimo que se pode fazer. Putin invadiu a Ucrânia chamando a essa ação uma operação militar especial e dando uma justificação que em nada concede o direito de o fazer em território alheio pertencente a um país independente. À sombra desse argumento, enviou para a frente de batalha, soldados inexperientes como se fossem para um jogo de cabra-cega em que sairiam de cabeça erguida. Puro logro! Autênticas crianças, sem eira nem beira, lançadas para a boca dos leões. Tudo se complicou e muito. As imensas baixas que se têm verificado do lado russo, tanto em homens como em armamento, levaram e têm levado Putin a equacionar todo o esquema falhado para esta operação. Agora tudo se concentra na região do Donbass e Luhansk. Ele quer lavar a face, mas será que consegue? A verdade é que está a sofrer demasiados revezes. Como se sabe Putin está doente e equaciona-se a sua substituição no Kremlin. Isto a acontecer, livra Putin de um descalabro e deixa para outros o insucesso da operação especial. Por enquanto existe um certo mal-estar entre os generais russos e mesmo os que ambicionam o poder. Já houve uma tentativa falhada de golpe de Estado e Putin está receoso que outro aconteça quando menos espera. Sem alternativas, o Kremlin está a deitar mão a toda a gente que pode. Mais de mil mercenários russos e sírios saíram da Líbia, onde apoiavam as forças do senhor da guerra Khalifa Haftar. Também lançou contra a Ucrânia tropas vindas da Ossétia do Sul e Abkhazia, dois territórios separatistas da Geórgia. Grande parte das tropas colocadas pelo Kremlin na Ucrânia é oriunda da vastidão da Rússia, sobretudo das minorias étnicas mais pobres, sejam elas budistas, muçulmanas ou xamanistas, que vivem perto das suas extensas fronteiras. Estes não se queixam, não têm famílias que o possam fazer e a morte é quase um mal menor. Quase crianças, pobres e infelizes, morrem sem saber porquê. São pura e simplesmente carne pra canhão. As pesadas baixas sofridas pelas forças russas tornaram incapazes de quebrar o impasse em Donbass apesar de alguns avanços nos últimos dias. São necessárias cada vez mais tropas. Vêem-se cada vez mais carrinhas móveis de recrutamento por toda a Rússia. O material pesado sofreu pesadas baixas. O Kremlin começa a tirar dos armazéns, velhos tanques soviéticos T- 62, considerados obsoletos desde os anos 80, de maneira a conseguir reequipar algumas das suas forças. Mesmo os recentes avanços nos arredores de Severodonetsk, têm sido feitos à base de esmagadoras barragens de artilharia. Não que isso torne o avanço russo menos aterrorizante para os civis apanhados pelo meio. A dependência dos russos em relação à sua artilharia é um sintoma de uma falta de recursos humanos enorme. Para o Kremlin uma mobilização em massa seria desejável, mas seria extremamente impopular, já que tem enfrentado mais de uma dezena de ataques contra centros de recrutamento, este mês, pela calada da noite, recorrendo a cocktails molotov. Limita-se a recrutar vassalos de zonas periféricas, constituídos por buriat-mongóis, daguestaneses, tuvanos e outros que não o desafiam nem fazem barulho, sendo aliciados sem saber que são efetivamente carne pra canhão. Combatem e morrem sem propósito no exército do Kremlin, enquanto os russos de etnias mais ricas das regiões como Moscovo ou São Petersburgo, não são recrutados. Não espanta que o primeiro condenado por crimes de guerra durante a invasão seja um jovem sargento siberiano, que cresceu perto da Mongólia. Foi apanhado nas malhas de uma guerra que não era sua e arrisca uma pena de vinte anos de prisão por ter cometido um crime de guerra que possivelmente nem sabia que existia. Perante tantas atrocidades que assolam o Mundo e especialmente a Europa, a guerra da Ucrânia parece ter feito esquecer a guerra da Síria, do Líbano e as escaramuças na Palestina e em África, que passaram para segundo plano. Foi preciso aparecer outra criança louca e armada em herói, com arma de guerra na mão e entrar numa escola e matar 20 crianças e adultos para, por momentos, ser notícia de primeira página. Influências da guerra? Enfim! Até o famigerado Covid-19 quase esquecido. A verdade é que a pandemia está de volta e começa a assustar novamente. Esta guerra ainda não está ganha. É uma nova vaga acompanhada de novos sustos e receios, em que os números sobem a cada dia que passa. Talvez se o vírus apanhasse o exército russo e os remetesse a um confinamento forçado, ajudasse a que a guerra se encaminhasse para o final desejado. Mas não. Até o vírus parece ter receio desta guerra louca.

Abril, Maio e outros meses

Simples, mas profundo, o 25 de Abril marcou a transição global da sociedade portuguesa, em termos políticos, sociais e mesmo culturais, implementando-lhe um cunho próprio, que somente pecou pela pressa que lhe estava associada. Era a pressa de vencer, de chegar ao fim ou de começar. Para trás ficava um regime ultrapassado, gasto pelo tempo, indesejável pelas pessoas e pela Europa. Depauperado pelas suas próprias premissas, o sistema caía às mãos de meia dúzia de capitães que, serenamente fizeram a mudança e escolheram os novos governantes. Não era necessário possuir qualquer arte de ictiomancia para adivinhar o que se iria seguir. Anisómera, a revolução para uns, significava nem mais um soldado para o Ultramar, para outros o fim da ditadura, para outros o caminho para a liberdade e democracia. E em vez de o galo cantar três vezes, cantou o Paulo de Carvalho, dizendo adeus. E depois cantaram outros. Uns de galo, outros nem por isso! Crucificados foram alguns, outros ficaram para mais tarde. Alguns nem crucificados foram! Uns morreram... de verdade. Outros... nem morreram. Alguns... ressuscitaram, ou... quase! As anisometrias existentes eram por demais evidentes. Valeu a aquiescência do povo que, com a sua anódina paciência, soube esperar. A sociedade portuguesa vivia momentos ímpares da sua História. Libertava-se de algumas amarras, velhas de anos e de propósitos e caminhava rapidamente para uma plataforma libertadora, ânsia de décadas, desejos de sempre. O ónus de cada revolução está no seu âmago e também no seu objectivo primário. E só o seu êxito justifica o seu aparecimento. Só a consecução de todos os planos, justificará a sua existência. Foi mais uma revolução pacífica nesta história de homens e do mundo. Algumas são tão semelhantes, que conseguimos encontrar pontos comuns e semelhanças tão fortes que nos interrogamos se não acontecerão por acaso, por vontade dos homens ou por obra divina!? Efetivamente, Abril será sempre um marco e continuamos a celebrá-lo quarenta e oito anos depois, mas o tempo vai esmorecendo o fervor de outros tempos tal como esmoreceu o 1º. de Dezembro ou o 5 de Outubro. As revoluções têm um tempo de vida e embora a memória que delas resulta permaneça, acabam por ser apenas uma memória, boa ou má, mas somente memória. A intensidade com que se vivem esmorece e ainda bem já que o tempo também traz coisas novas, momentos renovadores, novas ideias, novas políticas, novas visões da vida e do mundo. Hoje referimos historicamente revoluções que transformaram as sociedades, os países, as políticas e cada país terá as suas claramente e Portugal tem as suas. Não as pode esquecer como é evidente, mas que as adapte aos novos modos de pensar e de agir que modernize os seus contextos. A juventude de hoje, que não viveu esses momentos de transformação, não os entenderá se não forem devidamente contextualizados e comparados ao que hoje eles conseguem perceber. Mas hoje entendem a guerra porque a vivem, ela é atual e lhes causa transtorno. Por isso a detestam e criticam quem a promove. Da sua boca saem vociferações de ódio e raiva contra os causadores de tanta morte e destruição. Hoje a guerra está bem presente e entra pelas suas casas sem pedir autorização. Não é uma revolução qualquer que logo acaba e se remete a um só país ou local. É um acontecimento bem maior. Do tamanho do mundo e talvez assim eles entendam melhor as guerras mundiais anteriores. Os meses não têm interesse. Seja Abril, ou Fevereiro ou até mesmo Dezembro ou Maio. As revoluções cabem em todos eles e as guerras de igual modo. Mas no dia 1º. de Maio, dia da Mãe, elas decerto choram os filhos perdidos em qualquer desses meses, por razões que desconhecem tanto elas como eles. O que fica tem sempre um sabor amargo.

Crime e castigo sem vergonha

Na insofismável tendência que envolve a natureza humana para se diminuir ou engrandecer, humilhar ou ser superior, deparamos com exemplos abomináveis de uma e de outra vertente que nos chocam e nos tornam irascíveis descontrolando os nossos egos. Causas são várias e culpas ninguém a quer. A verdade é que se jogam no palco europeu e mundial jogos demasiado perigosos, assustadores e destruidores, arrastando a dignidade humana para um campo de lama imenso de onde, demasiado tarde se poderá, quiçá, levantar com as mazelas condizentes à sua nova condição. Estamos todos fartos de viver uma guerra que não sendo nossa também o é, que nos entra pela casa dentro com os contornos horríveis que uma guerra obviamente tem, que nos incomoda, que nos irrita e nos transforma em seres capazes de levar a cabo o que nunca faríamos em estado normal. Ficamos fora de nós próprios e envoltos num ódio terrível por quem deflagrou um conflito contra quem nada fez para o merecer. As razões, sejam elas quais forem e certamente os beligerantes as terão, nenhuma justificaria uma guerra desta natureza. Aliás, nenhuma guerra tem justificação. No palco desta Europa vive- -se uma guerra que vem pôr a claro falhas graves de um e de outro lado do palco, revelando que a Europa não estava minimamente preparada para este tipo de conflito. Porquê? Porque nunca nenhum país da União pensou que houvesse uma nova guerra no seu território e por isso mesmo não se preparou para essa eventualidade. Agora está a sofrer as consequências dessa incúria. Corre atrás do prejuízo e as alternativas não são nada boas nem fáceis de tomar. Porquê? Porque a Europa depende e muito dos países que estão em conflito. A Rússia e a Ucrânia. Um abastece a Europa de energia, gás, petróleo e cereais e o outro abastece o Mundo de cereais. Isto faz com que a guerra se alastre para outros continentes nomeadamente o africano onde a fome se agrava. Lançadas as sanções contra a Rússia, elas não serão suficientes para impedir estas consequências, já que ela é demasiado grande e orgulhosa para reconhecer que errou, ou não, e acabar com as atrocidades que está a cometer. A paz está longe, muito longe e a revelação dos crimes de guerra que estão a ser divulgados pelo Mundo inteiro em nada ajudam a que a Rússia os admita e se rendas às evidências. Sabe que os comete, sabe que castiga inocentes, sabe que já matou milhares de civis, mas não admite nada como seu. Não tem vergonha nenhuma. Os supostos crimes de guerra que nos têm sido apresentados pela comunicação social e a forma como são revelados, são aterradores, arrepiantes. Como é possível levar a cabo tão hediondos crimes? Como é possível matar a sangue frio pessoas que nada fizeram, idosos, jovens, só porque um louco os mandou arrasar tudo por onde passassem? É fácil saber quem tem culpas, mas não admitem nem nunca admitirão. As culpas merecem castigo e eles não querem ser castigados. Mas sê- -lo-ão certamente um dia. A esta altura já com cinquenta dias de guerra, não se vislumbra um cessar-fogo. Putin quer obter uma vitória, seja lá ela qual for, mas até agora não conseguiu nada de especial a não ser destruir vilas e cidades e matar só por matar. Mariupol está desfeita, mas os chamados neonazis ucranianos resistem e talvez seja por isso mesmo, que a Putin os quer aniquilar e talvez seja essa a razão proferida como justificação da invasão: acabar com a nazificação na Ucrânia. Também não concordamos, com toda a certeza, com este tipo de especificação militar. Já nos chegou Hitler e o que conseguiu fazer em nome desse suposto partido durante a Segunda Guerra Mundial. Basta. Mas isso nunca pode justificar o início de uma guerra. É evidente que o interesse da Rússia se prende com o porto de mar e o acesso ao mar de Azov e ao mar Negro que, ao ser conseguido, deixará a Ucrânia sem porto de mar para fazer as suas exportações. Seria uma machadada enorme na sua economia externa. Putin pode expor todas as suas razões, mas ninguém é burro para não entender os seus propósitos. Ele não quer a Ucrânia. Ele quer uma Ucrânia dependente do seu poder, submissa e que sirva de tampão aos interesses do Ocidente e dos países da Nato. Só isso. Uma Ucrânia destruída, para ele nada serve, pois não tem possibilidades de a reconstruir. Quem vier depois que faça esse serviço. Ele jamais o fará. Contudo, os seus objetivos parecem não estar a ser atingidos e as baixas estão longe do esperado, quer em soldados, quer em material bélico. Isto tudo é mais do que suficiente para irritar o grande chefe. Agora é só destruir e matar por onde passar. Nada interessa. Não tem vergonha, não tem que justificar nada, pode cometer os crimes de guerra que quiser, pois ninguém o julgará. No fundo, ele sabe que não será castigado por isso. E vergonha nem sequer precisa de o demonstrar, porque teria de se esforçar demasiado e não conseguiria. Enfim.

Temos governo

Finalmente foi empossado o novo governo. Agora parece que temos quem nos governe com a legitimidade de qualquer outro governo legitimamente eleito. Deste modo parece que ficou para trás o fantasma dos duodécimos que ainda nos orientaram nestes primeiros meses do ano. A causa do atraso, sabemos que se prende com a nova votação do círculo da Europa e não só, já que houve milhares de votos que foram anulados por falta de identificação dos eleitores. Trapalhadas que deram em ter muitos milhares de votos a menos. Assim, ganhou o PS dois deputados em vez de um como costumava acontecer. Nada teve a ver com a maioria absoluta, mas podia ter. Depois de contados os votos e de se saber quem tinha ganho as eleições e com que percentagem, a nova votação já não tinha interesse de maior. Enfim. O governo agora empossado tem menos ministros, é verdade, mas isso pode ser uma ilusão ou um mau indício de governação. Não é que ter muitos ministros seja mais fácil governar ou mesmo governar melhor, não é isso. Mas o novo governo tem muitas pastas acumuladas num só Ministério, o que pode causar uma dispersão enorme nas causas de cada Ministério e para cada Ministro. Será que os novos Ministros saberão dar conta do recado? Alguns não têm experiência de governo e não conhecem as pastas que lhes são distribuídas e vão levar algum tempo a inteirar-se de todos os assuntos de modo a saberem pronunciar-se sobre eles. António Costa certamente saberá o que anda a fazer e conhecerá minimamente quem convidou para ocupar esses Ministérios, mas se alguns Ministros têm um currículo extraordinário, já outros são pessoas absolutamente normais e será com essa normalidade que irão enfrentar as dificuldades que vão ter pela frente. Entretanto temos de esperar que eles façam o seu melhor para não agravar a situação em que vivemos. Na tomada de posse o Presidente Marcelo deixou alguns recados a Costa e ao governo no seu todo e, eles certamente perceberam que o espaço de manobra é diminuto. Marcelo cortou as asas a Costa, impedindo-o de levantar voo para Bruxelas para onde, parece, que tinha intenções de voar, se fosse convidado. Não sabemos se será ou não, mas sabemos que isso, a acontecer, significará nova mudança de governo com todas as complicações daí resultantes. Não seria a primeira vez. Todos nos lembramos o que fez Durão Barroso, mas também sabemos o que aconteceu com a substituição do primeiro ministro. Houve a dissolução da Assembleia e do governo. Marcelo lembra-se bem de tudo isso e não quer passar pelo mesmo. Os tempos que hoje vivemos são de sobressalto e de aflição. Há cerca de dez anos que não saímos de uma situação de crise. Foi a de 2010, depois a pandemia que nos dizimou cerca de vinte mil pessoas e agora a guerra da Ucrânia. É demasiado e carece de um esforço tremendo para ultrapassar todos estes problemas e enfrentar novos desafios. Portugal tem-se portado bem e o governo conseguiu resolver razoavelmente a pandemia que ainda, apesar de tudo, nos continua a martirizar. Ela não desapareceu e não será tão depressa que isso acontecerá. Veio para ficar. Felizmente, a Ministra da tutela manteve-se e como conhecedora de todo o sistema, melhor que ninguém saberá orientar o Serviço de Saúde de modo a que tudo funcione cabalmente. Foi difícil, mas conseguiu-se ultrapassar os vários picos da pandemia. Neste novo governo, penso que as dificuldades serão menores, mas nunca fiando! Temos também um novo Ministro das Finanças. Um risco que Costa está a correr ao entregar esta pasta a um elemento que desconhece certamente os meandros da nossa economia e o que as Finanças esperam que se resolva e, igualmente, que Bruxelas espera seja resolvido de acordo com as suas exigências. Leão, talvez um pouco amorfo, conhecia os dossiers já que trabalhou diretamente com Centeno, o que não acontece com Medina. Enfim! Logo se verá. De realçar a Ministra das Forças Armadas. Pela primeira vez Portugal tem uma ministra que espera que os militares todos lhe “batam pala”. Com um currículo invejável e provas dadas, pode ser que no terreno seja tão capaz como na secretaria. É um mais um risco que Costa corre. Para a Educação também há um novo Ministro. É pouco conhecido, mas para bem deste Ministério, é bom que desempenhe um bom papel. Já chega de tanto enterrar a Educação e não se conseguir enfrentar os problemas a ela inerentes, com sabedoria e com a coragem suficiente sem estar preso a números impostos pelas Finanças que levam a que tudo emperre. Haja coragem para resolver e pôr todo o sistema a funcionar para bem dos alunos, dos professores e das escolas deste país. É verdade que temos governo, mas será que vai governar como deve? Esperemos que sim.

Os efeitos da guerra

A Europa não vivia uma guerra tão cruel e sangrenta há muitos anos e quando ninguém esperava, eis que surge quase do nada, uma guerra tão brutal como qualquer outra guerra. Como sempre é a estupidez de quem não combate que obriga outros a combater e a morrer por causas que não lhes pertencem. A ambição, o ódio, a religião, a vingança e talvez a visão de um mundo operado por um poder superior, é que faz despoletar qualquer guerra. De outro modo não se compreende nem se justifica esta como outra qualquer guerra. Para Putin todas estas razões são válidas para invadir a Ucrânia e destruir uma Nação, um povo, uma cultura ou mesmo várias culturas. Não há justificação nenhuma seja ela histórica, política, social ou até cultural que permita iniciar um conflito desta envergadura. É e continua a ser, um desmantelar de tudo o que se construiu naquele país nos últimos trinta ou quarenta anos. Como qualquer guerra, os efeitos são devastadores. Morte e destruição, fome e separação. Crianças que morrem sem se aperceberem da injustiça dos homens, da crueldade da guerra, mães que fogem deixando para trás os maridos para combater os invasores, invasores que não sabem que razões justificam matar os seus irmãos, lares destruídos, cidades desfeitas. Mas um país é muito mais do que isto. Está embrulhado numa cultura própria que não se fica só pela tradição. É o seu sentimento, as suas vivências, a sua literatura, o seu desporto, o seu teatro, a sua música, os seus artistas, os seus heróis. Séculos de construção, de identidade cultural e de afirmação que se esvaem por vontade de um invasor que só o é porque lhe dá gozo, porque quer ser um imperador a exemplo de outros que o tempo aniquilou, porque quer mostrar ao mundo que tem poder e que consegue esmagar um povo que nenhum mal lhe fez. Num tempo em que as guerras deveriam ser obsoletas e inexplicáveis, eis que novamente alguém nos vem lembrar que isso é mentira. Que prazer poderá tirar Putin desta guerra, desta destruição, destas mortes e deste genocídio? Eu pessoalmente não sei responder. As consequências deste conflito sem sentido são imensas. Todos vemos nos meios de comunicação social as cidades completamente destruídas, recém-nascidos que não sobrevivem aos bombardeamentos, infâncias destruídas, famílias desfeitas, lares destruídos, mulheres viúvas, famílias sem eira nem beira que fogem para longe à procura de um país novo, de um novo lar, um novo emprego, um novo futuro. Talvez um dia, talvez, cheguem a voltar à terra que os viu nascer. E as mulheres barrigas de aluguer que se prestaram a isso e que agora, depois de dar à luz, esperam pelos pais que não chegam em busca dos filhos que não conhecem. Mas há muito mais do que isto. Os efeitos são enormes. A Europa dá-se conta agora que o preço a pagar também pode ser insustentável a curto prazo. O preço do petróleo subiu, o preço do gás segue-lhe as pisadas, os transportes subiram, os produtos estão cada vez mais caros e escasseiam especialmente o trigo do qual a Ucrânia era um dos grandes exportadores, as sanções impostas à Rússia irão destabilizar a sua economia e certamente o leão meio adormecido irá rugir mais forte ainda. O que esperar mais de tudo isto? Os governos dos vários países europeus felizmente estão solidários na receção a todos os refugiados desta guerra insana. A Polónia, critica aos emigrantes, recebe no seu seio milhões de refugiados, mas a situação está crítica. Outros países estão igualmente receptivos. Portugal. Com uma comunidade de ucranianos bastante grande, continua a acarinhá-los e a dar-lhes as oportunidades para refazerem as suas vidas. Voltarão se for possível, ou não. António Costa tem mantido uma política acertada neste âmbito, aceitando os refugiados que nos chegam por meios legais. O que não me parece tão acertado é o governo querer trazer para Portugal as barrigas de aluguer. Que barrigas de aluguer? Porquê? Para quê? É demasiado delicado abordar este assunto. É preciso coragem. Depois de uma crise grave como foi a de 2008, depois de uma pandemia que ainda teima em não nos abandonar e que já causou milhões de mortos em todo o mundo, só nos faltava efetivamente uma guerra no nosso continente. Não sei se a culpa também é da Europa se é só da Rússia ou melhor, de Putin, já que os russos certamente não quereriam esta guerra, mas seja de quem for, não tem desculpa. Putin julga-se com todos os direitos e acusa a Ucrânia de crimes de guerra, quando é ele que os comete, que não os evita e que constantemente está a ultrapassar todos os limites dos direitos humanos. Ele sim que é um criminoso de guerra, um genocida e que será certamente julgado pelo seu próprio povo e pelo mundo a seu tempo. Talvez tarde demais. Mas sê-lo-á com toda a certeza. E a paz? Onde fica? Quando chega a este povo martirizado? Já é tempo de ter bom senso.

PORQUÊ?

Passamos a vida a perguntarmo-nos sobre todas as coisas que acontecem ou não à nossa volta e muitas vezes não encontramos respostas que nos satisfaçam. E isto não é mera retórica ou ensaio filosófico apesar de se dizer que a Filosofia é a ciências dos “porquês”. Faz parte da nossa vida e do nosso crescimento enquanto seres humanos. Mais do que em qualquer outro momento, é no presente que mais nos questionamos sobre o que se vive actualmente no mundo e em especial na Europa. Não me refiro só a uma pandemia que se vai combatendo com própria ciência, mas a uma guerra que se instalou na Europa sem perceber o porquê da sua existência. Podemos dar muitas explicações e respostas avulsas para entender este momento, mas a verdade é que me parece que não há nada que o justifique. O que pode justificar uma guerra? Nada o justifica se utilizarmos o bom senso e uma análise neutral. Seja qual for a guerra que exista ou tenha existido, não tem razão para ter acontecido ou acontecer. Mas elas têm existido. O que as explica então? Simplesmente a ambição, o poder, a ganância e o dinheiro. Porque será que aqui não existe o ser humano? Ele não conta nesta equação bélica a não ser para combater, para morrer por interesses de outrem, para lutar por quem não é capaz de lutar. Em suma, para dar a vida pelos loucos que comandam e pensam que podem ser donos do mundo ou parte dele. E esses têm consciência? Não, não têm. O louco não sabe que é louco e pensa sempre que tem razão em tudo o que faz. A guerra da Ucrânia que Putin fez questão de despoletar, é bem exemplo de tudo isto. Um louco que não se importa com nada e com ninguém, que tem uma ambição desmedida e que pensa que ainda pode refazer o antigo Império Russo. Se calhar até pode, mas a História não se refaz. Os factos históricos passados ficam no passado e nas páginas da História Universal e nada os pode alterar. A simples tentativa de reconstruir impérios passados só porque sim, é de loucos como Putin. Não vou assacar culpas somente a este autocrata, já que todos têm culpas. Os EUA, a Europa e o Kremelin, todos têm culpas. Esta guerra só acontece porque nenhum deles a soube evitar a tempo e talvez porque Putin não quis que ela não acontecesse. Havia que experimentar forças, políticas e economias. Poder, em suma. Mas porquê? Para quê? Que mal fizeram os ucranianos para merecer esta sorte? Famílias desfeitas, crianças separadas, crianças mortas, crianças nascidas no horror das sirenes da guerra, jovens que combatem sem saber porquê. Que mal fizeram os jovens russos que foram enviados para a frente de batalha sem saber o que lá estão a fazer, sem perceber porque é que lá estão e que razão os manda matar quem nada de mal lhes fez e que por sinal até fala a mesma língua? Porquê? A democracia anda mesmo longe de quem persegue o poder e a riqueza e só pensa em mostrar ao mundo a sua força sem se preocupar com a vida humana. A mentira serve-lhe de suporte a uma propaganda extraordinária que faz questão de espalhar pelo mundo como se todos fossem estúpidos e não percebessem o que se está a passar. Para impedir essa divulgação recorre a leis ilegais e contrárias à liberdade e à democracia, mandando prender todos os que se atrevam a manifestar-se contra esta guerra. O povo russo não quer esta guerra. Já todos perceberam isso, até mesmo Putin, mas é mais fácil prender do que deixar espalhar a verdade do pensamento de um povo que pode, um dia, prendê-lo a ele, acusando-o pelos crimes que está a cometer. Na verdade, o que aconteceu a alguns ditadores como Kadafi, Sadam Hussein ou Pinochet, por exemplo, pode ser o que vai acontecer a Putin, a não ser que faça como Hitler que se matou antes de ser preso. Pois que se mate Putin antes que seja tarde. Os horrores a que estamos a assistir diariamente na Ucrânia não têm justificação alguma. Putin até pode dizer que a Rússia tem direitos sobre o território ucraniano, até pode pôr as culpas todas nos governos comunistas que durante setenta anos governaram a União Soviética, como já fez, mas que culpa têm os ucranianos que a História tenha sido escrita deste modo? A Ucrânia não nasceu ontem. Não nasceu há trinta anos. Mas hoje é um Estado independente e soberano. Mas isso não chega para Putin, pois tem de se submeter ao seu poder com a justificação de que não pode aderir à NATO pois é uma ameaça à segurança da Rússia. Quem é que ameaçou a Rússia? As únicas ameaças que pairam e sempre continuarão a pairar, são económicas, mas isso todos sabemos. Nunca se podem parar. O mundo gere-se nas economias dos países e quem mais tem mais ganha. É uma verdade absoluta em termos económicos. Mas também é verdade que a economia Russa é frágil e que o território da Ucrânia faz-lhe falta para aumentar o seu poderio. O argumento geopolítico que ele tão bem conhece, não é desconhecido do governo da Ucrânia e dos europeus. Putin também sabe disso. É um jogo terrível onde quem perde sempre é quem serve de peão no meio das torres e dos reis. Já não estamos em tempos disso. Mas Putin também deve saber que ninguém dura para sempre. Cuidado.

 

À procura de soluções

Acabaram as eleições legislativas, mas ainda se está à procura de resolver muitos problemas que ficaram em aberto e necessitam de resolução e um deles é a realização de novas eleições para os círculos de fora da Europa.

Mas há muitos outros e algumas eleições a serem feitas no curto prazo. Os resultados inesperados revolucionaram o Parlamento e mesmo até a sociedade civil. Os partidos sofreram na pele, poruma razão ou por outra, as consequências dos seus desmandos. O PS ficou agradecido com a maioria recebida e inesperada, de igual modo que foi inesperado o resultado para todos os  outros partidos. O desaparecimentodos Verdes e do CDS e quase do PAN do Parlamento foi, não só inesperado como um grave problema a necessitar de resolução urgente. Também o Chega tem o seu problema que é saber se a sua representação se vai consolidar depois da legislatura prestes a iniciar-se. E o PS? Pois também tem, já que será difícil manter a maioria depois da legislatura que vaicomeçar.

Problemas idênticos vão ter tanto o Pan como o PCP ou mesmo o Livre. Faz parte do ADN dos partidos. Temos assim, um espetro alargado de procura de soluções várias para muitos partidos. Mas não vai ser fácil resolvê-los já que cada um tem vicissitudes diferentes. Mas porquê todos estes problemas? O que motivou toda esta alteração? Penso, como muitos outros analistas, que a explicação está em quem votou e como votou, ou seja, no voto das mulheres e no dos homens. Dirão vocês “claro, quem mais poderia ser?”. Sim, mas é o sei conjunto que conta. Se só tivessem  votado mulheres, a esquerda teria mais deputados e o PS teria uma maioria mais largada. Mas se só votassem homens, o PS já não teria maioria absoluta e até o Chega teria mais votos e deputados. Mas também a idade interfere nos resultados. Se votassem só pessoas menores de 35 anos, o PS e o PSD ficariam empatados e haveria uma maioria de direita. Neste caso a Iniciativa Liberal seria a terceira força política. Quer isto dizer que houve uma assimetria de género nas votações de 30 de Janeiro. O voto feminino mais à esquerda que o voto masculino, não tinha chegado ainda a Portugal, mas chegou agora.

Neste momento andam todos à procura de soluções. O CDS já tem candidato que está disposto a reposicionar o partido e levá-lo de novo para o Parlamento de onde nunca deveria ter saído. A palavra de ordem é “União” e tem razão. Só a união faz a força. Nuno Melo já apelou a essa união e muitos dos que abandonaram prematuramente o partido ou se afastaram da anterior liderança, já manifestaram intenção de regressar. Um partido fundador da democracia em Portugal, não pode deixar o seu lugar livre para usurpações alheias. A dispersão dos votos de mulheres e de homens, mais novos e mais velhos, acabou por ditar o resultado. Não agradou a muitos, mas em democracia tem de se saber aceitar o que o povo determina. Hoje foi assim, amanhã será certamente diferente. O caminho é espinhoso, mas terá de ser feito. E para isso é necessário abrir horizontes, criar novas dinâmicas.
Também os sociais-democratas estão em ebulição. Rui Rio não quer culpas e também não quer continuar à frente do partido. Para Rio, as razões do descalabro eleitoral, são essencialmente
quatro: voto útil à esquerda para evitar que o PSD ganhasse as eleições; muita gente dependente de subsídios e muitos funcionários públicos; as promessas em catadupa do PS e finalmente a deturpação e a máquina de propaganda do PS. E balizando o partido entre duas posições para a resolução, acabou por dizer que ou o partido deveria comportar-se como uma máquina eleitoral
ou manter-se com os objetivos partidários que sempre teve não se desvirtuando do seu papel social-democrata inicial. E com isto, disse tudo. Luís Montenegro será o principal candidato à liderança do PSD, segundo parece. Derrotado no confronto com Rui Rio em 2020, Montenegro deverá voltar a ir a jogo e está a reunir apoios em todos os setores do partido. Não terá tarefa fácil.
Outros poderão posicionar-se nesta corrida, mas todos correm o risco de serem as lebres da próxima caçada. A travessia do deserto será enorme para todos.

Quatro anos de abstinência. As soluções não se compram ao virar da esquina. É preciso equacioná-las, elaborá-las e desenvolvê-las. A sua posta em prática será a prova da sua aprovação ou não. De uma forma ou de outra, a procura de soluções é inevitável para todos os partidos, muito embora o percurso seja longo e difícil. Cabe-lhes a eles procurá-las.

Os lugares a quem se senta

Na hipocrisia anódina da análise dos resultados eleitorais, salta-nos no imediato uma maioria absoluta, que ninguém esperava e que quase ninguém desejava. Pouco resta para dizer. Sabemos quem ganhou e também sabemos porquê. Alguém tinha de ganhar e os dois partidos maiores estavam na grelha de partida. Chegou à meta o PS. Já outras vezes ganhou e outras perdeu, como é natural em democracia. Assim, será natural e lógico que da próxima vez ganhe o PSD. É a alternância política a trabalhar e a manifestar-se. O que não é tão normal, é o povo português, tão avesso a maiorias, ter dado essa primazia a António Costa e ao PS. Em Portugal elas não são de boa memória. Deram pelo menos em duas crises económicas e entre elas uma bancarrota. Vamos a ver o que dá desta vez todo o poder que depositaram nas mãos do primeiro-ministro. Agora, temos um Parlamento com nova composição, com outros valores, com outros objetivos e com outra oposição. Apesar do PS estar em maioria, isso não lhe dispensa o máximo de atenção às críticas da oposição e não lhe permite democraticamente governar a seu bel-prazer, como se de uma ditadura se tratasse. Era o que faltava. Se tal acontecesse, seria o fim do partido socialista certamente. Saíram alguns partidos da Assembleia ou ficaram bastante reduzidos por falta de representatividade. Foi pena que assim acontecesse, pois eram fundadores da democracia como é o caso do CDS e do PCP. Deram os seus lugares a outros que certamente os não irão dignificar. São as alternâncias da democracia e as ondas de movimentação do povo que, por vezes, causam verdadeiros tsunamis. Varridos o CDS, o PEV e reduzido o PCP e o BE, os lugares vagos foram ocupados por novos teorizadores da política portuguesa. Todos, oposição ao PS e ao futuro governo. As desculpas que cada líder deu para o fracasso eleitoral, foram diversas e puseram a tónica no logro que o PS proclamou durante a campanha e nas promessas não cumpridas. O povo julgou e esse juízo terá consequências obviamente. Contudo, a autodesculpabilização de Francisco Rodrigues dos Santos do CDS foi positiva e em tempo certo. Não tinha outra alternativa senão assumir as culpas de alguns desmandos em tempo inoportuno. Mas como é evidente, o CDS não morreu. Ele mantém-se vivo em quase cinquenta autarquias nacionais, nos governos insulares e na Europa. Fora do Parlamento, é verdade que tem uma árdua tarefa de reconstrução nos próximos quatro anos e caberá ao novo presidente, após Congresso Nacional, esse trabalho penoso, mas certamente reconfortante. A próxima Assembleia da República terá com certeza a sua representatividade. É um partido democrático e um dos fundadores da democracia em Portugal e não pode ser banido do espetro político nacional sob pena de ser uma forte machadada não só para a democracia cristã, mas também para a democracia em geral. O crescimento do Chega no Parlamento, veio alterar substancialmente os assentos a ocupar na casa da democracia nacional e igualmente subverter, quiçá, a oposição a fazer ao PS. Se vão tomar assento, foi porque os portugueses assim o escolheram e contra isso nada a fazer. Como se vão comportar como oposição, como vão apresentar as suas propostas e como as vão discutir, é o que se vai ver logo que se inicie a discussão dos vários diplomas. Até agora, era um partido de um homem só e daqui para a frente? Vamos assistir aos debates também de um só deputado? Ventura não deixa falar mais ninguém! Dentro de algum tempo poderemos constatar se é mais um partido condenado a desaparecer ou não. Outros surgiram de igual modo e depois de uma ou duas legislaturas, desapareceram do quadro político nacional. Enfim. Coisas da democracia. Vimos agora o que aconteceu também ao PEV, ao BE e ao PAN. A tendência decrescente dos partidos não fundadores da democracia tem sido grande. Possivelmente o CDS reerguer-se-á, mas estes poderão não ter estofo para tal. No final de tudo isto, a bipolarização irá sempre ser uma constatação. O próximo governo de Costa será idêntico ao anterior e poderá ser o último, segundo creio a seguir a lógica dos últimos quarenta anos. O PSD poderá ser o vencedor das próximas eleições legislativas, com ou sem maioria. Penso que as maiorias são prejudiciais e tendencialmente redutoras da democracia fazendo lembrar um pouco as ditaduras de má memória na Europa que aliás, ainda hoje se mantêm. Sendo Costa um governante sagaz e inteligente habituado a lidar com outros governos e tendências, saberá demarcar-se dessas tentações onde só um manda em todos. Temos quatro anos para julgar. Agora meus senhores ocupem os seus lugares e mostrem que a democracia tem pernas para andar e, por favor, não nos façam ir a eleições novamente daqui a dois anos.

As voltas do vira

Ora viras tu, ora viro eu, ora viras tu mais eu. É assim que costumamos dizer quando nos referimos ao Vira, dança caraterística do Minho, mas conhecida em todo o Portugal. Mas também há as voltas da vida e para isso dizemos as voltas que a vida dá, para justificarmos o que não é muito justificável, mas inesperado. Leva-nos isto a concluir que nem sempre acontece o que se espera e que também nem sempre o que parece é. Previsões, todos as podemos fazer e como dizem os aficionados do futebol, prognósticos só depois do jogo. A este propósito, ou talvez nem por isso, temos vindo a assistir a debates televisivos entre os vários partidos e os seus líderes que se vão alinhando para as eleições de 30 de Janeiro. E o que não temos visto efetivamente, são as voltas que se adivinhavam tornando as refregas mais interessantes. Na verdade, se estivessem todos em palco preparados para dançar um Vira, nada aconteceria, pois ficavam estáticos sem dar um passo sequer em direção ao par seguinte, nem que fosse uma pequena volta rodopiada dando colorido à dança. Não. Nada tem acontecido além da monotonia dos bailados. Não houve introdução de temas novos. De facto, é pena que assim seja pois o monocromático e monolítico discurso com que temos saudado o PCP, a famosa cassete, parece ter-se agora instalado nos outros argumentistas partidários, nomeadamente em António Costa que, brandindo o seu Orçamento reprovado, mas que quer aprovar, continua na senda de mais do mesmo, sem nada alterar como se o Orçamento reprovado tivesse forçosamente de ser aprovado na próxima legislatura. Isto é dramático, já que nada indica que possa ser aprovado e a ser assim, deveria ter alterado o que o levou ao chumbo na Assembleia. Se as premissas são as mesmas, a conclusão dificilmente será diferente da anterior. Inteligente e astuto como é, Costa deveria esgrimir outras armas e objetivos diferenciados em todos os debates sem se tornar repetitivo, cansativo e desmotivador. Já está a ser acusado de ter engolido uma cassete. É óbvio. Agora, em plena rua, pouco mudou. Mas não é o único, infelizmente. Todos os outros acabam por defender as suas ideias primitivas sem lhes introduzir nuances que levem a acreditar ser possível discutir, aprovar e melhorar a economia, educação e saúde deste país. Mas insistem no mesmo. Todos sabemos que há linhas essenciais no programa de todos os partidos e que eles as defendem com toda a força e galhardia, mas há modos diferentes de as apresentar e de as discutir sem cair no ridículo da repetição, mas há quem já peça maioria absoluta. Na verdade, os debates acabaram por não ser interessantes e serem redundantes. Para mudar isto era preciso termos outros políticos. Realmente se queremos mudar os paradigmas políticos, teremos de mudar também e rapidamente, os seus líderes partidários. Renovar será a palavra-chave a ter em conta na cabeça dos portugueses. E se mudarmos, damos a volta necessária na dança do vira. E neste folclore político só haverá uma dança bem executada se todos os pares dançarem bem, certos e com as voltas completas. As caravanas dos partidos arrancaram e espalham-se pelos quatro cantos deste palco num vira fantástico, mais vivo certamente que os discursos apresentados pelos seus presidentes nos debates a que assistimos. Serão quinze dias de euforia partidária em que a deslocação se fará por todos os meios possíveis e mais rápidos, seja por combóio, por estrada ou por avião. Sabemos que as arruadas serão poucas devido à pandemia o que parece salutar. Há que evitar mais problemas de saúde a quem já tem tanto a temer. O Chega é de outra opinião e faz arruadas sem conta e medida. Os parceiros deste Vira são bastantes, mas só um deles poderá no fim, exibir o estandarte da vitória. Vitória que não será absoluta certamente, mas que permitirá conjugar os esforços necessários para arranjar par para acabar de dançar o vira. É que só se dança se houver par, caso contrário não há dança nenhuma. Não quer isto dizer que outros pares não se perfilem, mas nem todos servem para este vira. Antigamente, nos bailes da aldeia as raparigas esperavam que os rapazes as chamassem para dançar e muitos levavam uma tampa pois não lhes agradavam as aparências e o contrário também se verificava. É tudo uma questão de namoro. Sem par não se dança e quem ganhar terá de arranjar par que sirva, Agora, em palco, todos estão perfilados e a dança já começou, no entanto, todos sabem que só PS ou o PSD poderão aguentar até ao fim. O Vira é cansativo, mas quem melhor dançar é que vai conseguir erguer o estandarte do partido, muito embora isso não signifique que vai poder governar. Vai ter de dar mais umas voltas e não levar tampas. São as voltas do vira!

Luta contra o tempo

O tempo é uma moeda de troca para quase tudo. Diz-se que o tempo tudo faz esquecer, que o tempo tudo apaga, que o tempo é uma escola da vida, que não se deve correr atrás do tempo, enfim, muitas coisas se dizem, mas penso que o tempo é uma invariável que não se modifica por nada deste mundo. Dizemos frequentemente quando estamos mal que, temos pouco tempo de vida, quando deveríamos dizer que temos pouca vida no tempo interminável. O tempo não tem fim e tudo acontece no tempo. Diz-se também que o tempo tem tanto tempo quanto tempo o tempo tem, o que equivale dizer que o tempo é só um e todo o tempo lhe pertence. Ora assim sendo, nós pertencemos ao tempo. Mas seja como for, gostamos de medir o tempo, de contar o tempo e ver quanto tempo temos para fazer uma tarefa, seja ela qual for. E aqui, talvez, possamos lutar contra esse tempo que pode ser comensurável, já que tem o fim para a tarefa proposta. Roubamos simplesmente um pouco de tempo ao total do tempo que governa o universo. É perante este paradigma temporal que a conjuntura atual nos posiciona. Se por um lado nós não sabemos quando é que a pandemia nos vai deixar, por outro sabemos que vamos ter eleições legislativas no dia 30 deste mês. Não há mais tempo. O que os partidos políticos enfrentam agora é uma luta contra o tempo e, quiçá, contra os eleitores. Mas será que a questão da pandemia e as eleições estão relacionadas? Claramente. A luta não é só contra o tempo, é também contra a pandemia. A verdade é que os eleitores se vêm constrangidos perante o ato eleitoral já que têm receio de ir até às urnas para descarregar o seu voto. Há um medo latente que vai impedir muitos eleitores de sair de casa para votar. A pandemia está cada vez mais a afirmar-se em todo o território português e a levar muitos a um confinamento indesejável que, por sua vez, os vai impedir de sair de casa para votar. Numa altura em que é urgente eleger um novo governo e virar a página, como se diz, eis que há impedimentos externos à vontade popular e governativa e aqui, nem o tempo é chamado a decidir seja o que for. Esta relação, não gostaríamos que existisse, mas existe. Felizmente os partidos políticos gozam do privilégio de poderem transmitir as suas ideias pela comunicação social, onde as televisões têm primazia apresentando debates entre os líderes partidários. Mas não podem exceder um tempo marcado: 20 minutos, ou seja 10 ou 12 minutos para cada um. Tempo demasiado restrito, mas que não estica e é para cumprir. O que acontece é que eles nesses debates lutam contra o tempo para conseguirem responder e explicar o que pretendem para o país. Não conseguem. Atropelam-se as ideias, entaramela-se a língua e as palavras não saem com a fluência que deveriam. Há coisas que não devem ser feitas à pressa. O que temos visto nestes frente a frente é mais do mesmo. Repetem-se as mesmas ideias que todos conhecemos porque não se pode inovar coisa nenhuma sob pena de não ter tempo para explicar coerentemente o que se pretende. A pressão que o entrevistador exerce sobre os líderes é tanta que os baralha e, as interrupções que fazem ainda mais os confundem quando estão no meio de uma explicação qualquer. Pouco se retira do que realmente dizem. As ilações são feitas depois pelos analistas que, assumidos em suprasumo da matéria política, nos fazem crer que A ganhou a B ou C ganhou a D. Pura retórica. Nós também sabemos analisar e vemos quem nos agradou mais ou menos no que disse ou defendeu. O mês de Janeiro vai assim ser uma corrida contra o tempo. As campanhas a sério estão quase a começar e o país vai ser invadido por enormes paragonas políticas onde as frases mais chamativas terão lugar para convencer os portugueses mais indecisos a escolher o seu futuro primeiro ministro. Acabados os Reis em que ninguém votou, cabe-nos agora eleger o rei que nos pode governar nos próximos quatro anos, ou não. O problema não é de fácil resolução. As equações estão feitas, resta resolvê-las. Incógnitas todas as têm, mas qual será o resultado? Para os estudiosos de Matemática, podemos dizer que há aqui um sistema de três ou quatro incógnitas, o que torna a sua resolução muito mais difícil. Teremos de aguardar para ver se o povo português consegue chegar a um resultado que agrade à maioria. Vai ser uma luta contra o tempo, como já estamos habituados. Não haverá muito de novo, a não ser que estas eleições estão no tempo errado. Se o tempo não fosse tão enorme como é, talvez tudo se tornasse muito mais difícil, já que seria necessário incluir no tempo certo, um tempo errado, mas o tempo não se importa. Enfim!