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Luís Ferreira

Não podemos esquecer

As datas importantes que há na vida de todos nós, são lembradas eternamente, mas o que elas significam são muitas vezes esquecidas. E se esquecemos é porque deixaram de ser importantes. Um escritor disse um dia que “esquecer é o suicídio da alma, mas se a alma é imortal, esquecer é impossível”. Quanta alma já se remeteu ao silêncio! O dia 25 de dezembro é lembrado com carinho e muita ansiedade. É Natal. É dia de união, da família, da paz, da esperança, do nascimento. Desejamos todos, muito amor e paz, alegria e saúde e também esperança em dias melhores. Vêm de longe as pessoas ter com as famílias para poderem festejar juntos o Natal. Matam-se saudades, há demonstrações de amor e carinho pelos mais idosos e pelos mais novos. Festeja-se a data. O pior vem depois. A realidade tem sempre duas faces como as moedas que gas- tamos para festejar o Natal. Uma é o momento em que se festeja e convive, a outra é quando nos esquecemos do que desejamos uns aos outros. Quão curta é a memória dos homens e quão rápido o esquecimento! Suicidamos a nossa própria alma sem nos apercebermos. Porquê? No entanto, passamos a vida a dizer que o Natal é sempre que o homem quiser. Então porque será que não quer? Porque será que depois de o Natal passar, tudo volta à guerra, à mentira, à confusão, à falta de esperança e, a família é muitas vezes esquecida no meio do deambular sem destino do dia-a-dia? É triste, mas é verdade e a verdade dói. Há quem se esqueça dos pais que estão nos lares ou nos hospitais só porque estorvam o seu regime diário. Há quem se esqueça dos filhos nos Jardins de Infância porque simplesmente andava às compras e o tempo passou. Há quem se esqueça do filho dentro do automóvel, ao sol, com as janelas fechadas e ao regressar encontra-o morto. As compras eram mais im- portantes! Mas as datas importantes não podemos esquecer e se o 25 de dezembro não se esquece, porque havemos de esquecer outras igualmente importantes? Tão ou mais importantes do que isso é o significado que elas têm e que nos esquecemos rapidamen- te. Continuamos a celebrar o 25 de abril, mas muitos não sabem o seu significado ou confundem com outro. Festejamos o 1º. de dezembro e poucos sabem porquê. Todos os dias são dias de qualquer coisa. Marcaram-se os dias do ano para que todos estejamos alerta para o seu significado. Claro que isso é impossível recordar. Alguém o fará por nós e ainda bem, caso contrário já todos estariam esquecidos. Amanhã, a Rússia festejará o 24 de fevereiro certamente. Por boas ou más razões, ela não se vai esquecer da data, tal como a Ucrânia não se esquecerá. Hoje, também nós sabemos o seu significado, mas não temos que o festejar porque não nos toca. Amanhã, vamos esquecer esse dia tal como esquecemos o dia em que algo semelhante aconteceu na Crimeia. Cada povo tem as suas datas para comemorar de uma forma ou de outra. Cada povo tem as suas razões. As datas universais e que todo o mundo comemora, ninguém as devia esquecer. E o seu significado também não, contudo depressa isso acontece. Estamos ainda na época do Natal e todos desejamos o melhor a cada um de nós. Então porque será que não cumprimos o que desejamos? Se não cumprimos é porque o que desejamos é falso. Sai da boca para fora porque é bonito que assim seja e seria bom que assim fosse. Cumprir? Cada um sabe de si. É bom que se deseje muita saúde, pois até não está nas bossas mãos dá-la. Esperança e amor cada um toma o que quiser, até porque a esperança é a última coisa a morrer. Mas a paz está mas mãos dos homens porque a guerra é produto da ambição e da prepotência dos homens e isso não se deseja a ninguém em data alguma. É revoltante celebrar o Natal, a que a paz é associada e, fazer a guerra como se ela fosse corolário dos desejos de Natal. Como pode Putin, por exemplo, fazer uma guerra a um povo independente só porque lhe apeteceu estoirar com o armamento obsoleto que possuía já desde os anos 60? Como pode ele celebrar o Natal e certamente desejar prosperidade, saúde e paz quando ele próprio promove a guerra e acaba com a prosperidade do seu próprio povo. Esquece-se do que promete? Não podemos esquecer o significado das datas mais importantes e de como a elas estamos ligados. Celebrámos o Natal e endereçámos os nossos desejos aos amigos e familiares. No meio deles ia embrulhada a paz e a saúde. A saúde é a coisa mais importante especialmente porque estamos a sair de uma pandemia terrível e a paz para ser mantida que se recordem as datas das guerras e a quantidade de mortos que ficaram abandonados nos campos de batalha. E que promover a guerra que seja castigado por se ter esquecido da importância da paz para a Humanidade.

Outras realidades

Vivemos constantemente ao som da música que nos querem dar, seja nas televisões ou em outras plataformas de informação. Chegamos a ser bombardeados diariamente com o desenrolar de uma só notícia, que sendo primordial, abafa inquestionavelmente todas as que deveriam ser veiculadas de igual forma e não são. É facto assumido. Desabafamos frequentemente que as notícias são sempre as mesmas ou que só dão notícias tristes e muito negativas e que as coisas boas ninguém as chama a terreiro. Também é verdade, mas porque será? O que interessa é informar e de preferência o que mais pode chamar a atenção das pessoas. O tema quanto mais horrível, mais sugestionável e mais impressiona os ouvintes ou leitores. Curioso é uma notícia boa não interessar tanto à opinião pública. Mas mesmo dentro das notícias más, há as que são menos más e por isso passam para um segundo plano ou porque não interessa que se saiba ou porque iam desviar a atenção das que são efetivamente chamativas e vendem. No fundo o que interessa é vender. Triste, é que se tenha de vender o que é mau. E há quem compre, aliás compramos todos. Há quase nove meses que não se fala senão na guerra da Ucrânia e nas patifarias que Putin tem feito a que ele chama danos colaterais da guerra. Hipócrita. Não que os ucranianos também não façam das suas, mas têm de se defender. Enquanto a guerra durar, as outras notícias passam para segundo plano, a não ser que entretanto surjam outras dignas de primeira página. Pois foi isso que aconteceu com o Mundial de Futebol. Todo o mundo foi chamado a participar e o coração das seleções bateu mais forte. Deixou de haver guerra? Não. Mas passou para um plano inferior embora continuem a ser divulgadas as peripécias diárias que por lá se vivem. Portugal viveu numa ansiedade terrível até ao dia da estreia. Elogiou-se a seleção e o plantel e aventou-se a hipótese de sonhar, não se sabe bem o quê, se em passar à próxima fase, se chegar aos quartos ou até à final. O que interessa é sonhar. E enquanto sonhamos, o mundo avança em toda a sua plenitude. E as outras seleções igualmente. Durante a espera verificaram-se algumas surpresas neste campeonato. Seleções aparentemente fracas, ganharam às mais fortes e todos abriram a boca de espanto. A Laranja Mecânica empatou com a do Equador, a Argentina perdeu com a Arábia Saudita e até a seleção do Irão de Carlos Queirós ganhou à do País de Gales. Portugal, confiante e com todo o apoio possível, entrou em campo com a confiança de que o Gana era fácil e que ganhar era verdadeiramente o que interessava. Se olharmos para os últimos campeonatos, nunca entrámos a ganhar e andamos sempre a contar com os erros dos outros, ou seja, andámos sempre com as calças na mão. Desta vez a confiança era maior, mas nem por isso jogaram melhor. Tiveram sorte e não se diga o contrário. O penálti de Ronaldo foi forçado, mas ajudou a subir um pouco a confiança que estava a ficar em baixo. Enfim, o segundo golo veio melhorar tudo e o terceiro era quase a certeza de que tudo estava resolvido. Mentira. O descuido de Diogo Costa ia custando caro à seleção. Terminámos aflitos. De um momento ao outro tudo ia mudando, e a realidade do jogo ia sendo completamente diferente e lá íamos nós para o rol dos aflitos novamente. De tudo o que se falou e disse sobre a nossa seleção e o plantel extraordinário que temos, ia engasgando as gargantas nacionais e causando ataques cardíacos a muita gente. Até ao fim, ainda temos um longo caminho a percorrer. Acreditemos na seleção, mas deixemos de elogiar muito os craques pois eles falham como todos os outros. Ronaldo não falhou. Mas atentemos na hipótese de isso ter acontecido. Todo o mundo o trucidava e o treinador do Manchester bateria palmas de contente e diria que tinha toda a razão. Claro. Enganou-se, felizmente. Pois e cá estamos nós a tentar esquecer as outras notícias que poderiam ser mais importantes. Nada disso. A discussão e votação do Orçamento de Estado passou para segundo plano, até porque a maioria sempre o aprovaria, e as propostas dos outros partidos só algumas foram aprovadas porque nada traziam de alteração às previsões do Governo. Era mais um jeito do que outra coisa. Coisas vulgares, diriam uns, moedas de troca diriam outros. Enfim. À opinião pública pouco interessava porque já se sabia o resultado. Era uma notícia menor. E a guerra da Ucrânia? Bom, essa não acabou nem Putin deixou de bombardear e matar as pessoas onde as bombas caíam. Se a Rússia estivesse no campeonato do Mundo, talvez a história se escrevesse de outra for- ma, mas não está, tal como a Ucrânia. É pena, porque se assim fosse, haveria certamente outro tipo de notícias e de realidades.

Realidades

Nunca poderemos jul- gar seja quem for e o que for sem levarmos em linha de conta a realidade ou as realidades do momento. É a realidade a base dos acon- tecimentos e ela serve também para julgar esses mesmos acontecimentos. Tudo se passa em determinada realidade. E a realidade atual que embrulha este mundo é simplesmente terrível. Vivemos um momento assustador em várias vertentes. A crise que assola a Europa e o mundo vem no seguimento de uma pandemia que ainda continua a matar milhares de pessoas e não se sabe quando vai desaparecer se é que isso vai acontecer. A guerra da Ucrânia veio acelerar a crise tornando maior o descalabro económico mundial. Os biliões de dólares que são gastos em armamento enviado para o exército ucraniano, enfraquecem obviamente as economias de todos os países contribuintes, especialmente os ocidentais. As consequências de toda esta realidade são enormes e extraordinariamente horrendas. Os mi- lhares de mortos e a fome que se espalha cada vez mais, não só na UE, mas também em países africanos, dão um colorido tétrico a esta realidade. Falar da guerra da Ucrânia é redundante, mas inevitável, até porque somos bombardeados diariamente pelas notícias sobre essa realidade. É um acontecimento inacaba- do, constante e durável sem termo à vista. De igual modo é um evento incaracterístico, injustificável e embrulhado numa estupidez sem limites que ronda a loucura. Oito meses de uma guerra sem sentido, é mais do que a média de duração das guerras nos últimos duzentos anos, excluindo as grandes guerras mundiais. Os objetivos da Rússia ou antes, de Putin, não foram conseguidos e não o serão. Os contornos desta guerra são agora bem diferentes. Contabilizam-se vitórias e derrotas. A Rússia está a perder e a recuar no terreno. O exército ucraniano soma vitórias e avanços, recuperando posições e cidades importantes como Kherson. Esta é a realidade presente. No entanto não se pode subestimar a grande nação que é a Rússia e o seu poderio. Mas também é verdade que o seu exército está mal preparado e o armamento completamente obsoleto. Restam-lhe os mísseis e a ameaça do nuclear. Perder Kherson é a derrota que Putin não esperava ter de admitir. Ter de criar uma nova capital para a região que, segundo ele, pertence à Rússia, é sinónimo da assunção de derrota, por um lado, mas por outro a teimosia de querer manter como seu, por decreto, um território que não conquistou, nem irá conquistar tão cedo. O futuro não o podemos prever e esta é a realidade do momento. Isto leva-nos a outra realida- de que é “a guerra ainda não acabou”. Neste momento a Ucrânia sente-se forte e só pensa em levar a Rússia à mesa de negociações para assinar um acordo de paz. É assim que acabam todas as guerras, mas para isso Zelensky quer todo o território que a Rússia já ocupou incluindo a Crimeia. Putin nunca assinará nada que implique esta cedência. De igual modo Zelensky também não, se a Crimeia não fizer parte do acordo. Está em cima da mesa esta realidade bem dura. Procurando cada vez mais protagonismo, o presidente da Turquia quer continuar a ser o mediador entre as duas fações com objetivo de conseguir um acordo que termine com a guerra entre as duas nações. De momento, Putin continua a ter um trunfo importante que é o corredor por onde deverão passar os barcos com cereal tão necessário para o resto do mundo, que só continua aberto se quiser e nada o impede de fechar por tempo indeterminado. Claro que a pressão mundial será enorme e ele já tem muitos países contra ele o que não interessa muito se não quiser ficar cada vez mais isolado. A Rússia pode ser um gigante, mas tornar-se-á um anão se ficar isolada. Aliás, as recentes reações de Putin, como não querer participar na cimeira do G20, demonstra bem o medo que tem de enfrentar os líderes mundiais e ter de justificar o que é injustificável. Putin está encurralado politicamente e enfrenta dentro da Rússia enormes pressões e também a condenação da sua política de guerra contra a Ucrânia. Está a perder a guerra e isso ele não quer admitir pois seria trucidado pelos opositores. Aos poucos está a deixar de ser um líder e quer queiramos quer não, esta é uma realidade que ele vai ter de encarar mais dia, menos dia. Há já quem pense dentro da Rússia que ele se prepara para deixar o poder e ir viver para o estrangeiro. Para onde? Será que há algum país que o aceite? É ridículo! Por outro lado, Zelensky não acredita nas boas intenções de Putin ao abandonar a cidade de Kherson sem nada em troca, mas a realidade parece estar a ser diferente, já que a população festejou pe- las ruas da cidade a sua inde- pendência e reintegração na Ucrânia. Por agora limitemo-nos às realidades e esta é uma delas. Putin perdeu Kherson e está a perder território e a Ucrâ- nia está a somar vitórias. O futuro poderá ser diferente e sê-lo-á certamente no dia em que a guerra acabar. Essa é a realidade que todos ambicio- namos.

A descompensação da Rússia

Mesmo que queiramos deixar cair o tema da guerra, a verdade é que ele ressurge sempre devido a novos factos cada vez mais acutilantes. Embora Putin continue a fazer aparições em atos formais e com alguma importância, o certo é que não consegue ultrapassar o síndroma da guerra em que se meteu. Culpa própria. Contudo, aproveita essas ocasiões para atacar o Ocidente e culpar os EUA pela ajuda que fornece à Ucrânia. Não assume qualquer culpa nem admite as ajudas que eventualmente recebe da Chi- na, da Coreia do Norte ou de outros países como a vizinha Bielorrússia. De facto, se ninguém ajudasse a Ucrânia, seria fácil derrotá-la com todas as fragilidades que apresentava em fevereiro. Enganou-se. Passados tantos meses desta guerra sem razão, Putin desfalece aos poucos e vê-se obrigado a tomar decisões à margem de tudo o que esperava. A requisição de mais de 200 mil soldados reservistas para enviar para a frente de batalha é bem a prova disso. Autêntica carne para canhão. Esta atitude levou, como sabemos, à fuga de milhares de jovens que abandonaram a Rússia, procurando estar a salvo em países vizinhos e longe das garras de Putin. Depois da explosão da ponte que liga a Rússia à Crimeia, mostrou-lhe que as coisas não estavam controladas e que poderia enfrentar graves problemas a nível militar e até político. Uma vez mais atirou-se contra a Ucrânia e contra quem os ajuda, culpando-os de terrorismo, ele que é de facto, o verdadeiro terrorista. Além disso, inventa culpados sempre que necessita, para desmistificar as suas próprias culpas. Na Rússia só há santos! Como as coisas não lhe estão a corre bem, agarra-se a tudo o que pode para ganhar terreno e mostrar que quem controla é ainda ele. De facto ele ainda consegue controlar alguma coisa! Mas muito do que controlava já perdeu e em Kherson até mandou evacuar todos os civis antes que os ucranianos conquistassem o que resta da região e da cidade. Admitiu alguns revezes, mas também afirmou que vai voltar mais forte. Talvez. Seja como for a Rússia está descompensada, quer no terreno da guerra quer no seu próprio território onde as manifestações são muitas e a atuação das forças policiais se vingam prendendo quem se manifestar contra a situação. Se assim continuar não haverá prisões suficientes para enclausurar tanta gente! Mas Putin, no seu estertor de morte, não querendo perder a mão neste jogo complicado, resolve jogar sujo, muito sujo, ao cortar o abas- tecimento de cereais aos países que anseiam a sua chegada para minimizar a fome que os invade. Esta tomada de força baseou-a na justificação de que os drones que atacaram navios russos em Sebastopol foram lançados de um navio civil situado no corredor por onde passavam os navios carregados de cereal e tinha na sua composição material canadiano. Isto foi suficiente para Moscovo suspender o acordo de exportação de cereais ucranianos. Francamente! A fome de milhões de pessoas nos países africanos e não só, não conta para Putin, desde que continue a demostrar que tem força para controlar tudo e todos. Putin está a transformar alimentos em armas e isto é indigno. Há mais de 10 navios à espera de entrar ou sair, para transportar os cereais ucranianos e não podem graças a esta toda de decisão tão estúpida como o seu mentor. A verdade é que a Rússia bloqueia cerca de dois milhões de toneladas de cereais em 176 navios todos os dias, o que é suficiente para alimentar cerca de sete milhões de pessoas. Isto é inadmissível. A união Europeia já exigiu que se implementasse novamente o acordo e se libertasse o corredor de passagem aos navios, mas ainda nada foi dito ou feito por Moscovo a este respeito. Putin gosta que lhe peçam delicadamente as coisas para se sentir no comando e ter os outros em subserviência completa. Mas as coisas nem sempre são assim. A Turquia, mediadora no conflito e no acordo dos cereais, está a negociar o retomar do acordo com a Rússia, mas ainda não há luz verde. Na verdade, a descompensação da Rússia é enorme e chega ao ponto de se servir dos alimentos tão importantes a quem deles necessita com urgência, para negociar e impor a sua vontade. A descompensação não é só da Rússia, mas sim do seu líder Putin que aos poucos se vê cada vez mais abandonado dentro do seu próprio país. Várias fações se opõem a Putin mesmo correndo o risco de serem presos ao virar da esquina. Enfim.

A força do acossado

Foi preciso aparecer a discussão do Orçamento do Estado para 2023, para nos desviar a atenção da continuada guerra da Ucrânia. Na verdade, quando se trata de dinheiro, os portugueses acordam e ainda mais quando esse dinheiro lhes é subtraído numa extensa conta onde o símbolo de somatório não entra. Perante tantas notícias sobre inflação, sobre aumentos de bens face a salários que nada gesticulam, é difícil não tomar posições. Mas será que adianta tomar uma posição de força? Que força temos nós perante uma realidade que é global? Parece que temos de entender que a subida dos preços é inevitável face ao aumento dos combustíveis que são, no fundo, o motor de toda a economia. Sem combustíveis nada funciona. Não há transportes, não há eletricidade, não há aquecimento, não há alimentos. Tudo pára. Se os combustíveis sobem de preço também terão de subir os produtos. Percebemos tudo isso, mas será que tem de ser assim mesmo? De facto, os governos têm tomado decisões avulsas e todas elas de acordo com os países onde se integram, no entanto nem sempre são bem recebidas e não são iguais, pois cada país é um caso diferente. A União Europeia tem tentado manter-se à tona e manter alguma uniformidade e concertação nas ações dos governos, mas não é fácil. Os subsídios que vão dar cujo destino é minorar os gastos e a inflação, são pontuais e nada vão resolver, mas são bem-vindos pois sempre ajudam a pagar algumas contas. Para o ano não há mais! A força dos acossados portugueses e outros que tais, limita- -se a reclamar, a fazer greves e a exigir aumentos de salários, mas pouco mais do que isso. E adianta? Não. Todos temos o direito de reclamar e devemos fazê-lo, mas para que os governos tenham a noção de que não estão sozinhos e não governam só para eles, embora até pareça que assim acontece em alguns casos, basta ver as últimas notícias sobre os favores que os membros do governo têm feito e até das incompatibilidades de alguns ministros. Todos se tentam governar pensando que nada se sabe, mas tudo vem a lume, assim funcione a liberdade de expressão. Deste modo, o acossado povo português sobrevive ao sabor das ondas que o governo vai fazendo esperando na praia algum raio de Sol neste fim de época balnear, na esperança de tornar mais leve o amargo que vai sentindo na boca em cada dia que passa. Acossado, mas não resignado. O Orçamento tem promessas, mas já sabemos que estas não são para cumprir. A força de um povo mede-se na sua atitude, na sua decisão, na sua exigência. Temos de esperar para ver a força que vai utilizar para reverter a situação. Mas atenção, pois todo o acossado não mede bem as suas reações! E de facto assim é. Se toda a Europa e o Mundo estão numa crise económica cada vez maior e sem sentido, ela deve-se à guerra da Ucrânia despoletada por um louco insensível e lunático por quem o mundo tinha alguma consideração há um ano atrás. As reticências que então se levantaram acabaram por ter razão. As consequências desta guerra que dura há mais de sete meses e que já destruiu muitas vilas e cidades e matou mais de cem mil pessoas, é absolutamente intragável. Nada consegue explicar este extermínio no século XXI. Numa sociedade dita moderna e avançada onde pautam as grandes descobertas científicas que podem contribuir para o bem da Humanidade, eis que surge um retrógrado governante com ideias imperialistas, autocrático e ditador, trocando as voltas ao progresso e ao avanço e liberdade dos povos. Contudo, a reação do exército ucraniano tem permitido contrariar os seus objetivos ao reconquistar as cidades que estiveram em posse dos russos. Putin e a Rússia estão a ficar acossados pelos ucranianos. A recente manifestação de vitória que Putin fez com a suposta anexação de quatro regiões ucranianas, nada mais foi do que a afirmação do seu falhanço no terrenos. Ele sabe que nenhuma dessas regiões está totalmente sob o seu domínio, antes pelo contrário. O exército ucraniano soma vitórias cada dia. Putin teve de mostrar somente a força do acossado que, sem outra justificação, fez a festa antes de a festa começar. E para que todos julgassem a sua vitória, lançou mais umas dezenas de mísseis sobre algumas cidades depois de os ucranianos, segundo ele, terem destruído a ponte de ligação entre a Rússia e a Crimeia. Foi a vingança do acossado. Foi o estertor da morte. O recente acordo entre Putin e Erdogan para o abastecimento de gás à Europa, nada mais é do que o acordo de interesses. Erdogan quer parecer o elo mais importante entre o ocidente e a Rússia e Putin quer-se fazer passar por “bonzinho” ao conceder o seu gás para abastecer a Europa, pois de outro modo não o venderia já que os boicotes europeus estão a funcionar. A Putin fazem falta os muitos milhões de dólares que diariamente entram. Acossado, um e outro por razões diferentes, tentam chegar a bom porto e sair airosamente do conflito. Poderá ser um bom caminho se chegarem a um acordo global onde se vislumbre o final da guerra. Putin não está em posição de querer muito mais tempo de guerra. Cada vez mais acossado, só o nuclear o vai mantendo à tona. Que fique por aí.

A farsa e o farsante

Ao longo da História da humanidade, são vários os factos onde imperou a farsa e em que através dela se atingiram objetivos perversos, menos dignos e até horrorosos. Manchas que nada dignificam as páginas da História onde, contrariamente, outras enaltecem positivamente a ação do Homem. Farsantes houve muitos e continuam a haver. Todos os dias deparamos com alguns, sendo que alguns não têm importância alguma e outros se mostram perigosos. A questão principal é saber se os farsantes são necessários ou não. Penso claramente que não. Contudo, algumas farsas até nos fazem rir, lembremo- -nos de como Gil Vicente as trabalhou para criticar a sociedade da época. Hoje as coisas são diferentes e as farsas podem ser bastante perigosas especialmente quando o objetivo a atingir é demasiado elevado ou não se consegue de forma lícita. É o caso da suposta anexação das quatro regiões ucranianas, pela Rússia. É facto que Putin, a perder a guerra contra a Ucrânia, teria urgentemente de apresentar um sortilégio de vitória, ainda que não fosse completa. Os referendos feitos à pressa e quase impossíveis em tão curto prazo de tempo, só foram possíveis através de uma enorme farsa de Moscovo. Por outro lado, a população não votou na sua totalidade, sendo contabilizados apenas alguns milhares de votos em cada região. Claro que muitos não eram a favor desta anexação nem querem continuar a prestar juramento a Putin, mas terão de o fazer, apesar da ilegalidade e farsa que rodeou todo o processo. A comunidade internacional não aprovou nem considera válidas as anexações. Ao lado de Putin apenas dois ou três países porque precisam dele e dos seus favores ou têm medo das suas ações se o não demonstrarem. Mas anexar regiões que não se controlam na totalidade e nem sabe se algum dia controlará, é uma farsa e uma presunção que só um louco poderá fazer. Tudo é uma farsa. A teatralidade com que a cerimónia de anexação feita no Kremelin se apresentou deu a impressão de que todos estavam a assistir a uma peça de Teatro ensaiada e cujo fim já era conhecido. As mentiras proferidas por Putin contra o Ocidente foram ridículas e despropositadas, principalmente quando ele parece ter-se esquecido do que foi praticado pela antiga União Soviética em termos de atrocidades e horrores. De nada serve acusar o Ocidente de colonialismo, quando a Segunda Guerra serviu para acabar com essa política e da qual a URSS participou. Agora é tarde e de nada serve. É bem pior o assassinato dos líderes da oposição que ele mandou liquidar e prender para não lhe fazerem frente em futuras eleições, mesmo controladas pelo regime. Autêntica farsa! Navalny é prova disso mesmo. Como está a perder a guerra contra a Ucrânia é fácil culpar o Ocidente das maleitas que o atingem ainda que essas mesmas maleitas sejam por ele provocadas. Culpar a Ucrânia de bombardear as suas próprias cidades e matar as suas gentes, é caricato e impensável, mas a guerra justifica tudo, ou talvez não. Agora culpa o Ocidente de explosões que provocaram ruturas do Nord Stream 1 e 2, deixando sair milhões de toneladas de gás, poluindo a atmosfera de forma letal. Que ganharia o Ocidente ao fazer uma tal destruição quando necessita do gás que por lá passa? Toda a Europa é abastecida por essa via e nada ganharia em destruir essas infraestruturas. Certamente que para colocar a culpa em outrem, só provocando ele próprio o desastre, poderia safar-se. Mas não será tão fácil. O tempo dirá quem o fez. Mas o farsante pode ir mais longe. O corte dos cabos submarinos que passam na costa da Irlanda e atravessam o mar Báltico e o Oceano Atlântico, pode cortar a Internet na Europa. Isto poderá ser outro desastre com consequências incomensuráveis. Deste modo a guerra deslocar-se-ia para as águas geladas do Báltico e do Atlântico. Quem não pode ganhar a guerra em terra, sempre pode mudar o campo de batalha para o mar, usando armas diferentes das convencionais. Voltamos à força dos submarinos, só que desta feita são controlados de longe e só levam a facilidade de “cortar” os cabos sem que ninguém esteja por perto. A sabotagem destes cabos é uma possibilidade já que são longos quilómetros sem a possibilidade de uma vigilância acurada e constante. Os efeitos deste “ataque” seriam devastadores para a economia europeia e mundial. Tudo isto pode soar a mais uma farsa de um farsante conhecido, mas nunca é de descartar a possibilidade da loucura do farsante se tornar realidade. As ameaças mantêm-se e agora mais do que nunca, já que ao considerar as novas regiões como parte integrante da Rússia, o seu ataque poderá ser um ataque à própria Rússia. Contudo, para Zelensky, a farsa vai continuar e não se vai dar por vencido, até porque está a recuperar territórios, antes ocupados pelos soldados russos. Estes admitem estar a perder a guerra. Será?

A dignidade perdida, ou não

Há ocasiões em que perdemos toda a dignidade ou onde ela deixa de ser importante. São, de facto, momentos em que deixamos de ser tão importantes como julgávamos ser e passamos a ser mais um elemento de uma imensa cadeia igual a tantos outros. Mas também há o outro lado, aquele em que a dignidade pessoal não conta e deixa de ser especial e aquela que é realçada devido a exemplos de vivências que marcam um tempo e uma época. Assim, temos como exemplo a Rainha Isabel II de Inglaterra que morrendo, perdeu a sua dignidade pessoal, mas não perdeu a dignidade que marcou toda a sua vida e pela qual foi altamente elogiada e louvada. Ao morrer perde-se tudo, mas não perdemos tudo. A pessoa em si, perde a dignidade porque não se pode comportar seja de que modo for, pois está morta, mas mesmo sendo-lhe destinada uma morada subterrânea e com sete palmos de terra a cobri-la, mantém, de alguma forma, para quem a recorda, a dignidade com que sempre foi considerada. A pompa e circunstância com que o funeral da rainha decorreu, foi digno de uma Chefe de Estado, como não poderia deixar de ser, mas a dignidade da rainha foi com ela. É a lei da vida. Contudo, muitos foram os que a quiseram acompanhar nestes momentos. Uma fila de sete ou oito quilómetros, pelas ruas de Londres, de gente desconhecida, só para se despedirem da sua Rainha, é quase surreal. Nove horas de espera numa fila só para ver a urna da Rainha e entrar de alguma forma no cerimonial fúnebre real, é de admirar. Foram setenta anos de reinado e eles não querem esquecer quem reinou todo esse tempo. Não vão esquecer certamente. Comparemos agora essa pompa e circunstância do funeral real com o enterramento sem identificação e com as valas comuns na Ucrânia, agora descobertas na Região de Karkiv, em Izium. Pessoas desconhecidas, sem nome, sem funeral, sem acompanhamento e abandonadas simplesmente no meio da floresta, para que o tempo se encarregasse de todos eles. Além de terem perdido toda a dignidade, perderam a própria identificação. Uma coisa é comum aos dois casos: Putin não foi ao funeral nem da Rainha nem destes soldados e civis ucranianos. Não por que não tentasse, mas porque não o deixaram. Aliás nem sei se tentou, mas certamente que não já que tem medo que algum tresloucado quisesse acabar com a vida dele, acabando com a sua dignidade e importância que pensa que tem e talvez tenha. O mesmo aconteceu à delegação chinesa que não foi autorizada a entrar na abadia para prestar homenagem à Rainha. Aqui foi uma vingançazita dos ingleses pelo facto de a China ter expulso diplomatas ingleses devido ao facto de eles terem condenado publicamente atuações da política chinesa relativamente ao incumprimento de direitos humanos. Coisa rara! Deste modo, a Inglaterra, subtilmente, vingou-se de Putin e da China, jogando uma cartada Real absolutamente vencedora. A morte da Rainha Isabel II deu finalmente ao filho Carlos a oportunidade que aguardava há muitos anos. Ser Rei é agora a tarefa para que sempre se preparou e que a mãe lhe ensinou. Carlos III tem pela frente muitas dificuldades e terá de saber usar toda a sua sabedoria e subtileza para as ultrapassar. Não começou da melhor forma ao dispensar cerca de um terço do seu pessoal e mandá-lo para o desemprego. Foi já criticado severamente por isso. A opinião pública em Inglaterra funciona muito bem e ele perante o que já foi dito e escrito, só poderá reverter a situação se não quer mais conflitos dentro dos muros da dignidade da realeza. Não se saiu nada bem. A continuar assim, terá de abdicar e dar o lugar a William, seu filho, dentro de pouco tempo. Com menos dignidade, a Rainha Consorte, sempre teve alguma sorte. Preterida por Carlos quando casou com Diana, acabou por ter a sua oportunidade depois do divórcio em 1976 e depois da sua morte acidentada. Liberto pelo infortúnio, Carlos logo correu para os braços de Camilla Parker Bowles com quem casou em 2005. Vivendo na sombra de toda a realeza e odiada por metade do povo britânico, viu agora surgir a sua oportunidade como rainha consorte. Sem qualquer poder real, tem pelo menos a dignidade que o casamento lhe confere para acompanhar o marido para onde ele for. Não reina, não governa, mas é rainha. Deste modo, os que um dia foram dignos acabaram por perder a sua dignidade como é o caso de Putin após invadir um país soberano. Outros foram tratados indignamente sem se saber o grau de dignidade que um dia tiveram e possivelmente foi muito alto, como foi o caso dos mortos encontrados em valas comuns na Ucrânia, completamente desconhecidos do mundo. E ainda aqueles que têm a dignidade de falar sobre acontecimentos deste tipo e acusar os que perderam toda a dignidade que possivelmente um dia tiveram. Não a voltarão a ter.

Um homem de coragem e contradições

Nascido em 1931, no seio de uma família modesta do sudoeste da Rússia, Mikhail Gorbatchev assumiu-se como o comunista modelo, com ideias próprias e subiu rapidamente na hierarquia do Partido Comunista até chegar à liderança da URSS, em 1985. Corajoso e convicto de que a Rússia necessitava de grandes mudanças internas e externas, expôs ideias e projectos que lhe granjearam simpatias, especialmente dos que ansiavam por melhores dias e estavam cansados de setenta anos de ditadura comunista. A partir de 1985 efectuou diversas reformas internas reestruturando a União Soviética – Perestroika – e abriu o país ao mundo tornando a sua política transparente – Glasnost – até aí fechada ao mundo inteiro. Na ânsia de modernizar o país, cometeu o seu maior erro ao querer transformar a economia russa, até então fechada, numa economia de mercado, para a qual não estava preparada. Foi uma mudança drástica. Mas o erro não foi só seu, foi dos que ficaram à frente de algumas empresas, antes do Estado, que continuavam à espera dos subsídios estatais para ultrapassar os prejuízos. Mas isso tinha acabado. Sem traquejo para negociar e longe de saberem enfrentar a concorrência estrangeira neste mercado aberto, foram falindo umas atrás das outras, arrastando a URSS para o caos económico. Acabou assim por condenar a URSS em vez de a modernizar economicamente. A euforia inicial do povo, depressa esmoreceu. Mas a sua visão política mundial era de um homem conhecedor e defensor da democracia. Ele era socialista, mas sabia que esta política tinha contornos bem diferentes dos que se aplicaram até então na URSS e nada tinha de democrata. A sua política externa guindou-o ao patamar superior da política e do reconhecimento mundiais. Visitou vários países europeus e apostou na reunificação da Alemanha, que só com o derrube do Muro de Berlim seria possível. E foi o que aconteceu em 1989. A Europa estava unida novamente, caía a Cortina de Ferro e a Guerra Fria terminava. Ganhava o Nobel da Paz, mas internamente a sua política era fortemente contestada. As várias repúblicas que constituíam a URSS queriam a sua independência e ele tentou por todos os meios que a desagregação não acontecesse, mas aconteceu depois da sua demissão. Quer se queira ou não, Gorbatchev foi um homem de coragem ao enfrentar os homens do partido e detentores de enormes regalias políticas e económicas e ao implementar reformas que lhes retiravam o poder e as mordomias e empurra-los para vivências mais democráticas e muito menos dirigistas e usurpadoras. Claro que isto lhe granjeou imensos inimigos e o desmoronamento da URSS começava aqui. Mas se o desfazer da União se iniciava, também se iniciava o fim do comunismo e do Partido Comunistas Russo. Ieltsin, seu inimigo, foi o causador da mudança. A partir de 1991 a maior parte das Repúblicas Bálticas assumem-se como independentes e Ieltsin é eleito presidente da República da Rússia e reforça o seu prestígio ao encabeçar a resistência a um golpe dos saudosistas do Partido que pretendiam parar as reformas então em curso. O Partido Comunista foi extinto por Ieltsin. Sem palco e sem lugar próprio, apanhado de surpresa, Gorbatchev abandona a presidência da URSS que efetivamente já não existia. Na época e mesmo agora, Gorbatchev é visto como o homem que vendeu a Rússia ao capitalismo, mas também o grande construtor de uma Rússia nova, moderna e democrática e o reunificador da Alemanha. Mas a verdade é que foi um homem de contradições. Recentemente pronunciou-se favorável à anexação da Crimeia, mas as suas relações com Putin não foram as melhores apesar de pensar que a sua política poderia ser favorável ao desenvolvimento e estabilidade da Rússia. Contudo, pediu indiretamente o fim das hostilidades na Ucrânia. Era contra a invasão de um país soberano e irmão. Era contra a guerra. Dedicado a alguns projectos humanitários nos seus últimos dias, ficam para trás momentos grandiosos de realizações e transformações políticas que o marcaram indubitavelmente como um grande homem da segunda metade do século XX. Pleno de contradições, como qualquer grande homem, recebeu críticas e louvores de todos os setores políticos, embora não se entenda muito bem o porquê de o PCP criticar e culpar a sua atitude política. Nunca quis o desmembrar da URSS e nunca quis acabar com o socialismo na Rússia. Só a vontade de liberdade das repúblicas oprimidas e o querer da sua independência é que levaram mais tarde ao fim do comunismo na Rússia com Ieltsin. Será por isto que o PCP o critica? É sempre difícil entender o PCP, pois tanto quer falar de liberdades como critica as mesmas ou quem as concede. Há aqui um saudosismo masoquista por parte do PCP. É pena. Homens com a coragem de Gorbatchev e com tantas provas dadas em prol da democracia, da paz e do desarmamento mundial, não são muitos e nenhum é do Partido Comunista, português ou outro qualquer. Veja-se o que é a Rússia hoje e a Coreia do Norte onde as democracias são o pregão abençoado dos que governam. Mais ditaduras, não. Já chegam as que conhecemos e nada de bom de lá vem, sejam elas de direita ou de esquerda.

O cansaço que nos abala

Dizia-me um amigo há dias que estava cansado de ouvir sempre as mesmas notícias e tem razão. Quase todos os dias deixamos escapar um estou cansado num momento qualquer em que de facto somos invadidos por um cansaço que advém do que fizemos até aquele momento. Não é preciso termos feito um esforço terrível para sentirmos essa sensação de fadiga. Basta mesmo a repetição de situações que nos cansam. A própria repetição cansa. Pois é normal que todos nos possamos sentir cansados com a guerra que vem assolando a Europa e de que não se vê solução à vista. Estamos cansados de ouvir as mesmas coisas, de ouvir as mesmas mentiras, de ouvir explicações abusivas e mentirosas, enfim estamos cansados de tanta repetição desastrosa e sem sentido. Mas se é facto que estamos fartos de tanta notícia também é verdade que estamos fartos desta guerra absurda e sem sentido onde só uma parte quer a guerra como se nada mais tivesse para fazer em prol do seu povo. Isto sim é cansativo e desanimador. No entanto parece que pouco mais há a noticiar. Todos os dias somos bombardeados com as mesmas notícias de destruição, de mortes, de mísseis e bombas a cair em toda a parte até mesmo na Central nuclear de Zaporizhia. Aqui já somos invadidos por outro sentimento e não é cansaço. Quando falamos da maior Central Nuclear da Europa e das consequências que podem advir de uma qualquer rutura, resultado dos bombardeamentos indiscriminados, já sentimos medo. No meio de toda esta confusão em que vivemos absurdamente à margem das decisões que se vão tomando, felizmente ocorrem notícias que quebram a monotonia cansativa da beligerância e nos fazem descansar um pouco. A saída de cereais do porto de Odessa, a reunião de Guterres com Ordogan e com Zelensky são alguns dos factos que nos trazem alguma esperança no bom senso dos que estão envolvidos na contenda. Não acredito que se vá muito mais além disso, já que falar de cessar fogo ou de final da guerra será mesmo irreal neste momento. Mas quem ganha ou perde est guerra? Fazemos esta pergunta há muito tempo. Mas a resposta não é a mesma que se deu há cinco meses atrás. Nessa altura a Rússia levava muita vantagem sobre a Ucrânia, mas hoje a Rússia está a perder posições e a viver sérias dificuldades em termos de recrutamento de militares. Até ao momento a Rússia terá perdido já cerca de quatrocentos mil militares segundo algumas informações, muitos aviões e alguns navios. Na Crimeia estão a acontecer explosões em plenos campos militares com destruições de material bélico e não só, mas em que ninguém parece ter culpa, embora Zelensky diga que a guerra começou com a invasão da Crimeia e vai acabar na Crimeia. Uma coisa é certa: Putin está diferente, age de modo diferente, está cansado desta situação e desta guerra que ele provocou e que está a perder aos poucos. Pode ser uma ajuda ao final da guerra o cansaço que Putin sente, mas não tem moedas de troca para falar de paz. Ainda não ganhou nada. O que é uma realidade diferente é o cansaço que nos tem provocado todas as notícias sobre os vários vírus que nos têm visitado e que continuam a causar morte em todo o lado. Se bem nos lembrarmos, quase todas as semanas ouvimos notícias de vírus diferentes que se espalham por todos os países. É o Corona vírus e suas variantes, é a varíola dos macacos, é o vírus das aves que regressa, é o vírus de mais qualquer coisa que nos vão distraindo e causando algum receio que nos aligeira o cansaço da guerra. Mas os vírus também nos cansam e muito. O que também é um facto é que estes vírus não atingem a Rússia nem a Ucrânia. Porque será? Mas a China foi notícia a este respeito. Parece que os vírus são selectivos! É verdade que andamos todos cansados com estas notícias e temos razão para estar. Se um qualquer alienígena nos visitasse e ouvisse estas notícias ficaria arrepiado com tantas coisas más. Nada de bom acontece nesta Terra, diria certamente e antes que ficasse cansado, fugiria novamente para o espaço. Mas nós não podemos fugir. Cansados e abalados por tanta irresponsabilidade, por tanta destruição, por tanta morte, por tanta irreverência, mentira e teimosia, continuamos a aguentar estoicamente todas as barbaridades que os senhores da guerra continuam a fazer. É demais! Seis meses de guerra, seis meses de destruição e morte, seria impensável em Janeiro passado. A realidade é crua e dura. Tudo isto nos abala e cansa, mas ninguém encontrou ainda a solução, o antídoto, para este cansaço. Não há comprimidos capazes, somente a atuação humana consciente, mas é difícil de encontrar.

O terceiro lado

Tal como o quadrado não seria quadrado se não tivesse quatro lados, assim o triângulo não seria triângulo se não tivesse três lados. Não estou a falar de geometria ou de matemática, se bem que a contabilização das coisas passa sempre por aí. É inevitável. Até há alguns dias atrás a guerra da Ucrânia limitava-se a um confronto entre as ambições da Putin e a defesa de Zelensky por um país que considera seu por direito próprio. Dois lados bem definidos nesta guerra de loucos. Mas dois lados não determinam nenhuma formação geométrica. Embora possamos apontar outros lados no meio deste conflito, a verdade é que não são verdadeiramente intervenientes diretos que provoquem uma mudança radical.
Assim, todos esperávamos que a guerra fosse esmorecendo sem outros contornos de realce caminhando para um possível entendimento entre os beligerantes com cedências de parte a parte. A ajudar a este desfecho foi o acordo para possibilitar a saída de cereais pelo porto de Odessa contribuindo para afastar o espetro da fome e da morte em alguns países africanos e não só. Desde então, tem-se falado apenas da contenda no leste da Ucrânia, de alguns bombardeamentos e, mais importante, da recuperação de território por parte das tropas ucranianas o que causa um mal estar terrível no exército russo e na disposição de Putin. Mas tudo estava prestes a mudar. Na verdade ninguém estava à espera que a China fosse chamada à liça através da visita de Nancy Pelosi a Taiwan. A China que se tem mantido neutra no meio do conflito, porque Taiwan é um processo idêntico à Ucrânia, no parecer de Xi, logo se manifestou quando soube da possibilidade da terceira figura do Estado Americano aterrar em Taipé. Até ao último minuto, todo o mundo esteve suspenso sem ter a certeza se ela aterrava ou não em Taiwan. Aterrou. Perante este facto a China veio dizer que considerava tal ato como uma ameaça à paz já que isso era dar a entender que os EUA consideravam Taiwan independente da China o que para Xi é impensável já que continua a querer uma só China. Claro que isto determinou a declaração dos políticos americanos no sentido de que continuavam a considerar uma única China sem apoiar a independência de Taiwan. Isto não foi suficiente para travar a demonstração de força da China que logo enviou 27 aviões sobrevoar o espaço do canal e lançar mísseis que acabaram por cair, pelo menos alguns deles, na zona marítima do Japão.
Tudo se complicou como é evidente. Este novo lado da guerra veio completar o triângulo arrastando a guerra da Europa para a possibilidade de ela se estender ao pacífico envolvendo a Ásia e alguns países que até agora se limitavam a acompanhar o conflito entre a Rússia e a Ucrânia. O que pode sair daqui?
Todos sabemos que para a China não seria difícil invadir Taiwan, mas as consequências poderiam ser terríveis. Um território com alguns milhares de habitantes não ofereceria, à partida, grande dificuldade de conquista pela China, mas o que produz Taiwan e que é demasiado importante para o Império Chinês, seria afastado da sua comercialização para sempre. Taiwan é o maior produtor de semicondutores e a sua exportação vai toda para a China e EUA e sem estes chips quase nada funciona hoje em dia. Isto remeteria a China para um plano secundário em termos de avanços tecnológicos impedindo-a de acompanhar o resto do mundo. Ela sabe disso e por isso Xi mantém-se sossegado no que se refere a Taiwan, mas vai ameaçando quem não estiver ao seu lado neste aspeto ou ameace as suas pretensões. Mas não passam de pretensões. Para já ele quer ter acesso aos semicondutores. Perante todo este burburinho, os ministros de Putin vêm dizer que os EUA confrontaram a China e ameaçaram a paz na região como se fossem os donos do mundo. Tomaram, claro, a posição da China de onde esperam sempre algum apoio, apesar de tudo. O arrastar da China para este conflito pode ter várias leituras. Pelosi quis demonstrar que ela sempre defendeu e continua a defender as democracias e a independência de Taiwan, mesmo à margem de Biden, ou não e, dar um recado à China no sentido da sua demarcação face à guerra na Europa. Ou seja: se Xi está contra a Rússia, estamos todos de acordo e todos bem, se não está, tudo pode correr mal. Para Taiwan, foi uma demonstração da possibilidade de poderem ser independentes definitivamente. E para que as coisas não se limitem a um só lado, Zelensky veio dizer que quer falar com Xi. Será certamente para o amaciar no sentido de se colocar no lado certo. A ajudar este momento de guerra, Zelensky acusa a Rússia e com razão, do ataque à prisão de Olenivka. Porquê e para quê? Só Putin sabe, ou não! Talvez a China também saiba. Agora é só esperar que o triângulo se não transforme em quadrado! Seria o fim.