Luís Ferreira

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Vendavais- A irreverência da juventude

Não é defeito nenhum ser-se irreverente. Antes pelo contrário. O que é preciso é ser-se sensato e responsável simultaneamente. Ao longo de todos os tempos temos assistido a grandes mudanças promovidas pela irreverência da juventude, umas melhores que outras e com consequências diversas, mas marcaram o seu tempo e ficaram inscritas nas páginas da História Universal. Lembremo-nos, por exemplo, dos anos 60, o festival de Woodstock, o aparecimento e consumo de drogas duras, a geração hippie, o lema Make Love, not War, a influência e irreverência dos Beatles, o uso da minissaia, os cabelos compridos dos rapazes, enfim, um sem número de mudanças, boas e más, a que a tal irreverência nos foi habituando. Hoje, dez anos depois de um louco neonazi ter massacrado 77 pessoas, entre elas 69 adolescentes que estavam em retiro na ilha de Utoya na Noruega, podemos questionar-nos se nessa ocasião já houvesse Covid, como teria sido? Será que esse louco irreverente e fanático neonazi, teria agido da mesma forma? Possivelmente poderia ter sido apanhado pelo Covid e ter morrido para descanso de todos e para a salvação dos 69 adolescentes que não tinham feito mal nenhum a ninguém. O horror de tal evento não nos pode passar ao lado como se fosse um simples vendaval que nunca mais volta. A sua imagem e a lembrança que dela temos, formam a recordação que jamais olvidaremos. Os factos fazem parte da História e esta não tem folhas soltas como se de um livro se tratasse. Estas folhas da História não se arrancam, não se rasgam e nem se apagam, mesmo que se tente. De igual modo não se apagam as consequências dessa mesma irreverência da juventude ou mesmo dos adultos que ainda pensam que são jovens. Se não vejamos o que está a acontecer no mundo no que respeita ao alastramento do Covid19. Quando todos pensávamos que estava em regressão, eis que ele aumenta exponencialmente de um momento para o outro especialmente na faixa etária dos mais jovens, os tais que se manifestaram contra a vacinação e contra o confinamento. A tal irreverência que sempre se manifestou, mas que nunca quis ganhar caminho certo. As consequências não poderiam ser piores. Mas é bom questionar se essa irreverência é só da juventude. Será que é? Penso que não, muito embora se levantem outras questões associadas. Claro que a vacinação por grupos etários mais idosos foi o que pareceu mais aceitável dado o enorme número de óbitos nas pessoas mais fragilizadas, mas houve alguma relutância em vacinar outros grupos mais novos como se eles fossem resistentes ao vírus, como alguma informação foi adiantada na altura. Errado. O tempo veio a comprovar que assim não era, nem poderia ser. Vírus que se preza ataca qualquer pessoa e de qualquer idade. Outra informação desconforme dada foi que o vírus não se dava bem com o calor e o Verão iria travar a sua propagação. Errado. O Verão passado não foi exemplo disso e este também não está a ser. Voltamos aos números assustadores de Janeiro e de Março. A realidade é realmente cada vez mais assustadora. Neste momento há falta de vacinas. Está a vacinar-se a toda a velocidade para criar imunidade de grupo o mais rápido possível, mas se não houver vacinas, nada feito. Corre-se contra o tempo enquanto o vírus se passeia juntamente com a irreverência da juventude e dos responsáveis, que afinal são igualmente irresponsáveis e irreverentes. Tenta-se ganhar tempo nesta corrida que não tem fim. Em todo o mundo, esta juventude que não se habitua aos graus de responsabilidade que a sociedade moderna exige, vai gerando ondas de violência e desrespeito que acabam, quase sempre, em intervenção policial musculada, prisões e hospital. Alguém se importa com o vírus? Não. Cada um pensa em si e na sua liberdade sem se importar com a liberdade dos outros. A saúde não se compra, não se apanha na rua. Ela nasce com cada um de nós e cabe- -nos cuidar dela como se fosse uma flor de um jardim esplendoroso que é necessário tratar e regar todos os dias para não murchar. E se matamos os bichos que atacam as flores, também temos de matar os vírus que nos atacam e debilitam a nossa saúde. O contrário é crime. É uma sentença de morte. É tempo de acordar antes que seja tarde. É necessário acabar com esta irreverência juvenil e pensar que os outros não estão a salvo de coisa nenhuma. Nem uns, nem outros. Em tempo de Verão e de praia, os números assustam-nos cada vez mais. Os óbitos aumentam e os jovens estão cada vez mais nos cuidados intensivos. Será que vão acordar desta vez?

Vendavais- Rede furada

Paira no ar a desilusão de quem acreditava e defendia com todas as suas forças, a dignidade e a seriedade dos seus dirigentes clubísticos. Nada que não fosse esperado ou recorrente, mas quão maior é o barco, maior é a tormenta. Não nos cabe julgar seja quem for, nem aqui nem agora, como se compreende, até porque quem tem o direito de o fazer são os tribunais através dos juízes destacados para cada caso. Contudo, o que nos choca mais é a realidade do que está a acontecer. Num país tão pequeno e onde tudo se descobre mais cedo ou mais tarde, como é que ainda há atrevidos corajosos que se metem por estes atalhos, sabendo que os trabalhos vêm a caminho. Temos assistido a um corrupio de corrupção em quase todos os setores onde o governo não está isento, o que é ainda mais gravoso. No entanto, apesar de não ser capaz de servir de exemplo para nada e ninguém, outros teimam em seguir os mesmos passos acabando por cair nas malhas da justiça. Será que não acreditavam que tudo se vem a saber? Tudo se descobre mais tarde ou mais cedo. É verdade que constatamos que os meios de o fazer são cada vez mais ardilosos e dignos de um prémio pelo estudo aturado que fazem para despistar os investigadores, sejam eles quais forem. Vimos recentemente o que está a acontecer a Joe Berardo, o homem que dizia que não devia nada a ninguém e que nada possuía de seu a não ser uma garagem. Santa ingenuidade! Será que queria fazer dos outros tontos ou acreditava mesmo que não fosse possível descobrir toda a tramóia engendrada pelos seus correligionários? Mas que o esquema estava bem montado, lá isso estava, mas não o suficiente para não ser desmantelado. Não seria possível ser dono de uma tão grande fortuna e não ter nada de seu. Só nos contos de fadas em que as crianças acreditam piamente em tudo o que se lhes conta e ainda bem, pois a realidade é bem diferente. Na idade adulta descobrirão que afinal havia uma outra história, mas fica para sempre a lição aprendida. Mas falar de Berardo ou de qualquer membro do governo é quase igual, pelo menos num aspeto e que se refere aos adeptos que têm. Não têm nenhuns. Não movimentam massas nem fanatismos e só o facto de serem acusados de corrupção arrasta uma indignação enorme a nível nacional e uma crítica tremenda que os leva a afastarem-se e caírem numa penumbra onde deixam de ser vistos, mas não criticados. Caso diferente é o mais recente que se refere a Filipe Vieira e ao Benfica. Digno de parangonas de noticiários e de primeiras páginas de jornais de todo o mundo, revela indícios de corrupção que envolve uma rede de empresas e de familiares, arrastando para a lama o sonho de muitos que ainda defendiam o presidente do maior clube de futebol do país. Tudo já se vinha arrastando há alguns meses e até parece que estavam a dar tempo a Vieira para esconder o que não se devia ver ou o que o poderia incriminar diretamente. Foi chamado ao Parlamento para prestar declarações e disse quase o mesmo que Berardo tinha dito quando lá esteve. Claro que a culpa morreu solteira e há de continuar a morrer já que ninguém a quer por companheira. Mas a verdade é que a procuram para com ela fazer panelinhas, abandonando-a logo de seguida dizendo que não a conhecem de lado algum. Típico e normal. Mas voltemos a Vieira e ao futebol. Custa certamente aos adeptos benfiquistas enfrentar uma situação destas e ver o seu clube empurrado para os becos da desgraça e o presidente ser preso por suspeita de corrupção. Mais grave é ter-se servido de dinheiros do Benfica para negócios seus, segundo o que veio a público. Mais grave ainda é desviar para outras empresas esse dinheiro, pensando que o rasto se diluiria nas vielas da rede tão bem engendrada. O facto é que quem compra, por exemplo, uma empresa falida por cinquenta milhões e a vende a seguir por um euro a outra empresa de modo a pagar a sua própria dívida, é um esquema bem feito, mas facilmente desmontável, como parece. Isto leva-nos a acreditar que em Portugal há cabeças demasiado inteligentes, pena é que só lhes dê para pensar mal. Não está aqui em causa o futebol ou o clube, seja ele qual for, o que está em análise é o facto de haver tanta corrupção num país tão pobre como o nosso. Afinal de onde vem tanto dinheiro? Todos estes milhões serviriam perfeitamente para ajudar os que vivem com imensas dificuldades, especialmente agora em tempos de pandemia. É pena que assim seja. Tanto falou Vieira sobre tantas coisas feitas e sobre intenções de fazer que se esqueceu de referir que tinha feito asneira e que deixou furar a rede por onde a bola vai continuar a passar. Não se lembrou!

Vendavais- Avisos em saco roto

Quando as coisas não correm tão bem como se queria, o povo costuma dizer que não foi por falta de avisos. É verdade. Os avisos e conselhos são grátis, porque se tivessem de ser pagos, ninguém ou muito poucos os aceitariam. Contudo, elevados na enorme sapiência que cada um de nós arvora, sempre vamos entregando conselhos a quem os quer ouvir. Não custam nada e se não os seguirem, nada se perde a não ser o facto de poderem a ser verdadeiros e o resultado ser desastroso. Muito embora ninguém tenha a certeza sobre os avisos que dá ou os conselhos que, delicadamente despeja nos ouvidos dos mais incautos, o certo é que muitos deles em vez de caírem em saco roto, bem poderiam ser seguidos para evitar maiores constrangimentos. Há algumas semanas que venho dizendo em jeito de aviso ou conselho, se quisermos, que o vírus que nos anda a alterar completamente a vida, não está a brincar com o tempo, mas sim com as pessoas e que estas deveriam ter mais responsabilidade no modo como tratam este assassina que mais parece o fantasma da ópera. Tão depressa aparece com um nome como depois reaparece travestido de nome diferente e ainda mais mortífero. Não se dá a conhecer e nem se mostra, talvez com receio que alguém o reconheça na face do parceiro que está em frente. Não me faz mossa que as pessoas não tivessem seguido os meus conselhos sobre este assunto, mas a verdade é que quando referi que a época de praia e lazer poderia ser totalmente diferente se as pessoas não se acautelassem e procurassem evitar os aglomerados e as festas e festividades por que todos anseiam, estava com alguma certeza do que poderia acontecer. Agora está a acontecer. Não sei se será tarde demais, mas a continuar desta maneira, ninguém duvide que o país inteiro e não só Lisboa e vale do Tejo e Porto, vai ficar novamente confinado ou pelo menos em condições muito restritas, roubando-nos a pouca liberdade de que já estávamos a gozar. Sabemos que a capital e arredores é uma área enorme e que depressa o vírus se propaga de um dia para o outro. Todos sabem disso. Então por que razão não param para pensar e se coíbem de fazer alarde dessa liberdade que pensam que têm, mas que depressa irão perder? A irresponsabilidade de uns é paga pelos que, com receio, vão andando pela rua bem resguardados e a uma distância recomendável e, que não têm culpa dos que se atravessam pela frente embrulhados em fatos de sapiência científica. É pena. Apesar da vacinação estar ainda numa fase em que a faixa abaixo dos 35 anos não está vacinada, estes deveriam ter muito mais cuidado já que a realidade nos mostra que são eles, os mais jovens, que estão a ser atingidos pelo vírus e estão a entrar nos hospitais e a encher as enfermarias e as UCI’s. Pensavam os mais jovens que não seriam atingidos, talvez porque a DGS inicialmente afirmou que as camadas mais jovens estariam mais a salvo da ação do vírus. Puro engano, como se está a constatar. Agora todos correm à procura de centros de vacinação antes que seja tarde demais, mas as vacinas tardam em chegar e não são suficientes para tanta procura. O medo aperta. Voltando ao que referi há tempos, parece-me efetivamente que as belas praias do Algarve e da costa alentejana ficarão mais vazias do que se pensava. Já não chegava a contingentação obrigatória em cada areal, medida com os ridículos semáforos, como se tratasse de uma autoestrada para o inferno, como agora o espalhar dos casos com vírus por esses areais que esperavam os portugueses dispostos passearem-se à beira mar. Portugueses sim, porque os ingleses parece que continuam proibidos de se pavonearem pelo sul do país e até de poisarem em solo luso. Coisas dos nossos aliados! Tontos ou eles ou nós! Como se nada disto chegasse, a chanceler Merkel também veio dizer que tudo isto poderia ter sido evitado em Portugal. Grande descoberta! Eu disse isso primeiro e não sou chanceler de coisa nenhuma! Todos sabiam disso. O problema é que só nos lembramos de Santa Bárbara quando troveja. Só começamos a ter medo quando a casa do vizinho pega fogo. É pena. Há semanas éramos os melhores da Europa e uma referência extraordinária e de repente, passámos para um dos piores. Porquê? Ninguém quer ouvir os conselhos gratuitos nem seguir os avisos mais inocentes e depois pode ser tarde demais. Era bem melhor que os avisos não caíssem em saco roto!

Vendavais- O vírus veio à bola

É escusado ficarmos i n d i g n a d o s . Sempre fomos um povo pacífico e condescendente e como não queremos o mal dos outros, não nos importamos de arcar com o mal que nos possa caber em sorte. Enfim, nada a fazer. A História ensina-nos muitas coisas e particularmente estes pequenos pormenores que justificam as asneiras que fazemos ou que os nossos governantes fazem em nosso nome. Não é que alguém lhes dê autorização para isso, mas eles tomam esse direito abusivamente agarrando-se a justificações que nada justificam a não ser a bondade que o nosso povo tem em aturar tudo isso. Pois ao longo de toda a nossa História a aliança com a Inglaterra serviu muito bem aos ingleses, mas muito mal aos portugueses. A nós só justifica o facto de sermos aliados para permitir que em alguns momentos e perante determinados assuntos políticos e económicos, não tenhamos tido a coragem de dizer Não aos ingleses para ficarmos bem vistos aos olhos da Inglaterra como se isso lhes interessasse sobremaneira. Definitivamente Não. Não interessava nada. Eles sempre quiseram defender os seus interesses e não os de Portugal. Foi o que aconteceu com o Tratado de Methuen tão desastroso para economia nacional, mas tão importante para eles. De facto trocar lã por vinho do Porto, era ditado só pela necessidade de escoar os nossos vinhos e não pela falta de lã em Portugal. Enfim! E para os que não sabem, também abdicámos do famoso Mapa cor- -de-rosa em África, porque os ingleses nos ameaçaram e teríamos de abandonar esse território entre Angola e Moçambique, a bem ou a mal, para eles ligarem a cidade do Cairo à cidade do Cabo na África do Sul. D. Carlos acedeu e talvez por isso, mas não só, acabou assassinado pelo Manuel Buíça de Vinhais. Coisas da História. Agora, uma vez mais, abrimos as pernas aos ingleses e à UEFA para receber a final da Champions entre duas equipas inglesas. Neste caso, eles não têm culpa. A culpa é de quem aceitou que isso tivesse lugar no nosso país e até ficasse contente com a vinda de mais de dezasseis mil ingleses para a cidade do Porto para assistir ao jogo. Ia ser muito bom para a economia nacional, como disseram os responsáveis portugueses. Será que vai ser bom? Será que foi bom? Será que o Porto e as pessoas do Porto não vão pagar caro esse evento? A chegada de tantos adeptos vindos de um país onde o vírus se passeia livremente pelas ruas de Londres e de outras cidades inglesas, não abona nada a favor de tal solução para nós, especialmente porque nada temos a ver com esses clubes que se vão gladiar em arena neutra. Que o fizessem na terra deles. E isto não é ter nada contra os ingleses, mas sim contra o facto de estarmos em plena pandemia e se os portugueses não se podem reunir porque a polícia logo aparece para dispersar toda a gente, então porque é que os ingleses podem? Aliás, eles para treinar, começaram logo a agredir-se em plena cidade, aos milhares, com toda a raiva que o fanatismo clubístico permite. Completa loucura. Dentro de alguns dias saberemos se essa final tão polémica e tão publicitada a nível internacional, foi ou não um sucesso. Se ganhou o Chelsea ou o City não é o mais importante. O importante é que tenha ganho o Porto, mas isso só veremos daqui a dias. A escolha do estádio do Dragão seria sempre uma boa escolha se nada se passasse de extraordinário. Em tempos de acalmia e serenidade, o acontecimento era relevante e, obviamente de saudar a escolha. Mas o momento presente e perante os perigos que correm, penso que dispensávamos tal evento. Mas o que está feito, feito está. Aconteceu. O vírus terá vindo ver a bola, ou não. Esperemos que ele não tenha assistido ao jogo, já por si tão renhido, e não viesse a acompanhar os fanáticos ingleses, que não sabem ver futebol e não se sabem conter perante estes momentos únicos no desporto internacional. Sabemos bem que para estes adeptos o que interessa é beber uns finos bem bebidos, dar uns murros e partir umas montras pelo caminho. Tudo pacífico. O vírus, bem, alguém ouviu falar dele? Eles também não. Perante tudo isto, parece que se justifica a indignação dos portugueses que, em Lisboa foram dispersados pela polícia por se juntarem sem respeitar o distanciamento e a colocação de máscaras. Máscaras? Os ingleses também não sabem o que isso é! Francamente! Pois no meio de tantos milhares de pessoas será difícil afirmar que o vírus não se passeou pelo meio do pessoal, mas eu espero que ele, pelo menos, não seja fanático de nenhum dos clubes e se tenha mantido quietinho em território britânico. Nós dispensamos.

Vendavais- Portão aberto à liberdade

Se a liberdade se conquistasse com a simples passagem de um portão ou uma porta aberta à nossa curiosidade e apetência, não faltaria quem quisesse tentar passar. Mas não. Não é assim tão fácil e não existe nenhuma porta secreta que dê acesso à liberdade. Na verdade, a passagem para a liberdade está sempre condicionada por obstáculos enormes, quase intransponíveis, que nos impedem ir muito além do desejável. É facto que neste momento tão condicionante da liberdade de todos nós, muitos aspiram ansiosamente à liberdade que perderam ou mesmo a uma liberdade que lhes permita “movimentar-se”. Com a chegada de tempos mais claros e quentes e, por isso convidativos a essa movimentação, iniciaram-se já intenções de ir para lugares onde alguma dessa liberdade seja conseguida. Sempre que o Verão se aproxima e as férias se tornam realidades não dispensáveis, todos querem aproveitar ao máximo esse período de descanso, para recarregar energias para o resto do ano. Falta passar o tal portão. Mas o tempo não é de facilidades. Apesar de os números de contágios de Covid19, de internamentos e de óbitos estejam a melhorar, isso não pode significar que o portão está aberto para uma liberdade sem limites. De modo algum. É certo que as praias portugueses, sedentas de gente a calcorrear as areias peregrinas, não se foram embora e continuam, à espera das enchentes de outrora que parecem não voltar tão cedo. Temos de aguardar mais um pouco. A sensação de liberdade que o mar e a areia imensa nos dão, são relevantes e demasiado importantes para todos nós, mas não se pode escancarar o portão e passar além sem contenção. Comedimento e sensatez são regras a seguir para chegar à tal liberdade. As praias da esperança de uma liberdade sem limites já não pertencem a estes tempos de pandemia. Só de for com vista a um novo confinamento indesejável. Na realidade, a procura de lugares exóticos e praias idílicas de águas quentes e sol escaldante, já começou e as nossas estão entre muitas das procuradas. Os ingleses buscam rapidamente ocupar o Algarve tão desejado e os hoteleiros e comerciantes da região estão ansiosos por esse momento para reverter a situação económica tão depreciada que os últimos meses trouxeram. Poucos equacionam o perigo que isso possa trazer já que os números de contágio podem aumentar exponencialmente em pouco tempo. Era bom que assim não acontecesse. Para isso o governo já decretou que o modo de procedimento nas praias deverá ser o mesmo do ano anterior. Usemos máscaras, atenção ao semáforo e ao distanciamento que será bem medido. Do mesmo modo os organizadores de eventos, sejam eles festivais ao ar livre ou outros em recintos fechados, anseiam pela mesma liberdade de atuação com o mesmo objetivo. Mas, segundo parece, ainda não vai ser este Verão que os tais festivais terão lugar, pelo menos na forma a que nos habituaram. Essa liberdade ainda está longe de acontecer. Com todos estes requisitos que condicionam a liberdade de todos nós, só temos de nos conformar com a pouca que conseguirmos ter, para que amanhã ela seja bem maior e nos permita ter menos receio de abraçar os nossos amigos e de conviver juntos sem ter de contar quantos somos nesta mesa. Dito assim, o portão da liberdade, embora parecendo largo, ele é bem estreito e não pode abrir demasiado porque a passagem para o outro lado pode trazer consequências que abortam completamente a liberdade de quem passar e de quem já está na outra banda. Infelizmente, mais de dezassete mil libertaram-se sem querer desta realidade assustadora que a todos afeta. Nada se pôde fazer para evitar tal conquista de liberdade, que não foi procurada nem desejada por ninguém. Passaram o portão sem querer. Ganharam uma liberdade que não queriam e de que nada lhes serve. Outros ficaram presos do lado de cá, desejando não passar. Essa liberdade não se quer, não se deseja, não se ambiciona. Dentro de alguns dias começa a época balnear e a corrida para as praias na ânsia de desfrutar tempo de lazer na maior alegria e liberdade. É bom não esquecer os condicionalismos que a isso nos obriga o tal bichinho que por aí se passeia e não se mostra a ninguém. As vacinas que já muitos tomaram, podem não ser suficientes para o travar. Imaginem pois, o portão enorme e escancarado que à vossa frente se abre, convidativo e enganador, e não mergulhem na insensatez de conquistar a liberdade do momento. A passagem pode ser dolorosa. Seja como for, em julho e agosto haverá uma invasão a sul e só esperamos todos certamente, que ela não nos obrigue a novo confinamento. Isso seria o fim do tal portão aberto para a liberdade.

Vendavais- Um soco no futebol

Acho eu que sempre o homem se relacionou mais com o ter do que com o ser. Erro tremendo. Ter muito e ter pouco, é sempre ter alguma coisa, mas isso não o qualifica como ser, principalmente se o querer ter é suportado pela inveja, pela ganância e pela opulência. Infelizmente, sempre foi isso que o homem procurou, ao longo dos tempos. O ter dá poder e pode sustentar o ser, seja de que forma for, se bem que isso seja o menos importante para quem se quer servir desse poder de forma aleatória e em proveito próprio. O que em tudo isto não parece soar nada é o facto desse poder se rodear de intenso fanatismo que obscurece a razão, vertente essencial que impede quem quer apenas ser. A comprovar isto estão os vários movimentos políticos e religiosos e até culturais que apenas querem mostrar o seu poder e não se importam com o que são. Em todo o mundo os exemplos são imensos e nada recomendáveis, desde os fanatismos religiosos aos separatistas passando pelos simples adeptos clubistas que, não tendo o poder dos outros, o querem mostrar através da agressividade, da irreverência, da irresponsabilidade e da estupidez. Simplesmente porque não são e querem ser e porque não podem e querem poder. A este respeito temos o exemplo do que tem surgido nos nossos campos de futebol e das situações que se têm verificado durante e depois dos jogos, por parte dos adeptos, dos árbitros e dos dirigentes. Em qualquer clube de qualquer divisão ou liga, tem acontecido manifestações que a nada levam e em nada alteram os resultados dos jogos, mas o clubismo natural, e o fanatismo exacerbado, nada recomendável, pensam que sim e não olham a meios para se fazerem sentir, amedrontando os árbitros e até os dirigentes federativos. Temos assistido, principalmente nos grandes clubes nacionais, a situações deste género que em nada favorecem este desporto e até o descredibilizam perante as associações estrangeiras. Na semana passada o caso mais ventilado e absurdo aconteceu com a agressão a um repórter da TVI no jogo entre o Moreirense e o Futebol Clube do Porto. O Porto empatou, mas não ficou contente com o resultado nem com a atuação do árbitro, segundo as informações posteriores. Tem o seu direito de reclamar e exigir a si mesmo mais e melhores prestações em campo para conseguir resultados mais positivos. O que não tem direito é a agredir um repórter de televisão que está a fazer o seu trabalho e que nada tem a ver com o resultado do jogo. Que culpa tem que o jogo tenha ficado empatado e que o resultado não agradasse ao Porto? E quem é esse senhor empresário que se dá o direito de vir “defender” com agressões, o “seu clube” como se fosse o dono de tudo, mesmo tendo ao seu lado o presidente Pinto da Costa? Este assistiu a tudo e depois disse nada ter visto. É cego? Ficou cego com o resultado ou com a indignação? Isto é inconcebível! Então o senhor Pinto da Costa não viu nada quando está a três metros da agressão e como quer que os árbitros vejam tudo quando estão a quinze ou vinte metros do que acontece em campo? Como é que ele diz que o árbitro não marcou três “penáltis claros”, que ele viu, e afinal não conseguiu ver a agressão que o seu amigo e correligionário fez ao repórter da TVI, mesmo ali ao seu lado? Pois é, a isto chama-se não clubismo, mas fanatismo clubístico. Também a atitude do treinador do Porto não foi a melhor ao agredir verbalmente a equipa de arbitragem, valendo- -lhe a expulsão, impedindo-o de orientar em campo a equipa até ao final da temporada. Isto é mau. Mau para o clube, mau para os jogadores, mau para a imagem que o Porto quer fazer passar e muito mau para o treinador. Mas todos sabem disso. Então por que razão agem com este fervor fanático, ultrapassando todas as barreiras do bom senso e da razoabilidade? Acabado o jogo, o resultado está definido e não há nada a fazer para alterar isso. As agressões posteriores só agravam a situação do clube e dos dirigentes e treinador. O caso do Porto é o mais recente, mas outros tem havido e que são noticiados por razões idênticas no que respeita ao clubismo, mas não a agressões aos trabalhadores que, fazendo o seu trabalho, nada têm a ver com os resultados dos jogos. É simplesmente inadmissível. Claro que me refiro a qualquer clube nacional. Todos têm culpas no cartório. Lembram-se o que aconteceu na Academia do Sporting. Claro. O fanatismo clubístico e qualquer outro, devia ser banido da mente humana, impedindo-a de agir desconformemente a uma realidade que todos querem que decorra para bem e divertimento de todos. É para isso que serve o desporto. A continuar assim, perde o desporto, perdem os jogadores e dirigentes e perdem os adeptos, principalmente aqueles que, embora vivendo as emoções naturais de um clubismo saudável e natural, esperam bons jogos de futebol. Estas agressões são autênticos socos no futebol e nos adeptos. Dispensamos o fanatismo, seja ele qual for. A luta é em campo e tem de ser lícita.

Vendavais- Sexta-feira negra

Devido a uma quinta-feira negra, o mundo entrou numa das maiores crises económicas de que há memória. Corria então o ano de 1929. Quando tudo parecia correr muito bem, eis que a bolsa de Nova Iorque teve um crash inimaginável, arrastando consigo os EUA e o mundo inteiro para uma depressão terrível nos anos trinta. Foi o desmoronar de um sonho lindo para os americanos. Nada temos que nos assemelhe aos EUA e muito menos em termos económicos. Era bom que assim fosse, mas não é, a não ser que alguns dos aspetos ligados à economia, mas por razões menos agradáveis, nos levem a isso. E até lhe podemos chamar sexta-feira negra. Quando um dia corre mal, é sempre um dia negro. Até mesmo há dias quando Philippe Caveriviere, um radialista armado em bom, resolveu insultar os portugueses incluindo Ronaldo. Chamou-nos a todos atrasados e só faltou chamar-nos feios como fez o Cid. Que dia negro! A nossa bolsa não rebentou e nem podia, pois não tem qualquer força para isso. Mas esta sexta-feira negra de nove de abril tem a ver com a justiça e com os arguidos que estiveram em presença de um juiz instrutório ou instrutor de um processo que cheirava mal, de tanto estar guardado à espera de ser exumado. Todo o país parou para saber o resultado que iria sair da boca do juiz sobre o caso Operação Marquês. Ao fim de quase quatro horas, e depois de tanto apoucar o Ministério Público e seus juízes, o juiz instrutor deixou cair mais de cem crimes, não sendo objeto de posterior apreciação e julgamento. Simplesmente ficaram sem efeito e sem julgamento, como se nunca tivessem existido. Uns porque prescreveram outros porque não tinham provas substanciais que permitissem culpabilizar e condenar os arguidos, mesmo admitindo que alguns dos crimes existiram. Durante uma tarde inteira assistimos ao juiz Ivo Rosa a bater e a desmontar todas as acusações e provas apresentadas pelo Ministério Público, como se fosse o único detentor da verdade absoluta. Ele, representante da justiça a bater na própria justiça. A fazer pouco da justiça deste país. E se calhar tinha razão se começarmos pela sua própria atitude perante os factos apresentados neste processo. Vergonhoso. Houve crimes, mas ninguém pode ser culpabilizado. Acabou a concluir que em Portugal não há corrupção, simplesmente porque não há provas a comprová-la. Como é evidente, o corrupto não vai deixar um papel assinado a dizer que o é. As provas deverão estar subjacentes aos atos e são elas que se devem esgrimir para poder condenar. No que se refere às provas contra José Sócrates, desmontou-as, afastando o arguido de ir a tribunal, desculpabilizando-o pelo que supostamente fez e foi demonstrado pelo Ministério Público, como se alguém conseguisse acumular trinta e quatro milhões em meia dúzia de anos. Os portugueses desconheciam as capacidades de Sócrates que fazem lembrar o das antigas lavadeiras que levavam à cabeça as cestas de roupa suja para lavar à beira dos rios e depois de bem esfregada a roupa suja das casas ricas, punham tudo a corar para branquear os alvos lençóis retirando-lhe as nódoas negras da sujidade anterior. Ficámos a saber agora! Que tipo de enriquecimento é este? Ilícito certamente. E segundo parece, este branqueamento é o único crime de que é acusado, pois não há outra forma de justificar tamanha fortuna em tão pouco tempo. Mas Sócrates nega e diz que vai provar o contrário. Talvez. O curioso destas andanças políticas é o facto de se conhecerem tantos casos de corrupção e a que ocorre tão prontamente a justiça, sempre pronta a condenar mesmo sendo de muito menor monta, pois o que conta não é o montante mas o ato em si. Lembramo-nos de Izaltino Morais e de Armando Vara por exemplo. Atos de pouca monta! Pois bem, então condenemos os atos, porque eles existem, mesmo que prescritos, já que só prescreveram porque a justiça quis. Tanta lentidão para uns e tão apressada para outros! É o caso recente da Presidente da Câmara Municipal de Vila Real de Santo António, Conceição Cabrita, que foi detida terça-feira passada por suspeitas de crime de corrupção, com as instalações da Câmara a serem alvo de buscas. Segundo consta, a situação diz respeito a um negócio imobiliário, em Monte Gordo. Em causa está a venda de um imóvel a uma empresa, por valores abaixo do mercado, com o município a sair lesado da situação. Para além disso, há suspeitas de contrapartidas para a autarca e para um funcionário da câmara, que também foi detido. Corrupção ou recebimento de vantagens. Ora bem, que célere esteve a justiça neste caso a descobrir a corrupção da presidente da Câmara. De facto, a nossa justiça parece funcionar com dois pesos e duas medidas e também a duas velocidades. Depois não se admirem das manifestações de desagrado que surgem um pouco por todo o lado. Se para alguns casos bastam indícios, para outros não funcionam porquê? Quem quer a justiça desculpabilizar? Julgue- -se quem tiver de ser julgado e absolva-se quem tiver de o ser, mas depois de julgamento, não antes. Não brinquem com a justiça. A corrupção sempre existiu e há-de existir sempre, mas apanhem os culpados e julguem-nos. Não brinquem a este jogo, porque pode sair caro. Esta sexta-feira, nove de abril, foi naturalmente muito negra para a justiça portuguesa e talvez mesmo, para o juiz que protagonizou tal dia fatídico. Não se pode enterrar a justiça ao lado dos criminosos. O campo do funeral tem forçosamente de ser diverso e bem distante um do outro.

Vendavais- É difícil viver em liberdade

A liberdade tem servido os principais interesses do homem ao longo de séculos, mas nem por isso ela serviu os interesses de todos. Na realidade, muitos acabaram com a possibilidade de ela existir e usaram a falta dela para esgrimir o seu poder absoluto como se fosse um dom divino. É verdade que muitos foram os que usaram a liberdade para mostrar o seu valor, mas do mesmo modo, salientaram que a sua falta não era condição necessária para sobreviver, como se isso fosse uma lei a que se tinha de obedecer, o que fazia do governante um homem sem escrúpulos e sem sentido. Ao desvalorizar a liberdade teria de dar valor ao seu contrário e isso nunca foi bem aceite por ninguém em nenhuma parte do globo. Hoje questionamo-nos frequentemente sobre a liberdade e até se conseguimos ser efetivamente livres. Será que somos livres? Como se consegue a liberdade? Onde começa e acaba a nossa liberdade? Sobre estas questões exibimos os clichés como a resposta mais sábia e certa, mas será que é assim tão certa? Cada um de nós deveria ter a noção exacta da sua responsabilidade e do significado que a liberdade lhe dá para seu governo e assim saber como agir perante a sociedade. Não basta dizer que a liberdade de cada um acaba onde começa a liberdade do outro. Qual outro? E onde começa a liberdade do outro? É com silogismos desta natureza que os mais inadaptados se desculpam para fugir às suas responsabilidades perante uma liberdade com que não sabem conviver. A verdade é que ao pôr um limite à liberdade de cada um tem perante o outro, está-se a impedir a própria liberdade, ou seja, ela não poderá ser utilizada na sua plenitude, deixando de haver liberdade a partir de um determinado momento. Então como vamos poder saber usar a liberdade? Não é fácil. Perante a pandemia que hoje nos assola, a liberdade é deveras questionada em vários vectores. De facto, as várias manifestações em prol da liberdade de circulação e de reunião e convívio, é disso prova evidente. Não temos liberdade para circular, para visitar a família, para ver os amigos, para nos reunirmos e para conviver. É verdade, mas se queremos fazer tudo isso amanhã, ou seja, se queremos ser livres, temos de nos sujeitar hoje a ficar sem essa liberdade. Parece lógico. Desta forma, a liberdade passa a ser uma peça de um tabuleiro de xadrez que se movimenta no sentido de atingir um objetivo: o xeque-mate. Ganhar o jogo. Mas afinal, somos livres ou não? Se proibimos uns de serem livres, estamos a ter a liberdade de cortarmos a liberdade dos outros. Será que podemos fazer isto? Será que temos a liberdade para o fazer? Concordamos todos certamente, que tudo isto não teria sentido se não fosse a sobreposição de um bem maior que a liberdade, a vida. Sem vida, a liberdade de nada serve. Perante a morte ou a sua proximidade, a liberdade toma um valor muito maior e tem um custo incomensurável só admissível porque se está vivo. Pois é esta realidade, o enfrentamento do Covid19 e a proximidade de com ele desfalecer, que nos faz dar tanto ênfase à liberdade, quer condenando, quer exaltando o seu usufruto. De um modo ou de outro, ela não poderá ser arremessada como uma arma ou um troféu que se ganha ou perde, numa qualquer batalha. Esta batalha pela vida que agora vivemos no país, parece estar no bom caminho, mas não descuremos a responsabilidade em prol de uma liberdade que ponha tudo a perder. É que os excessos são sempre condenáveis. Temos de condenar os que querem ter demasiada liberdade neste momento, impedindo os outros de usufruir a liberdade que lhes dá o direito de se manterem vivos e saudáveis. Esta semana que agora acaba de entrar, será uma prova real para medir tanto a responsabilidade como a liberdade de cada um e de todos nós. A Páscoa, festa de reunião familiar e convívio, não deverá ter o mesmo sentido e o mesmo peso de outros anos, mas se queremos ter o direito de no próximo ano podermos usufruir livremente desse direito, teremos de nos retrair este ano e penso que muitos o terão feito. Talvez por receio, talvez por responsabilidade ou até por liberdade de luta contra um vírus que nos quer roubar a nossa liberdade. A Páscoa passou e com ela os convívios possíveis, mas ficou o receio de ver o resultado que esses convívios deixaram. Esperemos que sejam bons e nos facilitem os dias que aí vêm, para os podermos viver em maior liberdade. Na verdade, não é nada fácil viver em liberdade!

Vendavais- O travão da felicidade

Ao longo de séculos, o homem sempre procurou duas coisas inatingíveis: a fonte da juventude e a felicidade. A fonte da juventude é inatingível para quem já não é jovem, pelo menos fisicamente e a felicidade é e sempre foi relativa, já que depende de estados de alma e de momentos muito breves que não perduram no tempo longo. Este assunto levou muitos cientistas e psicólogos a debruçarem-se sobre ele e muitas foram as conclusões a que chegaram, mas nenhuma foi conclusiva. A felicidade existe, claro, mas é tão breve que não há tempo para a guardar. Não basta dizer-se “sou feliz” para ter a certeza de ter encontrado a felicidade pois ela pode ser muito mais do que o que se sente momentaneamente. A juventude existe também, mas só pelo tempo em que verdadeiramente se vive, ou seja enquanto se é jovem. É um tempo mais longo, mas irreversível. Podemos pois dizer que o homem vive entre dois paradigmas nem sempre atingíveis e que se esfumam por entre os seus dedos sem possibilidade de os guardar eternamente. Mas há uma certeza, é que não podemos deixar de tentar nem ser felizes, nem deixar de ser jovens, mesmo com o peso dos anos que se abatem sobre as nossas costas. Não parece ser este o pensamento de cerca de três mil pessoas que resolveram manifestar-se em Lisboa no passado fim de semana, sem máscaras, contra o confinamento. O curioso, no mínimo, deste facto, é que onde mais vítimas se registam e onde há mais casos de contágio, é onde as pessoas se manifestam contra o confinamento. Esquecem-se possivelmente que foi o confinamento que fez com que Portugal passasse do pior país da U.E. para o melhor, pelo menos por enquanto. Será que estes irresponsáveis, desejam ficar contagiados e ser os próximos a elevar o número de mortos no país? Por outro lado, manifestam- -se sem cumprirem as regras impostas pelo SNS. Sem máscaras e sem cumprirem o distanciamento, é um risco que os torna irresponsáveis e criminosos. Ao tomarem uma atitude destas eles estão a ser o travão da felicidade de muitos que conseguiram ainda não ser atingidos pelo vírus e viverem na esperança de que nunca o venham a ser. Estes, podemos dizer que vivem numa felicidade temporária, embora frágil e que esperam perdure mais algum tempo. Mas a incerteza é também um travão à mesma felicidade. Portugal tem visto descer o número dos contágios enquanto a U.E. os vê crescer, levando alguns países a voltar a confinar, como é o caso da França e da Alemanha. Aqui tudo se volta a complicar e muito. Será que Portugal, depois de dois meses de aprendizagem e de sucesso, vai deixar deitar a toalha ao chão e complicar novamente a vida de todos devido à irresponsabilidade de alguns? Se é “bom” ter só cerca de 450 casos e 8 óbitos em 24 horas, o inverso é assustador e é bom que estas pessoas que estão contra o confinamento pensem duas vezes, não só em si, como também nos outros. Na verdade, a juventude também está a ser atingida e muitos jovens já deixaram de poder viver a sua juventude. O vírus não deixou. É irreversível. Não há um travão para o vírus. Somente a vacina certa no momento certo e mesmo isto está a ser difícil de se conseguir. As informações que têm chegado todos os dias são contraditórias. Não há vacinas suficientes, algumas vacinas provocam doenças inesperadas ou mesmo a morte, não estão a ser vacinados todos os que deveriam em tempo certo por razões variadas, mas que não contrariam a realidade. Vivem-se pois, momentos de incerteza, de ansiedade e de medo, que são travões terríveis para quem procura momentos de felicidade e de paz e saúde quanto baste. Enquanto isto acontece, as autoridades andam a vigiar quem tenta sair do concelho em vez de proibir estas manifestações contra as imposições legais do governo e que põem em risco a saúde de quem anda a tentar fugir ao vírus há tanto tempo. Afinal, o que se pretende? Aumentar o número de casos e óbitos, ou diminuir de vez a possibilidade de podermos dar de caras com o vírus ao virar da esquina? Quem trava tudo isto? Haja responsabilidade e razoabilidade se não voltaremos a confinar até ao próximo ano.

Vendavais- Pregando no deserto

F oram necessários muitos séculos para que o cristianismo se espalhasse pelo mundo e fosse aceite como uma verdadeira religião. Como em todos os começos, foi difícil ser aceite por ser nova, contrária às existentes religiões politeístas, por ser monoteísta, mas com uma mensagem de amor e paz que mais nenhuma tinha. Num Império Romano absolutamente politeísta e onde até os imperadores eram adorados como deuses, era quase impossível entrar uma nova religião e pior, acreditar nela que só tinha um Deus. Como é que um só Deus tinha mais poder que todos os deuses do império? Não era fácil acreditar, mas alguns acreditaram e tiveram a coragem de espalhar a boa nova. Foram perseguidos, presos e mortos muitos deles, mas de nada valeu. A força e a coragem prevaleceram e o mundo, aos poucos, tomou conhecimento da nova religião. Teve Fé. A mesma Fé que os portugueses levaram mar fora e o mesmo Deus que os guiou e os implantou em paragens tão díspares como os deuses que por lá existiam. Venceu o Deus cristão. Estava demasiado distante o tempo em que um Papa cristão tivesse a coragem para enfrentar outras religiões, outros deuses, outros líderes religiosos. No local onde nasceu uma das mais antigas civilizações da História da Humanidade, a Mesopotâmia, e onde a imensa planície cortada pelos rios Tigre e Eufrates, ao longo dos quais se implantaram cidades importantes como Ur, Uruk, Larsa, Lagash ou Uma, o Papa Francisco reuniu- -se com os líderes muçulmanos, sem temor, e pediu a todos para serem portadores da mesma mensagem de amor, paz e humildade que o cristianismo apregoa. Ali, na terra de Abraão, todos ouviram e interiorizaram a mesma mensagem. Uma mensagem apregoada em pleno deserto. Na verdade, os presentes eram poucos. Resta saber se estavam interessados em ouvir o que Francisco disse. Quando soou a 9ª Sinfonia de Beethoven, Francisco desceu e pisou solo iraquiano. Pela primeira vez um Papa cristão pisava solo do Irão. Ali mandam os Aiatolas. Mandam muitos e todos querem mandar. Muitas vezes não se entendem, mas isso será problema deles. Francisco levava somente uma mensagem e disse-a. “Calem as armas”. Num país onde a guerra é quase constante, é difícil calar as armas e falar de paz. Francisco teve essa coragem. Em Bagdade celebrou a primeira missa na igreja de S. José, onde escasseava a audiência. Foi celebrada em quatro línguas para que todos entendessem a mensagem. Inesperadamente, até o primeiro-ministro apareceu para assistir. Sinais dos tempos? Duvido. Para o Papa Francisco, desta visita, ficará certamente uma sensação de ter pregado no deserto, já que na realidade esteve em pleno deserto em reunião com os líderes muçulmanos, teve pouca audiência na missa de Bagdade e não sabe se a mensagem foi entendida e bem aceite. Fica uma sensação diferente na missa de Erbil, capital do Curdistão, onde esteve perante cerca de dez mil fiéis. Aqui sentiu-se, certamente, em casa. Talvez este ato de Erbil, possa servir de incentivo para uma aceitação dos cristãos em terra de infiéis e onde têm sofrido perseguições e atentados de toda a espécie, como se fossem culpados por acreditar numa religião diferente e muito mais poderosa. Para o mundo, a visita do Papa Francisco foi demasiado arriscada. Um enfrentamento entre religiões opostas e praticamente inimigas, talvez não fosse aconselhável, mas Francisco nada temeu. Seguro das suas decisões e acreditando nas suas razões, enfrentou tudo e todos e nem o olhar desconfiado de alguns líderes muçulmanos, o incomodou. Respondeu sorrindo. Perante a desconfiança ele exibiu segurança e firmeza na crença e na Fé que deve mover os interesses dos homens, independentemente das raças e dos credos. Desafiou-os a calar as armas e a arvorar a bandeira da paz, do amor e da amizade. Ficaremos à espera e veremos se a semente que Francisco levou no bolso não caiu efetivamente em solo desértico e improdutivo. A esperança é que, mesmo pregando no deserto, a semente frutifique no coração dos homens.