Luís Ferreira

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A força do acossado

Foi preciso aparecer a discussão do Orçamento do Estado para 2023, para nos desviar a atenção da continuada guerra da Ucrânia. Na verdade, quando se trata de dinheiro, os portugueses acordam e ainda mais quando esse dinheiro lhes é subtraído numa extensa conta onde o símbolo de somatório não entra. Perante tantas notícias sobre inflação, sobre aumentos de bens face a salários que nada gesticulam, é difícil não tomar posições. Mas será que adianta tomar uma posição de força? Que força temos nós perante uma realidade que é global? Parece que temos de entender que a subida dos preços é inevitável face ao aumento dos combustíveis que são, no fundo, o motor de toda a economia. Sem combustíveis nada funciona. Não há transportes, não há eletricidade, não há aquecimento, não há alimentos. Tudo pára. Se os combustíveis sobem de preço também terão de subir os produtos. Percebemos tudo isso, mas será que tem de ser assim mesmo? De facto, os governos têm tomado decisões avulsas e todas elas de acordo com os países onde se integram, no entanto nem sempre são bem recebidas e não são iguais, pois cada país é um caso diferente. A União Europeia tem tentado manter-se à tona e manter alguma uniformidade e concertação nas ações dos governos, mas não é fácil. Os subsídios que vão dar cujo destino é minorar os gastos e a inflação, são pontuais e nada vão resolver, mas são bem-vindos pois sempre ajudam a pagar algumas contas. Para o ano não há mais! A força dos acossados portugueses e outros que tais, limita- -se a reclamar, a fazer greves e a exigir aumentos de salários, mas pouco mais do que isso. E adianta? Não. Todos temos o direito de reclamar e devemos fazê-lo, mas para que os governos tenham a noção de que não estão sozinhos e não governam só para eles, embora até pareça que assim acontece em alguns casos, basta ver as últimas notícias sobre os favores que os membros do governo têm feito e até das incompatibilidades de alguns ministros. Todos se tentam governar pensando que nada se sabe, mas tudo vem a lume, assim funcione a liberdade de expressão. Deste modo, o acossado povo português sobrevive ao sabor das ondas que o governo vai fazendo esperando na praia algum raio de Sol neste fim de época balnear, na esperança de tornar mais leve o amargo que vai sentindo na boca em cada dia que passa. Acossado, mas não resignado. O Orçamento tem promessas, mas já sabemos que estas não são para cumprir. A força de um povo mede-se na sua atitude, na sua decisão, na sua exigência. Temos de esperar para ver a força que vai utilizar para reverter a situação. Mas atenção, pois todo o acossado não mede bem as suas reações! E de facto assim é. Se toda a Europa e o Mundo estão numa crise económica cada vez maior e sem sentido, ela deve-se à guerra da Ucrânia despoletada por um louco insensível e lunático por quem o mundo tinha alguma consideração há um ano atrás. As reticências que então se levantaram acabaram por ter razão. As consequências desta guerra que dura há mais de sete meses e que já destruiu muitas vilas e cidades e matou mais de cem mil pessoas, é absolutamente intragável. Nada consegue explicar este extermínio no século XXI. Numa sociedade dita moderna e avançada onde pautam as grandes descobertas científicas que podem contribuir para o bem da Humanidade, eis que surge um retrógrado governante com ideias imperialistas, autocrático e ditador, trocando as voltas ao progresso e ao avanço e liberdade dos povos. Contudo, a reação do exército ucraniano tem permitido contrariar os seus objetivos ao reconquistar as cidades que estiveram em posse dos russos. Putin e a Rússia estão a ficar acossados pelos ucranianos. A recente manifestação de vitória que Putin fez com a suposta anexação de quatro regiões ucranianas, nada mais foi do que a afirmação do seu falhanço no terrenos. Ele sabe que nenhuma dessas regiões está totalmente sob o seu domínio, antes pelo contrário. O exército ucraniano soma vitórias cada dia. Putin teve de mostrar somente a força do acossado que, sem outra justificação, fez a festa antes de a festa começar. E para que todos julgassem a sua vitória, lançou mais umas dezenas de mísseis sobre algumas cidades depois de os ucranianos, segundo ele, terem destruído a ponte de ligação entre a Rússia e a Crimeia. Foi a vingança do acossado. Foi o estertor da morte. O recente acordo entre Putin e Erdogan para o abastecimento de gás à Europa, nada mais é do que o acordo de interesses. Erdogan quer parecer o elo mais importante entre o ocidente e a Rússia e Putin quer-se fazer passar por “bonzinho” ao conceder o seu gás para abastecer a Europa, pois de outro modo não o venderia já que os boicotes europeus estão a funcionar. A Putin fazem falta os muitos milhões de dólares que diariamente entram. Acossado, um e outro por razões diferentes, tentam chegar a bom porto e sair airosamente do conflito. Poderá ser um bom caminho se chegarem a um acordo global onde se vislumbre o final da guerra. Putin não está em posição de querer muito mais tempo de guerra. Cada vez mais acossado, só o nuclear o vai mantendo à tona. Que fique por aí.

A farsa e o farsante

Ao longo da História da humanidade, são vários os factos onde imperou a farsa e em que através dela se atingiram objetivos perversos, menos dignos e até horrorosos. Manchas que nada dignificam as páginas da História onde, contrariamente, outras enaltecem positivamente a ação do Homem. Farsantes houve muitos e continuam a haver. Todos os dias deparamos com alguns, sendo que alguns não têm importância alguma e outros se mostram perigosos. A questão principal é saber se os farsantes são necessários ou não. Penso claramente que não. Contudo, algumas farsas até nos fazem rir, lembremo- -nos de como Gil Vicente as trabalhou para criticar a sociedade da época. Hoje as coisas são diferentes e as farsas podem ser bastante perigosas especialmente quando o objetivo a atingir é demasiado elevado ou não se consegue de forma lícita. É o caso da suposta anexação das quatro regiões ucranianas, pela Rússia. É facto que Putin, a perder a guerra contra a Ucrânia, teria urgentemente de apresentar um sortilégio de vitória, ainda que não fosse completa. Os referendos feitos à pressa e quase impossíveis em tão curto prazo de tempo, só foram possíveis através de uma enorme farsa de Moscovo. Por outro lado, a população não votou na sua totalidade, sendo contabilizados apenas alguns milhares de votos em cada região. Claro que muitos não eram a favor desta anexação nem querem continuar a prestar juramento a Putin, mas terão de o fazer, apesar da ilegalidade e farsa que rodeou todo o processo. A comunidade internacional não aprovou nem considera válidas as anexações. Ao lado de Putin apenas dois ou três países porque precisam dele e dos seus favores ou têm medo das suas ações se o não demonstrarem. Mas anexar regiões que não se controlam na totalidade e nem sabe se algum dia controlará, é uma farsa e uma presunção que só um louco poderá fazer. Tudo é uma farsa. A teatralidade com que a cerimónia de anexação feita no Kremelin se apresentou deu a impressão de que todos estavam a assistir a uma peça de Teatro ensaiada e cujo fim já era conhecido. As mentiras proferidas por Putin contra o Ocidente foram ridículas e despropositadas, principalmente quando ele parece ter-se esquecido do que foi praticado pela antiga União Soviética em termos de atrocidades e horrores. De nada serve acusar o Ocidente de colonialismo, quando a Segunda Guerra serviu para acabar com essa política e da qual a URSS participou. Agora é tarde e de nada serve. É bem pior o assassinato dos líderes da oposição que ele mandou liquidar e prender para não lhe fazerem frente em futuras eleições, mesmo controladas pelo regime. Autêntica farsa! Navalny é prova disso mesmo. Como está a perder a guerra contra a Ucrânia é fácil culpar o Ocidente das maleitas que o atingem ainda que essas mesmas maleitas sejam por ele provocadas. Culpar a Ucrânia de bombardear as suas próprias cidades e matar as suas gentes, é caricato e impensável, mas a guerra justifica tudo, ou talvez não. Agora culpa o Ocidente de explosões que provocaram ruturas do Nord Stream 1 e 2, deixando sair milhões de toneladas de gás, poluindo a atmosfera de forma letal. Que ganharia o Ocidente ao fazer uma tal destruição quando necessita do gás que por lá passa? Toda a Europa é abastecida por essa via e nada ganharia em destruir essas infraestruturas. Certamente que para colocar a culpa em outrem, só provocando ele próprio o desastre, poderia safar-se. Mas não será tão fácil. O tempo dirá quem o fez. Mas o farsante pode ir mais longe. O corte dos cabos submarinos que passam na costa da Irlanda e atravessam o mar Báltico e o Oceano Atlântico, pode cortar a Internet na Europa. Isto poderá ser outro desastre com consequências incomensuráveis. Deste modo a guerra deslocar-se-ia para as águas geladas do Báltico e do Atlântico. Quem não pode ganhar a guerra em terra, sempre pode mudar o campo de batalha para o mar, usando armas diferentes das convencionais. Voltamos à força dos submarinos, só que desta feita são controlados de longe e só levam a facilidade de “cortar” os cabos sem que ninguém esteja por perto. A sabotagem destes cabos é uma possibilidade já que são longos quilómetros sem a possibilidade de uma vigilância acurada e constante. Os efeitos deste “ataque” seriam devastadores para a economia europeia e mundial. Tudo isto pode soar a mais uma farsa de um farsante conhecido, mas nunca é de descartar a possibilidade da loucura do farsante se tornar realidade. As ameaças mantêm-se e agora mais do que nunca, já que ao considerar as novas regiões como parte integrante da Rússia, o seu ataque poderá ser um ataque à própria Rússia. Contudo, para Zelensky, a farsa vai continuar e não se vai dar por vencido, até porque está a recuperar territórios, antes ocupados pelos soldados russos. Estes admitem estar a perder a guerra. Será?

A dignidade perdida, ou não

Há ocasiões em que perdemos toda a dignidade ou onde ela deixa de ser importante. São, de facto, momentos em que deixamos de ser tão importantes como julgávamos ser e passamos a ser mais um elemento de uma imensa cadeia igual a tantos outros. Mas também há o outro lado, aquele em que a dignidade pessoal não conta e deixa de ser especial e aquela que é realçada devido a exemplos de vivências que marcam um tempo e uma época. Assim, temos como exemplo a Rainha Isabel II de Inglaterra que morrendo, perdeu a sua dignidade pessoal, mas não perdeu a dignidade que marcou toda a sua vida e pela qual foi altamente elogiada e louvada. Ao morrer perde-se tudo, mas não perdemos tudo. A pessoa em si, perde a dignidade porque não se pode comportar seja de que modo for, pois está morta, mas mesmo sendo-lhe destinada uma morada subterrânea e com sete palmos de terra a cobri-la, mantém, de alguma forma, para quem a recorda, a dignidade com que sempre foi considerada. A pompa e circunstância com que o funeral da rainha decorreu, foi digno de uma Chefe de Estado, como não poderia deixar de ser, mas a dignidade da rainha foi com ela. É a lei da vida. Contudo, muitos foram os que a quiseram acompanhar nestes momentos. Uma fila de sete ou oito quilómetros, pelas ruas de Londres, de gente desconhecida, só para se despedirem da sua Rainha, é quase surreal. Nove horas de espera numa fila só para ver a urna da Rainha e entrar de alguma forma no cerimonial fúnebre real, é de admirar. Foram setenta anos de reinado e eles não querem esquecer quem reinou todo esse tempo. Não vão esquecer certamente. Comparemos agora essa pompa e circunstância do funeral real com o enterramento sem identificação e com as valas comuns na Ucrânia, agora descobertas na Região de Karkiv, em Izium. Pessoas desconhecidas, sem nome, sem funeral, sem acompanhamento e abandonadas simplesmente no meio da floresta, para que o tempo se encarregasse de todos eles. Além de terem perdido toda a dignidade, perderam a própria identificação. Uma coisa é comum aos dois casos: Putin não foi ao funeral nem da Rainha nem destes soldados e civis ucranianos. Não por que não tentasse, mas porque não o deixaram. Aliás nem sei se tentou, mas certamente que não já que tem medo que algum tresloucado quisesse acabar com a vida dele, acabando com a sua dignidade e importância que pensa que tem e talvez tenha. O mesmo aconteceu à delegação chinesa que não foi autorizada a entrar na abadia para prestar homenagem à Rainha. Aqui foi uma vingançazita dos ingleses pelo facto de a China ter expulso diplomatas ingleses devido ao facto de eles terem condenado publicamente atuações da política chinesa relativamente ao incumprimento de direitos humanos. Coisa rara! Deste modo, a Inglaterra, subtilmente, vingou-se de Putin e da China, jogando uma cartada Real absolutamente vencedora. A morte da Rainha Isabel II deu finalmente ao filho Carlos a oportunidade que aguardava há muitos anos. Ser Rei é agora a tarefa para que sempre se preparou e que a mãe lhe ensinou. Carlos III tem pela frente muitas dificuldades e terá de saber usar toda a sua sabedoria e subtileza para as ultrapassar. Não começou da melhor forma ao dispensar cerca de um terço do seu pessoal e mandá-lo para o desemprego. Foi já criticado severamente por isso. A opinião pública em Inglaterra funciona muito bem e ele perante o que já foi dito e escrito, só poderá reverter a situação se não quer mais conflitos dentro dos muros da dignidade da realeza. Não se saiu nada bem. A continuar assim, terá de abdicar e dar o lugar a William, seu filho, dentro de pouco tempo. Com menos dignidade, a Rainha Consorte, sempre teve alguma sorte. Preterida por Carlos quando casou com Diana, acabou por ter a sua oportunidade depois do divórcio em 1976 e depois da sua morte acidentada. Liberto pelo infortúnio, Carlos logo correu para os braços de Camilla Parker Bowles com quem casou em 2005. Vivendo na sombra de toda a realeza e odiada por metade do povo britânico, viu agora surgir a sua oportunidade como rainha consorte. Sem qualquer poder real, tem pelo menos a dignidade que o casamento lhe confere para acompanhar o marido para onde ele for. Não reina, não governa, mas é rainha. Deste modo, os que um dia foram dignos acabaram por perder a sua dignidade como é o caso de Putin após invadir um país soberano. Outros foram tratados indignamente sem se saber o grau de dignidade que um dia tiveram e possivelmente foi muito alto, como foi o caso dos mortos encontrados em valas comuns na Ucrânia, completamente desconhecidos do mundo. E ainda aqueles que têm a dignidade de falar sobre acontecimentos deste tipo e acusar os que perderam toda a dignidade que possivelmente um dia tiveram. Não a voltarão a ter.

Um homem de coragem e contradições

Nascido em 1931, no seio de uma família modesta do sudoeste da Rússia, Mikhail Gorbatchev assumiu-se como o comunista modelo, com ideias próprias e subiu rapidamente na hierarquia do Partido Comunista até chegar à liderança da URSS, em 1985. Corajoso e convicto de que a Rússia necessitava de grandes mudanças internas e externas, expôs ideias e projectos que lhe granjearam simpatias, especialmente dos que ansiavam por melhores dias e estavam cansados de setenta anos de ditadura comunista. A partir de 1985 efectuou diversas reformas internas reestruturando a União Soviética – Perestroika – e abriu o país ao mundo tornando a sua política transparente – Glasnost – até aí fechada ao mundo inteiro. Na ânsia de modernizar o país, cometeu o seu maior erro ao querer transformar a economia russa, até então fechada, numa economia de mercado, para a qual não estava preparada. Foi uma mudança drástica. Mas o erro não foi só seu, foi dos que ficaram à frente de algumas empresas, antes do Estado, que continuavam à espera dos subsídios estatais para ultrapassar os prejuízos. Mas isso tinha acabado. Sem traquejo para negociar e longe de saberem enfrentar a concorrência estrangeira neste mercado aberto, foram falindo umas atrás das outras, arrastando a URSS para o caos económico. Acabou assim por condenar a URSS em vez de a modernizar economicamente. A euforia inicial do povo, depressa esmoreceu. Mas a sua visão política mundial era de um homem conhecedor e defensor da democracia. Ele era socialista, mas sabia que esta política tinha contornos bem diferentes dos que se aplicaram até então na URSS e nada tinha de democrata. A sua política externa guindou-o ao patamar superior da política e do reconhecimento mundiais. Visitou vários países europeus e apostou na reunificação da Alemanha, que só com o derrube do Muro de Berlim seria possível. E foi o que aconteceu em 1989. A Europa estava unida novamente, caía a Cortina de Ferro e a Guerra Fria terminava. Ganhava o Nobel da Paz, mas internamente a sua política era fortemente contestada. As várias repúblicas que constituíam a URSS queriam a sua independência e ele tentou por todos os meios que a desagregação não acontecesse, mas aconteceu depois da sua demissão. Quer se queira ou não, Gorbatchev foi um homem de coragem ao enfrentar os homens do partido e detentores de enormes regalias políticas e económicas e ao implementar reformas que lhes retiravam o poder e as mordomias e empurra-los para vivências mais democráticas e muito menos dirigistas e usurpadoras. Claro que isto lhe granjeou imensos inimigos e o desmoronamento da URSS começava aqui. Mas se o desfazer da União se iniciava, também se iniciava o fim do comunismo e do Partido Comunistas Russo. Ieltsin, seu inimigo, foi o causador da mudança. A partir de 1991 a maior parte das Repúblicas Bálticas assumem-se como independentes e Ieltsin é eleito presidente da República da Rússia e reforça o seu prestígio ao encabeçar a resistência a um golpe dos saudosistas do Partido que pretendiam parar as reformas então em curso. O Partido Comunista foi extinto por Ieltsin. Sem palco e sem lugar próprio, apanhado de surpresa, Gorbatchev abandona a presidência da URSS que efetivamente já não existia. Na época e mesmo agora, Gorbatchev é visto como o homem que vendeu a Rússia ao capitalismo, mas também o grande construtor de uma Rússia nova, moderna e democrática e o reunificador da Alemanha. Mas a verdade é que foi um homem de contradições. Recentemente pronunciou-se favorável à anexação da Crimeia, mas as suas relações com Putin não foram as melhores apesar de pensar que a sua política poderia ser favorável ao desenvolvimento e estabilidade da Rússia. Contudo, pediu indiretamente o fim das hostilidades na Ucrânia. Era contra a invasão de um país soberano e irmão. Era contra a guerra. Dedicado a alguns projectos humanitários nos seus últimos dias, ficam para trás momentos grandiosos de realizações e transformações políticas que o marcaram indubitavelmente como um grande homem da segunda metade do século XX. Pleno de contradições, como qualquer grande homem, recebeu críticas e louvores de todos os setores políticos, embora não se entenda muito bem o porquê de o PCP criticar e culpar a sua atitude política. Nunca quis o desmembrar da URSS e nunca quis acabar com o socialismo na Rússia. Só a vontade de liberdade das repúblicas oprimidas e o querer da sua independência é que levaram mais tarde ao fim do comunismo na Rússia com Ieltsin. Será por isto que o PCP o critica? É sempre difícil entender o PCP, pois tanto quer falar de liberdades como critica as mesmas ou quem as concede. Há aqui um saudosismo masoquista por parte do PCP. É pena. Homens com a coragem de Gorbatchev e com tantas provas dadas em prol da democracia, da paz e do desarmamento mundial, não são muitos e nenhum é do Partido Comunista, português ou outro qualquer. Veja-se o que é a Rússia hoje e a Coreia do Norte onde as democracias são o pregão abençoado dos que governam. Mais ditaduras, não. Já chegam as que conhecemos e nada de bom de lá vem, sejam elas de direita ou de esquerda.

O cansaço que nos abala

Dizia-me um amigo há dias que estava cansado de ouvir sempre as mesmas notícias e tem razão. Quase todos os dias deixamos escapar um estou cansado num momento qualquer em que de facto somos invadidos por um cansaço que advém do que fizemos até aquele momento. Não é preciso termos feito um esforço terrível para sentirmos essa sensação de fadiga. Basta mesmo a repetição de situações que nos cansam. A própria repetição cansa. Pois é normal que todos nos possamos sentir cansados com a guerra que vem assolando a Europa e de que não se vê solução à vista. Estamos cansados de ouvir as mesmas coisas, de ouvir as mesmas mentiras, de ouvir explicações abusivas e mentirosas, enfim estamos cansados de tanta repetição desastrosa e sem sentido. Mas se é facto que estamos fartos de tanta notícia também é verdade que estamos fartos desta guerra absurda e sem sentido onde só uma parte quer a guerra como se nada mais tivesse para fazer em prol do seu povo. Isto sim é cansativo e desanimador. No entanto parece que pouco mais há a noticiar. Todos os dias somos bombardeados com as mesmas notícias de destruição, de mortes, de mísseis e bombas a cair em toda a parte até mesmo na Central nuclear de Zaporizhia. Aqui já somos invadidos por outro sentimento e não é cansaço. Quando falamos da maior Central Nuclear da Europa e das consequências que podem advir de uma qualquer rutura, resultado dos bombardeamentos indiscriminados, já sentimos medo. No meio de toda esta confusão em que vivemos absurdamente à margem das decisões que se vão tomando, felizmente ocorrem notícias que quebram a monotonia cansativa da beligerância e nos fazem descansar um pouco. A saída de cereais do porto de Odessa, a reunião de Guterres com Ordogan e com Zelensky são alguns dos factos que nos trazem alguma esperança no bom senso dos que estão envolvidos na contenda. Não acredito que se vá muito mais além disso, já que falar de cessar fogo ou de final da guerra será mesmo irreal neste momento. Mas quem ganha ou perde est guerra? Fazemos esta pergunta há muito tempo. Mas a resposta não é a mesma que se deu há cinco meses atrás. Nessa altura a Rússia levava muita vantagem sobre a Ucrânia, mas hoje a Rússia está a perder posições e a viver sérias dificuldades em termos de recrutamento de militares. Até ao momento a Rússia terá perdido já cerca de quatrocentos mil militares segundo algumas informações, muitos aviões e alguns navios. Na Crimeia estão a acontecer explosões em plenos campos militares com destruições de material bélico e não só, mas em que ninguém parece ter culpa, embora Zelensky diga que a guerra começou com a invasão da Crimeia e vai acabar na Crimeia. Uma coisa é certa: Putin está diferente, age de modo diferente, está cansado desta situação e desta guerra que ele provocou e que está a perder aos poucos. Pode ser uma ajuda ao final da guerra o cansaço que Putin sente, mas não tem moedas de troca para falar de paz. Ainda não ganhou nada. O que é uma realidade diferente é o cansaço que nos tem provocado todas as notícias sobre os vários vírus que nos têm visitado e que continuam a causar morte em todo o lado. Se bem nos lembrarmos, quase todas as semanas ouvimos notícias de vírus diferentes que se espalham por todos os países. É o Corona vírus e suas variantes, é a varíola dos macacos, é o vírus das aves que regressa, é o vírus de mais qualquer coisa que nos vão distraindo e causando algum receio que nos aligeira o cansaço da guerra. Mas os vírus também nos cansam e muito. O que também é um facto é que estes vírus não atingem a Rússia nem a Ucrânia. Porque será? Mas a China foi notícia a este respeito. Parece que os vírus são selectivos! É verdade que andamos todos cansados com estas notícias e temos razão para estar. Se um qualquer alienígena nos visitasse e ouvisse estas notícias ficaria arrepiado com tantas coisas más. Nada de bom acontece nesta Terra, diria certamente e antes que ficasse cansado, fugiria novamente para o espaço. Mas nós não podemos fugir. Cansados e abalados por tanta irresponsabilidade, por tanta destruição, por tanta morte, por tanta irreverência, mentira e teimosia, continuamos a aguentar estoicamente todas as barbaridades que os senhores da guerra continuam a fazer. É demais! Seis meses de guerra, seis meses de destruição e morte, seria impensável em Janeiro passado. A realidade é crua e dura. Tudo isto nos abala e cansa, mas ninguém encontrou ainda a solução, o antídoto, para este cansaço. Não há comprimidos capazes, somente a atuação humana consciente, mas é difícil de encontrar.

O terceiro lado

Tal como o quadrado não seria quadrado se não tivesse quatro lados, assim o triângulo não seria triângulo se não tivesse três lados. Não estou a falar de geometria ou de matemática, se bem que a contabilização das coisas passa sempre por aí. É inevitável. Até há alguns dias atrás a guerra da Ucrânia limitava-se a um confronto entre as ambições da Putin e a defesa de Zelensky por um país que considera seu por direito próprio. Dois lados bem definidos nesta guerra de loucos. Mas dois lados não determinam nenhuma formação geométrica. Embora possamos apontar outros lados no meio deste conflito, a verdade é que não são verdadeiramente intervenientes diretos que provoquem uma mudança radical.
Assim, todos esperávamos que a guerra fosse esmorecendo sem outros contornos de realce caminhando para um possível entendimento entre os beligerantes com cedências de parte a parte. A ajudar a este desfecho foi o acordo para possibilitar a saída de cereais pelo porto de Odessa contribuindo para afastar o espetro da fome e da morte em alguns países africanos e não só. Desde então, tem-se falado apenas da contenda no leste da Ucrânia, de alguns bombardeamentos e, mais importante, da recuperação de território por parte das tropas ucranianas o que causa um mal estar terrível no exército russo e na disposição de Putin. Mas tudo estava prestes a mudar. Na verdade ninguém estava à espera que a China fosse chamada à liça através da visita de Nancy Pelosi a Taiwan. A China que se tem mantido neutra no meio do conflito, porque Taiwan é um processo idêntico à Ucrânia, no parecer de Xi, logo se manifestou quando soube da possibilidade da terceira figura do Estado Americano aterrar em Taipé. Até ao último minuto, todo o mundo esteve suspenso sem ter a certeza se ela aterrava ou não em Taiwan. Aterrou. Perante este facto a China veio dizer que considerava tal ato como uma ameaça à paz já que isso era dar a entender que os EUA consideravam Taiwan independente da China o que para Xi é impensável já que continua a querer uma só China. Claro que isto determinou a declaração dos políticos americanos no sentido de que continuavam a considerar uma única China sem apoiar a independência de Taiwan. Isto não foi suficiente para travar a demonstração de força da China que logo enviou 27 aviões sobrevoar o espaço do canal e lançar mísseis que acabaram por cair, pelo menos alguns deles, na zona marítima do Japão.
Tudo se complicou como é evidente. Este novo lado da guerra veio completar o triângulo arrastando a guerra da Europa para a possibilidade de ela se estender ao pacífico envolvendo a Ásia e alguns países que até agora se limitavam a acompanhar o conflito entre a Rússia e a Ucrânia. O que pode sair daqui?
Todos sabemos que para a China não seria difícil invadir Taiwan, mas as consequências poderiam ser terríveis. Um território com alguns milhares de habitantes não ofereceria, à partida, grande dificuldade de conquista pela China, mas o que produz Taiwan e que é demasiado importante para o Império Chinês, seria afastado da sua comercialização para sempre. Taiwan é o maior produtor de semicondutores e a sua exportação vai toda para a China e EUA e sem estes chips quase nada funciona hoje em dia. Isto remeteria a China para um plano secundário em termos de avanços tecnológicos impedindo-a de acompanhar o resto do mundo. Ela sabe disso e por isso Xi mantém-se sossegado no que se refere a Taiwan, mas vai ameaçando quem não estiver ao seu lado neste aspeto ou ameace as suas pretensões. Mas não passam de pretensões. Para já ele quer ter acesso aos semicondutores. Perante todo este burburinho, os ministros de Putin vêm dizer que os EUA confrontaram a China e ameaçaram a paz na região como se fossem os donos do mundo. Tomaram, claro, a posição da China de onde esperam sempre algum apoio, apesar de tudo. O arrastar da China para este conflito pode ter várias leituras. Pelosi quis demonstrar que ela sempre defendeu e continua a defender as democracias e a independência de Taiwan, mesmo à margem de Biden, ou não e, dar um recado à China no sentido da sua demarcação face à guerra na Europa. Ou seja: se Xi está contra a Rússia, estamos todos de acordo e todos bem, se não está, tudo pode correr mal. Para Taiwan, foi uma demonstração da possibilidade de poderem ser independentes definitivamente. E para que as coisas não se limitem a um só lado, Zelensky veio dizer que quer falar com Xi. Será certamente para o amaciar no sentido de se colocar no lado certo. A ajudar este momento de guerra, Zelensky acusa a Rússia e com razão, do ataque à prisão de Olenivka. Porquê e para quê? Só Putin sabe, ou não! Talvez a China também saiba. Agora é só esperar que o triângulo se não transforme em quadrado! Seria o fim.

Jogos de guerra

Com o avanço das novas tecnologias, as crianças e mesmo os adultos, divertem-se em frente à televisão e não só, com jogos que exemplificam a verdadeira natureza agressiva do homem e cujos objetivos são sempre os mesmos, vencer. Como qualquer jogo de guerra, um dos lados do conflito utiliza todos os meios para conseguir os seus objetivos e subjugar o adversário ao seu poder e domínio. Decalcados de uma realidade de aprendizagens de séculos, só nos penaliza que essa aprendizagem se limite a vencer e não a divertir no verdadeiro sentido dessa mesma realidade. Vivemos hoje um exemplo terrível e que será certamente transposto para um jogo de computador dentro de meses, com a intenção de divertir crianças que se entusiasmarão com essa nova realidade em que dois países se enfrentam ferozmente, sem se importarem com quem morre ou com o que se destrói, mas simplesmente com quem será o vencedor. Neste momento não sabemos. A Rússia e a Ucrânia contabilizam cinco meses de guerra e milhares de mortos e feridos. A destruição é quase total, mas parece não importar, pelo menos para a Rússia de Putin. É um jogo onde cada lado luta com as armas ao seu dispor. Como em todas as guerras há avanços e recuos. Mas o problema vai muito para além da Rússia e da Ucrânia. As consequências que hoje se alastram a todo o mundo são já enormes e terríveis. Os preços dos produtos subiu enormemente tornando incomportável a compra de determinados produtos nos países mais pobres onde a escassez de cereais, por exemplo, é assustadora. Perante a crítica internacional e a pressão das Nações Unidas com intermediação da Turquia, conseguiu-se a assinatura de um acordo entre a Rússia e a Ucrânia para desbloquear os portos da Ucrânia e os barcos que esperam por mais de 25 milhões de toneladas de cereais com destino aos países africanos mais carenciados como a Nigéria. A Nigéria estava já a comprar cereais à América do Sul a preços proibitivos, comprometendo a sua economia já por si demasiado débil. Mas este é um jogo diferente que também não interessava muito à Rússia continuar a jogar. Na realidade, se a Ucrânia é um dos maiores exportadores de cereais do mundo e a Rússia é talvez o maior, a verdade é que à Rússia, por um lado, não interessava reter os seus próprios cereais, mas também não interessa ficar com os produtos fertilizantes e fito fármacos destinados aos tratamentos agrícolas de que são grandes exportadores. E perante um decréscimo enorme da sua economia resultado das sanções internacionais, continuar a não ver o óbvio seria um enorme erro de estratégia económica e social. Isso foi ultrapassado, para já, com o acordo assinado entre as duas potências. Mas, como em todos os jogos, há sempre um trunfo que se tem de ter para ultrapassar as barreiras que o próprio jogo apresenta. E neste caso o trunfo, que os dois tiveram de usar, foi a Turquia. Este país desempenha um papel crucial neste conflito. Controla o estreito do Bósforo e sem a sua autorização, não há barco que por lá passe sem sua permissão. Aberto o Bósforo, os barcos ucranianos retidos nos portos ucranianos, já podem zarpar rumo aos países que aguardam os desejados cereais. A fome, um jogo difícil de jogar, vai poder parar um pouco e atenuar a ansiedade dos povos. Com a culpa toda em cima dos ombros, Putin não teve outro remédio senão aceitar a assinatura de um acordo que também lhe interessava enormemente ou não. O bombardeamento do porto de Odessa é disso um exemplo ao mesmo tempo que não se importa nada com o poder interventivo da ONU nas negociações para o acordo. Mas a questão é muito mais vasta. As críticas a que estava sujeita a Rússia e Putin eram de tal forma pesadas que só um acordo deste tipo o salvaria por mais algum tempo, embora ele ligue pouco a acordos. Todos os países do mundo, perante a horrível consequência da fome, especialmente em África, condenavam Putin e não auguravam um fim satisfatório para o ditador. Poucas eram as exceções a esta condenação ou porque lhe devem favores, ou esperam dele algo em troca ou mesmo porque simplesmente são pára-quedistas e oportunistas como o líder da Bielorrússia. Estes jogam um jogo de conformidade e paralelo que só complicam e em nada ajudam o jogo real. Papel importante coube também a Guterres como representante da ONU que acabou por liderar também o processo acordado, manchado pela atitude de Putin ao bombardear Odessa poucas horas depois. De qualquer forma, marcou pontos positivos para organização internacional e para Portugal. Assinado o periclitante acordo resta agora saber como se vai desenrolar a guerra na Europa. Para Putin e seus bajuladores, ela está para continuar e para além do Donbass. Para Zelensky, travar os russos é uma prioridade em que acredita, mas que depende de mais armas. O jogo de guerra continua e como em todos os jogos, quando se esgotam as armas, há que recuperar mais utilizando outras formas de as conquistar. Para Zelensky é mais difícil, mas para Putin as armas também se esgotam. Afinal quando é que este jogo de guerra vai acabar? Não será para já.

O desafio

A verborreia retórica e as mentiras a que Putin já nos habituou, não nos deixam levar muito a sério o que ele frequentemente verbaliza, principalmente quando se dedica a vangloriar as suas ações e as do exército que ele faz questão de comandar a seu bel-prazer. Na verdade, o povo costuma dizer que quer se quer matar não o diz a ninguém nem ameaça fazê- -lo e o mesmo é válido para os que ameaçam constantemente realizar qualquer maldade e nunca passam da ameaça. Penso que neste caso será o mesmo. Quantas vezes já ameaçou Putin os países ocidentais com o nuclear de que tanto se orgulha? Ele sabe que no momento em que o fizer, a Rússia e Moscovo desaparecem igualmente do mapa e milhões de pessoas desaparecem da face da Terra. Ele não quer isso seguramente. No entanto, o show-off da política russa, especialmente para consumo interno, leva-o a dizer o que lhe apetece, intimidando o ocidente com uma série de ameaças e desafios, como se isso fosse de tal modo impactante que o ocidente tremeria de medo perante tais ameaças. Como é evidente, não mereceu qualquer resposta o desafio que recentemente fez ao ocidente. A semana passada numa conferência de ministros e líderes russos, em que foi permitida a televisão russa estar presente para divulgar o que interessava divulgar, Putin lançou um desafio ao ocidente, ao referir que os ocidentais lutariam contra a Rússia até parar a guerra na Ucrânia nem que fosse até ao último ucraniano, acrescentou “eles que tentem”, “nós ainda não utilizámos quase nenhum do nosso potencial bélico”. Enorme desafio. Contudo, logo acrescentou que “evidentemente estamos abertos ao diálogo, mas quanto mais tarde pior”. O desafio talvez tenha caído em saco roto, no entanto, para o ocidente será sempre de levar em conta quando um louco como aquele atira atoardas ao ar e não se sabe se magoam alguém. A verdade é que ele necessita de dizer alguma coisa deste género para que a população russa acredite nos seus objetivos e na sua política, mas talvez não seja tanto assim. A opinião pública tem um peso enorme nas políticas e nas decisões que se tomam e a única forma de controlar esta força popular é tentar moldá-la mentalizando-a do que é melhor segundo o líder. Daí que toda a informação russa seja controlada e sejam proibidas as comunicações que critiquem as atitudes do governo. Quem o fizer, é preso e condenado. Isto é a democracia russa. A juventude russa que se vem manifestando aos poucos em toda a Rússia, está a ser altamente controlada e reprimida para que se contenha nessas suas manifestações. Mas a realidade vem sempre ao cimo como o azeite. A situação na Rússia está muito mal economicamente, muito embora eles não deixem passar essa mensagem. Então um dos maiores produtores de batata não tem batatas para a cadeia nova do Mac Donald? Desapareceram as batatas? Já não há batata frita nos pacotes de hambúrguer? Isto é um pequeno exemplo do que se está a passar a nível económico e até alimentar na Rússia. É necessário distrair o povo russo com a guerra, com as supostas vitórias nas terras ucranianas e com as destruições que conseguem fazer nas cidades que não lhes pertencem. É um abuso. Algumas fações russas exultam com estas notícias e terão ficado radiantes com o desafio feito por Putin ao ocidente. São as que o apoiam incondicionalmente e vivem à sombra dos grandes ordenados e cargos que ocupam. Outras estarão altamente receosas das loucuras de todos estes desafios. Na sua passividade, o ocidente resolveu levar a cabo mais um pacote de medidas de sanções contra a Rússia. O aperto é enorme, mas Putin parece não se amedrontar. Não o pode fazer, pois não dá sinal de fraqueza nunca. Contudo, ameaça e desafia, não um país, não um Estado, mas todo o ocidente, como se isso fosse coisa pouca. Ninguém leva a sério as palavras de um louco, mas estou certo que os países ocidentais ficarão mais alerta do que nunca à medida que o tempo passa. No estertor da morte, nem o louco quer morrer. Com o objetivo de ocupar 20% do território ucraniano, Putin continua assim a sua caminhada de destruição, de morte e de ameaças a tudo e todos os que se põe no seu caminho. Pasma, no entanto, que o ocidente não desafie nem ameace Putin da mesma forma que ele o faz. É um jogo que parece só ele saber jogar, mas a Europa e todo o ocidente estará a aprender. Preze aos céus que não seja tarde demais. Nunca fiando! A brutalidade do que está a acontecer na Ucrânia é uma vergonha para todas as democracias, mas nem por isso elas tentaram ameaçar as intenções de Putin. A verdade é que ele invadiu um país soberano, sem razões legais para o fazer. Da mesma forma, a Ucrânia ou outro país poderia fazer o mesmo à Rússia com o pretexto de acabar com um governo ditatorial e antidemocrático e, com alguma possibilidade de acertar, acabar com o nazismo que ainda por lá anda. Desafio por desafio. Claro que o desfecho seria catastrófico, possivelmente. Seria só mais uma ameaça e um desafio. Afinal, todos têm esse direito. As razões seriam as mesmas para justificar os desafios. Enfim!

Azáfama política

Há sempre um tempo em que parece que o próprio tempo é escasso e nos foge por entre as mãos. É o que sucede à maior parte dos líderes políticos neste momento. A guerra da Ucrânia que já dura há quatro meses e sem fim à vista, parece movimentar todas as atenções dos políticos do mundo inteiro, no sentido de encontrar soluções para travar o conflito sem que um dos interessados não o queira efetivamente. Terá as suas razões, ou não, mas sem dúvida o seu orgulho para lhe preencher o ego que penso já lhe começa a falhar. Seja como for, aí estão os líderes do G7 a reunirem quase à pressa para desbloquear a situação insuportável do que se vive na Ucrânia. Os mais ricos do planeta tentaram uma vez mais, conseguir o dinheiro e as ajudas necessárias que o Presidente Zelensky pede com toda a urgência para defender o seu território das garras do usurpador russo. Mais uns milhares de milhões e mais umas armas sofisticadas para a defesa do país ucraniano. A verdade é que as armas que têm chegado à Ucrânia conseguem impedir um pouco o avanço do exército russo e até conquistar algumas posições, mas não têm ido muito mais além disso, já que a superioridade russa é enorme. A sua capacidade de ataque e os mísseis que vai lançando a seu bel-prazer sobre alvos civis, é demonstrativo dessa vontade de conquista indevida, sem se preocupar com os residentes e as crianças que vão perdendo a vida num conflito que não entendem e para o qual não foram chamadas. Isto não é um conto de fadas com o qual elas se possam divertir. Não. Gostaria de saber qual será a postura de Putin ao tomar conhecimento das mortes de tantas crianças provocadas pelos seus mísseis e pelas bombas que indiscriminadamente manda lançar por todo o lado. Será que mostra um sorriso sarcástico na cara de galã? Será que consegue verter uma lágrima que seja com pena dos horrores que está a causar? Claro que não. Ele é demasiado frio para ter sentimentos tão quentes. Após esta reunião, pouco irá mudar a este respeito, mas resta-nos sempre a esperança de que um dia, mais perto ou mais distante, algo terá o seu efeito no sentido de pôr fim ao descalabro da guerra na Europa. Que os políticos tomem as decisões acertadas e que consigam encurralar Putin de modo a travar definitivamente o conflito, é a nossa esperança. Com esse propósito, reúnem-se em Portugal, os políticos mais influentes que têm nas mãos o controlo do dinheiro e a sua distribuição, para estudar a formas de melhor o utilizar, ajudando quem necessita, estando na linha da frente a Ucrânia. Lagarde saberá chegar a alguma conclusão? Esperemos que sim. Aos políticos o que é dos políticos. Mas o mundo vive uma quantidade enorme de conflitos ao mesmo tempo. E se o tempo é sempre o mesmo para todos eles, a sua duração pode não ser. É verdade que esta guerra nos tem levado sempre para o mesmo tema chegando a esquecer outros tão premente e importantes como ele. Falamos mais da guerra porque não estávamos à espera que isso viesse a acontecer no seio do velho continente depois de duas grandes guerras nos terem devastado o território. Mas aconteceu. Também é verdade que outras guerras se têm mantido e nos têm chamado a atenção, umas mais do que outras, mas como se travam fora da Europa, nós desligamos mais facilmente e a sua referência noticiosa é menos impactante. Mas são tão horríveis como a da Ucrânia. Contudo há guerras que se não travam nem com armas nem com bombas, mas que necessitam ser encaradas como prioritárias. Para isso, Portugal abriu as portas ao debate dos oceanos onde se deve iniciar uma guerra urgentemente para travar a poluição que já vai matando milhões de peixes e da fauna marinha e da flora que vai já desaparecendo em alguns locais como os bancos de corais. O planeta vive atormentado e vai reagindo por si só, embora pensemos que não, e cabe aos políticos influentes do mundo inteiro tomarem as decisões adequadas à sua manutenção. A extinção de algumas espécies já está em causa e com elas a sobrevivência do próprio homem. Salvar o planeta é missão dos políticos e dos homens de bom senso. Cabe a todos a responsabilidade de olhar para o que há de bom e querer manter essa visão lindíssima do nosso Globo. O planeta azul, se não for cuidado, corre o risco de se tornar negro e feio, arrastando tudo e todos para um abismo sem retorno. A azáfama político que se tem vivido a este respeito é enorme. São cimeiras sobre o clima, cimeiras sobre os oceanos, cimeiras sobre a poluição, cimeiras sobre a fome no mundo, cimeiras que clamam pela paz, mas pouco de concreto se tem visto. A fome, com a guerra na Europa, é uma realidade assustadora, a paz está longe de se conseguir e o Planeta continua cada vez mais aflito na sua sobrevivência. Os políticos que tomem decisões sérias e duradouras em vez de passar o tempo em reuniões onde se passeiam os fatos e os vestidos de última moda. Qualquer dia não há moda que lhes valha!

sem fim à vista

Com o Verão à vista e a praia à espera de muita gente, seria normal esquecermo-nos da guerra que assola a Europa e cujas consequências se vão espalhando rapidamente a todos os continentes. Já era tempo de acabar de falar da guerra, mas nada se consegue sobrepor a tão horrível episódio. Se Putin pensava que em sete dias dobrava a Ucrânia e prendia Zelensky, enganou-se e do mesmo modo também nós nos enganámos ao pensar que a guerra não durava tanto tempo. Durou, dura e vai durar e ao que parece Putin não está muito preocupado com esse aspeto. A única coisa que o incomoda é o facto de o ocidente não aceitar a sua supremacia militar e continuar a alimentar o exército ucraniano, fazendo prolongar o inevitável. Como isso é algo que não se resolve por vontade própria de um dia para o outro, resolveu mandar julgar alguns soldados do lado ucraniano, presos em combate e condená-los à morte como modo de pressionar o ocidente e conseguir troca de soldados ou, levantamento de sanções. Depois dos dois cidadãos britânicos e um marroquino terem recebido como castigo por combaterem ao lado do exército ucraniano uma condenação à morte, está já agendado um novo julgamento, também de um combatente estrangeiro, desta vez sul-coreano. E não se pense que isto foi obra do acaso. Não foi. Os dois cidadãos britânicos servem bem o seu propósito pois é um golpe em Boris que tem ajudado com tudo o que pode o Exército ucraniano neste combate desigual e o sul-coreano é só lembrar que a Coreia do Sul é aliada dos EUA e, por este meio, atinge Biden. Pior é que o caso vai ser ouvido na “república” popular de Donetsk, um território separatista controlado por forças russas e pró-russas e que apenas é reconhecido como Estado pela própria Rússia, ou seja, legalmente e internacionalmente, não existe já que continua a fazer parte integrante da Ucrânia. Por crimes de lutar como simples soldados ao lado da Ucrânia, os britânicos Aiden Aslin e Shaun Pinner e o marroquino Brahim Saadoun foram condenados à morte num julgamento que durou apenas cinco dias. Simplesmente absurdo. As Convenções de Genebra para os prisioneiros de guerra dizem que os combatentes não podem ser julgados por ter participado no conflito a ser julgado. O que fazer então? Como é evidente, a Grã-Bretanha já disse que iria fazer tudo para reverter a sentença dada, mas não será fácil convencer a Rússia de Putin a ceder, mesmo sendo em território que não lhe pertence, mas onde pensa que é dono e senhor. Será? Zelensky pode até abdicar da entrada na NATO, mas a sua entrada na União Europeia é coisa assente e vai rolando cada vez mais depressa. Com esse objetivo, reuniu-se mais uma vez com a presidente da Comissão Europeia em Kiev e voltou a frisar que é possível vencer a Rússia e que está muito mais em jogo nesta guerra do que apenas o futuro da Ucrânia. As forças russas tentam ainda capturar Sievierodonetsk, a leste, até agora uma das batalhas mais sangrentas no conflito de quatro meses. A verdade é que o Donbass está quase perdido. Facto a discutir é para quem vai ser o território. Será que a Rússia pretende apoderar-se dele? Não creio, até porque terá de o reconstruir já que destruiu todas as cidades e pouca gente lá tem. Para que serve? Só tampão? E se for para os pró-russos, onde têm dinheiro para a reconstrução? Vivem de quê? As fábricas estão destruídas, os prédios caíram com os bombardeamentos, os campos estão abandonados e os serviços não funcionam. Como vão fazer? A quem interessa a terra queimada? A par disto, os cereais continuam fechados em armazéns e sem solução de exportação enquanto meio mundo espera por eles e passa fome raiando uma crise alimentar sem precedentes. É triste como se pode ir tão longe! Isto é um verdadeiro crime de guerra. Para que nada fique esquecido, Volodymyr Zelensky, anunciou que Kiev pretende elaborar um “Livro dos Torturadores” com as informações recolhidas sobre os “crimes de guerra” que terão sido cometidos pela Rússia durante a invasão do país. O “novo livro” vai incluir “dados específicos sobre pessoas em concreto e que são culpadas por crimes violentos contra ucranianos”. Zelensky disse ainda que o documento vai ser “um dos fundamentos da responsabilidade não só dos perpetradores diretos de crimes de guerra, soldados do Exército de ocupação, mas também dos comandantes”. A intenção é boa, mas o resultado não altera nada porque nenhum dos responsáveis vai ser condenado efetivamente. Fica escrito no livro, mas será mais uma página da História, sobre as mais absurdas guerras da História. Entretanto a guerra continua e continuam a destruição, as mortes, as incertezas, a fome e tudo sem um fim à vista.