Luís Ferreira

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Procura-se

Pregado no tronco de uma árvore, o Xerife mandava afixar o cartaz. Inserido nele, a cara do bandido mais procurado da região. Por baixo o prémio que se dava a quem o encontrasse e trouxesse à justiça. Julgado e condenado sem grandes pruridos era, normalmente, enforcado na praça do povoado. Quando o crime era menos grave, esperavam-no uns meses ou anos de cadeia, onde pouco mais do que uma sopa mal amanhada servia de alimento a quem se tinha portado tão mal. Era assim na América do século XVIII, quando se desbravava o interior do território e o Oeste ficou mais conhecido pelas atrocidades cometidas. Era o tempo dos cowboys, dos índios e da implantação do cavalo de ferro. Na Europa tudo era diferente. Não havia cowboys, nem índios, mas havia enforcamentos. Crimes sempre os houve em todos os tempos e bandidos ainda mais. O que o tempo não conseguiu expurgar foram os criminosos. Por mais que se percorra a linha incomensurável do tempo, os criminosos não conseguem aprender nem seguir o caminho do bem, embora reconheçam que ele existe. Contudo, ele é para eles como um mal menor, um antídoto ao veneno que destilam constantemente. O século XX foi pródigo em criminosos e alguns ficaram famosos tanto pelos seus feitos como pelas suas fugas. Marcaram épocas e outros pretenderam imitá-los e saíram-se mal. O século XXI continua a ser, infelizmente, marcado por atos criminosos, tanto ou mais marcantes que os anteriores. A sociedade não conseguiu ensinar e incentivar a prática do bem em detrimento do mal aos que, nada mais sabendo fazer, continuam a percorrer a senda do crime, talvez por julgarem que serão reconhecidos como heróis ou que chegarão a pisar o palco da fama e da riqueza. Tontice. Desse palco, nunca ninguém saiu vivo! Os que se julgam intocáveis, resguardam-se o melhor que podem e sabem e não saem do seu covil com medo de serem apanhados, mesmo que não haja nenhum cartaz a dizer PROCURA-SE. Aliás, não é preciso nenhum cartaz pois todos sabem quem são e onde se abrigam. O problema é chegar até eles. Mas sempre se consegue! Lembremo-nos de Sadam Hussein ou de Kadafi ou mesmo de Ossama Bin Laden. Hoje, num tempo em que pensamos saber tudo ou quase, voltamos aos tempos antigos onde a expressão Procura-se entra no dia-a-dia de todos nós. A fotografia está por todo o lado e todos o conhecem, no entanto, a expressão só vem reforçar a necessidade de cercar o criminoso por todos os lados. O Tribunal Internacional acusou Putin e conseguiu pôr dezenas de países de sobreaviso e prontos para o prender se ele pisar solo adverso às suas ideias e atos. O curioso de tudo isto é que um ministro russo conseguiu ser mais rápido ao colocar um cartaz com prémio e tudo para quem encontrar o tal ministro italiano que ousou enfrentar o sistema russo. Não, não é vingança do Tribunal Internacional com toda a certeza, mas até parece. Portanto, agora é moda colocar a expressão Procura-se quando queremos encontrar alguém que não consegue dar a cara abertamente. Primeiro paga-se e depois castiga-se. Curioso! Polémicas à parte, é certo que os criminosos abundam por este mundo fora e muitos deles mereciam ser soberanamente castigados. E se eles pensam que têm o rei na barriga pois que se desenganem, que os exemplos que já conhecemos demonstrou que acabam de barriga vazia e mal vestidos. E se o Kremelin veio a terreiro desvalorizar o mandado de prisão para Putin, é bom que não se ria pois a História tem imensos exemplos dos que não ficaram a rir. A Rússia é enorme, como sabemos e é verdade que Putin pode andar de um lado para o outro e passar do continente europeu para o asiático, mas muitos países já não o vão receber nas possíveis visitas oficiais que pretendia fazer. Resta saber se ele quer arriscar. Possivelmente não o fará já que mesmo na Rússia ele anda com um exército de guarda-costas atrás. Então o que esperar disto tudo? Como nada é eterno, Putin também o não será e mais dia menos dia acabará por ser apanhado mesmo dentro da Rússia e talvez até por um dos seus apaniguados mais próximos. Para demonstrar que não tem medo das ameaças do ocidente, fez uma visita relâmpago ao Donbass Ucraniano e visitou Mariupol. Foi visitar a grande obra de destruição que levou a cabo. Como rei e senhor, passeou-se pelas ruas destruídas e desertas onde perdura a sensação de um cemitério a céu aberto. Com um sorriso rasgado como se admirasse uma obra de Picasso ou Rembrant, olhou os prédios derrubados, vitorioso na destruição, mas não encontrou, ainda, o cartaz onde esse sorriso estará encimado pela expressão Procura-se. Mas vai acabar por encontrar e ele sabe disso.

Quantos cornos tem um touro?

Há uma expressão que o povo costuma dizer quando a necessidade de resolver um determinado assunto se torna imperativo. Diz o povo que o melhor é agarrar o touro pelos cornos. Assim ele não terá outra iniciativa e será dominado. Tem razão. Eu estou convencido que se não fosse o Covid e os confinamentos este governo já não estava em funções. Teria soçobrado e hoje não enfrentaríamos tantos dissabores e tantas greves como as que se têm verificado. Aliás, até mesmo António Costa se sentiria mais leve pois não passaria pelas demissões de membros do governo, uns atrás dos outros, como as que teve de resolver. Os casos de corrupção, de processos a correr em tribunais e de acusações várias a elementos do governo, levou a demissões e a substituições, algumas piores do que outras. Uma falta de responsabilidade e de honestidade demasiado transparente para quem quer ocupar um cargo governativo responsável. O que este governo tem enfrentado nada mais é do que o fruto da sua desgovernação. A Saúde anda pelas ruas da amargura. Há greves nos hospitais, não há médicos nas urgências, os enfermeiros entram em greve e deixam os doentes sem atendimento, as urgências fecham e as grávidas têm de se deslocar a outros serviços de obstetrícia nos hospitais que ficam a mais de cem quilómetros de distância. Há uma falta generalizada de médicos a nível nacional. Uma autêntica vergonha! Mas se a Saúde anda doente, anda pior a Educação. Governo após governo, nunca houve um Ministério da Educação que resolvesse os problemas que enfermam a Educação em Portugal. As alterações que uns e outros têm introduzido na Educação, seja nos currículos, seja nas carreiras dos professores, só adulteraram o que de bom chegou a existir por breves instantes. A verdade é que se houve um ministro que fez algumas reformas de fundo e conduziu a Educação para caminhos mais acertados, foi Roberto Carneiro. Contudo, alguns se lembrarão que o governo de então liderado por Cavaco Silva, não o deixou fazer mais alterações por questões económicas e ele demitiu-se. Queria fazer muito mais, mas não deixaram! Roberto Carneiro foi Secretário de Estado da Educação do VI Governo Constitucional e Ministro da Educação no XI Governo Constitucional. Todo o seu percurso profissional passou pelo ensino e sabia bem o que a Educação necessitava. Além disso tinha muitos filhos e tinha conhecimento profundo do que eles necessitavam no seu dia-a- -dia numa escola a precisar de reforma. Ele agarrou o touro pelos cornos, mas não o conseguiu dominar totalmente. Falharam os forcados. De então para cá, nenhum ministro conseguiu pegar o touro pelos cornos e dominá-lo. Pelo contrário. Até parece que lhe deu palha para o amansar e o manter sossegado por algum tempo. Só que o touro não está nem nunca esteve adormecido. As greves que se têm verificado ao longo das últimas décadas, são provas disso mesmo. Sempre se criticou a falta de unidade dos professores cada vez que havia greves. Nem todos apoiavam e nem todos queriam fazer greve. Mas porquê? Para não cortar no vencimento, pois quem ganha pouco não quer perder o pouco que ganha. Mas só a união faz a força. Todos sabem disso, mas a alguns faltou a força. De dezembro para cá a greve dos professores instalou-se a nível nacional iniciada por um sindicato pequeno, mas com uma enorme coragem – o S.TO.P.. As centrais sindicais e sindicatos uniram-se a ele e todos irmanados de um mesmo objectivo, conseguiram levantar uma onda enorme de professores que se movimentaram por todo o país e se concentraram na capital com uma mole de mais de cem mil profissionais do ensino. Foi uma vitória presencial, mas que não se traduziu na secretaria. Mas a luta continua. A procura de estabilidade dos professores é um objectivo que não tem preço. Mas ser precário aos cinquenta anos é insustentável. Passar uma vida inteira a ser contratado e ter de andar com a casa às costas por este país, é impensável. Quem aguenta? Ser nómada no século XXI é coisa que não cabe na cabeça de ninguém. Estou convencido que mais do que a contagem do tempo de serviço que os professores reclamam, é importante a sua estabilidade, a sua carreira e a sua dignidade. É a falta destas premissas que leva à falta de professores nas escolas e cada vez menos estudantes universitários a querer ser professores. A carreira não tem interesse. Não há aliciantes. Ora este Ministro da Educação não parece ter abertura e conhecimento suficientes para inverter o caminho que a Educação está a seguir. Ou se dá aos professores o mínimo que exigem para terem dignidade e estabilidade, ou este touro terá cada vez mais cornos e será difícil dominá-lo. Mude-se o forcado urgentemente.

O julgamento da Igreja

Nos últimos dias ouvimos falar na comunicação social, sobre os crimes que a Igreja terá eventualmente cometido nos últimos anos. Foi elaborado um Relatório, que julgo ser sério, e que veio alertar para situações que não deveriam ter acontecido. Abusos de toda a espécie e feitio levado a cabo por clérigos sem espécie e sem feitio. O que foi dito e referido nesse relatório, deveria envergonhar- -nos como sociedade maioritariamente católica e humanista, mas igualmente exigir uma alteração processual a quem tais atos pratica. É bom notar que a pedofilia não é apanágio somente da igreja católica e não só os padres e as freiras praticam tais aberrações. Criticamos a Igreja pela simples razão de que é ela que deve servir de exemplo ao que apregoa e não o faz. Mas isto não é de agora. Na verdade, ao longo dos séculos de afirmação da Igreja Católica, muitos foram os momentos em que a sua atuação foi severamente criticada. A resposta não foi serena, antes pelo contrário. Exemplo disso foi a criação do Tribunal do Santo Ofício, mais conhecido como Inquisição, que se destinava a julgar e condenar todos os que se desviavam do caminho que ela traçava. Houve, como sempre há, imensos casos que foram condenados sem provas onde a simples desconfiança ou acusação de terceiros serviu perfeitamente os interesses da Igreja. Os que se insurgiram contra a Igreja foram levados a Autos de Fé, ou seja, queimados vivos em plena praça à vista de todos para servir de exemplo. Mas o século XIV já passou há muito tempo e não serviu para a remissão dos pecados da Igreja. As críticas continuaram e foram muitas. As atuações da Igreja eram cada vez mais condenáveis em várias vertentes. A simonia, ou venda cargos eclesiásticos, era outra faceta deveras criticável e só seria abolida da Igreja no século XVI. Quem é que julgava a Igreja? Ninguém. Ela era a toda poderosa e por isso permitia-se a certos luxos proibidos a terceiros. Tornava-se necessária uma Reforma profunda e ela apareceu pela mão do abade Martinho Lutero. Este insurgiu-se contra as Indulgências criadas pelo Papa Leão X para obter dinheiro para a construção da Basílica de S. Pedro em Roma. Escreveu as 95 Teses contra as Indulgências e afixou-as na porta da Catedral de Wittenberg, onde era padre. Valeu-lhe a imediata perseguição e excomunhão. Só não foi queimado na fogueira porque fugiu para os países nórdicos, mais tolerantes na questão religiosa. Isto serviu para a Igreja enfrentar uma onda enorme de contestação que a obrigou a reformar-se depois da Reforma apresentada pelos Luteranos. Foi uma reforma profunda nos costumes, na disciplina interna e na afirmação do celibato, entre outras coisas. De então para cá o que mudou? Quase nada. Os crimes hediondos que a Igreja vem praticando, não permanecem agora tão escondidos e a consciencialização dos que são abusados permitem que se tenha algum conhecimento sobre eles. Contudo o tempo que medeia entre os atos e o seu conhecimento, é enorme e, desfalece o poder de julgar e castigar. Se o Concílio de Trento manteve o celibato, não foi essa resolução conservadora, que trouxe à vista a pedofilia já que, como disse, ela não se verifica só dentro da Igreja. Há pedófilos por todo o lado, infelizmente. Mas a Igreja, como um todo, continuará a ser julgada pelos atos que alguns dos seus elementos praticam. A coragem que agora se verifica em todo o mundo, da Igreja fazer um levantamento e até uma perseguição a todos os clérigos que praticaram ou praticam ainda pedofilia, é de louvar. É necessário desmascarar os abusadores. Estes serviram-se do seu poder de influencia e persuasão sobre os mais jovens, incautos e desconhecedores dos meandros sexuais, para levarem a cabo os seus desejos libidos incontidos e pecaminosos. Hoje, nada mais fazemos do que fizeram os que há séculos julgaram a Igreja Católica. Contudo, não corremos o risco de enfrentarmos uma Inquisição avassaladora e assassina. O que fica depois de tudo é um quase nada ou muito pouco do que seria desejável. A Igreja é uma Estado e tem um poder imenso e só socialmente se pode julgar. Os atos que alguns praticam, poderão por ventura, ser julgados civilmente. O Tribunal Canónico julgará o que lhe aprouver. E os abusados? E os que sofreram na pele as submissões que lhes alteraram as vidas para sempre? Esses não podem julgar ninguém. Mas podem trazer a lume os factos da sua indignação para que outros os julguem. De um modo ou de outro a Igreja está a ser julgada.

À caça com Leopard ou uma viagem de balão?

As coisas que se dizem e se contam a propósito das políticas são verdadeiramente alucinantes. A verdade é que possivelmente o modo como nos referimos às notícias sobre o que vai acontecendo um pouco por todo o mundo, levam-nos a que aligeiremos a crítica e adicionemos uma pitada de doçura, de molde a que tudo se torne mais aceitável. Brincamos com as coisas sérias! De facto, no momento atual, vivemos num clima de guerra global e mesmo que não se ande aos tiros em todas as esquinas, nada faz esquecer a terrível realidade que se nos apresenta a cada dia que passa, desde a Ucrânia às ruelas de Olhão. A guerra da Ucrânia é um dos mais relevantes episódios que todos conhecem e que afeta todo o mundo. Sabemos disso e esperamos diariamente o momento em que a sensatez surja na cabeça de Putin e a guerra chegue ao seu final. Não será tão cedo. Os avanços que a Rússia tem protagonizado nos últimos tempos, têm encontrado a oposição possível do exército da Ucrânia que reclama por mais máquinas de guerra para fazer frente aos russos. Conseguiram movimentar os países do ocidente para que isso fosse possível, pelo menos no envio de Tanques Leopard 2, entre outro material de guerra. Entre os países que estão disponíveis para enviar esses tanques, está Portugal. Um país tão pequeno e com tão poucas possibilidades económicas, vai enviar Tanques Leopard 2 para a Ucrânia? Claro que sim. Quantos? Só 2. Temos 11 que não funcionam e 2 deles que vão ser reparados com material alemão para poderem servir o exército ucraniano. É triste, mas é verdade. Como não estamos em guerra com ninguém, não se percebe a razão para ter estes tanques tão sofisticados. E se os temos e não servem, será essa a razão do seu não funcionamento. Melhor que se enviem para a Ucrânia, realmente. O caso é que se faça tanto alarde com essa oferta e afinal não funcionem! Francamente senhor Costa! A Ucrânia acredita que com os Leopard 2 conseguem empurrar os russos e dar-lhe caça séria, mas o tempo que vão demorara a chegar ao teatro de guerra é demasiado e pode ser demasiado tarde. Mas também pedem aviões de combate F-16 que os EUA já disseram que não enviam. Isso seria acelerar uma guerra que poderia ser enorme e envolver mais países do que o desejável. Contudo, há países que aceitaram enviar aviões de combate, mesmo sem serem F-16. É uma caça aérea mais séria e que pode levar alguma contenção à Rússia. Entretanto, um pouco à margem da guerra, a Rússia e a Ucrânia trocam 179 prisioneiros. E para que servem os prisioneiros? Para nada. Funcionam temporariamente como troféus para troca futura. Antigamente, há muitos séculos, os prisioneiros tornavam-se escravos e com esse rótulo, trabalhavam em tudo o que lhes pediam. Assim se construíram muitas cidades, estradas e pontes por esta Europa fora e que agora, as guerras modernas se entretêm a destruir. Outros tempos! Não vai muito longe o tempo da guerra das estrelas e da tentativa do domínio do espaço, quer pela União Soviética, quer pelos EUA. Era um modo de defesa e uma tentativa de saber antecipadamente o que outras potências estavam a preparar secretamente. Foi uma guerra inútil aparentemente, embora os satélites tenham tido um papel importante, como foi o caso dos mísseis de Cuba, que quase davam lugar a uma terceira guerra mundial. Hoje, contudo, em vez de satélites, a China prefere os Balões. Quem diria? É uma novidade? Claro que não. Os balões antecederam os aviões, mas estes parecem balões de S. João. Será que os chineses se enganaram na festividade e anteciparam a data? Pouco provável, pois eles não têm S. João e os americanos também não. Pois parece que é mesmo uma subtileza de espionagem moderna. Os EUA abateram o Balão dizendo que foi uma violação inaceitável da soberania. A China reclama dizendo que os EUA violaram o direito internacional. Nem outra coisa era de esperar. Ninguém quer ficar com as culpas, mesmo quem as tem todas. O espaço de qualquer país não pode ser invadido, sem permissão, por terceiros, sem ser considerada uma violação de soberania. A questão está, segundo parece, na altitude em que se movimentava o balão, pois não está determinada a altitude vertical considerada pertença de um país. Normalmente considera-se que essa altitude vai até aos 20/30 Km, teto onde dificilmente consegue chegar um avião de guerra. A verdade é que nada está determinado sobre este assunto e a ser assim, o balão possivelmente, viajava dentro dos limites normais da ilegalidade, já que estava a cerca de 20Km de altitude, facto que permitiu o F-22 atingi-lo e destruí-lo. Viagem ou espionagem? À caça certamente.

Derrapagens

Este governo anda completamente louco. Razões há um punhado delas. Quando pensamos que as maiorias absolutas dão segurança e estabilidade, quer ao país quer ao governo, verificamos que afinal isso é pura retórica. A ânsia de mostrar serviço, leva o governo a questionar-se sobre a atuação de alguns ministros e secretários de estado que a opinião pública vai atingindo com setas demolidoras. Atrás dessa necessidade arrastam-se problemas que, sem serem solucionados em tempo útil, levam a que os seus mentores mostrem os rabos-de-palha que vêm agarrados. E aí estão à mostra de todos, os favores, a corrupção desregrada, os abusos de poder e muito mais. São assim, razões suficientes para enervar o governo e questionar-se sobre quem será substituível e quem poderá subir de nível ocupando os lugares vagos. Interessa saber as disponibilidades e conhecer os interessados e especialmente que sejam socialistas, com ou sem experiência. A experiência adquire-se à posteriori! Puro engano. Os últimos dez meses de governo foram uma autêntica desgovernação e um desatino sem tamanho. Já lá vão dozes substituições de ministros e secretários de estado e cada um melhor do que outro. Tão bons que alguns tiveram a sorte de exercer somente vinte e poucas horas antes de serem afastados pelos rabos-de-palha que vinham atrás e ficaram à mostra de todos. É uma vergonha que um governo com maioria absoluta consiga atingir um tal nível de descrédito nacional! Ainda por cima, os problemas já vinham de há alguns meses e não foram capazes de os ultrapassar da melhor forma, acabando com o falatório e o jogo do empurra, envolvido numa burrice de teimosia que só levou ao total descalabro. Foi o que aconteceu com a TAP. O governo não conseguiu resolver e além disso fez com que o ministro responsável se demitisse. E ficou por aqui? Ficou resolvido? Não. A demissão ou não da responsável e o subsídio de meio milhão que lhe foi dado, agravou toda a situação e levou a que se escavasse mais fundo o buraco que se acabava de abrir. Uma vergonha! Nuno Santos que inicialmente não se lembrava de ter dado autorização para que se pagasse o subsídio, lembrou-se agora, muito mais tarde, que afinal tinha autorizado. Fraca memória! Lapsos inconvenientes. Depois de perfurar mais um pouco, acabou por se descobrir que não era a primeira vez que a quase falida TAP dava um subsídio ainda mais chorudo a outra responsável da administração. Será melhor não escavar mais fundo, pois podem surgir outros rabos-de-palha. Perante estes problemas demasiado graves num governo que deveria navegar águas calmas, eis que o encontramos à deriva, sem timoneiro encartado e em águas turbulentas. A necessidade de consultar o comandante Marcelo teve alguma urgência. Tornava-se prioritário preparar o porto de abrigo em caso de necessidade. Reconheceu a instabilidade e aconselhou calma ao timoneiro admoestando-o para manobras apertadas. Mas os avisos não passam disso mesmo. São tantos os problemas que vão surgindo que se equaciona se vale a pena o governo continuar nesta rota sem rumo. E eis que surgem mais problemas graves que adensam a confusão governativa. O Ministro da Defesa é confrontado com uma derrapagem enorme no Hospital Militar do Restelo. Nega e desculpa-se, mas o problema mantém-se e sem resolução. Há um buraco enorme e quem vai pagar somos sempre nós. Mas ninguém nos perguntou se estávamos de acordo com essas obras! Enfim! Mas como se não bastasse, agora vem à baila o Ministro das Finanças que nega muitas coisas e acaba por assumir outras. As culpas estão em cima dele e as investigações também. São derrapagens sem conta que levam a que este governo esteja com um pé dentro e outro fora. Se as investigações culpam o Ministro das Finanças, ele é obrigado a sair e se cair, com ele cai o governo. Costa anda à deriva e já não quer falar com ninguém. Está completamente ultrapassado e já não confia nos seus pares. A complicar tudo isto está a greve dos professores. Uma greve a nível nacional e que já dura há umas semanas e que se vai prolongar até meados de fevereiro. Mais um ministro que está à porta para sair por não conseguir fechá-la a tempo. Costa demarca-se, com medo de sequelas. Com o Ministério da Educação à deriva, o Ministro da Defesa em derrapagem e o Ministro das Finanças a derrapar todos os dias, já pouco resta ao governo e a Costa para sobreviver a esta turbulência maioritária que não tranquiliza ninguém, nem mesmo o próprio Partido Socialista. Quando acabarão estas derrapagens? Quando cair o governo? Parece que sim.

Céus turbulentos

Portugal está coberto de nuvens. O Sol visita-nos durante alguns minutos, envergonhadamente, no intervalo de duas nuvens que se desprendem por ação do vento que por lá sopra. A chuva é forte e constante e as enxurradas acontecem um pouco por todo o lado. A seca prolongada que nos tocou por demasiados meses e alterou completamente a sustentabilidade económica dos agricultores e comerciantes e até do governo, finalmente acabou. Para já, a seca foi ultrapassada e o nível das barragens está reposto. Contudo, o novo ano parece que não está na disposição de nos presentear com bons augúrios. Continuamos sob céu tempestuoso. Demasiado tempestuoso. É quase impossível voar sob um céu tão negro, carregado de nuvens espes- sas, sem rumo certo e com grande falta de orientação. O dossier TAP se já estava complicado, de um momento para o outro, saiu de controlo. A suposta demissão de Alexandra Reis depois de receber uma indeminização de meio milhão de euros, foi a gota que uma das nuvens deixou cair e fez alertar para uma enxurrada enorme que se avizinhava. Inicialmente ninguém sabia de nada. O governo estava ausente, o Primeiro-ministro não sonhava o que estava a acontecer, o Ministro das Finanças desconhecia e só a administração da TAP sabia o que estava a fazer. Sabia?! Ninguém paga tanto dinheiro quando se queixa que não tem dinheiro e quando os seus trabalhadores fazem greve por causa dos salários! Continua-se sem saber qual a melhor rota para a TAP, se a privatização se a nacionalização. Ou outra qualquer. O governo continua à deriva. Sob céus turbulentos terríveis, Costa não sabe para onde ir. Ficar ou levantar voo? Talvez remodelar. No mundo da agricultura as coisas não andam melhores. Depois da seca, vieram as cheias e até o ministério ficou inundado. Havia que encarar a situação de uma remodelação para prevenir mais enchentes. A Ministra da Agricultura convida uma Secretária de Estado, que não conhece, Costa dá o aval e Marcelo dá-lhe posse. Um vendaval faz com que as nuvens se adensem e uma tempestade surge quase do nada e inunda novamente o Ministério da Agricultura. A nova Secretária de Estado, por não saber nadar, tem de abandonar o barco rapidamente antes que se afunde. Marcelo dá-lhe a mão! Maria do Céu Antunes fica mal ao leme, mas tenta aguentar o barco que baloiça terrivelmente. Foi apanhada desprevenida! Diz ela! Terá que se explicar. Mas este céu tempestuoso não desaparece facilmente. O Ministério da Saúde está muito doente. Pizarro voa sob um céu repleto de nuvens e não há sinais de uma aberta para breve. Os hospitais têm serviços fechados, os enfermeiros fazem greve, os serviços vários que deveriam oferecer os principais hospitais do país, estão fechados ou fecham intermitentemente e não há médicos suficientes para cobrir as urgências que cada vez mais rebentam pelas costuras. A CP vive igualmente momentos de completa inundação. Também foi apanhada pelas enxurradas que levaram ao fecho de linhas, à greve de funcionários e suspensão de inúmeros comboios. O voo rasteiro que caracteriza a CP, está quase subterrâneo. É que há estações de Metro que fecharam por estarem completamente inundadas! Mas isso é outro assunto. Cobertos por um céu que não se compadece com nada do que existe cá por baixo, é difícil sobreviver aos caos. Não se consegue voar seja em que ramo for: aéreo, fluvial, marítimo, rodoviário, ferroviário, agrícola ou sanitário. Os tempos mais amenos vividos durante as festivi- dades, agravaram-se agora um pouco por todo o lado. E se nós, cristãos, vivemos a nossa época natalícia com mais ou menos fulgor, já os ortodoxos festejaram só agora o seu tempo de Natal. Cada povo e cada religião têm o seu timing próprio para estas comemorações. Curioso é o facto de, mesmo sendo um tempo de paz e amor, a Rússia de Putin proclamar um cessar-fogo com a Ucrânia de dois dias para festejar o Natal que, segundo diz, é um tempo de celebrar valores como a misericórdia, a compaixão, a bondade e a justiça. Como se pode ser tão cínico? O cessar-fogo foi fictício pois continuou a bombardear a Ucrânia e vice-versa. Afinal o que pretendia o autocrata russo ao arvorar-se de bonzinho? Ficou muito mal na fotografia e ainda mais coberto de nuvens negras. O céu turbulento está cada vez mais negro também por aquelas bandas.

Não podemos esquecer

As datas importantes que há na vida de todos nós, são lembradas eternamente, mas o que elas significam são muitas vezes esquecidas. E se esquecemos é porque deixaram de ser importantes. Um escritor disse um dia que “esquecer é o suicídio da alma, mas se a alma é imortal, esquecer é impossível”. Quanta alma já se remeteu ao silêncio! O dia 25 de dezembro é lembrado com carinho e muita ansiedade. É Natal. É dia de união, da família, da paz, da esperança, do nascimento. Desejamos todos, muito amor e paz, alegria e saúde e também esperança em dias melhores. Vêm de longe as pessoas ter com as famílias para poderem festejar juntos o Natal. Matam-se saudades, há demonstrações de amor e carinho pelos mais idosos e pelos mais novos. Festeja-se a data. O pior vem depois. A realidade tem sempre duas faces como as moedas que gas- tamos para festejar o Natal. Uma é o momento em que se festeja e convive, a outra é quando nos esquecemos do que desejamos uns aos outros. Quão curta é a memória dos homens e quão rápido o esquecimento! Suicidamos a nossa própria alma sem nos apercebermos. Porquê? No entanto, passamos a vida a dizer que o Natal é sempre que o homem quiser. Então porque será que não quer? Porque será que depois de o Natal passar, tudo volta à guerra, à mentira, à confusão, à falta de esperança e, a família é muitas vezes esquecida no meio do deambular sem destino do dia-a-dia? É triste, mas é verdade e a verdade dói. Há quem se esqueça dos pais que estão nos lares ou nos hospitais só porque estorvam o seu regime diário. Há quem se esqueça dos filhos nos Jardins de Infância porque simplesmente andava às compras e o tempo passou. Há quem se esqueça do filho dentro do automóvel, ao sol, com as janelas fechadas e ao regressar encontra-o morto. As compras eram mais im- portantes! Mas as datas importantes não podemos esquecer e se o 25 de dezembro não se esquece, porque havemos de esquecer outras igualmente importantes? Tão ou mais importantes do que isso é o significado que elas têm e que nos esquecemos rapidamen- te. Continuamos a celebrar o 25 de abril, mas muitos não sabem o seu significado ou confundem com outro. Festejamos o 1º. de dezembro e poucos sabem porquê. Todos os dias são dias de qualquer coisa. Marcaram-se os dias do ano para que todos estejamos alerta para o seu significado. Claro que isso é impossível recordar. Alguém o fará por nós e ainda bem, caso contrário já todos estariam esquecidos. Amanhã, a Rússia festejará o 24 de fevereiro certamente. Por boas ou más razões, ela não se vai esquecer da data, tal como a Ucrânia não se esquecerá. Hoje, também nós sabemos o seu significado, mas não temos que o festejar porque não nos toca. Amanhã, vamos esquecer esse dia tal como esquecemos o dia em que algo semelhante aconteceu na Crimeia. Cada povo tem as suas datas para comemorar de uma forma ou de outra. Cada povo tem as suas razões. As datas universais e que todo o mundo comemora, ninguém as devia esquecer. E o seu significado também não, contudo depressa isso acontece. Estamos ainda na época do Natal e todos desejamos o melhor a cada um de nós. Então porque será que não cumprimos o que desejamos? Se não cumprimos é porque o que desejamos é falso. Sai da boca para fora porque é bonito que assim seja e seria bom que assim fosse. Cumprir? Cada um sabe de si. É bom que se deseje muita saúde, pois até não está nas bossas mãos dá-la. Esperança e amor cada um toma o que quiser, até porque a esperança é a última coisa a morrer. Mas a paz está mas mãos dos homens porque a guerra é produto da ambição e da prepotência dos homens e isso não se deseja a ninguém em data alguma. É revoltante celebrar o Natal, a que a paz é associada e, fazer a guerra como se ela fosse corolário dos desejos de Natal. Como pode Putin, por exemplo, fazer uma guerra a um povo independente só porque lhe apeteceu estoirar com o armamento obsoleto que possuía já desde os anos 60? Como pode ele celebrar o Natal e certamente desejar prosperidade, saúde e paz quando ele próprio promove a guerra e acaba com a prosperidade do seu próprio povo. Esquece-se do que promete? Não podemos esquecer o significado das datas mais importantes e de como a elas estamos ligados. Celebrámos o Natal e endereçámos os nossos desejos aos amigos e familiares. No meio deles ia embrulhada a paz e a saúde. A saúde é a coisa mais importante especialmente porque estamos a sair de uma pandemia terrível e a paz para ser mantida que se recordem as datas das guerras e a quantidade de mortos que ficaram abandonados nos campos de batalha. E que promover a guerra que seja castigado por se ter esquecido da importância da paz para a Humanidade.

Outras realidades

Vivemos constantemente ao som da música que nos querem dar, seja nas televisões ou em outras plataformas de informação. Chegamos a ser bombardeados diariamente com o desenrolar de uma só notícia, que sendo primordial, abafa inquestionavelmente todas as que deveriam ser veiculadas de igual forma e não são. É facto assumido. Desabafamos frequentemente que as notícias são sempre as mesmas ou que só dão notícias tristes e muito negativas e que as coisas boas ninguém as chama a terreiro. Também é verdade, mas porque será? O que interessa é informar e de preferência o que mais pode chamar a atenção das pessoas. O tema quanto mais horrível, mais sugestionável e mais impressiona os ouvintes ou leitores. Curioso é uma notícia boa não interessar tanto à opinião pública. Mas mesmo dentro das notícias más, há as que são menos más e por isso passam para um segundo plano ou porque não interessa que se saiba ou porque iam desviar a atenção das que são efetivamente chamativas e vendem. No fundo o que interessa é vender. Triste, é que se tenha de vender o que é mau. E há quem compre, aliás compramos todos. Há quase nove meses que não se fala senão na guerra da Ucrânia e nas patifarias que Putin tem feito a que ele chama danos colaterais da guerra. Hipócrita. Não que os ucranianos também não façam das suas, mas têm de se defender. Enquanto a guerra durar, as outras notícias passam para segundo plano, a não ser que entretanto surjam outras dignas de primeira página. Pois foi isso que aconteceu com o Mundial de Futebol. Todo o mundo foi chamado a participar e o coração das seleções bateu mais forte. Deixou de haver guerra? Não. Mas passou para um plano inferior embora continuem a ser divulgadas as peripécias diárias que por lá se vivem. Portugal viveu numa ansiedade terrível até ao dia da estreia. Elogiou-se a seleção e o plantel e aventou-se a hipótese de sonhar, não se sabe bem o quê, se em passar à próxima fase, se chegar aos quartos ou até à final. O que interessa é sonhar. E enquanto sonhamos, o mundo avança em toda a sua plenitude. E as outras seleções igualmente. Durante a espera verificaram-se algumas surpresas neste campeonato. Seleções aparentemente fracas, ganharam às mais fortes e todos abriram a boca de espanto. A Laranja Mecânica empatou com a do Equador, a Argentina perdeu com a Arábia Saudita e até a seleção do Irão de Carlos Queirós ganhou à do País de Gales. Portugal, confiante e com todo o apoio possível, entrou em campo com a confiança de que o Gana era fácil e que ganhar era verdadeiramente o que interessava. Se olharmos para os últimos campeonatos, nunca entrámos a ganhar e andamos sempre a contar com os erros dos outros, ou seja, andámos sempre com as calças na mão. Desta vez a confiança era maior, mas nem por isso jogaram melhor. Tiveram sorte e não se diga o contrário. O penálti de Ronaldo foi forçado, mas ajudou a subir um pouco a confiança que estava a ficar em baixo. Enfim, o segundo golo veio melhorar tudo e o terceiro era quase a certeza de que tudo estava resolvido. Mentira. O descuido de Diogo Costa ia custando caro à seleção. Terminámos aflitos. De um momento ao outro tudo ia mudando, e a realidade do jogo ia sendo completamente diferente e lá íamos nós para o rol dos aflitos novamente. De tudo o que se falou e disse sobre a nossa seleção e o plantel extraordinário que temos, ia engasgando as gargantas nacionais e causando ataques cardíacos a muita gente. Até ao fim, ainda temos um longo caminho a percorrer. Acreditemos na seleção, mas deixemos de elogiar muito os craques pois eles falham como todos os outros. Ronaldo não falhou. Mas atentemos na hipótese de isso ter acontecido. Todo o mundo o trucidava e o treinador do Manchester bateria palmas de contente e diria que tinha toda a razão. Claro. Enganou-se, felizmente. Pois e cá estamos nós a tentar esquecer as outras notícias que poderiam ser mais importantes. Nada disso. A discussão e votação do Orçamento de Estado passou para segundo plano, até porque a maioria sempre o aprovaria, e as propostas dos outros partidos só algumas foram aprovadas porque nada traziam de alteração às previsões do Governo. Era mais um jeito do que outra coisa. Coisas vulgares, diriam uns, moedas de troca diriam outros. Enfim. À opinião pública pouco interessava porque já se sabia o resultado. Era uma notícia menor. E a guerra da Ucrânia? Bom, essa não acabou nem Putin deixou de bombardear e matar as pessoas onde as bombas caíam. Se a Rússia estivesse no campeonato do Mundo, talvez a história se escrevesse de outra for- ma, mas não está, tal como a Ucrânia. É pena, porque se assim fosse, haveria certamente outro tipo de notícias e de realidades.

Realidades

Nunca poderemos jul- gar seja quem for e o que for sem levarmos em linha de conta a realidade ou as realidades do momento. É a realidade a base dos acon- tecimentos e ela serve também para julgar esses mesmos acontecimentos. Tudo se passa em determinada realidade. E a realidade atual que embrulha este mundo é simplesmente terrível. Vivemos um momento assustador em várias vertentes. A crise que assola a Europa e o mundo vem no seguimento de uma pandemia que ainda continua a matar milhares de pessoas e não se sabe quando vai desaparecer se é que isso vai acontecer. A guerra da Ucrânia veio acelerar a crise tornando maior o descalabro económico mundial. Os biliões de dólares que são gastos em armamento enviado para o exército ucraniano, enfraquecem obviamente as economias de todos os países contribuintes, especialmente os ocidentais. As consequências de toda esta realidade são enormes e extraordinariamente horrendas. Os mi- lhares de mortos e a fome que se espalha cada vez mais, não só na UE, mas também em países africanos, dão um colorido tétrico a esta realidade. Falar da guerra da Ucrânia é redundante, mas inevitável, até porque somos bombardeados diariamente pelas notícias sobre essa realidade. É um acontecimento inacaba- do, constante e durável sem termo à vista. De igual modo é um evento incaracterístico, injustificável e embrulhado numa estupidez sem limites que ronda a loucura. Oito meses de uma guerra sem sentido, é mais do que a média de duração das guerras nos últimos duzentos anos, excluindo as grandes guerras mundiais. Os objetivos da Rússia ou antes, de Putin, não foram conseguidos e não o serão. Os contornos desta guerra são agora bem diferentes. Contabilizam-se vitórias e derrotas. A Rússia está a perder e a recuar no terreno. O exército ucraniano soma vitórias e avanços, recuperando posições e cidades importantes como Kherson. Esta é a realidade presente. No entanto não se pode subestimar a grande nação que é a Rússia e o seu poderio. Mas também é verdade que o seu exército está mal preparado e o armamento completamente obsoleto. Restam-lhe os mísseis e a ameaça do nuclear. Perder Kherson é a derrota que Putin não esperava ter de admitir. Ter de criar uma nova capital para a região que, segundo ele, pertence à Rússia, é sinónimo da assunção de derrota, por um lado, mas por outro a teimosia de querer manter como seu, por decreto, um território que não conquistou, nem irá conquistar tão cedo. O futuro não o podemos prever e esta é a realidade do momento. Isto leva-nos a outra realida- de que é “a guerra ainda não acabou”. Neste momento a Ucrânia sente-se forte e só pensa em levar a Rússia à mesa de negociações para assinar um acordo de paz. É assim que acabam todas as guerras, mas para isso Zelensky quer todo o território que a Rússia já ocupou incluindo a Crimeia. Putin nunca assinará nada que implique esta cedência. De igual modo Zelensky também não, se a Crimeia não fizer parte do acordo. Está em cima da mesa esta realidade bem dura. Procurando cada vez mais protagonismo, o presidente da Turquia quer continuar a ser o mediador entre as duas fações com objetivo de conseguir um acordo que termine com a guerra entre as duas nações. De momento, Putin continua a ter um trunfo importante que é o corredor por onde deverão passar os barcos com cereal tão necessário para o resto do mundo, que só continua aberto se quiser e nada o impede de fechar por tempo indeterminado. Claro que a pressão mundial será enorme e ele já tem muitos países contra ele o que não interessa muito se não quiser ficar cada vez mais isolado. A Rússia pode ser um gigante, mas tornar-se-á um anão se ficar isolada. Aliás, as recentes reações de Putin, como não querer participar na cimeira do G20, demonstra bem o medo que tem de enfrentar os líderes mundiais e ter de justificar o que é injustificável. Putin está encurralado politicamente e enfrenta dentro da Rússia enormes pressões e também a condenação da sua política de guerra contra a Ucrânia. Está a perder a guerra e isso ele não quer admitir pois seria trucidado pelos opositores. Aos poucos está a deixar de ser um líder e quer queiramos quer não, esta é uma realidade que ele vai ter de encarar mais dia, menos dia. Há já quem pense dentro da Rússia que ele se prepara para deixar o poder e ir viver para o estrangeiro. Para onde? Será que há algum país que o aceite? É ridículo! Por outro lado, Zelensky não acredita nas boas intenções de Putin ao abandonar a cidade de Kherson sem nada em troca, mas a realidade parece estar a ser diferente, já que a população festejou pe- las ruas da cidade a sua inde- pendência e reintegração na Ucrânia. Por agora limitemo-nos às realidades e esta é uma delas. Putin perdeu Kherson e está a perder território e a Ucrâ- nia está a somar vitórias. O futuro poderá ser diferente e sê-lo-á certamente no dia em que a guerra acabar. Essa é a realidade que todos ambicio- namos.

A descompensação da Rússia

Mesmo que queiramos deixar cair o tema da guerra, a verdade é que ele ressurge sempre devido a novos factos cada vez mais acutilantes. Embora Putin continue a fazer aparições em atos formais e com alguma importância, o certo é que não consegue ultrapassar o síndroma da guerra em que se meteu. Culpa própria. Contudo, aproveita essas ocasiões para atacar o Ocidente e culpar os EUA pela ajuda que fornece à Ucrânia. Não assume qualquer culpa nem admite as ajudas que eventualmente recebe da Chi- na, da Coreia do Norte ou de outros países como a vizinha Bielorrússia. De facto, se ninguém ajudasse a Ucrânia, seria fácil derrotá-la com todas as fragilidades que apresentava em fevereiro. Enganou-se. Passados tantos meses desta guerra sem razão, Putin desfalece aos poucos e vê-se obrigado a tomar decisões à margem de tudo o que esperava. A requisição de mais de 200 mil soldados reservistas para enviar para a frente de batalha é bem a prova disso. Autêntica carne para canhão. Esta atitude levou, como sabemos, à fuga de milhares de jovens que abandonaram a Rússia, procurando estar a salvo em países vizinhos e longe das garras de Putin. Depois da explosão da ponte que liga a Rússia à Crimeia, mostrou-lhe que as coisas não estavam controladas e que poderia enfrentar graves problemas a nível militar e até político. Uma vez mais atirou-se contra a Ucrânia e contra quem os ajuda, culpando-os de terrorismo, ele que é de facto, o verdadeiro terrorista. Além disso, inventa culpados sempre que necessita, para desmistificar as suas próprias culpas. Na Rússia só há santos! Como as coisas não lhe estão a corre bem, agarra-se a tudo o que pode para ganhar terreno e mostrar que quem controla é ainda ele. De facto ele ainda consegue controlar alguma coisa! Mas muito do que controlava já perdeu e em Kherson até mandou evacuar todos os civis antes que os ucranianos conquistassem o que resta da região e da cidade. Admitiu alguns revezes, mas também afirmou que vai voltar mais forte. Talvez. Seja como for a Rússia está descompensada, quer no terreno da guerra quer no seu próprio território onde as manifestações são muitas e a atuação das forças policiais se vingam prendendo quem se manifestar contra a situação. Se assim continuar não haverá prisões suficientes para enclausurar tanta gente! Mas Putin, no seu estertor de morte, não querendo perder a mão neste jogo complicado, resolve jogar sujo, muito sujo, ao cortar o abas- tecimento de cereais aos países que anseiam a sua chegada para minimizar a fome que os invade. Esta tomada de força baseou-a na justificação de que os drones que atacaram navios russos em Sebastopol foram lançados de um navio civil situado no corredor por onde passavam os navios carregados de cereal e tinha na sua composição material canadiano. Isto foi suficiente para Moscovo suspender o acordo de exportação de cereais ucranianos. Francamente! A fome de milhões de pessoas nos países africanos e não só, não conta para Putin, desde que continue a demostrar que tem força para controlar tudo e todos. Putin está a transformar alimentos em armas e isto é indigno. Há mais de 10 navios à espera de entrar ou sair, para transportar os cereais ucranianos e não podem graças a esta toda de decisão tão estúpida como o seu mentor. A verdade é que a Rússia bloqueia cerca de dois milhões de toneladas de cereais em 176 navios todos os dias, o que é suficiente para alimentar cerca de sete milhões de pessoas. Isto é inadmissível. A união Europeia já exigiu que se implementasse novamente o acordo e se libertasse o corredor de passagem aos navios, mas ainda nada foi dito ou feito por Moscovo a este respeito. Putin gosta que lhe peçam delicadamente as coisas para se sentir no comando e ter os outros em subserviência completa. Mas as coisas nem sempre são assim. A Turquia, mediadora no conflito e no acordo dos cereais, está a negociar o retomar do acordo com a Rússia, mas ainda não há luz verde. Na verdade, a descompensação da Rússia é enorme e chega ao ponto de se servir dos alimentos tão importantes a quem deles necessita com urgência, para negociar e impor a sua vontade. A descompensação não é só da Rússia, mas sim do seu líder Putin que aos poucos se vê cada vez mais abandonado dentro do seu próprio país. Várias fações se opõem a Putin mesmo correndo o risco de serem presos ao virar da esquina. Enfim.