class="html not-front not-logged-in one-sidebar sidebar-second page-frontpage">

            

IN MEMORIAM

Soube pelo meu amigo Nelson Rebanda que se prepara, em Moncorvo, uma justa e justificada homenagem aos soldados moncorvenses falecidos na sangrenta e dramática guerra ultramarina levada a cabo pelo Estado Novo contra os movimentos de libertação das antigas províncias ultramarinas que lutavam pela sua autodeterminação. Entre estes está um nome que me é muito caro: Raul Teixeira.
É normal recordarmos, dos que partem, as virtudes e exaltá-las, mas, no caso corrente, não há forma de o dizer de outra maneira: o Raul era um homem bom. Do melhor que conheci na minha aldeia, a Junqueira da Vilariça. Era uma fonte inesgotável de boa disposição e não consigo lembrar-me dele a não ser emoldurado por um sorriso singelo e contagiante. Era um pacificador e empenhava grande energia em resolver conflitos naturais entre jovens da sua idade. Era mais velho que eu e, embora a diferença não fosse significativa, para a minha idade era considerável. Conhecia-o bem porque frequentava a casa dele. Os nossos pais eram amigos e compadres e eu gostava de ir brincar com o Luís e com o Manuel, os seus irmãos mais novos e que me eram mais próximos.
A casa do Raul tinha um enorme quinteiro lageado por onde se entrava para a cozinha e dela subia-se para um espaço aberto que dava acesso aos quartos (foi num deles que vi deitada, quase desfalecida a sua mãe, Luz Abade quando soube da morte do filho) e a uma enorme varanda de madeira. Era mágica esta varanda. Ficava por cima do quintal anexo à casa onde o senhor Eugénio plantara árvores de fruto, entre outras laranjeiras, na altura raras na aldeia. Mas era sobretudo a varanda que abrindo, como quase todas na minha aldeia, para o enorme horizonte do Vale da Vilariça, tinha um atrativo adicional: estava situada sobre o terreiro da fonte onde, no verão, os rapazes dormiam a sesta à sombra das amoreiras e as raparigas vinham à água. Este largo era o centro da aldeia. Nada de importante acontecia que não passasse por aqui. Era aqui que o ferrador vinha “calçar” os machos e os jumentos, era aqui que os pantomineiros faziam as suas acrobacias e palhaçadas, era aqui que os latoeiros faziam caldeiros e romeias de folha e concertavam cântaros, era aqui que chegavam os vendedores ambulantes e era por aqui que passava o padre para ir depois rezar a missa. Era aqui que se fazia a fogueira do Natal, que se jogava ao “abre-e-dá-lhas” e ao par e pernão. Era aqui que as crianças brincavam, as mulheres ralhavam e os jovens namoravam.
O Raul era mais velho que eu. Meia-dúzia de anos, na minha tenra idade, era uma diferença substancial. Os da sua idade pertenciam a um grupo que nos olhava de alto. Eles eram já homens feitos e nós apenas uns garotos. O Raul não. Por bondade ou generosidade sempre me deu atenção e foi ele que me fez o meu primeiro carro de cortiça. Igualzinho ao que o irmão dele, o Luis tinha: uma cana limpa e direita com um furo duplo na extremidade mais grossa por onde fez passar o eixo onde se encaixaram duas rodas aprimoradamente feitas por ele mesmo, com uma navalha da poda a partir de dois quadrados de cortiça; um terceiro pedaço, menos elaborado, enfiado diretamente na cana, fazia de volante. Foi grande a minha alegria e igualmente a sua satisfação expressa no sorriso que ainda hoje recordo.
A dramática morte em terras africanas consagrou-o como o meu herói. Foi nele que me inspirei para escrever o meu primeiro livro “Cravo na Boca” editado pouco tempo depois. Dediquei-lhe um poema (“Post-Scriptum”) que publiquei no meu livro “Pedra Flor” editado mais de vinte anos depois.
A história incompleta, continua por contar.
 
Por José Mário Leite

Proteja-se do calor

São mais vulneráveis ao calor:
• As crianças nos primeiros anos de vida
• As pessoas idosas
• Os portadores de doenças crónicas (nomeadamente doenças cardiovasculares, respiratórias, renais, diabetes, alcoolismo)
• As pessoas obesas
• As pessoas acamadas
• As pessoas com problemas de saúde mental
• As pessoas a tomar alguns medicamentos, como anti-hipertensores, antiarrítmicos, diuréticos, anti-depressivos ou neurolépticos
• Os trabalhadores expostos ao sol e/ou ao calor
• As pessoas que vivem em más condições de habitação

Falando de … Quando as mães saíram à rua…uma ficção em Bragança

Portugal ganhou. Semana do nosso contentamento, dirão muitos portugueses, pobres e ricos, cultos e incultos, onde a irracionalidade despertada pelo futebol nega tudo o que é culturalmente adquirido, até a própria linguagem. Retiro a imagem de uma revista e transporto-a para as páginas deste semanário.
Semana rica de acontecimentos. Mais pobre a União Europeia, não irá esquecer tão depressa David Cameron, primeiro-ministro britânico, promotor do referendo que projectou o ex-jornalista e ex-mayor de Londres, Boris Johnson, de penteado à Donald Trump e Nigel Farage para as primeiras páginas dos jornais. Portugueses preocupados com o seu futuro e  ingleses, expatriados, receando pela sua existência, congeminam uma dupla nacionalidade neste Portugal que tão bem os acolhe e cujo sol é matéria de exportação.
Questões de emigração/imigração. E o Reino Unido divorciado da Europa, não esquecendo que é o mais velho aliado de Portugal, com Babe a mostrar quanto vale em matéria de aliança luso-inglesa.
Bragança, terra de emigrantes, tal como tantas outras cidades flageladas pelas circunstâncias. Para França e Alemanha muitos partiram. Os tempos mudaram em épocas que à memória não escapam. Portugal recebeu outros que tentaram a sua sorte. Ucranianos, brasileiros, brasileiras e tantos mais… Bragança terra de brasileiras que inquietaram pacatos cidadãos de bolsos mais ou menos fartos.
Brasileiras que foram notícia nos jornais. Na revista Time. E Bragança correu mundo. Mulheres de alma angustiada, de espírito perturbado, de lar quase desfeito, vieram à rua e reclamaram. E as brasileiras, alimento de cafés, cabeleireiros, padarias, lojas, enfim do comércio em geral, saíram. Todo o mundo português soube. Bragança não era o que se publicitava. Era terra de bons costumes. E Fernando Calado ficcionou. Acrescentou. Alterou. Investigou. Documentou-se para que nada fosse ao acaso. Mostrou do que falava e escreveu.
Duzentas e trinta e nove páginas de trinta e três capítulos de uma narrativa, onde a ficção aparece contaminada de uma realidade que conhecemos, e de uma outra realidade com laivos de veracidade e verosimilhança. Livro ousado, de um homem que à sua terra tece loas, com uma linguagem onde o termo licencioso em abundância aparece ao lado de expressões latinas, devidamente traduzidas, com citações religiosas de permeio. Texto de língua portuguesa valorizada, diversa, de regionalismos transmontanos oportunos.
Bragança dos anos sessenta à actualidade. A alegria da escrita a extravasar e a convidar-nos ao entusiasmo de uma existência que não queremos, num retrato de angústia por muitos experimentado.
Um livro que nos conduz à reflexão, a tomar partido, a odiar ou aderir, num quadro de um passado não muito remoto em que o proxenetismo, a corrupção, o baixo-mundo aparecem retratados, como se Bragança fosse um caso isolado do vício, do incumprimento, do ilícito ou da vingança.
Talvez os mais puritanos se sintam deslocados na narrativa. A ficção nem sempre é boa companheira. Um livro de final feliz a marcar comportamentos exemplares e amores duradouros, numa sintagmática em que os afectos são definidos pela precariedade.
A ler. Nada nos é indiferente. Lido de um fôlego, percorrendo espaços conhecidos, de nomes que fizeram história, num tempo que vai pertencendo à história de uma terra onde pouco acontece e abundam os brandos costumes, hoje não distantes dos hábitos das grandes metrópoles. É assim a globalização.
 
                                                                                                                                    Por   João Cabrita

Não foi adoptado o Novo Acordo Ortográfico