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Por entre pântanos e pantanais

Portugal é um país es- tagnado, atolado em graves e variados pro- blemas, por mais que António Costa e Fernando Medina es- bracejem. Tanto que o governo dá mostras de não saber como salvar o Serviço Nacional de Saúde, resolver a crise habitacional, ultrapassar a falta de médicos e de professores, aplicar os dinheiros dos Pla- nos de Recuperação e Resi- liência, vender ou não vender a TAP, construir o novo aero- porto de Lisboa a sul ou norte do Tejo, etc., etc., etc. Problemas que configuram um verdadeiro pantanal polí- tico e governativo em que António Costa afundou Portugal. Mais ainda do que quando o então primeiro ministro António Guterres se demitiu do cargo, em 2001, na sequência dos maus resultados obtidos pelo seu partido nas eleições autárquicas desse mesmo ano. Demissão que o desafor- tunado secretário geral das ONU, que então acumulava o cargo de primeiro-ministro do XIV Governo Constitucio- nal com o de secretário-geral do PS, justificou dizendo que seria para evitar que o país caísse, inevitavelmente, num “pântano político”, donde se inferia que ele próprio admi- tia ser fautor da crise. Gesto nobre, em qualquer caso, esse, de António Guter- res. Ainda assim, mal sonhava ele, por certo, que fugia de um pântano para mais tarde se ver a braços com outro ainda maior, que é a actual situação mundial, relativamente ao qual a política nacional pouco mais é que um charco onde continuam a cantar e a bailar, alegremente, cobras, sapos e outros répteis menores. Acresce que se António Gu- terres, com essa sua lendária demissão, não conseguiu sanar, como terá pretendido, o pântano português de então, que acabaria por se transfor- mar, com António Costa, num verdadeiro pantanal, muito menos tem ousado aclarar o pântano mundial que, até certo ponto, ainda mais tem aprofundado, como se tem visto a propósito do conflito entre o famigerado Hamas e Israel. Isto porque o mais lógico seria que, logo no início do conflito, tivesse o secretário geral das ONU voado para Tel Aviv, Teerão, Cairo, Catar e para onde mais interesse houvesse, para tentar acalmar os ânimos e encontrar possíveis soluções para o problema. Mas não: optou por ir lamentar-se para as portas de Gaza, reduzindo a ONU ao Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR) e arvorar-se, posteriormente, em injusto justiceiro, ao atribuir o pecado original a Israel o que, de certa forma, representou a absolvição do Hamas. Tratou-se, por certo de um lamentável acto falhado, quando o papel de secretario geral da ONU é eminente- mente político e diplomático. Tudo indicia, de facto, que o prestígio de António Guterres nas altas esferas é fraco, como consta e que ele próprio as- sumiu, à partida, que os actores principais do conflito não respeitariam minimamente o que ele viesse a dizer ou a fazer. Triste sina a de António Guterres. Talvez agora sim, se justifique que, face ao que acontece em Gaza e na Ucrânia, António Guterres repita o seu nobre gesto de 2001 em Portugal, e apresente a sua demissão de secretário geral das ONU. Talvez tal gesto leve os donos do mundo a pensar mais seriamente nas maldades que estão a causar à Humanidade e dos perigos a que eles próprios se expõem. Mas, voltando ao pequeno Portugal, havemos de concluir que o pântano a que António Guterres se referiu em 2001, tudo tem a ver com o pantanal em que António Costa está a atolar Portugal, porquanto o actual primeiro- -ministro foi ministro da Justiça e ministro dos Assuntos Parlamentares de António Guterres, e os dossiers de então continuam em aberto. Muito embora se trate de personalidades completamente distintas, justiça seja feita. De verdadeiramente novo apenas, é que no pantanal de António Costa, para lá das habituais cobras e sapos também proliferam agora ratos e baratas. Parece ridículo, mas é verdade. É o que se deduz de uma nota em que o diretor do Laboratório Nacional do Medicamento, cito o semanário Expresso, dá conta da interrupção das ações de desbaratização e desratização, porque deixou de ter gente suficiente para proceder às desinfestações preventivas de pragas de insectos e ratos. Enfim. Por entre pântanos e pantanais lá vai Portugal so- brevivendo. Até quando nin- guém sabe. Não é para rir. É para chorar.

Que bonitos os cemitérios nestes dias

Aqueles de entre nós que receberam uma verdadeira educação católica, identificam-se de imediato nos primeiros dias de novembro. Sabem a quem são dedicados, sabem dessa vocação bem específica. Para os outros, estes dias são marcados por reuniões em família, pelo halloween dos filhos e uma volta pelo cemitério por vezes. Os cemitérios nunca estão tão bonitos como nestes dias. Ao longo do ano, quando uma campa resplandece, submersa pelas coroas, pelos feixes de ramos, marca a chegada dum novo inquilino, duma nova residente. Através das flores escolhidas, das fitas que serpenteiam ainda sobre o papel transparente, não é difícil adivinhar quem veio juntar-se aos eternos. Um homem ou uma senhora, demasiado jovem, ou já não muito jovem, tendo deixado ou não o cônjuge, os pais, filhos, netos, colegas de trabalho, colegas de associação, de club. Mas o dia um de novembro, dia Santo, é um feriado que facilita os encontros à volta das campas da família, é o cemitério na sua totalidade que resplandece, e no brilho dos crisântemos, todos os mortos pertencem à mesma vasta morada, às mesmas unidades de medida. Mortos de ontem ou de outrora, estão ali todos, onde nos conduz qualquer que seja a vida que tenhamos. A sua companhia faz-nos bem, eleva-nos. O tempo deste encontro, largamente partilhado, nada que tenha a ver com o frenesim terrestre nos vem perturbar ou cansar. As vozes ajustam-se ao silêncio do lugar, apesar de haver sempre gente nos corredores. O ruído dos passos nos paralelos ou na gravilha, a água nos regadores, crianças que circulam e saltitam ou os vasos colocados sobre a pedra tumbal, não fazem barulho, ou pouco mais do que o amassar das folhas quando uma brisa de vento se levanta ou a canção duma mãe que embala uma criança. Os mortos nesse dia guiam os nossos passos e os nossos pensamentos. Efetivamente são eles que tratam de nós. Quando se aproximam estes primeiros dias de novembro, digo-me por vezes “nunca mais chega o dia”, sei que no cemitério posso contar com a aprazível e exigente vizinhança dos defuntos para enviar a uma espécie de insignificância tudo aquilo que me ocupa nos outros dias, mesmo aquilo que dá todo o sentido à minha vida. Perto dos túmulos, o mundo pode esperar. A administração, a casa, as compras, o email, os passeios, claramente. E a leitura, os amigos, a família, até as crianças. No dia dos mortos, ou digamos, no dia do cemitério, nada é urgente. Não quer dizer que nada mais conte para nós, ou a vida perderia todo o seu sentido! Quer dizer que nos recordamos, que esse dia, sabemos, que esse dia, a nossa vida é eterna. Que o amor é eterno. Que os que com carinho nos chamam frente a esta campa onde os depositámos, não nos abandonarão nunca. É mais fácil dizê-lo, mais fácil vivê-lo, quando são muitos os primeiros dias de novembro que nos levaram perto deles. Apesar de continuar viva a surpresa; um mês depois, um ano depois, dez anos depois, vinte anos depois. Olha- mos para os nomes, para as datas. Por vezes, há tão poucos anos – há tão poucos meses, dias mesmo!- entre a data de nascimento e a da partida, que os números nos apertam o coração. Como é possível, como é que continuámos a viver depois de nos termos afastado pela primeira vez desse cemitério ao qual, habitados por dores profundas e silêncios infinitos, confiámos alguns que tinham nascido para nos enterrar a nós mes- mos. Mas, quando foi há mui- to tempo, coabitávamos com estes mistérios, e aceitamos que os mesmos sejam demasiado grandes e complexos para nós. Quando foi ontem, por outro lado, quando a pedra está gravada de fresco, quando qualquer coisa em nós nos pergunta o que fazemos ali, ou seja, perto daqueles que estavam perto de nós, em todo o lado, o tempo todo… O dia, o momento que nessas primeiras horas de novembro queremos e o pode- mos organizar à volta duma visita ao cemitério é, no en- tanto, um momento precioso. É como uma festa de família alargada aos ausentes, sendo o poder que convida e que sabem poder contar com a nossa presença. No cemitério, estamos com eles, sabemos que nos amam e se, somente pudéssemos fazê-lo, dar-lhes-íamos muitos beijinhos.