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Máscaras, Mascarilhas e Mascarados

No tocante ao abrangente tema da Máscara guio-me pelo aprendido nas obras de Claude Lévi-Strauss, Mircea Eliade (que trabalhou na Avenida Marquês de Valbom em Lisboa), Marvin Harris e Roger Callois. Eu sei que existem centenas de outros especialistas e putativos especialistas, no entanto, prefiro confiar nos Mestres que sabem, a gastar os olhos nos do pouco pensado, reflectido e vivido em cavalgadas em vez do percorrido a pé, porque o caminho faz-se caminhando, assim o assinalou o poeta que morreu nos braços da burguesia após jornadas em caminhos que o seu opositor Camilo José Cela calcorreou de lés a lés de toda a Espanha franquista que nos legou Mazurca para dois mortos que vale por toneladas de títulos de antropologia. Esta obra do galego passa-se na Galiza e nela surgem como fantasmas risonhos, pícaros, obscenos, glutões e excessivos os nossos avós do Nordeste transmontano. No tocante a máscaras há quem a afivele todo o ano, excepto no Entrudo, há quem possua várias a fim de as usar conforme as circunstâncias por isso as mulheres astutas das nossas aldeias os crismaram de pantomineiros, há quem as coloque no intuito de mascararem as pulsões negativas – estupidez congénita, impostura, ingratidão, inveja, ódio – ao modo de figurantes repulsivos das grandes tragédias gregas – prometeu, antígona e as bacantes – só para citar as mais referenciadas, a não significar serem mais lidas e interpretadas. Já o escrevi, o Nuno, Nuno Álvaro Vaz, sócio da Livraria Cristal concedeu-me crédito, pagava os livros de acordo com as minhas possibilidades (que eram escassas, ele conhece as causas), uma das primeiras obras adquiridas foi o romance Os Três Mosqueteiros de Alexandre Dumas (a história regista ser o eclético autor dumas de outras). Os leitores leram a triste sorte do personagem O Homem da Máscara de Ferro, lembra que até do ferro se fazem máscaras, a significar ser possível a produção de máscaras conforme nos dá na real ou republicana gana. Neste tempo de virulenta pandemia as televisões exibem artefactos destinados a protegermos narizes mesmo os ranhosos e as bocas, até as impregnadas de aviltantes halitoses. As máscaras não são só signo/significante de luxúria, engodo, engano; aos as vislumbrarmos logo ficamos inteirados sobre o que uma mulher ou um homem estão ou deviam estar a praticar acções relativas aos seus conhecimentos e profissões, a torto e a direito verificamos incongruências tendo como elemento primacial a máscara, concedendo acuidade à sentença: bem prega frei Tomás, faz o que ele manda, não faças o que ele faz, este anexim já é conhecido antes do Professor Marcelo ser aguadeiro de António Costa, para lá das diferentes directrizes sobre o mesmo problema de Marta Temido e Graça Freitas. As duas senhoras ainda não convocaram uma conferência de imprensa a pedirem desculpa por que confundem máscara com mascarilha. Ao menos podiam ir à Interne ler as significações de máscara e mascarilha. Se as senhoras tivessem tido a sorte como eu tive de ver os filmes A mascarilha de Zorro o vingador, ou o Prisioneiro do Castelo de Zenda, verificavam as diferenças entre máscaras e mascarilhas. Bem sei, tais filmes não obedeciam ao cânone da actualidade – palavrões de fazerem corar a boca imunda de Aretino, em vez do sugestivo tapa-destapa dessa época de mulheres opulentas aparecem actrizes anorexias ambrientas e escanzeladas. Embora as comparações sejam odiosas, porém vejam as actrizes dos dois filmes nas versões de Zorro e do Prisioneiro, (a lindérrima Madeleine Carrol, espero mão me ter enganado no apelido) e depois vejam as diferenças. No que tange a mascarados volto, novamente, a Bragança não no sentido serôdio do fado coimbrão Coimbra dos meus amores, sim no referente à visão de futuro da cidade. Os leitores recordam-se de um candidato numas eleições autárquicas ter apostrofado Jorge Nunes e Hernâni Dias, o primeiro na justa e operativa medida de ter uma visão cultural da cidade apostando na criação de museus, o segundo continuou e continuará (assim espero) na mesma senda a demonstrar ao candidato a sandice do por ele pensado e proferido. O tempo dos pafós vale como recordação de um passado ancorado em tristeza, conformismo bafiento e estagnação pois no salazarismo tudo se concentrava na letra da canção é uma casa portuguesa (façam o favor de ouvir), no vinho carrascão e carapau do gato. O Museu da Máscara repleto de semióforos a perpetuarem vinculações é exemplo de antecipações do futuro escorado em sedimentações culturais capazes de contribuírem para o revigoramento da região. Os mascarados do presente são cínicos, plagiadores, logo miméticos. O Museu da Máscara ora trazido à colação pelas piores razões para lá de instrumental e separador do referido mimetismo oportunista e pescador em águas turvas a possibilitar a mantença de burocratas da cultura que não usam manguitos dado não estarem na moda, assume-se no quadro das estruturas e super-estruturas daquilo que é lícito esperar numa cidade cujo passado é (deve ser) âncora de fixação de massa crítica geradora de riqueza e emprego. A pandemia eivada de venenos civilizacionais teve o condão de motivar mobilidades que o pouco educado Secretário de Estado da dita cuja ou doença de S. Vito não conseguiu, ou por defeito de incompetência sem descurar a hipótese de raivosas ciumeiras de índole local serem a mãozinha fechada a movimentá-lo da mesma forma que xarabaneco das festas da cidade movimentava as marionetas. Lembram-se? Alguns do meu tempo sabiam fazê-lo destramente, assim soubesse o significado e substância de MORE. Hei-de saber!

E agora, António?

“ O povo português é absolutamente extraordinário nas crises e medíocre no regresso à normalidade.” – A frase não é minha mas sim de Costa Silva, o homem forte do momento, escolhido pelo primeiro-ministro para preparar o plano de recuperação pós-covid, Só a controvérsia gerada pela sua designação dava para escrever várias páginas, não por causa do perfil ou da competência, mas pelo que significa num país habituado a criticar por tudo e por nada. Interessa a frase, que subscrevo, e que se situa na linha de uma outra expressão, essa com mais anos, e da autoria de Jorge Dias: “O povo português passa facilmente da exaltação épica à lamentação ética”, ancorada, por sua vez, nas lamentações do grande poeta, Luís de Camões, que se queixa do desprezo a que foi votado e do estado da nação. No reinício da vida social, para além do que era previsível em termos pandémicos, somos confrontados com um mal maior que tem a ver com a ambiguidade do discurso das autoridades, associado a uma regulamentação que de tão contraditória que é, dá a impressão de se ter perdido por completo a noção da razoabilidade e da coerência na tomada de decisões. Pense-se, por exemplo, na reabertura dos jardins-de-infância e na ausência de regras para o funcionamento dos ATL’s que, por falta de legislação, continuam, até ao momento, encerrados. Mais grave ainda será a situação dos lares e das estruturas residenciais para idosos, com visitas proibidas desde o dia treze de março. Reiniciadas agora sob a batuta de um discurso sanitário preventivo, impõe restrições de tal ordem que se revelam contraproducentes, multiplicando relatos da recusa, por parte dos séniores, de aceitar visitas porque proíbe a socialização, os afetos e a proximidade. Ao esquecer outras dimensões da vida, tão ou mais importantes do que a saúde física, esquecem as autoridades que estão a segregar e a privar de um direito, aqueles que pelo simples facto de estar num espaço comunitário não lhes é permitido o regresso à nova normalidade e às rotinas que ainda lhe conferiam a singularidade de ser pessoa. Há nos lares, quem faça da ida ao café, ao cabeleireiro ou do simples passeio a âncora dos seus dias; no entanto, o estereótipo de que só vai para o lar quem já nada pode toldou a capacidade e o entendimento das autoridades obrigando esta população à continuação de um incompreensível confinamento que põe em causa liberdades e garantias. Sendo as falhas da supervisão sobejamente conhecidas, é legítimo questionar até que ponto pode o estado português garantir aos cidadãos, nomeadamente aos familiares dos utentes, que durante este período continuaram a receber o tratamento adequado, a atenção dos colaboradores e a assistência religiosa, caso a desejem. Há um longo caminho a percorrer na forma como se continua a olhar a geração dos maiores e, sobretudo, quando se conota o “idoso” com a pessoa vulnerável tão próximo do discurso idiota que os rotula de “meus bebés” ou “meus meninos” e no qual se tropeça a cada passo pelos corredores de tantas dessas estruturas. Em vez de achatar a curva da solidão, a pandemia serviu para a reforçar, em vez de se criarem programas de promoção de qualidade de vida, descurou-se o essencial. Algumas das figuras de proa e de decisores que diariamente têm aparecido nos ecrãs, estão a meia dúzia de anos, alguns menos, de entrar no grupo que agora mantêm entre quatro paredes. Passados noventa dias da declaração do estado de emergência e quando os apelos para o regresso à normalidade social se ouvem a cada instante, é lícito perguntar se, quando as autoridades de hoje, cidadãos comuns de amanhã, derem entrada num lar, também quererão estar confinadas? Hoje, tal como ontem, há apenas uma certeza: perante as leis da vida, somos todos iguais. Já não bastam os ensaios académicos, profundamente teóricos, que apontam para a necessidade de mudança no modo como se encara a velhice no século XXI. É que se aos jovens oferecemos uma escola do século dezanove, com professores do século vinte, para uma realidade do século vinte e um, aos maiores faz-se ainda pior, porque se antes eram encarados como fonte de sabedoria, hoje foram reduzidos a nada.

Entrega do prémio Pessoa a Tiago Rodrigues

Da história dos judeus em Torre de Moncorvo, que tenho estudado, o pormenor que mais me impressionou foi a utilização da palavra justo – referida a André Dias, líder da comunidade local em meados do século de 1500. Dezenas de anos depois de morto, ainda era recordado pelos seus concidadãos, com esta expressão – O Justo. Foi também esta a palavra que me pareceu mais apropriada para recordar o meu compatriota, jornalista Rogério Rodrigues, recentemente falecido. Talvez por isso mesmo, gostei muito de ouvir o Sr. Presidente da República repetir por 3 ou 4 vezes a palavra justo, referindo- -se a Tiago Rodrigues, filho do Rogério, dizendo-o: - Justo vencedor do prémio Pessoa; justo vencedor enquanto encenador; justo vencedor enquanto dramaturgo; justo vencedor enquanto autor e promotor teatral (…) e sobretudo, um justo vencedor enquanto ativíssimo agregador de talentos e vontades. Gostei também de ouvir a rápida conversa entre a locutora da SIC, Débora Henriques e Tiago Rodrigues, salientando este “o caráter coletivo e simbólico” do prémio, que distingue “a qualidade e diversidade do teatro português”. Vem tudo isto a propósito da cerimónia de entrega do Premio Pessoa 2019 a Tiago Rodrigues, ator, dramaturgo, encenador, produtor teatral e diretor artístico do Teatro Nacional D. Maria II, realizada no passado dia 9 de Junho, na Fortaleza de Cascais. Trata-se do maior galardão atribuído em Portugal a uma pessoa que anualmente se distingue na vida científica, artística e literária do país, instituído pelo jornal Expresso. É um prémio não estatal e, talvez por isso, Tiago disse acreditar que haja uma mudança “na forma como a sociedade civil, em Portugal, está atenta à cultura” e acrescentou com um recado ao poder político: - É urgente que a cultura seja um desígnio prioritário. Palavras simples, mas que devem ser bem pesadas, sobretudo nestes tempos de pandemia em que a o setor da cultura é mais atingido do que qualquer outro. O Presidente Marcelo Rebelo de Sousa lembrou que o premiado esteve quase para ser jornalista. Na verdade, foi como jornalista que eu o conheci, bem jovem ainda, em Torre de Moncorvo, escrevendo um texto sobre Jorge Luís Borges para o extinto jornal “Primeiro de Janeiro”. Mas foi em 2009, na Biblioteca Municipal de Torre de Moncorvo, que fui tocado pela magia poética e de ator, de Tiago Rodrigues, ao recitar a sua “Biografia”, inserta num pequeno/grande livro – “TORRE DE MONCORVO Março de 1974 a 2009” e que termina deste moto: E em último lugar Gostava de ser enterrado, sem missas nem cruzes No talhão dos bombeiros No cemitério dos prazeres E se os bombeiros não deixarem Ou já não houver espaço Então quero ser cremado sem missa à mesma E ser colocado dentro de um pote Aos pés da campa de Fernando Assis Pacheco Que também lá está nos prazeres E no pote uma inscrição: “está aqui porque os versos dele não chegavam aos calcanhares dos versos do Assis” em baixo um nome umas datas e obrigados. Tiago Rodrigues e Campos Monteiro são os dois nomes de “Filhos de Moncorvo” – perdoe-se-me a expressão – que ganharam nome a nível nacional, em termos de Teatro. Tiago é um jovem, Campos Monteiro faleceu há muito e celebrizou-se no primeiro quartel do século XX. Depois de morto, erigiram-lhe um busto em um Largo a que deram também o seu nome. Curiosamente, enquanto Portugal distinguia Tiago Rodrigues com o Prémio Pessoa, na Torre de Moncorvo retiraram do seu sítio aquele busto e o seu pedestal! Certamente o fizeram com a melhor das intenções (para escoar águas ou limpar as pedras de granito e o bronze! – ouvi dizer), mas com tremenda falta de respeito para com gerações de Moncorvenses. Bom: sejamos compreensivos. Errar é humano. Espero que rapidamente o pedestal e o busto regressem ao seu sítio, sob pena de encarar o ato como um atentado a História e à Cultura da Minha Terra. Ps. Utilizei a letra maiúscula para escrever Minha, não por vaidade nem por considerar mais minha do que dos outros, mas porque queria recordar o livro mais querido dos Moncorvenses – Ares da Minha Serra – escrito por Campos Monteiro.

António Júlio Andrade

Nação Crioula

Boas tardes, forte gente. Espero que se encontrem bem de saúde e a desconfinar como manda a lei e sobretudo o bom senso. Proteger os outros, protegendo-nos a nós mesmos. Basicamente é o que há a fazer nos próximos tempos. Quem me acompanha sabe que nem sempre sou de comentar os assuntos mais mundanos que enchem o quotidiano. Não sou um opinador diário e profissional que viva de ter de comentar tudo o que mexe por isso não tenho esse dever e muito menos essa vontade, embora, naturalmente, haja situações que mexem connosco mais dos que outras e que nos impelem a deixar um registo sobre o que vai acontecendo. No outro dia estava a ler a notícia do jovem artista que foi encontrado morto depois de estar desaparecido durante alguns meses. Uma história com contornos que ainda não estão bem compreendidos, com uma trama cheia de dúvidas e omissões que fazem jus aos fins trágicos, cheios de incógnitas e múltiplas versões das grandes estrelas da música. Era um rapaz que se apresentava como Mota Jr e cuja música rap ou hip hop reflectia as suas vivências desde as profundezas de um bairro como outros, escondido por entre os subúrbios mais desbotados de Lisboa. Concretamente no bairro da Baixada, São Marcos, Cacém. Apesar da sua imagem aparentemente mais ofensiva, característica de quem interpreta este tipo de música e que não é incomum servir de pele - a melhor defesa é o ataque - para quem cresce nestes meios sociais, via-se que era um rapaz transparente e inocente (binómio comum, também) demasiado até, uma vez que não tinha decoro em mostrar o dinheiro e os bens que ia conseguindo através do seu trabalho musical. E parece, até ver, que foi essa ostentação presente nos vídeos das suas músicas que levou à cobiça dos criminosos que lhe roubaram, inclusive, a vida. Esta é a história resumida e é também o mau exemplo da história que deve ser considerado por quem segue estas pisadas e por todos em geral. Mas quem somos nós, quem é a sociedade para condenar um jovem que mostra o que ganha à medida que se vai libertando do buraco quando todos escarranchamos tudo nas redes sociais, os filhos, onde estamos, o que temos, o que pensamos dos outros... Que atire a primeira pedra quem use as redes sociais sem revelar nada ou quem saiba reflectir colocando-se na pele do outro antes de disparar injúrias. Dizia há tempos uma responsável da Interpol que 60% das fotografias apanhadas nos sites de pedofilia são roubadas a partir das fotos que os pais colocam das suas próprias crianças nas redes sociais. É fácil apontar erros aos outros, mas nem sempre é fácil aprender com eles. Há uma fala épica num filme brasileiro em que depois do Neto, um dos aspirantes a comandante da Tropa de Elite, ter sido assassinado na favela por irreflexão e descuido, o Capitão Nascimento diz: “Se o Neto tivesse a inteligência do Matias teria sido bem mais fácil. Mas quem disse que a vida é fácil?” Pois sim, a vida não é fácil por definição e andamos cá para viver com isso e para ir aprendendo qualquer coisa pelo caminho. No entanto, a história deste jovem tem lados positivos e poderosos, é neles que me quero focar. Primeiro, este jovem sendo português falava crioulo e, melhor, construiu a sua carreira a cantar em crioulo. Não há muitos portugueses que saibam falar crioulo. Crioulo de Cabo Verde, com ligeiríssimas diferenças do da Guiné, semelhantes nas suas mesclas de ingredientes do português e das línguas e dialectos do ocidente africano. Um dos muitos descendentes que a língua portuguesa foi dando ao mundo e que nem sempre é devidamente lembrado. Um jovem português fazer carreira, ter centenas de milhares de seguidores e milhões de visualizações cantando em crioulo é algo digno de grande relevo. Um feito único e absolutamente representativo da diversidade linguística e cultural da língua portuguesa em toda a sua riqueza e imprevisibilidade. O facto deste jovem português, sem nunca ter tirado os pés de um bairro perdido nos arrabaldes lisboetas, produzir música em crioulo e assim acumular fãs e concertos é algo peculiar no nosso panorama musical e artístico. Só por isso o seu curto legado acrescentou valor e originalidade. Mas há mais. O outro grande feito deste jovem perfeitamente desconhecido entres nós portugueses foi ter ido a Cabo Verde e à Guiné Bissau e esgotar estádios apinhados de gente para o ouvir cantar. É incrível que um jovem num dia esteja no seu bairro social, vivendo os dias arrastados de muitos jovens destes pequenos e isolados guetos e “no dia seguinte” esteja em África com estádios nacionais cheios a seus pés das bancadas ao relvado. Este é o lado incrível e arrebatador de um marginal entre marginais, marginalizados até mesmo quando conseguem feitos ao alcance de muito poucos. Há pessoas que criticam as suas letras, mas a verdade é que as pessoas criticam tudo. Até criticam que alguém aprenda outra língua e que a use para criar arte. Nada a fazer contra quem insiste em ostentar a sua pobreza de espírito. Ele cantava e representava aquilo que era e foi precisamente isso que o levou a conquistar a juventude que conquistou. Dois factos que ninguém pode tirar à sua história e que perdurarão. A sua arte fica cá para isso. Para contribuir à sua singularíssima maneira para esta Nação Crioula em que pessoas, línguas e culturas de vários quadrantes brotam juntas do coração de um bairro feio e esquecido para o mundo de língua portuguesa. É obra. Podes descansar em paz, David. Como tu dizias com orgulho, Baixada Sta Na Casa. Um abraço!

* Leitor de Português na Universidade de Sun Yat-sen Cantão Guangdong – China

Que a santa Europa nos valha!

A UE tem pela frente a mais séria recessão da sua história resultante da paralisação provocada pela pandemia Covid-19. No que aos estados membros mais vulneráveis diz respeito, como é o caso do desgovernado Portugal, a prevalecente crise (económica, financeira e social), poderá ser catastrófica. Depois de muito choro e ranger de dentes a presidente da Comissão Europeia, a alemã Ursula von der Leyen, irá submeter à aprovação do Conselho Europeu um plano de investimentos e reformas com o objectivo de salvar a economia da União no seu conjunto e a dos estados membros de per si. Trata-se, apenas, de despertar o fantasma da velha CEE, nada mais. A Europa dos europeus, pátria das pátrias, campeã da liberdade, da igualdade e da fraternidade, essa, continua agonizante. Tal plano, elaborado sob os auspícios do governo alemão, envolverá a módica quantia de 750 mil milhões de euros que sairão dos cofres do Banco Central Europeu que, como contrapartida, recolherá os fundos gerados através de um alargado pacote de novos impostos. A repartição deste dinheiro pelos estados membros sob a forma de empréstimos e subvenções, que o mesmo é dizer doações, terá em conta o valor da economia própria de cada estado, o seu PIB per capita e o rácio da sua própria dívida pública. Para tanto, os estados membros são catalogados em três categorias, a saber: os de rendimento acima da média, os de rendimento abaixo da média mas com dívida baixa e os de rendimento abaixo da média e com dívida alta. Uma forma simpática de contornar o diferendo norte- -sul. Convém lembrar que as vagas sucessivas de fundos europeus que durante anos entraram nos cofres nacionais desde que Portugal aderiu à CEE foram tão escandalosamente “surfadas” por governantes e afins, que acabaram por criar na opinião pública a ideia fixa de que o Regime é rui e os políticos desonestos e incompetentes. Mais uma vez o velho Portugal, é fatal como o destino, corre no pelotão dos desgraçados, dos pobres e endividados, pelo que receberá maiores montantes relativos. Ainda bem! E uma nova bebedeira de milhões se perspectiva em Lisboa. Ainda mal! Que a santa Europa nos valha, portanto! Duplamente! Que não se limite a dar a esmola, como aconteceu em dádivas anteriores, mas que igualmente cuide de que a mesma não seja abocanhada, ainda na mão dos doadores, pelos digníssimos escroques da Nação. E que esta dinheirama, que no caso português ascende a qualquer coisa como 31,5 mil milhões de euros repartidos em cerca de 15 mil milhões a título de subvenções e de 10 milhões de empréstimos, não seja lançada à rebentina, mas que já traga destinos bem balizados tendo em conta os mais relevantes desígnios nacionais. E que seja fiscalizada rigorosamente por gente competente de Bruxelas, porque, nesta altura, em Portugal já muitos predadores salivam e aguçam os dentes nos corredores ministeriais, nas sedes partidárias, nos escritórios das grandes empresas e em mil suspeitas fundações. Uma excelente oportunidade, mesmo assim, para os autarcas do interior, com realce para os de Trás-os-Montes, mostrarem o que valem, fazendo prova da sua competência política e técnica, independência e lisura, dado que, ao que se diz, a coesão do território receberá parte de leão. A ver vamos!

Este texto não se conforma com o novo Acordo Ortográfico.

Campos Monteiro

O último fim de semana de maio,apesar de aliviante desconfinamento, surpreenedeu-me com uma notícia chocante e inacreditável: o busto do escritor moncorvense Abílio Adriano de Campos Monteiro tinha sido derrubado! No largo com o seu nome e no lugar onde honrados e gratos moncorvenses fizeram erguer uma justa homenagem ao grande vulto literário estava agora um montão de escombros “protegidos” por amarelas grades metálicas. Fiquei incrédulo e chocado! Era difícil acreditar no que me era mostrado. Resisti à tentação visceral de protestar, vociferando, à boa maneira transmontana, contra quem pudessem ter estado na origem de tal ato criminoso e lesivo, não só da memória do escritor, mas também da boa-fé de todos os que lhe reconhecem o inestimável contributo para cultura nordestina. Não podia ser o que parecia. Tinha de haver uma explicação razoável... ou então, de imediato, mãos diligentes haveriam de refazer o que, insensatamente fora mandado desfazer! Estava esperançado que a reunião de Câmara da segunda-feira seguinte, dia 1 de junho, iria esclarecer a situação e os seus fundamentos legais. O Castelo de Torre de Moncorvo, onde se insere o monumento em questão foi classificado, por decreto governamental, como imóvel de interesse público em outubro de 1955 de acordo com o que está publicado no PDM em vigor. Como tal está ao abrigo das disposições da Lei de proteção e valorização do património cultural. Nenhuma intervenção, mesmo limitada à conservação e restauro, pode ser efetuada sem autorização da entidade tutelar. Esta haveria de ser exibida na reunião municipal e tudo ficaria esclarecido. Era preciso ter paciência e aguardar. Afinal, de acordo com o testemunho da vereadora Maria de Lurdes Pontes, publicado e não desmentido, o único documento apresentado foi uma nota de serviço da autoria do Presidente da Câmara! Fiquei ainda mais incrédulo! Não podia ser! Não sei quando ouvi, pela primeira vez, falar de Campos Monteiro. Mas lembro bem a descoberta, no manual de leitura do ciclo preparatório, de um texto maravilhoso transcrito do livro “Ares da Minha Serra” sobre a Rebofa, fenómeno que, felizmente deixou de acontecer. A descrição realista e dramática avivara e recriara a observação recente e traumática das águas lodacentas do Douro a invadirem as canameiras, vinhas e pomares da Vilariça, espalhando o terror e a destruição. Mais recentemente, já como Presidente da Assembleia Municipal, tive o privilégio de propor para aprovação o regulamento que estabeleceu o Prémio Literário Campos Monteiro, dando substância a uma feliz ideia do saudoso moncorvense Rogério Rodrigues. E que, apesar de continuar anunciado na página do município, ao que me informaram, foi suspenso por decisão do Presidente da Câmara, num clamoroso desrespeito pela Câmara a que preside, (autora formal da proposta), pela Assembleia Municipal (que a aprovou), pelo seu patrono (mais uma vez!), por todos os autores, possíveis candidatos e, em resumo, pela cultura! Escrevo este texto esforçando- -me por manter o nível que o respeito pelas instituições municipais do meu concelho me merecem, apesar e independentemente de quem as preside. Não sei se Abílio Adriano Campos Monteiro teria os mesmos pruridos, depois da ofensa que reiteradamente lhe fazem. No fecho desta crónica, não resisto, à tentação de lhe dar a palavra na pessoa de Marcial Jordão, pseudónimo com que escrevia no Jornal de Notícias. Questionado se isto prenunciava o fim do mundo, o repórter tripeiro, provavelmente, haveria de responder, como o fez em novembro de 1919: “... o mundo não acaba ainda. Mesmo porque esse dia seria o dia do juízo, – e juízo é uma coisa que tarde haverá...