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O rebanho é a sua companhia e o seu sustento

Qui, 07/05/2020 - 11:08


Olá gentinha boa e amiga!

 Continuamos a ter que viver com muita prudência e muita paciência, pois continuamos com o pesadelo que nos atormenta diariamente e ainda temos muito pano para mangas.

A tia Julieta, de Suçães (Mirandela), contou-nos que este ano a sua aldeia manteve a tradição de ter no 1º dia do mês as casas engalanadas nas portas e janelas, com giesta florida para não entrar a fome.

Alguns membros da família também mantiveram a tradição de roer a castanha no 1º de Maio, para o burro não morder.

LAY-OFF simplificado (II)

- No caso de redução temporária do período normal de trabalho, o trabalhador receberá do empregador a sua retribuição normal ilíquida mensal proporcional ao tempo ou ao período de trabalho efetivamente desenvolvido e a comparticipação da segurança social, na proporção de 70%, só entra se e na medida em que for necessário relativamente à diferença entre o auferido pelo trabalhador e o que ao trabalhador será necessário satisfazer para perfazer o valor anteriormente referido, ou seja, os tais 2/3 da sua retribuição normal ilíquida mensal tendo como limite as mencionadas três RMMG (1.905€) ou a RMMG (635€) se esses 2/3 se situarem em valor a ela inferior.

Regista-se que é o empregador o responsável pelo pagamento integral da retribuição a que o trabalhador tem direito, que tempestivamente tem de colocar à sua disposição, sendo a comparticipação da segurança social por esta creditada em conta a indicar pelo empregador e que este apenas poderá destinar ao pagamento de tais retribuições. 

 Por seu turno, o incentivo financeiro extraordinário para apoio à normalização da atividade da empresa apenas pode ser requerido e recebido pelo empregador que beneficie do apoio anteriormente mencionado (apoio extraordinário à manutenção de contrato de trabalho) ou do plano extraordinário de formação, destina-se à retoma da atividade da empresa, tem o valor de uma RMMG (635€) por cada trabalhador que foi abrangido por essas medidas (apoio extraordinário à manutenção de contrato de trabalho ou do plano extraordinário de formação) e é concedido e pago, de uma só vez, pelo Instituto de Emprego e Formação Profissional (IEFP).

Por último, a isenção temporária do pagamento de contribuições para a Segurança Social, a cargo da entidade empregadora, aplica-se aos empregadores que beneficiem das medidas de apoio extraordinário à manutenção de contrato de trabalho ou do plano extraordinário de formação relativamente aos trabalhadores abrangidos por essas medidas e ainda aos membros dos órgãos estatutários e aos trabalhadores independentes (empresários em nome individual) que sejam entidades empregadoras beneficiárias das medidas e respetivos cônjuges e a isenção reporta-se às contribuições referentes às remunerações respeitantes aos meses em que a empresa seja beneficiária das referidas medidas. Resulta pois do que fica dito que de tal isenção são apenas benificiários os empregadores continuando os trabalhadores obrigados a realizar perante a segurança social a contribuição que sobre eles impende (11% da retribuição que efetivamente venham a auferir).

Para concluir, consignam-se as seguintes notas finais:

- As medidas previstas de apoio extraordinário à manutenção de contrato de trabalho e de isenção temporária do pagamento de contribuições para a Segurança Social, a cargo da entidade empregadora, têm a duração de um mês, sendo, excecionalmente, prorrogáveis mensalmente, até ao máximo de três meses. Nas suas renovações o empregador pode manter os apoios que inicialmente requereu ou reposicionar-se em termos dos apoios de que pretende passar a beneficiar;  

- Durante o período em que beneficie dos descritos apoios bem como nos 60 dias seguintes ao termo da sua concessão o empregador não pode fazer cessar contrato de trabalho de trabalhador abrangido por aquelas medidas ao abrigo das modalidades de despedimento coletivo ou despedimento por extinção do posto de trabalho (e também por inadaptação) previstas no Código do Trabalho, podendo, assim, faze-lo cessar por facto imputável ao trabalhador e por caducidade (por exemplo, pode fazer cessar, nos termos legais, os contratos de trabalho celebrados a termo certo no final do seu prazo inicial de duração ou do prazo da sua hipotética renovação que estejam em curso, mesmo que os trabalhadores assim contratados tenham sido abrangidos por tais apoios).

- Os pedidos de apoio são formalizados mediante requerimento eletrónico apresentado pela entidade empregadora junto dos serviços da Segurança Social, podendo o início da produção dos efeitos dos apoios pretendidos reportar-se a data anterior ao da sua apresentação.

- Os empregadores beneficiários dos apoios podem, a posteriori, ser fiscalizadas pelas entidades públicas competentes, devendo comprovar nesse momento os factos em que se baseou o pedido e as respetivas renovações;

- As medidas previstas no Decreto-Lei n.º 10-G/2020, de 26/03, são cumuláveis com outros apoios. É de salientar aqui, por ser de particular importância para as IPSS, que é garantido também o pagamento da comparticipação financeira da Segurança Social no âmbito dos acordos de cooperação, conforme resulta da conjugação do artigo 2.º com o artigo 9.º da Portaria n.º 85-A/2020, de 03/04, que também expressamente refere que os apoios constantes do Decreto-Lei n.º 10-G/2020, de 26/03, são extensíveis ao setor social e solidário.

- O incumprimento por parte do empregador ou do trabalhador das obrigações relativas aos apoios previstos no Decreto-Lei n.º 10-G/2020, de 26/03, tem as consequências elencadas no seu artigo 14.º e é também geradora de responsabilidade contraordenacional nos termos constantes do seu artigo 15.º.

 

Henrique Caldeireiro

Cerejas

Gasto os dias a estancar desejos de escrever sobre terras e pessoas que amo. Atribuo o desejo ao facto de estar à beira de entrar na perversa designação quarta idade, um eufemismo a significar setenta e cinco anos. O dique do estancamento rebenta amiúde, esta crónica sobre cerejas o comprova, cerejas do concelho de Vinhais. Há anos referi as cerejas de Nunes aldeia cujos habitantes no dizer do meu tio José Buíça viviam gordos de vaidade, a moca vai no burro. Ele casou e foi feliz com a bonita mulher, a minha tia Rosário.

As lembranças arrastam lembranças de no mês de Maio as cerejas vindas dos lados da ponte da Ranca, no entanto, cerejas cor de cereja não muito carregada, rubicundas, como as surripiadas no cerdeiro da senhora Ângela mãe da então menina Ilda a viverem numa casa defronte da minha casa de Lagarelhos. Elas tinham estado larga temporada no Brasil, por isso mesmo conservavam o acento cantante do falar brasileiro misturado na rusticidade do português rural. Ai quem me dera ser capaz de entender os olhares e as falas com clarividência porque estou convicto de estas duas senhoras nunca perdoaram ao marido e pai o facto de terem voltado ao terrunho dos nove meses de Inverno e três de inferno, pois os horizontes eram belos como a cidade de Minas Gerais é.

Do quarto onde dormia (e durmo quando nas raras vezes estancio na velha e amada casa) via o balouçar emperrado por brisa amena dos ramos do cerdeiro de onde centenas de pássaros chilreavam no intervalo de papanças de cerejas dignas do comilão Gargântua dado a conhecer ao Mundo através do talento de Rabelais homem descrente sendo padre, para lá de médico, fico poeta na opinião de Vasco Graça Moura, criador de obras-primas de cunho popular.

As cerejas dulcíssimas ao atingirem a idade incorporarem carne, entenda-se bichinhos, na fase da carnação provocavam-me inaudito prazer palatal a justificarem suster entre o céu-da-boca e a língua um caroço até à hora de jantar (ao tempo, agora almoço) no intuito de prolongar o acre-doce sabor.

Nós (a minha avó, madrinha e padrinho) tínhamos a escassos metros derivações de cerejas, rotundas e saborosas ginjas, cerejas bravas de um cerdeiro selvagem, porém inferiores em sabor às da majestosa árvore da senhora Ângela sempre pronta a falar do Brasil e do meu avô a viver e ganhar dinheiro desde 1929 na cidade maravilhosa agora encanecida, distante da segurança antecedente como tive ocasião de constatar nas vezes em que lá estive.

Nas estradas limítrofes a Vinhais os pobres de pedir mitigavam a fome perene, nas searas a bordejarem mulheres derreadas dada a agrura física da ceifa na altura de descansarem pediam água fresca, vinda nas bilhas deitava-se nas canecas onde um pouco de doce de cereja a adoçava e amortecia a fraqueza na companhia de uma fatia de pão trigo (quem podia) ou centeio. Os pobres viandantes aproveitavam o ensejo e assim conseguiam o ansiado carolo mesmo que esfarelado.

A senhora Ângela também fazia doce (compota) das cobiçadas cerejas, tal como os folares, cada senhora defendia o seu doce, encaroçado, como deve ser, muitos anos depois uma rapariga neta de famoso e muito bem pago advogado lisboeta, dada a socialites televisivas confessava candidamente comer as cerejas sem caroço porque a criada (empregada doméstica) executava a tarefa. Os meninos das aldeias se soubessem da existência destas amostras de preguiça premiada para lá da galhofa, certamente, pensariam nas obscenas desigualdades entre os ricos e os pobres, pois para além de saborearem as cerejas e as irmãs ginjas, só lhe conheciam outra utilidade, a dos pés servirem para as mães fazerem chás e tisanas contra toda a sorte de maleitas de barriga. Não sabiam e, duvido, que agora as crianças das cidades saibam a origem destes frutos vermelhos muito empregues em recheios de pastelaria e confeitaria mormente na decoração de bolos, pudins, gelados, sorvetes e chocolates.

As meninas e os meninos das aldeias adornavam as orelhas com brincos de cerejas, a escritora Maria Lamas escreveu um livro com o título Brincos de Cerejas. Mas quem lê a escritora outrora tão conhecida e premiada? O famoso escritor russo Anton Tchekhov escreveu Jardim das Cerejeiras. Repito a pergunta: quem lê o laureado escritor?

As conversas são como as cerejas diz um qualquer senhor de La Palice, no caso vertente a crónica podia prosseguir trazendo a terreiro as mil e uma qualidades das cerejas nas artes culinárias e bebidas, até existe um «vinho de cerejas», só que as crianças apenas estão interessadas em as desfrutar plenamente por serem fruta de grande apreço no interior do País desde os primórdios de Maio ao início de Julho. A partir daí apenas na qualidade de passotas.

Agora, que temos secretárias de Estado para quem as cerejas são filhas de árvores muito conhecidas em Trás-os-Montes, pelo menos já ouviram falar de uma povoação chamada Cerejais seria interessante sabermos quais os projectos gizados por Suas Excelências cujo elemento primacial seja este fruto tão glosado e promovido em várias partes do Mundo. Não me compete dar sugestões às senhoras governantes, agora que as cerejas concitam as atenções de miúdos e graúdos lá isso concitam. Do Japão à Califórnia. Se aceitarem a sugestão faço um pedido: não imitem, o original é sempre superior à cópia. Entre uma sápida sopa de cerejas e um empadão ostentando uma cereja no meio a fazer figura prefiro a sopa!

Vendavais - E se a areia escaldar?

Em pleno Agosto, há alguns anos atrás, fui como muitos de nós, gozar uns dias merecidos de Sol e calor à beira mar, local preferencial para quem passa um ano inteiro a olhar os montes que nos rodeiam. A beleza deliciosa da paisagem, porventura agreste, dilui-se na orla marítima onde o horizonte é demasiado longínquo e o olhar se perde na distância, por cima de um mar sereno, que vem de mansinho, beijar a areia onde se espraia. Contraste absoluto.

Cheio de confiança e ansiedade por pisar aquelas areias vulcânicas e mergulhar o corpo no mar salgado e quente da praia das Américas, logo me vi em situação crítica e tive de retornar pois a areia escaldava de tal sorte que descalço era proibitivo avançar. Ao lado, uma vendedeira de chinelos, sorriu e mostrou-me que só comprando uns poderia entrar pelas areias fora. Mas eu já levava uns calçados. Não foi preciso. Não esperava que fossem tão quentes os areais de Tenerife. Mas eram. Apesar disso, desfrutei, logicamente, do Sol e do calor quase africano, e fiquei com vontade de um dia voltar.

Os pequenos “gostos” que queremos concretizar, levam-nos a tomar decisões audaciosas e que só confrontados com elas podemos avaliar se valeu a pena ou não tomá-las. Mas todos temos de tomar decisões seja para concretizar desejos ou simplesmente agir. E agora estamos à beira de uma decisão importante.

Acabada a emergência, entramos em período de calamidade, o que não é muito diferente, mas obriga a tomar as tais decisões, simplesmente porque há mudanças que, tal como nos automóveis, nos levam a desligar o limitador de velocidade, mas o excesso de velocidade continua a ser penalizado com coima grave. Quer isto dizer que embora em autoestrada, não podemos ir demasiado depressa, pois é crime e põe a segurança em risco, a nossa e a dos outros.

O estado de calamidade não vem alterar a responsabilidade das pessoas, só retira às pessoas a proibição de tomar determinadas decisões. As pessoas são mais livres para agir como em tempos normais, que não é o caso. Então continua a existir a exigência de um comportamento regrado, cujas balizas nos devem permitir não correr riscos. E os riscos são enormes.

O mundo inteiro está a viver a grande vaga de alarmismo e realidade severa de um avanço viral que já causou uma taxa de mortalidade elevadíssima. Mesmo assim, há os que não acreditam na letalidade apregoada que o “bicho” causa e há os que já mudaram de opinião. Mas também há os que vão alertando para uma possível segunda vaga que pode ser ainda mais mortífera que esta. E se for isso mesmo?

Quando Julho e Agosto chegarem, as autoestradas que nos conduzem às areias mornas do Sul, ficarão repletas de veraneantes que buscam novos horizontes e que querem chegar o mais depressa possível. As praias esperam, claro. A ansiedade é inimiga do bom senso e parceira do risco.

As regras para usufruir das areias quentes e das ondas do mar sereno, já estão a ser apregoadas para avisar os incautos, mas ainda falta muito para Agosto. E se a calamidade der lugar ao desrespeito, à falta de bom senso, ao não cumprimento de regras e sobrevier a necessidade de um novo confinamento para travar a segunda vaga? Não será muito pior perder novamente a liberdade? Travar a euforia e a ansiedade é da responsabilidade de cada um, mas é um direito de todos.

E se as areias escaldassem? Parece-me que se os areais queimassem como o que eu apanhei na praia das Américas, isso contribuiria para impedir a correria desmesurada que irá encher as orlas marítimas do sul. Mas atenção. Não venham a ser queimados pelo vírus, porque é bem pior que as areias e para ele não há chinelos que valham. Nem as máscaras e as luvas.

Nós, Trasmontanos, Sefarditas e Marranos - Onde de fala da Peste e dos judeus e médicos Trasmontanos.

O fecho de fronteiras e as medidas de confinamento não são coisa exclusiva dos nossos dias, provocada pelo COVID/19. São coisa antiga e, na Torre do Tombo, guarda-se, por exemplo, um documento datado de 27.5.1680, com o título seguinte:

- Mandado para que sejam examinadas as pessoas e fazendas que entrarem em Trás-os-Montes vindas de Espanha, onde grassa a peste. (1)

O confinamento, por seu turno, não era feito da mesma forma que hoje, antes pelo contrário. Em tempos de peste, abandonava-se a casa do aglomerado urbano e procurava-se refúgio no campo, mesmo que fosse uma cabana.

Este comportamento aparece refletido em processos da inquisição, como o de Catarina Lopes, filha de Afonso Baeça e Branca Cardosa, moradora no Porto. Nos anos de 1580 começou a peste a grassar naquela cidade e ela e a família foram-se para a Quinta dos 4 Caminhos, nos arredores de Lisboa. (2)

Exemplos vários de fugas das cidades do Algarve para os campos, são apresentados pela Drª Carla Vieira, que conclui:

- Em tempo de peste, a cidade torna-se um local a evitar, onde a concentração demográfica facilita o contágio, a desorganização social é mais evidente e os seus efeitos mais assustadores. O campo surge como um espaço convidativo enquanto se aguarda o fim da epidemia. (3)

 

Ontem mais que hoje, em tempos de calamidades como a peste, surge a necessidade de atribuir a culpa do mal. E se hoje há quem aponte o dedo à China, outros culpam os excessos da sociedade de consumo em que vivemos, com a exploração desenfreada de recursos naturais e a utilização incontrolada de químicos na produção de bens. O coronavírus será a vingança da terra contra a poluição provocada pelo homem.

Mas há muita gente que interpreta a calamidade como um castigo de Deus e apela à necessidade de expiação dos pecados.

Este sentimento era muito mais forte em outras eras e chegou a extremos incríveis, como aconteceu com a peste negra (1347-1350), porventura o acontecimento mais marcante de todo o milénio passado, que, em algumas cidades matou até 70% de seus habitantes e provocou na Europa cerca de 20 milhões de mortos, correspondendo a 1/5 da população. (4)

Tal como o COVID/19, a peste negra veio de fora, trazida por mercadores e marinheiros e foi sobremodo intensa nas cidades. Interpretada como castigo de Deus, só havia uma forma de a combater: orações e procissões, para expiação dos pecados. E ganhou notoriedade uma seita religiosa denominada os Flagelantes. Juntavam-se em grupos, armados de correias, vimes e até correntes de ferro e percorriam as ruas flagelando-se e implorando a compaixão divina em altos brados.

Naquele tempo as comunidades judaicas viviam em ruas e bairros separados e notava-se que entre eles a mortandade era muito menor. Hoje sabemos que tal facto se ficava a dever ao hábito de lavar sempre as mãos antes das refeições e os pés quando se chegava de uma jornada, conforme preceito imposto pela Bíblia. Naquele tempo dizia-se que os judeus morriam menos porque eles é que foram os causadores da peste, envenenando as fontes, os poços e os rios. E, por toda a parte, foi uma tremenda caça aos judeus, acusados que sempre foram de matar Cristo, responsáveis pelo grande pecado que ficou afetando para sempre a humanidade.

Os Flagelantes viraram caçadores implacáveis de judeus, comandando multidões em ataques às judiarias, muitas das quais foram completamente arrasadas e saqueadas, desaparecendo mesmo, sobretudo em terras do sacro-império romano-germânico. A ponto de o papa Clemente VI se ver na necessidade de promulgar um decreto dizendo que os judeus não eram culpados e com grandes ameaças aos perseguidores.

Estudando o acontecimento, historiadores há que manifestam a sua admiração por ter ficado com o nome de peste negra e não com o de peste judaica, por tão feroz e cruel perseguição levada a efeito contra os judeus.

A peste negra não foi a única, antes eram cíclicas e frequentes tais calamidades. Em Portugal ficaram algumas datas marcadas por tais fenómenos e consequentes perseguições aos judeus, e cristãos-novos, depois. Aconteceu nomeadamente depois que foram expulsos de Espanha e acolhidos em Portugal e, depois, em 1504 quando, no seguimento do surto de peste houve incidentes graves com os cristãos-novos da Rua Nova, em Lisboa, que vieram a culminar na chamada matança de Lisboa de 1506 em que terão sido imolados cerca de 2 000 hebreus. (5) A propósito desta matança, diria Francisco Mendes, o Beicinhos, de Miranda do Douro, em 1544, na inquisição de Évora:

- Entende provar que estando ali juntos vieram a falar da matança de Lisboa dos cristãos-novos, que foi há muitos anos, dizendo que os de Lisboa eram a cabeça e não quiseram guardar a lei de Moisés e estar firmes nela e querer ser judeus, quando D. Manuel os mandou ser cristãos e por terem pecado, veio a matança de Lisboa. (6)

Em 1569, o nosso país conheceu uma grande peste, que alguns classificam como “a grande peste de Lisboa” e de que nós encontramos notícia também em Coimbra, no processo instaurado a Francisca Fernandes, de Vila Flor, que foi sentenciada em mesa, pois que por causa da peste não pode realizar-se o auto-da-fé.

Ainda em Coimbra, o ano de 1599 foi também marcado por igual calamidade, que ficou registada em vários processos da inquisição, com a peste a impedir a realização de autos-da-fé. Entre os prisioneiros de Bragança contaram-se os casos de Beatriz Rodrigues, Isabel Luís, Isabel Mendes e Isabel Gomes.

Por outro lado, e desde sempre houve a preocupação das pessoas em preservar a saúde, com os médicos a procurar remédios. Sobre o assunto, o mais antigo documento será o “Regimento Proveitoso contra a Pestelença”, um incunábulo do século XV, impresso em Lisboa, por Valentino de Morávia e do qual José Barbosa Machado Transcreveu algumas partes, nomeadamente o seguinte excerto:

- Em tempo de pestilência melhor é estar em casa que andar fora, nem é são andar pela vila ou cidade. E também a casa seja aguada, e em especial em o alto verão, com vinagre rosado e folhas de vinhas e alimpar o rostro e depois cheirar as mãos; e também é bom, assim em o inverno como no verão cheirar cousas azedas. Em Monpelier não me pude escusar de companhia de gente, porque andava de casa em casa curando enfermos por causa da minha pobreza, e então levava comigo uma esponja ou pão ensopado em vinagre, e sempre o punha nos narizes e na boca, porque as cousas azedas e os cheiros tais opilam e çarram os poros e os meatos e os caminhos dos humores e não consentem entrar as cousas peçonhentas; e assim escapei de tal pestilência, que os meus companheiros não podiam crer que eu pudesse viver e escapar. Eu certamente todos estes remédios provei.

Ignoramos quem fosse este médico. Mas temos notícia do Dr. Francisco Lopes, que fugiu de Bragança, por causa da inquisição, estudou em Montpeliier e Bordéus e foi o médico responsável pelo combate naquela cidade a uma epidemia que então varreu a França, tendo inclusivamente tratado o Cardeal Richelieu. Por isso mesmo foi agraciado pelo governo de França e contemplado com muitas regalias.

Referência também para o Dr. Jacob de Castro Sarmento, outro médico Brigantino fugido da inquisição que se tornou famoso em Inglaterra, na investigação de uma vacina contra a varíola.

Finalmente, citamos o Dr. Francisco da Fonseca Henriques, médico da nação hebreia nascido em Mirandela que foi pioneiro da medicina preventiva, da alimentação saudável e das águas minero-medicinais.

Notas

1-ANTT, Marqueses de Olhão, núcleo Varia, cx 48ª, nº 57.

2-Inq. Lisboa, pº 4235, de Catarina Lopes.

3-VIEIRA, Carla – Uma amarra ao mar e outra à terra Cristãos-novos no Algarve (1558-1650), Tese de Doutoramento, Universidade de Lisboa.

4- SERRÃO, Joel (Dir.) – Dicionário de História de Portugal, vol. III, Peste Negra, ed. Iniciativas Editoriais, Livraria Figueirinhas, Porto, 1971.

5-Ver: MATEUS, Susana Bastos; PINTO, Paulo Mendes – Lisboa, 19 de Abril de 1506 O Massacre dos Judeus, ed. Aletheia, 2006.

6-Inq. Évora, pº 9627.

As venturas e as desventuras da pandemia

Como ponto prévio e no sentido de balizar a minha posição sobre o tema porventura mais escrutinado e mais mediatizado deste primeiro quartel do século, convém esclarecer que tanto eu como a minha família sofremos directamente na pele as vicissitudes e os danos colaterais provocados pelo novo coronavírus-Covid 19. Como tal, é natural que a abordagem, a visão e o ângulo retrospectivo e prospectivo sobre esta pandemia tenha como ponto de partida e de análise a nossa experiência pessoal e as nossas venturas e desventuras.

Como em tudo na vida, não podemos dizer que isto só acontece aos outros. A verdade nua e crua é que também nos pode acontecer a nós e temos que estar sempre à espera do pior, com a esperança que aconteça o melhor.

De referir que após o normal período de isolamento em casa, com acompanhamento à distância de excelentes profissionais de saúde da unidade hospitalar de Bragança, paulatinamente, vamos retomando a nossa actividade profissional dentro da normalidade possível. Nunca fez tanto sentido como agora a velha expressão popular “o que não mata, torna-nos mais fortes”. Só com essa força conseguiremos vencer as outras “patologias” colaterais, uma espécie de ervas daninhas que minam a sociedade. Refiro-me a uma certa tendência compulsiva para a maledicência, a calúnia, a mentira, a ignorância e a desinformação que grassa nas redes sociais, tão nociva como a própria “calamidade”. Para os que a coberto do anonimato das redes sociais, cultivam uma conduta abominável e cobarde, apenas me ocorre por agora a expressão popular “vozes de burro não chegam ao céu”.

Nestes tempos que vivemos de angústia e amargura colectivas, o país e o mundo ficou estarrecido debaixo da força vírica e da avassaladora e rápida disseminação à escala global deste novo coranavirus-Covid-19, tendo mesmo sido declarado como epidemia.

O medo arruinou o bom senso e a paz social, arquétipos da civilização, e roubou a muita gente as expectativas que a existência do homem como “animal social” acarreta, no que se refere não só à nossa capacidade criativa mas também a questões tão básicas como a etiqueta social, o dar um beijo aos nossos filhos, pais e esposas ou ainda a ida ao café e ao cabeleireiro.

Este fenómeno terrífico mobilizou múltiplos e diversificados esforços das organizações nacionais e internacionais e da sociedade civil em geral, de forma transversal a toda a comunidade, numa corrente solidária única e nunca antes vista, na qual despontou o voluntariado, o altruísmo e o profissionalismo.

Neste particular, é justo reconhecer o papel crucial dos profissionais de saúde pela sua grande disponibilidade e entrega a uma causa, tomando a linha da frente e dando o corpo às balas neste combate desigual contra um inimigo desconhecido e imprevisível na sua capacidade de disseminação e destruição.

De igual modo, importa reconhecer a conduta cívica de todos os portugueses por terem acatado de forma exemplar as medidas de confinamento impostas pelo governo. Cabe-lhes, por isso mesmo, também uma quota-parte importante nos bons resultados alcançados na mitigação da pandemia.

Cumpre-nos, naturalmente, o dever de nos congratularmos com a actuação globalmente positiva do governo e pela resposta dada a esta situação de emergência, bem como o sentido patriótico da oposição que soube separar as águas num momento crucial da nossa vida colectiva. Parafraseando La Fontaine, “toda a força será fraca se não estiver unida”.

Este tempo ímpar de afirmação e de realização colectivas deve ser motivo de grande orgulho e auto estima para todos os portugueses. Aos protagonistas que quotidianamente têm feito este “caminho das pedras” presto-lhes aqui o meu tributo, como uma vénia de reconhecimento e valorização do seu esforço e dedicação.

Quanto ao panorama vivido em Bragança, não foi muito diferente do resto do país no que se refere à capacidade de resiliência e de mobilização das autoridades e de toda a comunidade. Já quanto à igualdade de armas e dos meios disponibilizados aos cidadãos por parte do governo, não podemos fazer a mesma avaliação.

Com efeito, é precisamente nestes períodos de crise que os territórios do interior e as suas populações ficam ainda mais fragilizados e expostos aos impactos negativos e aos danos colaterais infligidos pela situações de emergência, fazendo-se notar com mais expressão e nitidez as assimetrias e a falta de coesão social e territorial, castradoras das suas ambições colectivas. Na minha modesta opinião, esta foi uma das pechas do Governo, pois aqui não andou tão bem no que reporta às respostas dadas no terreno. As condições disponibilizadas aos hospitais de retaguarda não foram as mesmas dos hospitais de referência. Nestes, sim, jogou as fichas todas, dotando-os dos meios técnicos e humanos necessários e de equipamentos de protecção individual compatíveis, bem como dos meios de testagem adequados e suficientes. Em resumo, dois pesos e duas medidas.

Compreende-se, por isso mesmo, a preocupação do Senhor Presidente da Câmara Municipal de Bragança, Dr. Hernâni Dias, quando reclamou e reivindicou junto do governo os meios em falta, indispensáveis como de pão para a boca para uma resposta eficaz e eficiente à disseminação do novo coranavírus. Portanto, ninguém lhe pode apontar o dedo, quando com toda a legitimidade e propriedade, procurou defender os superiores interesses da população do seu concelho. Certamente que numa matéria tão sensível como esta ninguém estaria à espera que o Senhor Presidente da Câmara se “deitasse” na cama do governo. Também ele, pela sua actuação oportuna e assertiva, merece com toda a justiça uma palavra de destaque e de elogio de todos os brigantinos.

Vencida e ultrapassada esta primeira etapa, sem que no entanto possamos baixar as armas e desguarnecer a vigilância, temos agora de enfrentar e vencer outros importantes desafios.

O primeiro desafio é a necessidade de adaptação a uma nova realidade social, é que isto nunca mais vai ser igual, os nossos hábitos, as nossas opções e o nosso “modus vivendi” estão mudados e vão continuar totalmente mudados no futuro. Mesmo depois de encontrado o “Santo Graal” que todos procuram freneticamente. Isto é, a vacina que sirva de antídoto para este novo coronavírus-Covid 19.

O segundo desafio, tem a ver com o impacto que esta epidemia está a causar na macro e na micro-economia, incluindo a economia familiar. Iremos assistir ao aumento das insolvências de empresas e de pessoas, e em consequência directa a um acentuado crescimento do desemprego. Em resultado disso, iremos sofrer uma quebra de rendimentos e a assistir a alguma convulsão social. A resposta a esta crise económica e social vai potenciar um Estado cada mais assistencialista e presente na vida das pessoas e da sociedade. Para mitigar este colapso da economia é fundamental um plano de choque, chame-se Plano Marshall ou outra coisa qualquer, que envolva o poder local, o poder central, as instituições comunitárias e todas as corporações públicas e privadas. O importante é criar medidas de intervenção rápida e musculada, sem burocracias e com regras práticas, simplificadas e fáceis de implementar.

O terceiro e último desafio tem a ver com a urgência dos problemas e com um imperativo nacional relacionado com o estado actual do Serviço Nacional de Saúde. Também ele doente e ligado à máquina. Temos que ter todos a humildade e o espírito crítico necessários para empreendermos e influenciarmos um pacto de regime que permita refundar e reinventar o SNS, colocando-se de parte nesta equação a dicotomia público e privado. Essa é uma discussão inútil, estéril e acessória que apenas serve as ideologias e a luta partidária entre direita e esquerda.

Aquilo que se exige dos diversos poderes políticos é o direito fundamental universal de acesso a uma saúde de qualidade, em condições de igualdade. Somos todos portugueses e os hospitais da capital ou da província, pequenos ou grandes, têm que ser todos dotados de condições dignas, seguras e fiáveis para os profissionais de saúde e para os utentes. Ponto.

Num tempo de amargura e desesperança, acima das desventuras, dos estigmas, da descriminação e das provações que fragilizam ainda mais as vítimas da pandemia, importa valorizar valores tão nobres como a solidariedade, o altruísmo e a amizade.

É em homenagem a esses valores que quero deixar aqui em meu nome e da minha família o nosso profundo reconhecimento e gratidão a todos, que de forma desinteressada e altruísta, nos ajudaram a superar esta terrível maleita e a transformar este período cinzento das nossas vidas no arco-íris e em venturas.

Dado a imensidão de apoios recebidos por mensagem e telefone, não querendo ser injusto para ninguém, não posso, todavia deixar de individualizar alguns casos que estiveram mais próximos de nós, salvaguardando o devido distanciamento físico, de forma a fazer-nos chegar a casa os bens essenciais, para além do seu inestimável apoio e conforto, mesmo com riscos próprios.

Quero assim dirigir uma palavra especial de gratidão e apreço à Dra. Cristina Batouxas pelo seu humanismo e competência, aos médicos internos colegas da Diana, pela sua constante presença, mesmo distantes fisicamente, aos meus queridos familiares Domingos, Céu, Zé, Manuel João, Adélia, Marta, Teresa, tia Lurdes e finalmente à D. Teresa, uma vizinha especial.

Os seus “miminhos” e surpresas deixaram-nos de coração cheio e com lágrimas no canto do olho. Um grande bem-haja e mil obrigados a todos.

 

Eduardo Malhão

Membro da AM de Bragança