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A nossa primeira viagem do ano

Qua, 14/02/2018 - 10:26


Olá familiazinha!
Nos últimos dias a nossa região foi notícia em vários órgãos de comunicação social, devido ao alerta amarelo das temperaturas de -7º que atingimos. Por isso mesmo perguntamos à nossa família se este seria, realmente, um Inverno muito rigoroso. Muita gente nos respondeu que ainda é do tempo de viver em casas sem forro, como é o caso da tia Rita, de Vale Frades (Vimioso), que nos contou que uma noite dormia com as suas irmãs e acordaram com um peso grande em cima dos cobertores, devido à neve “furaqueira” (puxada a vento) que entrava pelo telhado. Outros contaram-nos que tinham que dormir com o guarda-chuva aberto em cima da cama para se precaverem da neve. Antigamente não tínhamos as comodidades que hoje existem, como por exemplo aquecimento central, ar condicionado, etc. e as pessoas desse tempo sentiam o frio muito mais do que agora, havendo semanas seguidas de neve e geada, quando se fazia dos pingarelhos de gelo os gelados de antigamente.
Na última semana estiveram de parabéns o tio Francisco (74), de Castelãos (Macedo de Cavaleiros), o tio Hilário (44), de Vale Gouvinhas (Mirandela), a tia Isilda (82), de Pinela (Bragança) e o tio Olímpio (66), de Vale de Lamas (Bragança). Esperamos que continuem a festejar o seu aniversário na nossa companhia.
E agora vamos à primeira viagem do ano da Família do Tio João, ocorrida no fim-de-semana gordo, em que visitámos alguns mosteiros da Rota do Românico, o Vale do Sousa, Valença (onde tivemos o baile de Carnaval) e, no domingo, fomos a S. Tiago de Compostela e Verin (Espanha).

NÓS, TRASMONTANOS, SEFARDITAS E MARRANOS - Manuel da Fonseca (n. Lebução, 1614)

Ao início da segunda metade do século de 600, assistiu-se a uma das mais temerosas ofensivas da inquisição em Trás-os-Montes, ofensiva que atingiu a generalidade das comunidades hebreias. (1) Em consequência, verificou-se uma vaga de fugas para Castela até então nunca vista. E como a Espanha e Portugal andavam então em guerra, a fronteira encontrava-se muito patrulhada e os caminhos da fuga tornavam-se muito perigosos.
Acresce que, por esse tempo, em Portugal se registou ainda um aumento extraordinário no número de comissários e familiares da inquisição, o que significa, por si só, uma vigilância muito mais apertada. (2)
Neste ambiente, ganharam importância os “passadores de judeus” e criaram-se verdadeiras “redes”, algumas apoiadas mesmo em homens da nobreza e clérigos, como aconteceu em Vimioso. (3) Porém, terá sido o corredor de Lebução a mais concorrida entre as rotas de fugas em Trás-os-Montes. E Manuel da Fonseca seria o mais famoso “passador de judeus”, atuando nessa rota, acompanhado principalmente por João Lopes Dias.
Por outro lado, neste ambiente de permanente espionagem, formavam-se autênticas “quadrilhas” de cristãos-velhos que, vigiando as fugas, saíam ao caminho dos fugitivos e, em troca do silêncio, os chantageavam extorquindo-lhe grossas maquias de dinheiro, como aconteceu com Helena Rodrigues, de Mirandela que foi “barrada” na fuga, por um grupo de 30 homens a quem ela deu 30 000 réis, conforme relatou o capitão de milícias daquela região de fronteira, Baltasar de Barros, no sumário conduzido pelo comissário da inquisição, abade de Monforte de Rio Livre, o licenciado Francisco de Miranda Henriques. (4)
O capitão não soube dizer qual foi o passador de Helena Rodrigues e menos ainda o nome dos 30 “assaltantes”, até porque as viagens se faziam sempre de noite. Mas soube dizer que em setembro p. p. Manuel da Fonseca passara um grupo de 5 rapazes do Porto ou de Lisboa. E confessou que ele próprio foi convidado a ajudar a passar um grupo de fugitivos, com promessa de ganhar 40 ou 50 mil réis. Para se fazer uma ideia deste valor, refira-se que a jeira normal de um homem era então de 100 réis.
E contou que dias atrás, Manuel da Fonseca esteve passando uma mulher para a Galiza. E estando perto da fronteira amanheceu, pelo que não puderam “dar o salto”. Foram esconder-se e passar o dia em casa do ferreiro da aldeia de Dadim, esperando a noite seguinte para atravessar a raia. O caso foi confirmado por Sebastião de Miranda, do lugar de Sanfins da Castanheira, nos seguintes termos:
- No mês de novembro fora Manuel da Fonseca de noite perdido na neve dar a um lugar da raia que se chama Dadim e que viu levava 3 cristãos-novos de Lamego, com os quais se recolheu em casa de António Fernandes, ferreiro do dito lugar, ao qual deram 12 mil réis, pelos recolher e ocultar em casa um dia e uma noite, enquanto se desfazia a neve.
Das muitas denúncias contra o nosso passador, registemos apenas mais uma, feita pelo padre Gonçalo Lopes:
- Manuel da Fonseca, de Lebução, passava muitos cristãos-novos para a Galiza e os ia buscar à cidade do Porto e os trazia a sua casa, de onde os levava para Castela e de um ano a esta parte deixou o trato de mercador para tratar de passar os ditos cristãos-novos para Castela.
Obviamente que Manuel da Fonseca foi mandado prender, sendo entregue na inquisição de Coimbra em 3.6.1662. (5) Tinha 48 anos de idade, bastante fazenda e uma vida repartida por muitos lugares de Portugal e Castela. Mas vejamos alguns dados da sua biografia.
Nascido em Lebução por 1614, foram seus pais António Salgado, mercador e Isabel de Alvarenga, ambos naturais e moradores na mesma aldeia. Fez-se mercador e, por mais de 2 anos, andou por Espanha comprando e vendendo o que lhe aparecia e esteve em Madrid, Sevilha, Jaén, Granada, Córdova… mas seriam as terras da Galiza as mais percorridas em constantes viagens de negócio.
Teria já uns 39 anos quando casou, com Leonor Nunes, filha de um famoso médico estabelecido em Chaves, o Dr. Manuel Mendes. (6) O casal não teria filhos, mas o Manuel fora nomeado curador de um cunhado que endoideceu, viúvo de sua irmã Catarina e tutor dos dois sobrinhos filhos daqueles. Haveria, pois, bastante agitação em sua casa e trabalho para uma criada de servir a quem pagava a soldada de 2 500 réis por ano.
A morada de Manuel da Fonseca situava-se junto ao Cruzeiro e, além da residência de 2 pisos, tinha anexas casas térreas que serviam de lagar e um forno. Atrás das casas tinha metade de uma cortinha e nela um pedaço de vinha e lameiro. Ao lado era a casa de sua irmã Branca da Fonseca, com outra metade da cortinha. Como a irmã morava em Lamego, onde casara, ele é que tomava conta de tudo.
Dissemos atrás que o biografado era mercador. Devemos acrescentar que ele negociava sobretudo linhos e sedas, mas também produtos tão diversos como cera, linhas de Guimarães, sedas de cavalo ou “caixas de confeitos do Porto”. E para as viagens e negócios tinha dois machos, uma mula e um jumento.
No entanto a sua casa agrícola era bem forte, com muitos lameiros, terras de centeio e vinhas que produziam uns 180 almudes. E, além dos bois e vacas que tinha em seus lameiros e utilizava na lavoura, ele tina uma dezena de bois que trazia arrendados a vários lavradores e lhe pagavam em alqueires de centeio. Esta é uma nota interessante para o estudo dos costumes e ainda hoje se diz: “andas aí a trabalhar como um boi de renda”.
Como dizia o padre Gonçalo, Manuel da Fonseca deixou de ser mercador para se tornar passador de judeus. E sendo esta uma atividade muito arriscada, facilmente se explica o verdadeiro arsenal de armas que lhe sequestraram quando o prenderam: 2 escopetas, 1 bacamarte, 2 pistolas, 2 espadas e “mais um corpo de armas, a saber: peito, espaldar e morrião”.
Contudo, não seria preso como “passador de judeus” mas por culpas de judaísmo, heresia e apostasia. E logo que se viu preso, ele começou a confessar as suas culpas e delas pedir misericórdia e perdão. Disse que foi instruído na lei de Moisés por sua mãe e denunciou quantidade de parentes e amigos. Nota de interesse: o inquisidor de Coimbra que conduziu o seu processo foi o licenciado Manuel Pimentel de Sousa, natural de Vimioso.
Terminou com uma pena relativamente leve: cárcere e hábito a arbítrio. E do seu regresso a casa, em novembro de 1664, ficou a seguinte certidão:
- Martinho Rodrigues Freitas, confirmado neste lugar de Lebução, certifico que Manuel da Fonseca e sua mulher Leonor Nunes; Lopo Nunes e sua mulher Isabel Cardosa; Branca Gomes; Antónia Henriques; Beatriz Lopes e Josefa da Costa, todos moradores em Lebução e se me apresentaram com as cartas dos senhores inquisidores de Coimbra (…) Assim mais se me apresentou uma carta que trazia Baltasar da Costa e me constou que morreu no caminho e outra que trazia Emerência da Costa, que morreu já neste lugar.
Notas:
1-Só de uma vez, em 22 de fevereiro de 1651, foram mandadas prender cerca de 120 pessoas de Mogadouro – ANTT, inq. Coimbra, Decretos de prisão, liv. 71.
2-A título de exemplo, veja-se o documento seguinte:- Certidão de presunção de fuga. Manuel do Canto, notário do santo ofício desta inquisição de Coimbra, certifico e dou fé que (…) vi o caderno das denunciações e mais papéis pertencentes aos cristãos-novos da cidade de Bragança e vila de Vinhais e seus arredores e nele (…) estão algumas cartas de Luís Figueira Bandeira, familiar do santo ofício (…) que corre com as prisões e diligências do santo oficio e delas consta que avisara a mesa desta inquisição que muitas pessoas da gente da nação das ditas terras de Lebução tinham fugido para Castela depois que nas ditas partes se começaram a fazer as prisões do santo ofício, e outras muitas andavam abaladas e vendendo apressadamente suas fazendas e se entende ser para também fugirem, com medo e receio de serem presas pelo santo ofício… - ANTT, inq. Coimbra, pº429, de Antónia Cardoso. 
3-ANDRADE e GUIMARÃES - Nas Rotas dos Marranos de Trás-os-Montes, pp. 79-165, Âncora Editora, Lisboa, 214.
4-ANTT, inq. Coimbra, pº 9935: - Disse que tivera notícia que haveria 20 dias que uma mulher da nação do lugar de Mirandela, que lhe parece se chamava Helena Rodrigues, se passara para a Galiza por esta raia, e indo na passagem de Lebução, deram com ela alguns 30 homens e que para que a deixassem passar lhe dera 30 mil réis…
5-Na mesma ocasião, foram presos uns 15 cristãos-novos de Lebução, acusados de judaísmo, constituindo esta a maior operação de limpeza da heresia judaica registada naquela aldeia.
6-O Dr. Manuel Mendes seria natural de Lebução e assim aparece registado nos livros de matrícula da universidade de Salamanca, frequentando Gramática, Artes e Medicina, entre 1618 e 1629. Foi casado com Brites Nunes, de Vinhais em primeiras núpcias e depois com Isabel Pereira.

Escritores e escritores

O conceituado biógrafo e crítico literário italiano Pietro Citati afirmou “que não há nenhum autor jovem que lhe interesse”, acrescentando “Umberto Eco não era u, bom escritor”. O famoso polemista acentua a minha opinião acerca da multiplicação não dos eixes, sim no milagre do aparecimento de um escritor na mão e contramão, na berma, no passeio, em tudo quanto é sítio lembrando-me o fenómeno ocorrido há anos na bela cidade de Cartagena das Índias (Colômbia), os habitantes dessa fulgurosa cidade quando se apresentavam uns aos outros tiravam (rapavam) do bolso do casaco um livro e em vez do nome diziam: Me Lê.
Tudo isto vem a propósito dado o olhar arguto do meu velho amigo e vizinho Casimiro Pires, livreiro empenhado na divulgação e enaltecimento dos Escritores e escritores transmontanos, pois vendo-me balbuciar o passeio rente à livraria apoiado num cajado elegante (sequelas de uma substituição de peça no coração) clamou o meu nome. Alegremente o balouço entre os pés aquietou-se. Retrocedi.
O Casimiro apresentou-me na categoria de escritor a um senhor também escritor. Em uníssono negámos a condição, os astros invisíveis ante a luminosidade do sol-frio impeliram-me a recordar os prolíferos colombianos atirando de escantilhão o fato de no Nordeste os escritores serem numerosos, todavia ter a impressão do número de Escritores ser muito, muito menor.
O Casimiro tem o condão de puxar palavras ao modo da galinha puxar grãos de milho perfurados por uma linha terminando asfixiado ao ficar engrolado para alegria dos estudantes (e não só) pilharem guloso alimento nas vésperas do 1º de Dezembro, os donos ficavam furiosos, ao contrário preferi entrar na geringonça falada e não tardei a defender a leitura e estudo da obra Cinco Lições de Literatura de Nabokov como fundamental no ensino dos aspirantes a escritores, já no que tange a Escritores o bico-de-obra é bem mais afiado, podem-se gastar as palavras de centos de livros na ânsia de os desejosos lá chegarem, no entanto, se o talento morar noutro cérebro nunca o vão conseguir. Oficina sim, muita oficina, escassez de qualidade obra atamancada.
Sobram «pintores de papel», faltam Escritores, porque durante dezenas de anos trabalhei e privei com Contistas, Filósofos, Novelistas, Poetas de elevada qualidade aprendi a respeitar o vocábulo Escritor, por isso mesmo não corro o risco de receber uma resposta do género da repassada de ironia dada por Apeles a um crítico armado em esteta. Falando de críticos, dos mais incisivos aos mais moderados nunca esquecerei a argúcia de David Mourão-Ferreira, a racionalidade de Guilherme de Castilho, o fio-de-prumo nas observações de Álvaro Salema, da bondade Matilde Rosa Araújo, o britânico humor de José Palla e Carmo, a operatividade de Álvaro Manuel Machado, a acutilância de Victor Silva Tavares, entre outos membros das Comissões de Apreciação de Livros do Serviço de Bibliotecas Itinerantes da Fundação Gulbenkian, cuja história continua por fazer apesar de terem surgido teses e trabalhos claramente parcelares e ignorantes.
O frio cortante não cortou a vontade de conversar (e estava apressado), fiquei a saber da eleição dos corpos gerentes da Academia de Letras de Trás-os-Montes, à qual concorreram duas listas, esta Academia fruto da perseverança de António Jorge Nunes pode ser um instrumento de grande valia cultural, veremos se o consegue ou pelo contrário resvala na cova das vaidades a dela saírem egos envernizados e livros tediosos antes de serem colocados na montra da antiga Livraria Silva, em boa hora recuperada pela transpiração e inspiração do Casimiro.
Por todas as razões gosto de livros, logo de leituras, dos livros recebo consolação ao modo de o notável homem de cultura Boécio recebeu da filosofia, gosto de abrir os livros e ler páginas a esmo imitando o Novelista duriense Domingos Monteiro, o autor de Histórias Castelhanas fazia-o e de imediato emitia opinião – vale ou não a pena ler – raramente se enganava fazendo espirrar os considerados críticos autores de milhares de fichas de leitura do Serviço da itinerância cultural.
No século passado perguntava-se a Beltrano e a Sicrano que livros levavam na saca de viagem caso fossem depositados numa ilha deserta, num exercício de mimetismo elaborei listas intermináveis. A meio do ciclo do Outono da Vida a lista é bem mais reduzida, dos estrangeiros de obra publicada no século XX, Cabrera Infante,
Guimarães Rosa, Herman Broch, Musil, Nabokov, Ezra Pound, T.S. Elliot, e Ungaretti, dos portugueses do mesmo século levaria Raul Brandão, Aquilino, Vitorino Nemésio, Teixeira de Pascoaes, Jorge de Sena, Herberto e Fiama. O seio memorialístico guarda centos deles, a nata é a acima referida.
Em matéria de gostos gastronómicos alguns romanos disseram nada estar escrito, no tocante a Escritores e escritores afino pela mesma diapasão, se assim não fosse como compreender o êxito de relâmpago traduzido na venda milhões de exemplares de autores caídos no olvido ainda a fazerem prova de vida, ao contrário ficaram os criadores de obras-primas a ultrapassarem os milénios continuando a suscitar entusiasmos consoladores dos espíritos. São Mestres dos que sabem disse-me um dia intuitivo pensador português.
Armando Fernandes
PS. O livreiro Domingos da Silva era um homem faceto, reviralhista q.b., dava-se bem com o clero, o Padre Doutor Videira Pires frequentava e perorava na Livraria que frequentava nos fins de tarde.

Quase poema… ou das memórias do nordeste

Ao fim da tarde regressamos à casa das nossas memórias, dum tempo onde todos os sonhos eram possíveis materializáveis nas prendas dum Cristo antiquíssimo que todos os anos nascia à beira do nosso Presépio pobre, construído à imagem e semelhança da pobreza da nossa aldeia transmontana.
Vamos acender lume que aqueceu mil invernos para esquecermos a geada e a neve buraqueira que cobre as telhas velhas que abrigaram muitas gerações.
Já matamos o porco, fizemos as alheiras, os chouriços, os salpicões e os butelos. Salgamos os presuntos e gastamos as noites à espera que o calor da lareira seque o fumeiro que será o aconchego de muitos dias.
Esta noite não veio ninguém para a nossa velada e ainda sobrou meia alheira que assamos em lume brando. Por isso, aqui estamos às voltas com os nossos pensamentos, pensando esta terra brava onde os homens obrigam as fragas a dar trigo, azeite, vinho, como quem troca suor pelos melhores produtos da natureza.
O Nordeste transmontano é sem dúvida esta rusticidade de têmpera velha, onde o tempo parou avaro duma cultura ímpar, cheia de mitos, de lendas, dum saber fazer ancestral onde o milagre da mão tece o linho, fia a lã, molda o barro, coze o pão.
Ligamos a televisão e o mundo é grande e orgulha-se do conhecimento científico, das novas tecnologias, do poder da engenharia genética. Os ricos combatem outros ricos e os pobres continuam a ser cada vez mais pobres. Contemplamos o Planeta sentados no escano da nossa casa, onde o nosso avô dormiu regalado no aconchego da manta velha, e sem saber porquê temos saudades de nós, temos saudades desta Terra a Nordeste que tem que preservar o passado e ao mesmo tempo conquistar o futuro.
Fala-se muito em desenvolvimento sustentado e ainda bem, pois temos que travar um certo crescimento saloio que nos envergonha, que transforma o nosso espaço urbano, cheio de riquezas arquitetónicas, numa amálgama de cimento, de prédios sem alma na ausência do vagar do pedreiro que morreu e levou consigo a delicadeza de afagar as pedras.
Contudo, este relicário transmontano não pode ser o último reduto para estudo duma antropologia que tragicamente vem participar na morte anunciada duma cultura que resiste, dolorosamente, à avassaladora cultura de massas. O Nordeste tem que renascer das cinzas e não podemos assistir serenamente à morte de tantas aldeias, onde há casas, fontanários, caminhos, mas onde o último habitante partiu há muito e para sempre.
O Distrito de Bragança está a atravessar uma profunda crise de sobrevivência e contudo quando lemos determinadas teorias ficamos com a impressão que ainda é aqui que encontramos a dignidade perdida da humanidade, porque existem sinais de esperança, de que ainda é possível encontrar o homem ético capaz de viver em sociedade.
Pela constatação de alguns paradigmas sociais, parece-nos que a nostalgia dum paraíso perdido regressa aos horizontes das nossas vidas. Sonhamos de novo com o homem comunitário, que não se reduz ao sonho perdido das aldeias de Rio de Onor, ou Guadramil, mas que finalmente tem a dimensão da permanência no nosso quotidiano. Para este homem comunitário o bem-estar da sua comunidade está em primeiro lugar e o seu próprio bem-estar é relegado para segundo plano.
Remexemos memórias e de novo encontramos o homem solidário, respeitador dos valores, das crenças, dos mitos, que em comunidade administra a sua propriedade e em comunidade define regras de comportamento e perspetivava o desenvolvimento em função de padrões comunitários.
Contudo, quando olhamos para a sociedade contemporânea onde impera um capitalismo liberal, no pior sentido do conceito, onde o dinheiro se sobrepõe ao homem, onde há cada vez maior pobreza e maiores riquezas, onde existe a exploração do homem e o apelo ao consumismo é constante, ficamos com dúvidas se o homem comunitário das nossas memórias transmontanas não será um paradigma perdido.
Mas, acreditamos que, é necessário agarrar a esperança, nem que seja a última esperança para que o homem transmontano ainda possa viver numa região de velhos comunitarismos, com dignidade e com moralidade.

Vendavais - As fronteiras

No mundo tanto das ideias como dos países ou dos comportamentos humanos, há fronteiras que muitas ultrapassam e outros querem ultrapassar ao mesmo tempo que muitos se preocupam em as defender a todo o custo.
Quando o homem andava pelos montes e vales e a Terra era um simples paraíso onde não havia fronteiras, as preocupações limitavam-se em conseguir o sustento para os próximos dias. Não era coisa fácil, mas era constante o problema que ocupava as mentes dos primeiros homens. Não é menos importante hoje a mesma inquietação, mas já o desassossego é menos intenso. A fronteira, embora ténue, marca a linha entre a saciedade e a fome ou a morte.
Outras fronteiras existem bem mais marcantes nos dias de hoje em todas as vertentes. Não me refiro somente a fronteiras físicas, pois se essas são delimitadas politicamente, outras situam-se no patamar da consciência e da responsabilidade ou mesmo da ética, seja ela psicológica ou de teor diferente.
Confrontamo-nos diariamente com situações deste género que nos parecem cada vez mais objeto de críticas profundas e de reparos indispensáveis. As fronteiras do razoável são frequentemente ultrapassadas e pouco se faz para inverter as situações. Limitamo-nos a desabafar vitupérios e a dizer que “este mundo está a ficar louco”! E mais não parece!
Os meios de comunicação social enchem os títulos com enormes paragonas onde nada pulula a não ser o desastre, a morte, o assassinato, o ataque gratuito, a ameaça. Tudo no limite do que seria desejável, tudo muito para além do razoável ou do possível.
Felizmente, ainda há fronteiras que, ao ultrapassar nos dão uma imensa alegria e satisfação. Não são passíveis de sanções ou críticas, antes pelo contrário. Foi o caso, por exemplo de termos ganho o campeonato europeu de Futsal, derrotando a Espanha e tornando-nos, pela primeira vez, campeões da Europa da modalidade. Ultrapassámos uma fronteira difícil, mas conseguimos. Para a Espanha, a notícia surgiu quase em rodapé dizendo que eram subcampeones europeus de futsal! Sobre Portugal, nada. A fronteira está lá. Ténue, no limite, mas está. Eu compreendo que os espanhóis não tivessem gostado de perder tão importante troféu, mas a nós deu-nos uma alegria imensa e a única fronteira que está em causa é somente a de nos tornarmos pela primeira vez campeões europeus e não por termos derrotado a Espanha, pois se tivéssemos derrotado na final qualquer outro país, a alegria seria a mesma. A fronteira é a que separa a vitória da derrota e nada mais.
Mas há fronteiras que nos metem medo quando ultrapassadas. Por exemplo a da Coreia do Sul. Os jogos olímpicos de inverno que decorrem na Coreia do Sul, levaram a que, por uma qualquer razão que é desconhecida, se permitisse que a Coreia do Norte participasse com alguns atletas e que a irmã do ditador Kim ultrapassasse a fronteira que os separa. Para um país que ameaça com uma guerra nuclear e que não acata as recomendações internacionais perante os desmandos que comete, não seria espectável uma tal atitude que nos remete para uma desconfiança extraordinária. Claro que, com um pouco de boa vontade, eu até sou levado a considerar que esta atitude vem embrulhada numa tentativa de reconciliação não só com o parceiro do Sul, mas também com a comunidade internacional. Na verdade, estando a sentir-se absolutamente estrangulado economicamente e tendo ao seu lado, com muita condescendência, a China, Kim tenta através do desporto, fazer uma jogada de mestre e livrar-se do peso enorme que o avassala. Ultrapassar a fronteira do inimigo irmão, pode relança-lo para uma outra fronteira, a da possibilidade de uma paz económica com os que lhe negam a abertura necessária da sobrevivência. A necessidade a tudo obriga. Resta-nos saber se o presidente dos EUA consegue também ele, ultrapassar a fronteira do desejável e do razoável, não atirando mais achas para uma fogueira que já está demasiado quente. De Trump não se espera grande coisa, pois se alguém ultrapassa todas as fronteiras e mais algumas, é ele. Uma coisa, para já marca o ultrapassar desta fronteira sulcoreana. O facto de ficar o convite para o presidente do Sul visitar a Coreia do Norte. Será que Seul vai aceitar? Possivelmente sim, num esforço de manter a paz tão necessária na região, mas se a tensão abrandar não significa que o problema existente esteja resolvido ou que as fronteiras voltem a ser abertas e facilmente ultrapassadas.
Mas as fronteiras do razoável continuam a ser pisadas e abusadas por muitos de nós seja no aspeto político ou até no nosso querido futebol. Aqui tudo acontece a começar pela fronteira do recente VAR e dos presidentes dos clubes. Uns queriam e já querem, outros não queriam e já querem. Ninguém se entende. Pelo meio, uns perdem e e outros ganham, com VAR ou sem VAR. Simplesmente pelo facto de que ainda há árbitros que conseguem ver as fronteiras entre o que é real e o que é uma autêntica farsa. Simplesmente fronteiras.

Resultado pesado

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Ter, 13/02/2018 - 16:43


A equipa barrosã valeu-se da inspiração de Baba Sow. O ponta de lança senegalês fez hat-trick e carregou os comandados de José Manuel Viage para a vitória. 

Mirandela vence e chega-se aos lugares cimeiros

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Ter, 13/02/2018 - 16:34


É o melhor registo dos alvinegros esta temporada. A formação treinada por Rui Borges vive dias tranquilos, nas últimas seis jornadas soma um empate e cinco vitórias. A última por 1-0 frente ao Merelinense, na jornada 20 do Campeonato de Portugal.