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Tempo de verão

Há um carro de anos o saudoso Carlos Silva improvisava a lendária canção da Ella Fitzgerald no barracão de comes e bebes do Senhor Poças (Bolha) ao final da tarde ou na cave do Flórida no decorrer da noite no salsifré do jogo da moedinha refrescando-se a goela bebendo finos acompanhados de suculento pregos de vitela. Improvisava lindamente o Carlos, ele utilizava a ária da formidável artista embrulhando letras conforme as piadas em voga sempre num tom de crítica à situação social vigente.

Era tempo de verão numa época de guerra colonial, num tempo de horizontes fechados, de cenceno permanente apesar da luminosidade dos dias e a temperança da brisa nocturna. Tal tempo de verão agitado através das quadras dos «baladeiros», do suplemento juvenil do Diário de Lisboa, das lutas académicas na Lusa-Atenas.

Nessas noites a conversa entremeada de vernáculo e sementeira de alhos extravasa para a rua da República e Praça da Sé, ao tempo designada por eira de Espinhosela, discutia-se tudo, Deus, a Igreja comentando-se os textos do Padre Felicidade Alves, os livros do filósofo matemático Bertrand Russell, na altura de soltarmos palavras de azedume político, automaticamente, baixava-se a voz pois as paredes tinham ouvidos, o polícia de giro, sem pressas, aproximava-se soltando as boas-noites em intonação afável e seguia na passada ritmada de quem se obriga a gastar o tempo de turno.

A acutilância verbal de melhor quilate e vibração pertencia ao Carlos, ele emergia certeiro na análise deixando-nos duvidosos dos nossos pareceres e argumentos a escorá-los, sem dúvida, ao tempo entendia-o como guia de referência nos variados campos do meu quotidiano. Era tempo de verão, de leituras apressadas, de balancear a utopia. As utopias.

Não ficávamos isentos de crítica, falávamos de personagens da cidade recorrendo ao acídulo comentário sobre as suas andanças, ninguém era esquecido, clérigos, militares, legionários, bonifrates manga-de-alpaca sem manguitos, burocratas licenciados, professores de diploma e sem possuírem o certificado expresso no diploma, senhoras de bom, e mau porte (estas últimas justificavam particular atenção) incluindo as amásias promovidas a governantas, nesse tempo existiam algumas proprietárias de bustos a rivalizarem com o da sueca Anita na fonte romana. Lembram-se leitores da minha idade?

Não vou retemperar mais vigamentos das ditas noites de verão, as plasmadas neste artigo servem unicamente para acentuar a transformação ocorrida, agora impera a vertigem do telemóvel, o oráculo da Internet, a linguagem cifrada das corruptelas fixadas nas redes sociais infestadas de intrusos atrevidos, nas gloriosas noites estivais não entrava um qualquer, apenas os aceites pelo grupo.

O terem emergido outras formas de comunicação é um extraordinário progresso, no entanto, julgo ter-se acentuado o ascetismo do convívio pessoal beneficiando as relações virtuais, sem esquecer a cacofonia futebolística na maioria dos canais televisivos empobrecedora da salutar e serena autópsia dos diferendos do universo da bola.

A razão animada através do exercício da reflexão leva-me a dizer que ao contrário de Frei Tomás não sou dependente do telemóvel, ainda menos das redes sociais da coscuvilhice apesar de terem algumas virtudes, situo-me entre o escrito nos livros o «Mundo que nós perdemos» de Peter Lasket e o «Admirável Novo Mundo» de Huxley, um a lembrar as virtudes da recuperação do passado, o outro a antecipar um Mundo que ultrapassou largamente o autor, no entanto, não fujo do progresso científico e técnico, antes pelo contrário.

Posso lembrar o Negus do salão do Senhor Adriano (Manco) pai do ágil futebolista Micá trazer ao de cima os cafés nos quais existiam tabuleiros de damas e xadrez, os santuários vínicos especialistas no aprimoramento das famosas masturbações de bacalhau no intervalo de pugnas às vezes virulentas de partidas de sueca.

O tal tempo de Lasket esvaiu-se, não adianta chorar sobre o leite derramado, existe em Lisboa um clube cujos sócios ainda se julgam na época de Dona Maria I, lacrimejam num guisado composto por pragas aos malhados, aos vestidos vaporosos das senhoras e à Igreja inspirada no Vaticano II. Enfim…

 Tempo de verão refrescante para todos. Desejos meus.

Vendavais - Terra queimada

Eu tenho esperança de que todos queremos o melhor para este país sempre em ebulição informativa e quase sempre pelas piores razões. Mas ninguém julgue que somos todos uma cambada de totós que acredita em tudo o que se diz e que engolimos todas as patranhas que nos querem impingir. Isso leva-nos a sermos desconfiados, o que também não ajuda muito, mas pelo menos pode minimizar o impacto final.

Este Verão tem sido demasiado penoso para os portugueses. Depois de se anunciar uma melhoria na economia, o que nos fazia sentir mais animados e ir para férias mais descansados porque afinal o governo tinha feito bem o seu trabalho, eis que vem a público que a dívida pública tinha aumentado substancialmente, ultrapassando todos os valores anteriores. Uma no cravo, outra na ferradura!

Chegada a época dos incêndios e pensando que os anos anteriores tinham dado lições de como combater o flagelo anual, eis que surge a desgraça de Pedrógão e Góis e faz sessenta e quatro vítimas, cujos culpados não se conhecem, além do próprio fogo assassino. Quando ninguém quer as culpas, tenta-se encontrar um bode expiatório, mas nem o tal bode parece querer aparecer. Azar dos Távoras! É fácil falar de prevenção. É bonito e fica bem dizer que as coisas vão finalmente mudar e que se vai alterar o sistema e gastar mais dinheiro na tal prevenção e envolver mais instituições neste combate desigual que todos os anos consome o que de mais rico temos. Mas para trás fica a terra queimada que sustentava famílias inteiras que agora se sentam nos escombros que as cinzas deixaram e nos bancos do desespero e do abandono. Queira Deus que daqui a um ano as pessoas que perderam as suas casas e a quem tanto foi prometido, não se encontrem ainda no meio da rua à espera do teto promissor.

Como uma desgraça não vem só, eis que surge o alarme de Tancos. Chego a questionar-me se tal acontecimento não terá sido forjado com o objetivo de desviar atenções, mas a verdade é que se fosse positivo o que aconteceu, eu talvez duvidasse das notícias que foram dadas, mas mais uma vez vemos a culpas a ser arrastada pelas ruas da amargura e continuar solteira mesmo em tempo dos santos casamenteiros.

O que aconteceu com o paiol de Tancos foi realizado por quem sabe e tem capacidade para o fazer. Pode-se por-se a hipótese que, se por acaso, a ronda militar apanhasse em flagrante o grupo assaltante, muito provavelmente seria neutralizada ou até eliminada. E porquê? É que as sentinelas nos nossos quartéis andam sem carregadores municiados nas armas e apenas dispõem de um outro, nas cartucheiras, com poucos cartuchos e lacrado. Em resumo: não podem defender as instalações que lhes são confiadas, mesmo que o queiram porque retirar o carregador vazio, deslacrar o que levam na cartucheira, colocá-lo na arma e disparar é uma impossibilidade, porque antes já foram desta para melhor.

Por outro lado, se uma sentinela, no exercício da sua missão, disparar a sua arma em defesa do pessoal, das instalações ou do material que lhe estão confiados, uma coisa é certa: está metido numa encrencada que pode resultar na sua prisão e pagar grossa indemnização a um ou mais assaltantes. Resumindo, o nosso exército está a trabalhar com enormes dificuldades e as culpas não podem ser assacadas aos militares, simples comandados das elites e do governo.

Este ataque, se é que ele aconteceu, só pode ter ocorrido através da porta d'armas, a entrada principal, e não através de um buraco na vedação, que foi, segundo consta, por lá que entrou e que depois saiu a viatura pesada de transporte. Quem estava a comandar o portão principal, ou era conivente com a conspiração, ou tinha sido autorizado por algum superior a deixar entrar e sair aquele camião concreto sem fazer perguntas, nem pedir papéis, e que depois nem vasculhou o conteúdo à saída. E na cerca da vedação ninguém falou de rasto de pneus, nem de que género de viatura entrou e saiu por lá. Isto parece um filme de desenhos animados.

Enfim. Tivesse sido um conjunto de responsáveis da Base a fazer uma “exportação” de material bélico a troco de muito dinheiro ou ser somente uma aldrabice para iludir ingénuos e tudo ser orquestrado para encobrir inventários mal feitos ou mesmo uma operação dos serviços secretos destinada a desestabilizar o jogo político e a criar medo e insegurança na opinião pública, o certo é que tudo o que aconteceu em Tancos dificilmente será investigado a fundo como quer Marcelo e nunca se chegará aos culpados verdadeiros.

Deste modo quase patético e inverosímil, Portugal vai continuar a ser simplesmente uma terra queimada onde a culpa arde lentamente ao sabor das vontades políticas.

Uma nota que representa … a vida

Que grande infelicidade constatar que certos professores e direcções de escolas secundárias permitam a certos alunos passar de ano tentando que por vezes as notas subam alguns pontos. Imaginem, fazer com que um aluno passe com 60%, enquanto na realidade só tinha obtido 58%? A fraude do século, muito longe à frente da dos paraísos fiscais ou da dos arranjos políticos. Por conseguinte, concentremos os nossos esforços neste problema endémico criando uma nova comissão de estudo honrada pelos professores mais experientes e sábios de cada escola.     

 

Srs. Professores, esqueçam as grandes expressões deslavadas “estamos a nivelar por baixo”, “ e a excelência?!”, claro que é importante, até porque com esses alunos é fácil trabalhar. Trata-se doutra realidade, vamos aos factos, sabem o que representam estes 2%? A vida.

A destes jovens adolescentes que, apesar das dificuldades maiores no plano da aprendizagem, perseveram bem ou mal, insistem para não desligar ou abandonar, com falta de apoios apropriados a todos os níveis. E nem todos os professores sabem do que falo. Uma vida que, sem o diploma de 12º ano, ficará condenada às maiores dificuldades; inexistência de possibilidade de emprego ou empregos muito precários e mal remunerados, uma estima de si próprio ou autoconfiança cada vez mais débil ligada ao profundo sentimento de não poder concretizar os seus mais pequenos sonhos, os da infância. Eis o que representam estes 2%, um diploma que possa, aqui ou lá longe, assegurar um certo patamar de decência na sociedade. 

 

Vamos ser justos e empáticos em relação a estes alunos que já sofrem bastante para além do mais lhes mostrarmos que continuamos insensíveis à sua situação. Esses jovens que obtêm 58% têm por vezes dificuldades diversas para não dizer problemas de aprendizagem, concentração etc. etc. que explicam o seu fraco rendimento. Em vez de os castigar em vez de os fazer reprovar por 2%, deveríamos valorizá-los e agradecer-lhes por ainda estar presentes, ligados aos estudos, habitados pela dor de aprender.

Sair da caverna é um exercício difícil, Srs. Professores! …

 

Conhecem muita gente que continua presa a uma tarefa dolorosa, e que continua mesmo assim a bater-se ano após ano? Felicitemo-los e paremos de adotar unicamente regras contabilísticas, frias e austeras.

 

Estes 2% devem ser abordados de forma quantitativa, e não qualitativa. Não cortemos as asas a estes jovens corajosos e perseverantes – não são todos sei! – com os nossos princípios racionais de adulto que incita unicamente à performance. Estes comités de pais da performance que se lamentam do Nível que “voa baixinho” e que já viram os filhos voar mas se esqueceram rapidamente de que também estes passaram por dificuldades e deixaram para sempre algumas penas na sua ascensão. Aqueles que inculcam aos seus filhos não a importância de ir além das suas forças, da entrega, do sacrifício, mas da importância de ultrapassar os outros seja qual for o método.

Animar as gentes com o “esfolador de beiços”

Ter, 18/07/2017 - 10:16


Olá familiazinha! Nesta última semana a temperatura subiu e não há novidades no que diz respeito ao líquido precioso vindo do céu. Por isso agora, nos escritórios da terra a maior preocupação é a rega, embora nalguns lugares a água já comece a escassear, como constatei na conversa com a tia Teresa, dos Alvaredos, do concelho de Vinhais que nos disse que as torneiras que existem na aldeia para a rega das hortas já estão fechadas por falta de água, mas nas habitações não falha. Claro que agora a agricultura está sedenta de água vinda do céu.