A Imagem da Caça e dos Caçadores
Por razões diversas, a imagem da caça e dos caçadores nem sempre tem sido simpática! Pelo contrário, a caça é uma atividade malquista em muitas situações, como aquelas em que é mais mediático e gera ondas de solidariedade o abate dum animal do que os maus tratos a seres humanos. Por outro lado, também não ajuda nada os caçadores quase só falarem entre si. Quem lê revistas e livros de caça são os caçadores, as plateias em palestras sobre o assunto também são constituídas por caçadores… Não é fácil estabelecer diálogo e debate entre as diferentes sensibilidades. Mas, na verdade, os caçadores conscientes sentem-se conservacionistas, defensores acérrimos da fauna e da flora silvestre, discordam em absoluto da introdução de animais de cativeiro nas zonas de caça e também não olham com bons olhos a prática das largadas para abate imediato… Muitos de nós, cidadãos do Nordeste Transmontano, nascemos caçadores! No seio das famílias tradicionais transmontanas, acolhemos valores morais e muitas vivências do campo e da caça. Crescemos em ambiente rural, a ver o caçador tratar a espingarda tal como tratava a enxada – como uma ferramenta ou alfaia agrícola. Consideramos o instinto de caçar um atavismo inerente à condição humana e que a exploração deste recurso natural renovável não é mais do que um instrumento de gestão do território, desde que feita de forma racional e sustentada. Aliás, é gratificante perceber que se reconhece como ativi- dade estratégica no desenvolvimento do mundo rural. Porém, há grupos urbanos que olham todos os caçadores por igual, com desdém e pronunciam-se em tom ofensivo quanto a esta prática ancestral... Da mesma forma que temos profundo respeito por opiniões divergentes das nossas por oposição à prática da caça, também esperamos que respeitem esta nossa paixão. Não queremos que gostem da caça, nem pretendemos convencê-los a serem caçadores… Ou seja, não pedimos que aprovem as nossas opções, mas apenas que as admitam e nos tratem de forma cordial e civilizada! Para compreender a caça é preciso perceber a essência da ruralidade. É por demais óbvio que quem se manifesta de forma deselegante contra o ato de caçar, nunca deve ter visto de perto o mundo rural, a não ser em visita esporá- dica e observando os autóctones com sobranceria, desconhecendo completamente os seus profundos saberes, mesmo que empíricos, sobre o funcionamento dos ecossistemas. O homem do campo conhece bem os hábitos dos animais, as épocas de criação e a forma como se relacionam com o ambiente onde se movimentam, respeitando os respetivos defesos. Será que essas pessoas sabem como se conduz um rebanho e como defendê-lo de possíveis ataques dos lobos, com a ajuda dos cães? O que pensarão destas e doutras atividades campesinas, como o abate do cabrito, do cordeiro, do porco, ou do maior galo da capoeira para consumo da família? E dos seres humanos (cada vez menos) que ainda ocupam as nossas aldeias? Que são todos apoucados, paleolíticos, irracionais? Será que sabem da importância da caça nas pequenas economias locais, os postos de tra- balho diretos e indiretos que gera? Neste nosso tempo, para ser caçador é preciso submetermo-nos a um rigoroso exame, no qual mais de metade dos candidatos reprova; a preparação para essa prova exige o estudo da bio-ecologia das espécies cinegéticas e das protegidas; exige ainda o domínio das leis reguladoras do exercício da caça e aprender a manusear armas, conhecendo a fundo as regras de segurança; e há também que cumprir as normas de ética contidas no “Código do Comportamento do Caçador”. Hoje, o ato de caçar é profundamente racional, valoriza a biodiversidade e pondera a sustentabilidade do sistema. Em cada zona de caça é limitado o número de dias de caça, o número de caçadores por dia e o número de peças a capturar; os meios a utilizar são leais e regulamentados; os caçadores são obrigados, por decreto, a recolher os cartuchos vazios e procu- ram causar o menor impato possível no terreno; conforme a Lei de Bases Gerais da Caça (Setembro de 1999), o abandono de cães de caça constitui crime punível com pena de prisão, portanto, para os caçadores, a legislação que veio criminalizar este acto não é novidade nenhuma! Além disto, o caçador paga para usufruir do território! Acresce que, mesmo já não sendo necessário caçar para comer, consumir as peças abatidas é o culminar prazenteiro de todo o ritual. Por todas estas razões, lamentamos ser tratados, em certos círculos, como irracionais, por sermos caçadores… É certo que há gente execrável no mundo da caça, mas o mesmo acontece em qualquer outra atividade humana… E a terminar fica dito: um lance de caça, limpo e honesto, com intervenção dos cães, é algo emocionalmente transcendente e inexplicável a quem não é caçador… e, como também dizia Miguel Torga, com a autoridade que a sua condição de médico lhe conferia: “O único tranquilizante que não me faz mal é a caça!”
Agostinho Beça