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A República da Bazuca

Quem cumpriu o serviço militar se lembrará, por certo, de uma arma que mais parecia um tubo de metálico de rega, que lançava uma potentíssima granada capaz de perfurar os mais resistentes obstáculos, ao mesmo tempo que largava, para trás, chamas suficientes para assar o mais gordo peru. Estou em crer que o nosso primeiro da República da Bazuca, nunca tirou uma selfie a disparar uma bazuca, ainda que, na actual circunstância, talvez tivesse maior impacto político do que salvar cem turistas numa praia algarvia. Também o nosso primeiro do Governo da Bazuca nunca terá manuseado tal arma. Também me quer parecer que as sumidades que tiveram a peregrina ideia de chamar bazuca à pipa de massa que a EU, uma vez mais, endossa ao seu protectorado português, nunca terão visto uma bazuca verdadeira a disparar. Não imaginam, por isso, os danos que tal arma poderá causar. A analogia que estabelecem é, por isso, simplista, ridícula e dramática. Eles sabem, melhor que ninguém, que o endividamento público (e a crise correlativa) são aterradores. O que os levou a admitir que só à bazucada poderão ser vencidos. Daí, e porque outras soluções não fazem parte do seu cardápio político, chamarem bazuca a essa verdadeira pipa de euros que mais parece um tonel. Não se coíbem, sequer, de invocar a dita bazuca, por tudo e por nada, a rir quando deveriam chorar e a esfregar as mãos de contentes, sabe-se lá com que duvidosos propósitos em mente. O mais certo, porém, é as granadas da bazuca acabarem por estourar, qual colorido fogo-de-artifício, em festas privadas de correligionários e compinchas, ou silenciosamente nos cofres de empresas “off shore” afins. Sendo também certo que, mais uma vez, serão os portugueses chamuscados pelas labaredas da bazuca. Para esconjurar tais fantasmas, o nosso primeiro da República da Bazuca constituiu uma equipa qualificada para, de binóculos em punho, acompanhar os disparos a partir das varandas do palácio de Belém. Mas será que vão ver alguma coisa? E se virem o que é que poderão fazer? Foguetes coloridos da corrupção são vistos a estralejar nos céus, constantemente, mas não consta que o nosso primeiro da República da Bazuca tenha, até hoje, movido uma palha que fosse, para lá de abrir o guarda-chuva não vá algum estilhaço cair- -lhe em cima. O que importa é manter os pategos distraídos a olhar para a bazuca. Tudo leva a crer, assim sendo, que o nosso primeiro da República da Bazuca, neste seu segundo mandato, para evitar o tal berbicacho, tudo fará para que o nosso primeiro do Governo da Bazuca tenha maioria absoluta nas próximas legislativas. Claro que a bazuca financeira se bem manejada até poderia ser pacífica e proveitosa. Poderia, por exemplo, abrir um segundo túnel no Marão dando passagem ao comboio TGV que do Porto seguiria, por Vila Real e Bragança até Madrid, para não ir mais longe. Mas não. É ponto assente que Vila Real e Bragança são as únicas capitais de distrito que não irão ter comboios, com bazuca ou sem ela, vá- -se lá saber porquê, sendo os transmontanos chamuscados pelo escape da bazuca, mesmo antes de ela disparar. Concluindo: o Regime vai continuar a sobreviver com bazucadas de corrupção e os portugueses a viver de bazucadas de palavras bonitas enfeitadas de boas intenções. Isto só já lá vai com uma boa bazucada eleitoral.

Autárquicas 21

O processo eleitoral já começou. Já se vão conhecen - do os candidatos e recandidatos aos lugares autárquicos em disputa, todos, é certo, mas especialmente o de Presidente de Câmara pois é nele que se centram todas as atenções do próximo processo eleitoral. Apesar do estranho ambiente, perturbador, sem dúvida, dificultador, sobretudo nas zonas rurais onde o contacto pessoal é de alta importância, já são visíveis, no terreno, as movimentações de todos os putativos atores, especialmente os oponentes ao poder estabelecido. Substituir quem está sentado na cadeira do poder não é, reconhecidamente, tarefa fácil, tanto assim que é assumido como verdadeira a afirmação, vulgarizada, precisamente, quando aplicada às eleições autárquicas que, normalmente ninguém as ganha, quando muito, perde-as quem detém o poder. As várias edições já ocorridas vieram dar razão a tal proposição que aumentando a dificuldade dos aspirantes, igualmente acrescenta a responsabilidades dos atuais detentores se, igualmente, forem contendores. Por uma razão simples de que ninguém pode assegurar melhor a continuidade do que aquele que já está ao comando na máquina municipal. Embora, na maior parte das vezes, o pleito eleitoral se cinja à discussão de personalidades é um erro cair nessa armadilha. Porque o que está em litígio não é propriamente um emprego, bem ou mal remunerado, isso agora não é relevante, mas o futuro de toda uma comunidade que dependerá, é verdade, da vontade, querer e determinações do que encabeçar a lista vencedora. Quem pensar que para que tudo mude basta mudar o cabeça de cartaz, está muito enganado. É preciso que a mudança, quando e se acontecer, traga inerente um novo roteiro, uma agenda inovadora e, provavelmente, uma estratégia de rutura. Só analisando todas as propostas em debate será possível decidir em consciência e optar, livremente, pelo rumo que cada um acha melhor para o trajeto comum que reveste a vida em sociedade. Entristece-me sempre que, perante alguém que surge com ideias inovadoras, sejam mais ou menos valiosas, em vez de as ver rebatidas, porque não, ser imediatamente alvo de acusações de caráter. A estratégia de ataque ao mensageiro, quando a mensagem não agrada é muitíssimo mais velha que a Sé de Braga, mas nunca contribuiu para melhorar a vida de ninguém. Parecendo serem “apenas” mais umas eleições autárquicas, não é exatamente assim, no caso presente. A nível local porque o momento histórico que vivemos que, sabemos, antecede volumosos investimentos destinados à recuperação da desastrosa situação para onde fomos arrastados pela tremenda pandemia que se abateu sobre o mundo, pede-nos a escolha de quem podendo decidir os investimentos certos e necessários, pode, igualmente, desperdiçar esta oportunidade agravando ainda mais a situação depauperada atual. A nível nacional vai haver um foco, inevitável, na contenda da capital. Com certeza que não foi com a cadeira municipal como último horizonte que Carlos Moedas abandonou o tranquilo e prestigiante lugar na administração da Fundação Gulbenkian, afastando- -se da possibilidade que, não sendo certa, era apontada como muito provável, de ascender ao melhor lugar executivo do território lusitano, a fazer fé nas palavras atribuídas a Marcelo Caetano, quando foi indigitado para presidir ao Conselho de Ministros.

As quadraturas da liberdade

Boa tarde, meus caros. Que estas palavras vos encontrem com saúde e de bom ânimo. Hoje venho divagar sobre essa coisa onírica da liberdade. No outro fim de semana num restaurante estávamos à mesa umas quantas pessoas. Tal como começa a anedota, tinha o espanhol, o inglês, não tinha o francês, mas tinha representada várias nacionalidades como estado-unidense, brasileira, argentina, mexicana e alemã, entre outras que por ali andavam. Estávamos a falar de liberdade, na China, na esplanada multicultural de um restaurante propriedade de um italiano de Milão numa noite temática de comida mexicana preparada por um comum amigo de Guadalajara. Conversou-se entre tacos, cervejas e charros negros, os charros são os cóbois do México, ciosos da sua cultura charra ou charreria, já os charros negros não são mais do que o nome que os mexicanos dão a tequilha com coca-cola. A páginas tantas a conversa foi parar aos actuais e globais lugares comuns, as vacinas, o futuro, o mundo e os cantos do mundo de cada um. Falou-se também da liberdade e de liberdades... É difícil falar destes temas nestas linhas e fazer compreender plenamente estes tópicos pois no Ocidente existe um desconhecimento quase absoluto sobre a China e muito mais sobre a China de hoje. Isto digo eu e diz um sinólogo francês chamado François Jullien que tem também a expressiva e concludente frase “enquanto para o pensamento europeu a liberdade é a última palavra, para o Extremo-Oriente é a harmonia”. Esta afirmação ajuda a compreender os tempos que a Europa e o Extremo-Oriente vivem. Enquanto a Europa tem vindo a esforçar-se por preservar a liberdade como valor fundamental ainda que a harmonia (e o resto) decline e seja alvo de diversos tipos de ameaças, por outro lado o Extremo- -Oriente funda-se na harmonia como condição basilar de estabilidade e progresso ainda que algumas liberdades individuais tenham de dar o corpo ao manifesto e ser secundarizadas neste processo. São valores culturais, fundamentais, embora consideravelmente diferentes e às vezes contrários na forma de conceber e viver a sociedade. Por isso, aí quando se fala de China e restrições à liberdade, é sempre tudo por causa do regime, sendo na verdade tudo mais fruto da cultura intrínseca chinesa, inclusive a vigência do próprio regime. Uma visão eurocêntrica e coitadinha do mundo que não procura realmente conhecer o Outro, mas que parte sempre do princípio que os outros querem fazer as coisas à europeia, e se não o fazem é porque não podem, coitados, eles bem queriam ser em tudo tão mais- -que-perfeitos quanto nós. Actualmente na China as fronteiras continuam fechadas, entram os nacionais e os poucos estrangeiros que conseguem entrar no país. Na verdade não é que esteja fechado, a questão é que quem entra tem de cumprir quinze dias num hotel mais uma semana em casa. Sem excepções para ninguém, nem para diplomatas. No entanto, apesar deste filtro de três semanas engaiolado e a pagar o hotel do seu bolso para quem quiser andar livre cá dentro - tal como se faz na Austrália e em grande partes dos países do Oriente - a vida aqui corre absolutamente normal desde Abril do ano passado, tirando o requerido uso de máscaras em alguns locais. Deste modo, a pergunta que se colocou à mesa foi: o que é a liberdade? É querer andar a circular à vontade, porque é um direito que me assiste, quem é alguém para me impedir ou me encerrar num hotel, o que eu mais preciso no meio de uma pandemia é de viajar, na verdade de escarrapachar fotos no Instagram num sítio coiso, #life is a trip, respeitem a minha privacidade, era o que faltava num país democrático de plenos direitos quererem beliscar tamanhas conquistas... para depois acabar por ficar um país parado ou a meio gás, encerrado em casa e com as implicações todas que vocês conhecem melhor do que eu e que tantas consequências tem na vida, na economia e na saúde física e mental dos cidadãos? Quem tem mais liberdade, somos nós na China em que a normalidade já vai fazer um ano e nos podemos juntar e conviver à mesa de um restaurante ou são as pessoas em grande parte da Europa que em nome da liberdade são depois obrigadas a ter de vivê- -la dentro da quadratura das suas casas, da quadratura dos computadores, da quadratura dos postigos, da quadratura de tudo? Fica a questão sem mais juízos de valor. Antes que coloquem rótulos não se trata de defender certas concepções políticas, aliás, nessa mesa éramos todos nacionais de democracias bem fundadas, pessoas de esquerda, pelo menos as que conheço melhor. Trata- -se apenas de fazer concessões, de prescindir um pouco nestes tempos completamente invulgares para não andar na intermitência da liberdade, na cepa torta do hoje oito, amanhã oitenta. Praticar uma harmonia mais preventiva, abdicando de uma ou outra liberdade individual para não ter de desembocar na desarmonia de esgotantes estados de emergência. Não perdia nada a China em abrir mão de algumas liberdades individuais das suas pessoas e não faria mal à Europa trabalhar mais a harmonia colectiva dos seus cidadãos. Educamos os filhos com regras, com responsabilidades, mas a Europa não. Só liberdades, quase zero responsabilidades. Chegamos ao cúmulo dos dias de hoje de uma pessoa até se sentir fascista ao pedir uma ou outra regra ou concessão para a Europa, quando a questão é pecisamente a contrária. É dessa falta - desse só se poder abrir ou dar e não se poder corrigir ou recuar um milímetro que seja - que brota o perigo, o descontrolo, o descalabro. As democracias têm de agir e intervir, democraticamente, antes de males maiores. Dizerem “presente” para não dar tréguas a ameaças que se vão anunciando e alimentando da descrença. Tal como disse uma senhora, Grace Blakeley, há dias na Visão “a democracia não aguenta disparidades tão grandes. As pessoas tiram o seu apoio ao sistema e a legitimidade erode-se. Vejo muitos jovens a dizer que não acreditam na democracia, no capitalismo ou no liberalismo.” As pessoas, os jovens já não acreditam em nada e já começam a estar por tudo. Por estes dias, numa das suas mais recentes obras de rua, Banksy pôs o ladrão a escapulir-se da janela de um prédio com um cesto de comida, já não busca o dinheiro, as jóias ou televisor, mas comida. Uma imagem que diz tudo. Vivemos nos extremos, com disparidades económicas, sociais, disparidades entre os direitos e os deveres que não páram de aumentar e os partidos políticos a brincar aos moinhos de vento, sem fazer nada para mudar o rumo das coisas ou sequer para mostrar que não são instituições viciadas, narcísicas, a caminho da obsolescência. É triste e é perigoso. Enfim, tudo o que o mundo precisa é de equilíbrio. E também de mundivivência, de ver outras coisas, o outro lado, de se mostrar disponível para aprender com o Outro. Isto não é mais do que um desabafo, acaba por ser também para isso que estes textos servem, não espero que a natureza das coisas venha a mudar e muito menos que me queiram entender ou concordar com o que digo. Haja saúde e esperança, mas também acção. Um grande abraço!

Bragança: anos de 1700: Quadros Sociais- Depósito dos Bens de José Henriques Nunes, Raba

Nos círculos judaicos e entre os estudiosos da diáspora sefardita, a família Raba é muito conhecida. No entanto esse conhecimento está estritamente ligado ao sucesso da família em terras da diáspora e menos às suas raízes Trasmontanas. A grande maioria dos trabalhos publicados, inclusivamente por nós, versa a história da família a partir do século XVIII, passando mais ou menos em claro os 200 anos anteriores. (1) Sim que a história da família pode ser contada desde o tempo em que os judeus foram obrigados a batizar-se para poder viver em Portugal, em 1496. E por mais de 2 séculos que a inquisição reinou em Portugal, várias gerações de homens e mulheres da família Raba sofreram nas suas prisões. Um dos primeiros foi Henrique Afonso, sapateiro, nascido em Bragança por 1529, filho de Pedro Afonso e Catarina Gonçalves (provavelmente batizados em pé), que foi preso em 1589 e faleceu na cadeia de Coimbra em 3.4.1593. Acabou por ser sentenciado no auto de 27.6.1593 “em confisco de bens e seus ossos desenterrados e reduzidos a pó e cinza”. A viúva, Florença Carrião, foi presa 5 anos depois. Suicidou-se no cárcere da inquisição em 18.6.1598. A sentença, igual à do marido, foi lida no auto da fé de 20.9.1599. (2) Ana Furtado, filha de Henrique e Florença, era casada com João Fernandes, tratante, natural de Quintela de Lampaças. Face à vaga de prisões que assolou Bragança, um e outro rumaram a Coimbra a apresentar-se voluntariamente e confessar suas culpas de judaísmo. Mandada regressar a casa, Ana veio a falecer 4 anos depois, em 11.4.1599, em Bragança. Mas isso não impediu que o seu processo continuasse e o seu nome constasse dos sentenciados no auto de 6.5.1601. (3) Florença Carrião como a avó materna, filha de Ana e João foi também apresentar-se a Coimbra, em 22.3.1602. Não obstante, foram-lhe confiscados os bens, com sentença lida no auto de Maio seguinte. (4) Era casada com Francisco Rodrigues, sapateiro e este é o primeiro que nos aparece com a alcunha de Raba. O seu filho António Rodrigues, também sapateiro, foi casar e morar em Quintela de Lampaças, com Maria Pereira, igualmente filha de um sapateiro. Ambos foram presos, juntamente com 17 outros moradores, numa verdadeira operação de limpeza étnica da aldeia, lançada pela inquisição em dezembro de 1637. (5) Na geração seguinte, foi a vez do filho, Francisco Nunes Raba, também sapateiro, e sua mulher, Isabel Rodrigues. Aquele faleceu na cadeia, um mês depois de ser preso, em 24.6.1660, mas a sentença apenas foi lida 25 anos depois, no auto de 4.2.1685! (6) E chegamos a José Henriques Nunes, filho dos anteriores, que foi preso em 4.10.1705, juntamente com sua mulher, Maria Antónia, esta natural de Monforte de Lemos, Galiza. (7) Ambos voltaram a ser presos, saindo penitenciados no auto de 21.6.1711. Tanto da primeira como da segunda vez, foram condenados em sequestro de bens, cárcere e hábito penitencial perpétuo. E este é o tema deste nosso trabalho: seguir, na medida do possível, a execução do sequestro, matéria que raramente é tratada pelos historiadores. No texto anterior, quando tratamos dos bens sequestrados a João da Costa, apareceu-nos José Henriques, como procurador de Inês Lopes, sua mulher, a reclamar a sua parte nos mesmos bens. Dissemos também que João da Costa era tio materno de José. Resta acrescentar que Maria da Costa, sua sogra, mãe de Antónia, era igualmente sua tia materna. Numa linhagem de sapateiros e curtidores, José Henriques guindou-se a uma classe social mais elevada, apresentando-se como mercador e rendeiro. E quando foi preso, trazia arrendada a cobrança do real d´água no concelho de Bragança, um imposto que se cobrava sobre o vinho e a carne que se vendiam nas tabernas e açougues. Mandados prender com sequestro de bens, em Setembro de 1705, a execução do sequestro começou de imediato, ficando como depositário desses bens o ferrador Bartolomeu Rodrigues. O rol do dinheiro então recebido estende-se por 4 páginas do livro e certamente reporta a dívidas cobradas, conforme os livros razão encontrados na casa ou tenda de mercador de José Henriques. E começa com a cobrança de uma letra que António de Novais Sá tinha passado ao dito mercador. Fizeram- -se assim 393 721 réis. Procedeu-se também à cobrança do real de água a taberneiros de duas dezenas de localidades do concelho, correspondente aos 9 meses que eram passados na vigência do contrato daquele ano, no total de 195 710 réis. E também o que deviam pagar os obrigados dos açougues da cidade, que ascendeu a 100 500 réis. Para além disso, receberam-se 9 mil réis de um homem da terra de Miranda, em paga de umas gadanhas, 610 réis de 10 alqueires de farelos que se venderam, 9 600 réis de 2 presuntos que pesaram 24 arráteis e 5 340 réis que se encontraram na casa dos presos. Uma parte deste dinheiro foi logo entregue ao familiar do santo ofício que dirigiu a leva dos prisioneiros para Coimbra, incluindo nomeadamente 120 mil réis para alimentos de José Raba e Maria Antónia. Ficou o depositário Bartolomeu Rodrigues responsável por 665 638 réis. Esta foi a primeira fase do sequestro, feita com base no mandado de prisão. Com a leitura da sentença no auto-da-fé e decreto definitivo do sequestro, este prosseguiu. Assim acresceram 130 100 réis que se fizeram de leilões de bens móveis. Mas não se pense que tudo ficou para o fisco. Não que houve de acorrer a muitas despesas com os caminheiros que andaram nas cobranças pelo concelho, ao juiz de fora por presidir ao sequestro, ao escrivão pelas cartas, precatórios e mandados… haveremos de falar dessas despesas em próximo texto, mostrando que muita gente “comia” à custa dos presos da inquisição. Por agora diga-se apenas que estas despesas, no caso presente, ascenderam a 44 725 réis. Foram então contabilizados 695 620 réis em mão do depositário, assim como um macho, uma balança, uma fivela, botões, colheres e outros objetos de prata que, em 10.4.1707, foram entregues ao depositário do fisco na inquisição de Coimbra, o cavaleiro fidalgo, familiar do santo ofício, Gualter Ferreira da Costa, desobrigando-se daquele montante o depositário Bartolomeu Rodrigues. No entanto, ainda não ficou resolvida a liquidação do sequestro, já que ainda ficaram por arrecadar alguns dinheiros do real d´água e por vender alguns bens, como fossem gadanhas e cartas de jogar. E isto revela uma faceta interessante da atividade comercial de José Henriques Nunes Raba. Vejamos. A gadanha era objeto essencial para o corte da erva dos lameiros. Objeto de ferro, precisa de ser muito bem laminado e temperado e dificilmente haveria na região capacidade tecnológica para o seu fabrico. Possivelmente era importado de algum país nórdico ou da região da Biscaia. Seria o Raba o distribuidor destas alfaias pela região? Facto é que, em Fevereiro de 1709, ainda estavam 23 ganhadas por vender, entregues ao depositário. Quanto às cartas de jogar, sabemos que o “judeu” brigantino Eliseu Pimentel conseguiu, em 1703, o monopólio de venda pelo país. (8) Em terras de Trás-os-Montes, o negócio estaria na mão do Raba, conforme se vê da listagem de estalajadeiros/compradores de baralhos de cartas em dívida, que iam de Vila Franca a Vila Flor, de Lebução a Freixo de Espada à Cinta, de Bemposta aos Cerejais e a Lamalonga… Resta falar dos bens da tenda que foram arrematados por Francisco Henriques Raba, o filho mais velho de José Henriques pelo valor de 105 890 réis. Cresceram assim 280 542 réis das gadanhas, das cartas e da tenda, dinheiro que foi entregue por Bartolomeu Rodrigues ao novo depositário do fisco em Bragança, António Chaves Salgado, com certidão passada pelo escrivão Francisco Correia, em 2.2.1709, e com ordem para entregar aquele dinheiro em Coimbra, no prazo de 20 dias.