class="html not-front not-logged-in one-sidebar sidebar-second page-frontpage">

            

Borges a Muralha da China e a pseudopolítica

No seu livro “Outras Inquirições”, publicado pela primeira vez em 1952, Jorge Luís Borges, discorre sobre os dois “grandes” feitos de Shi Huang Ti: O começo da construção da Grande Muralha da China e a destruição, pelo fogo, de todos os livros anteriores a ele. Queria alcançar dois objetivos simples e concretos: Impedir a invasão do império chinês (que ele unificara), dificultando a transposição das novas fronteiras aos Bárbaros que a circundavam e abolir todo o passado para que a história começasse consigo já que, apropriadamente, se fez batizar com O Primeiro, ordenando que quem lhe sucedesse fosse O Segundo e por aí adiante durante dez mil gerações (o equivalente à eternidade, na cultura chinesa). Na história antiga não se fala em ditadores porque todo o poder era ditatorial ou pretendia sê-lo. A ambição ditatorial era consentânea com a chegada ao poder ou com a sua manutenção e os que “falhavam” este desígnio, normalmente claudicavam como aconteceu recorrentemente, mesmo entre os sucessores diretos do Primeiro Imperador Chinês. O regime democrático, concebido, desenvolvido e disseminado pela excelsa cultura grega veio alterar radicalmente os pilares do poder. Não acabou com as ditaduras, mas confinou-lhes a “legitimidade” e veio introduzir uma nova classe de liderança: a levada a cabo por tiranos que, podendo ser eleitos e jogando com as regras da democracia, para ascenderem ao poder, as usam de forma distorcida, enviesada e soez, para dela beneficiarem e cimentando-o se manterem no poder. Tal como antigamente, também há os que, pela sua capacidade e competência ascendem a essa categoria, por mérito próprio e há, igualmente, os que, por muito que se esforcem, não passam de aprendizes e não atingem o patamar cimeiro e estabilizador. Aqui surge uma nova diferença – os aprendizes de ditadores, têm vida curta porque o sustentáculo não admite meias-tintas; ou é ou não é. Já na classe dos tiranos existe uma variedade de gradações pois que, sustentando-se em eleições que, no exercício do seu poder conseguem condicionar, são capazes de se aí se irem mantendo, dando ares de grandes senhores mas que, na verdade, não passam de arrogantes executores das exceções que a lei democrática, imperfeita, como tudo o que é humano, lhes permite. Foi a eles que Montesquieu se referiu quando proclamou “Não há maior tirania do que a que é exercida sob o escudo da Lei” Não espanta pois que estes iniciantes, não podendo já fazer muralhas, modifiquem, abusivamente as que existem, para lhe dar cunho pessoal e que, sendo-lhes proibido queimar livros, ataquem a memória de quem os escreveu, para tentar alterar a história. Outra nota significativa e caracterizadora pode ser a forma como lidam com quem lhes contesta a atuação. Em vez de contestarem com razões, as razões que aos outros assistem, refugiam-se em classificações. Chamam- -lhes “pseudopolíticos”. Querendo dizer que são diferentes do padrão que, obviamente, tomam como certo, o seu e a sua atuação. Porém, as árvores conhecem-se pelos frutos. Um bom político, tendo dedicado grande parte da sua vida pública a combater quem lhe antecedeu deveria ter-lhe ganho pelo menos uma contenda direta ou, no mínimo, ter-lhe alguma vez, retirado a maioria absoluta... Ou, pelo menos, ter deixado, para memória futura, alguma obra de vulto, no ambiente, na formação superior...

A perversa política do ermamento

Há países, grandes e pequenos, com perigosas políticas de armamento a que atribuem somas astronómicas. Portugal insiste em gastar milhões numa perversa política de ermamento, ou de despovoamento, como se preferir. Dá vontade de os insultar: todos os governantes lusos defendem a coesão nacional mas aplicam verbas avultadas no aprofundamento das assimetrias reginais e no ermamento do território! O ermamento, note-se, não é um fenómeno natural mas o resultado de políticas deliberadas. Salazar, no que ao Interior diz respeito, dotou as sedes de concelho com hospitais, tribunais, postos de GNR, e as freguesias com escolas e humildes mas inovadores fontanários. O regime saído do 25 de Abril, com recursos muito superiores e beneficiando do factor modernidade, faz precisamente o contrário: concentra serviços e investimentos em Lisboa e no Porto, talvez para fazer birra ao ditador. Salazar que, apesar de ter morrido há mais de 50 anos e o salazarismo ter morrido com ele, continua a ser evocado, ironia do destino, sobretudo por políticos de esquerda, talvez com o intuito de disfarçarem incompetências e mais sinistros propósitos. Stalin e Mao também já morrerem há muito, mas o comunismo puro e duro continua firme na Coreia do Norte, em Cuba e na Venezuela. A Rússia e a China, agora mais próximas do nazismo/ fascismo, parecem ter recolhido de Hitler e Mussolini os piores ensinamentos. O mal, em Portugal, porém, não está no sistema democrático. Está no regime político que é, cada vez mais, um arremedo de democracia. Está na asfixiante hegemonia partidária. Nos governantes incompetentes e desonestos, que servem outros interesses que não os da Nação. No favorecimento da alta corrupção. Na viciação da Justiça. No perigoso endividamento do Estado. Nas políticas que expulsam nacionais qualificados. Nos autarcas subservientes que se vergam à vontade dos machuchos partidários em detrimento das populações que é suposto servirem. No sistema eleitoral que mascara e distorce a vontade do povo e que mais agrava as assimetrias. Muitos mais são os males crónicos que afectam o debilitado Portugal. Um, porém, merece o maior destaque porque é demolidor: o défice demográfico. Dois terços do território nacional estão transformados num imenso ermo. Não num deserto, note-se, porque a Mãe Natureza, no pretenso Interior desertificado, está mais pujante do que nunca. Matos, poulos, cobras, lagartos, aves e feras crescem e vivem livremente, apenas ameaçados pelos incêndios florestais que ganham especial gravidade com o despovoamento rural. Lamentavelmente o autodenominado Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) não se propõe resgatar as assimetrias regionais, económicas e culturais, porque não promove o investimento em áreas e matérias reconhecidamente essenciais para a recuperação demográfica. Em Trás-os-Montes, por exemplo, o triângulo central Mirandela, Valpaços, Macedo de Cavaleiros, em que vivem actualmente pouco mais de 50 000 habitantes, tem água, factor fundamental, e recursos naturais bastantes para suportar até 200 000 almas, com elevada qualidade de vida, privilegiando uma agricultura moderna e lucrativa e, porque não, parques de alta tecnologia apoiados em universidades de excelência. Tudo leva a crer, porém que irá continuar confinado aos enchidos e à emigração. O mesmo se dirá do eixo Chaves-Vila Real que possui, para lá do mais, raras potencialidades termais e turísticas. Outros exemplos se poderão encontrar por todo mal tratado Interior. Falta o investimento púbico indispensável para motivar maior investimento privado, alavancas de repovoamento, progresso e coesão nacional. A política de ermamento do Interior é intencional, portanto, ainda que disfarçada. Serve, obviamente, o centralismo económico, social e cultural de Lisboa. E a soberba de uns tantos. Sejam honestos senhores governantes.

Esquerdizar

De vez em quando vou até à rtp memória espreitar velharias, um impulso saudosista que deverá ser da idade. A série humorística “tudo em família”, do início dos anos setenta, onde se mostram as raízes de muita coisa esquisita que hoje se passa na américa. E no mundo. Mais ou menos da mesma altura, a rubrica “memórias da revolução”, quando o esquerdismo nos invadiu as mentes de forma espetacular e ruidosa. Meio século depois ainda surpreende a repentina borracheira radical de um povo que antes tinha suportado anos e anos de despotismo com uma docilidade de jumento. Acabados de sair de tempos depressivos, e crendo abraçar verdades que nos iriam redimir, levámos uma lavagem ao cérebro prodigiosa quase sem dar por ela. Mas isso pouco importa, onde não houve revoluções o esquerdismo entrou na mesma, e com tanto sucesso que emprenhou uma porção considerável da humanidade. Antigamente costumavam dizer-nos que nascíamos em pecado, uma invenção marcante pelo que implicava de culpabilidade, embora tivesse a virtude de poder colocar um travão nas nossas pulsões animais e evitar fazer o menor mal possível aos outros e a nós mesmos. Aliás a intenção era mesmo essa. Depois então as esquerdas começaram a persuadir-nos de que nascemos vítimas, o que veio mudar de forma dramática a perspetiva sob a qual nos vemos e vemos o que está lá fora. Não é que muitas vezes não o sejamos, obviamente que sim, mas também acontece a todo o momento não o sermos em exclusivo. É muito comum a vítima participar ativamente nos acontecimentos que conduzem à sua vitimização, jogando um jogo perigoso com o agressor. Até porque, mesmo se comandado do inconsciente, o ato de provocar alguém pode ter como finalidade ser abusado para obter algo que se considere vantajoso. As atitudes de a produzem efeitos e retiram de b o que este tem de melhor ou de pior. Junte-se que um ser humano adulto, normal, saudável, pode em infindas circunstâncias da vida usar a faculdade chamada livre arbítrio para fazer escolhas, não ter estado onde estava, com quem estava, fazer o que fez, dizer o que disse. E, principalmente, que em nós coexistem em permanência o anjo e a besta, forças que alternam a cada passo nas ações e relações. Somos uma coisa e outra em função da idade, da educação, dos humores, do tempo, do lugar, daqueles com quem estamos. Atendendo ao que se vê por esse mundo fora parece inclusive que a besta leva a melhor a maior parte das vezes, fazendo igualmente de cada um o seu pior inimigo. E por várias razões, a primeira das quais é que controlá-la requer entrar voluntariamente num percurso mental e espiritual que é tudo menos atrativo. O novo esquerdismo cega-nos para banalidades como estas ou faz com que passemos por elas como cão por vinha vindimada. A verdade é que nos implantou na mente um mecanismo que distorce factos, enviesa a realidade, ignora tudo o que o contradiz. Já a vitimização é para ele um dogma que rapidamente adotámos e nos leva a desvalorizar o que podemos fazer acontecer nas nossas vidas, a dar realce aos desejos e atos exteriores que influem nelas e, acreditamos também, nos querem prejudicar. Nem sempre querem, como se compreende, mas as lengalengas repetidas fazem-nos a cabeça e tornam-se verdades inquestionáveis mesmo se o que há a pagar por elas é a menoridade, a dependência, a estupidificação. O sentimento de vitimização está hoje disseminado pela sociedade, em indivíduos e instituições, da esquerda à direita passando pelo centro. Bastaria mencionar que, no espaço público, um microfone ou uma câmara apanhados pela frente fazem disparar em nós quase de forma mecânica discursos que desfiam desgraças, choramingam queixumes, pedincham apoios, reclamam subsídios, exigem garantias, batem com insistência no pedal dos direitos. Se a esta torrente reivindicativa correspondessem níveis razoáveis de responsabilidade, exigência pessoal, sentido do dever, consciência cívica, seria senha de progresso. Mas não, o mesmo melindre egocêntrico que leva meio mundo a apontar o dedo ao outro meio à mais pequena contrariedade cuspindo denúncias, indignações, acusações, protestos, revoltas, parte geralmente do princípio de que não devemos nada a ninguém. A hipersensibilidade não implica contrapartidas sociais da nossa parte, os outros é que estão em dívida para connosco.

Bragança: anos de 1700: Quadros Sociais- Juiz do Fisco de Coimbra em Bragança

Nestes quadros sociais deparamos com dois factos bem pouco vulgares. Um deles respeita à presença de um inquisidor de Coimbra em Bragança, durante uns 4 meses, concedendo audiências e instruindo processos. Sobre o assunto estamos preparando um trabalho que em breve apresentaremos. O outro facto é a estadia em Bragança, entre junho e novembro de 1685, do “juiz executor geral das dívidas e fazendas do fisco real” do distrito inquisitorial de Coimbra, Dr. Luís Álvares da Costa. O seu trabalho desenvolveu-se “executando, cobrando, arrecadando e vendendo tudo o que ao dito fisco pertence”. Terão sido as notícias de fuga de bens sequestrados que levaram a esta deslocação do juiz do fisco de Coimbra para Bragança? Teria isso a ver com o grande número de prisões então efetuadas na área da comarca de Bragança/Miranda? E estará também relacionada com dificuldades financeiras da inquisição e do fisco, derivadas da suspensão da sua atividade, em anos anteriores, que exigiam medidas urgentes de recolha de fundos?  Seja como for, ainda antes de chegar a Bragança, o juiz Álvares da Costa expediu ordens aos 4 concelhos do ramo de Miranda, para os juízes de fora ordenarem a entrega, em Bragança, dos dinheiros e peças de ouro do fisco, que estavam em mãos de depositários. Assim, em Miranda, em mão do depositário Bento Simões, encontravam-se 89 960 réis. Por ordem do juiz de fora, aquele dinheiro foi levado a Bragança, pelo meirinho da cidade, André Moreira Freire, em 24.6.1685. Obviamente que todas estas diligências foram objeto de registos e certidões notariais. O dinheiro resultou da venda de bens sequestrados em Campo de Víboras a Maria Fernandes (4 739 réis); em Vimioso (a Manuel da Costa e sua mulher (5 600) e à mulher de João Carvalho (20 000); em Sendim a António Rodrigues (13 392). O meirinho não trazia registo nem conseguiu explicar a origem de 5 moedas de ouro no valor de 22 000 réis que entregou, porque o depositário dessas moedas era José de Sá Dantas, do Vimioso, que então estava preso em Coimbra e quem lhas entregou foi o cunhado dele, cónego António Pires Paiva. Para além do dinheiro, trazia um anel de ouro que fora sequestrado à citada Maria Fernandes e o entregou também. Recebidos os 89 860 réis e passada a respetiva certidão, mandou o juiz Álvares da Costa retirar 2 000 réis para pagar a viagem do meirinho de Miranda a Bragança e 219 réis para levar ao escrivão de Miranda que tinha feito os documentos de suporte do dinheiro entregue. Descontos feitos, o anel e os 87 641 sobrantes foram entregues pelo juiz ao depositário geral de Bragança, Miguel Rodrigues, que os haveria de levar a Coimbra.  Em 17 de setembro seguinte, na mesma casa e perante o mesmo juiz, compareceu Francisco Rodrigues, depositário do fisco na vila de Algoso a entregar 36 257 réis, procedidos dos sequestros e inventários de bens de João Rodrigues, sapateiro, natural de Sendim, morador no Algoso; Filipe Lopes, de Urrós; Filipe Cardoso, de S. Pedro da Silva; e António Rodrigues, da vila de Algoso. Registe-se que todos estes réus tinham sido presos antes de 1670. Filipe Cardoso, por exemplo, foi preso em 1665 e sentenciado em 1667. Portanto, a execução do sequestro arrastava-se desde há 18 anos. Diligência semelhante se realizou em 22.10.1685, dia em que Pedro Afonso, da cidade de Miranda do Douro foi a Bragança fazer entrega de 65 862 réis provenientes do foro de 20 alqueires de trigo sequestrados a António Rodrigues, de Sendim e alguma fazenda que era do tendeiro João da Costa, de quem se falou em um dos textos anteriores. Daquele dinheiro, porém, o juiz Costa mandou subtrair 8 294, antes de o entregar ao depositário geral de Bragança. Vejamos: Para si próprio – 4 872 réis, de custas sobre a execução de uma parte daquele dinheiro... Ao caminheiro Simão de Brito, que foi a Miranda fazer a dita execução – 245 rs. Para o mesmo juiz, “de custas de caminhos, estadia e feitio de uma carta” – 2 177. A Pedro Afonso, da deslocação a Bragança – 10 tostões = 1 000 rs.  Guardamos para o fim a entrega feita por João da Silva, meirinho do judicial do concelho de Outeiro, no montante de 12 000 réis. Este dinheiro tem uma história exemplar. Vamos contar: António Oliveira era um cristão-novo natural e morador em Argoselo. Tinha 37 anos quando foi sentenciado no auto da fé de 13.2.1667. Sequestraram-lhe o rendimento de uma vinha e de um prado que tinha, rendimento calculado em 2 000 réis. Os outros 10 mil réis resultaram de multas impostas pelo fisco a 3 dos seus agentes em Outeiro, a saber: o juiz da paz, Francisco Rodrigues Santulhão, o escrivão Leonardo Machado e o citado João da Silva, meirinho do judicial. O juiz e o escrivão foram condenados em 4 000 réis cada um e o meirinho em 2 mil, por “levarem mais do que importava do inventário” de Estêvão Rodrigues. Ou seja: ao fazer o inventário e sequestro dos bens, levaram mais dinheiro do que pertencia, pelo trabalho.  Sim, embora existissem tabelas aprovadas pela inquisição e fisco real, muitas vezes os agentes do fisco, quando intervinham na feitura dos inventários e sequestros dos presos, na arrematação dos seus bens e outras diligências, cobravam mais do que deviam. Neste caso, foram condenados. De outros casos temos conhecimento e logo no primeiro texto que escrevemos sobre este assunto apresentámos uma carta do escrivão do fisco em Bragança denunciando abusos dos agentes na execução das prisões e na feitura dos inventários. Realizou-se um processo de averiguações em cujo despacho, datado de 16.8.1715, se condena o comportamento de familiares, escrivão e outros agentes da inquisição e do fisco. Vejam: - Nos inventários feitos nesta cidade, não somente se acham contados salários por dias, como se fossem fazer fora da terra, mas ainda o salário de cada dia muito exorbitante ao que cada um tem taxado pela lei, quando vai fora da terra. O que é mais de notar, havendo tantas ordenações que proíbem, com graves penas, exceder cada um o salário que pelas leis lhes é taxado. - A falta, parece, é do escrivão, omitindo o que é manifesto e que no dito provimento se lhe encarrega, mas como também quer que lhe contem salários de dias em sua casa, não lhe convém ir contra a própria conveniência a dita observação do provimento. E chega a tanto excesso esta conta de salários de dias na própria terra, que houve vários inventários com escrita somente de uma folha de papel de que, em sua execução, ficou para o fisco menos de 600 réis, e a conta dos 3 inventários, pelos custos deles, importou em mais de 2 mil réis cada um; e nestes excessos tem havido tanto dano da fazenda real, que para ressarcir de tantos inventários, deve promotor o fiscal e o escrivão observar os provimentos, com a pena de se lhe dar em culpa e se lhe imporem as que, pelas leis se dá aos que levam mais do que por elas lhes é taxado. - Fique em advertência que o escrivão deve escrever no inventário as roupas que levam os presos para o santo ofício (…) e assim também fará assinar os familiares o termo do dinheiro que se lhe entrega para alimentos de cada preso (…) e houve nisto tal desordem que levavam dinheiro de vários presos sem saberem dizer de que presos era (...) - Nas contas dos inventários deve declarar abaixo de que procedeu o dinheiro, se de bens vendidos para isso ou dado pelos depositários por essa conta, e em tudo toda a declaração necessária, pelas muitas dúvidas que depois resultam, passados muitos anos, em que as memórias não podem estar certas, ainda que a vida dure (…)  Na verdade, parece que muita gente corria atrás do dinheiro dos judaizantes presos pela inquisição e muitas bocas em Bragança se alimentavam dos bens sequestrados aos judeus. E isto mesmo sem transgredir as leis. Veja-se como “voaram” legalmente e com despacho do próprio juiz Álvares da Costa, 41 952 réis na execução de uns inventários, em Bragança, em 25.11.1685: Ao Dr. Juiz de fora, de uma devassa que tirou… – 1 436 rs. Ao escrivão Diogo Monteiro, de uns inventários – 1 345. Ao escrivão que este fez – 5 773. De tirar a devassa acima – 842. Ao porteiro Domingos Álvares, dos pregões, arrematações e caminhos a Quintela – 2 040. E 200 réis que se deram a um louvado pela liquidação da casa de João da Costa. E outros 200 réis que se deram à mulher do Chupa, por um concerto da casa em que morava, que era do fisco e se vendeu também. De custas que devia Manuel Martins, de Quintela – 2 300. E assim mais a ele juiz executor 32 998 réis, procedidos de: 2 300 de custas que devia Manuel Martins, de Quintela, ao tempo que se lhe arrematou a fazenda para o fisco (…) E nas custas de António da Costa – 843.  (…) O despacho acima transcrito não foi o único, nem o primeiro. Abusos como os descritos já vinham de outros tempos. Veja-se, a título de exemplo, um excerto de uma provisão expedida de Chacim para Bragança, em 22.7.1703: - Nos sequestros, nem em outra alguma diligência que se fizer dentro da cidade, se levará salário de dias, assim os ministros como os oficiais; só podem levar quando fora da terra; e se lhe deve então contar na forma da lei somente; e deste provimento se fará parte ao ministro que fizer o sequestro ou diligência, para o fazer executar.