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Confinar e desconfinar (entre o oito e o oitenta)

O confinamento, total ou parcial, sendo uma arma poderosa contra a Covid 19, tão mais eficaz, quanto mais rigoroso, não é, contudo, a solução milagrosa nem pode ser a única nesta guerrilha contra a pandemia. Imaginemos que havia uma estrada que, subitamente, começou a ser inundada, por consecutivas e frequentes enxurradas provocando enormes prejuízos, imensos feridos e muitos mortos. Obviamente que a primeira e mais segura medida, imediata é a interdição da mesma. Total quando a violência e frequência dos acidentes for elevada, parcial quando houver “apenas” um risco moderado. Esta proibição resulta, sem dúvida, numa diminuição dos incidentes e seria suficiente se houvesse a certeza que, o fenómeno natural era passageiro. Sendo assim não seria preciso fazer mais nada. Mas se estas inundações se mantiverem, no futuro, mais ou menos frequentes, mais ou menos violentas, para além da interdição será necessário fazer muros de contenção para controlar o fenómeno natural. O problema com a Covid está precisamente aí. Por maior e mais restritivo que seja o confinamento não será suficiente, mesmo com a ajuda da vacina, para erradicar o agente patogénico do meio de nós. Depois do mais violento e restritivo confinamento o vírus não desaparece. Vai continuar. Com mais ou menos variantes, com maior ou menor incidência mas vai continuar a andar por aí, vai continuar a infetar, causar doenças e mortes. A ideia de manter a reclusão até se atingir um valor suficientemente baixo de contaminações e, se possível reduzir o número de mortes residual, ou mesmo levá-los a zero, é tentadora, parece acertada, mas não pode ser vista apenas em valores absolutos. Por duas razões. Não é possível impedi-las no futuro e, por outro lado, queiramos ou não, há outros doentes graves que o combate à Covid relegou para segundo plano e, entre estes também há mortes, algumas delas provocadas pelo isolamento. Diretamente. Mas também haverá, no futuro, falecimentos por doenças de agora que não foram tratadas de todo, ou de modo adequado. Mas também como resultado da paralisação da economia, da atividade produtiva e social. Sendo útil e necessário, é necessário saber dosear o confinamento e, igualmente, o desconfinamento. Tal como um garrote que sendo eficaz na contenção da hemorragia, não pode exagerar na intensidade e no tempo, sob risco de provocar a perda do membro que se pretende salvar. A cada momento é necessário ponderar benefícios e prejuízos de cada uma das ações. Não podem ser ações baseadas em indicadores de um dos lados apenas. É certo que o facto de as ações só começarem a produzir efeitos, duas semanas depois poderia complicar a decisão. Felizmente há indicadores que dão, antecipadamente, uma indicação para o futuro. É o caso do Rt que deveria ter sido levado em boa conta antes do desconfinamento natalício. E é bom reconhecer que o vírus não tem qualquer convicção moral. Por isso é absurdo pautar a ação pelo calendário religioso. Finalmente, não posso deixar de referir que tendo estado, esta semana, em Vila-Flor a acompanhar um familiar na ação de vacinação dois aspetos. O primeiro é a humanidade, profissionalismo e cuidado de todo o pessoal do Centro de Saúde. O segundo é a completa incompreensão pela teimosia, insensata e incompreensível de levar a cabo esta complexa operação nas exíguas instalações da unidade de saúde em vez de a fazer num pavilhão que, sei de fonte segura, o senhor Presidente da Câmara disponibilizou, e bem!

Bragança despovoada pela peste negra Guerra entre Bragança e Gimonde

Uma sentença da usucapião que durou pouco:

• A seara da vila

5. A peste negra: o abandono dos campos O corregedor, não se dando por satisfeito com os testemunhos constantes do processo, quis ver, com os seus próprios olhos, o espaço que trazia em pé de guerra o poderoso concelho de Bragança e os moradores de Gimonde – a parte fraca do litígio. Registadas as suas impressões de viagem, utilizou-as depois na sentença, contra as teses dos oficiais da vila. O magistrado, com traços seguros, mostra-nos até que ponto já se tinha degradado a paisagem agrária, mesmo às portas da vila. Se o obituário é o que já sabemos – Bragança perdeu mais de três quartos da sua população -- ficamos agora a saber também quais foram as consequências que 90 anos de pestes trouxeram às áreas reservadas às searas. Deste quadro, saía a visão do corregedor sobre o nervo da litigância. Assim, no espaço, disputado por Bragança e Gimonde, só havia montes bravos, cobertos de xarras (estevas); deste solo nunca poderia sair uma terra de lavouras, salvo por acidente, como aconteceu nas últimas sementeiras, em que devastaram muito mato; nas lombas, recém-abertas de clareiras, uns fizeram sementeiras de bouças, outros abriram roças nos montes e apenas alguns, poucos, fizeram searas. De tudo o que viu, o corregedor tirou uma conclusão: a coutada da sementeira, efectuada pelos moradores de Bragança, no Outono de 1438, tinha sido feita mais por vontade do que por necessidade. Este quadro, saído da paleta impressiva do corregedor, demolia as declarações dos magistrados do concelho de Bragança. Não tinham eles ditado para o processo, como vimos atrás, que aquele espaço era a “pepita de ouro” da vila para as suas sementeiras? Mas o monte bravio de estevas e mato, que tudo cobria, provava o contrário. Segundo o magistrado, aquela terra nunca produzira pão. E, por maior trato que tivesse, apenas daria o que podia: monte para regalo do gado, miúdo e graúdo. As sementeiras daquele ano de 1438 eram, com certeza, as primeiras, concluíra ele. Mas, mesmo naquele Outono, as lavranças não exigiram muito esforço do arado. É que poucos tinham feito searas. Para desbravar bouças, montes e semear aí algum grão, vieram as queimadas, o machado, a roçadoura e a enxada. Ou seja, as maiores áreas cultivadas eram o resultado de um ingente trabalho braçal. Parecia que as autoridades do concelho, com o procurador à cabeça, não tinham dito a verdade. Mas tinham. A falta de contexto compreensivo era de todos, incluindo do corregedor. Nascidos já muito depois da pandemia de 1348, a mais catastrófica, e num tempo de longevidade curta – morria-se antes dos cinquenta anos -- não herdaram a memória histórica anterior. Que só ela podia fornecer ao confronto jurídico a explicação óbvia: a gadanha da peste negra ceifara tanto que destroçou vilas e aldeias inteiras, alastrando o desastre às suas terras de pão. Com terríveis consequências: lavradores, famílias e criados mortos. Outros em fuga. Grandes lanços da paisagem agrária em abandono completo. E pardieiros sepultando aldeias sem ninguém. As estevas e o mato, que tanto impressionaram as retinas do corregedor, indicavam isso mesmo: as antigas searas, depois de dezenas de anos incultas, voltavam, através das estevas, a chamar o monte, que já estava em reconstituição. Depois das estevas, que são sempre as primeiras a chegar aos espaços abandonados pelo arado, vinham as giestas, seguindo-se as moitas de carvalhos e os tufos de carrasqueiras, apagando os antigos espaços de sementeira. E o melhor retrato desta guerra pandémica, contra a paisagem agrária, fixou-o, a quente, o corregedor de Trás-os-Montes na sua viagem à Seara, no Outono de 1438. 6. Em busca das duas aldeias perdidas da Seara Recuemos 180 anos em relação à sentença, datada de 1438, que temos vindo a dissecar. Começamos por apresentar aos leitores os seguintes indivíduos: Didaco Martins, Martinho Mendes, D. Laurêncio e D. Estêvão. Todos se assumiram como moradores da aldeia de Palhares nas declarações que fizeram perante os juízes do rei Afonso III, em Dezembro de 1258. Não nos interessa agora o que disseram. Atentemos apenas nisto: havia então uma aldeia na Seara, anexa da paróquia de Santa Maria da vila de Bragança. E não é preciso apertar muito o nome de Palhares para concluirmos que onde havia palha, havia grão. E, se coube à história confirmar existência desta aldeia, a arqueologia localizou- -a. Houve grande perspicácia na eleição do sítio. Virada a sul, muito soalheira, solicitou a protecção de um morro, muito descascado pela erosão, para, mais abrigada, fugir dos ventos gelados de Montesinho e da Sanábria. Ocupou a bordadura cimeira de uma baciazinha descendente, de solos gordos, debruando uma várzea de muita água, dedicada à despensa da horta. Era de Palhares que saíam os cereais que ajudavam a abastecer a vila de Bragança de pão. Extinta pela peste, foi no seu termo que o corregedor observaria, 180 anos depois, a paisagem de monte, onde as estevas inçavam, sepultando as antigas searas, desbravadas com muitas bagas de suor dos moradores de Palhares, nos finais do séc. XII, logo depois da fundação de Bragança. Mais à frente, antes do declive da ponte de Valbom, implantara-se outra antiga aldeia da coutada de sementeira da vila de Bragança. Esta erguera-se sobre um rebordo sul do Guieiro – o cabeço de geologia tão dura que faz rodopiar o Sabor à sua volta. Não comungando das mesmas aptidões do solo da sua vizinha de Palhares, estaria mais virada para a exploração pastoril, embora não pudesse dispensar o arado. Conhecemos dois dos seus vizinhos, que também depuseram perante os juízes do Rei. Um chamava-se Pedro João e o outro Menendo João. Vale da Rata era então anexa da antiga paróquia de S. João de Bragança. O monte bravio de estevas, descrito pelo corregedor, cavalgara também sobre as antigas leiras de pão desta aldeia, ceifada pela peste. 7. Bragança retoma a sua seara Senhor: os moradores desta cidade vivem todos da lavoura. E, enquanto todos os outros lugares da comarca têm onde fazer as suas sementeiras, nós, em Bragança, não temos; (…) pedem, por isso, a Vossa Alteza que ordene ao corregedor da comarca para demarcar, no limite da cidade, uma seara. (ortografia e sintaxe actualizadas) Este foi o pedido que o procurador da cidade de Bragança, Álvaro Gil, fez ao Rei D. João II, nas cortes de Évora de 1490. Respondeu o Rei: que tinha todo o prazer em satisfazer [o pedido da nossa cidade de Bragança]. O juiz supremo decidira. Chegava ao fim o longo diferendo entre Bragança e Gimonde. Extinguia-se a vigência dos efeitos da sentença da usucapião de 1438. A cidade voltava à posse da coutada de sementeira, entre o Sabor e o Fervença. Que já era sua antes do eclodir das pestes dos séculos XIV e XV, como vimos no ponto 6. As actuais Quintas da Seara, um modelo de povoamento disperso, único no concelho, são uma herança histórica daquela decisão régia. O topónimo seara foi apagando, no decurso do tempo, o primeiro -- palhares. Mas ambos significam o mesmo: terra de pão. Só mudaram as palavras. O conteúdo ficou. Samil, Fevereiro de 2021.

Ernesto Albino Vaz

O Mystic Tua

Já se perdeu a conta aos anos a que a mítica linha do Tua foi desactivada. O que não é de admirar, porquanto tal aconteceu em 1992. Já no século passado, portanto. Todavia, muitas esperanças continuaram a correr rio abaixo mas que invariavelmente desaguaram no mar das promessas eleitorais, eufemismos de mentiras. Sobretudo a partir do momento em que alguém, com poder para tanto, ousou erguer a controversa barragem da foz do Tua, (um espinho cravado na garganta dos ambientalistas que, impotentes, viram as suas justas reclamações inexoravelmente afogadas no vale sacrificado), mandatando autarcas subservientes para porem a correr novas ilusões, agora rio acima, contra corrente. A verdade é que o vale do Tua, na sua pureza virginal, reunia potencialidades geomorfológicas, biológicas, agrícolas, ambientais e turísticas tão ou mais valiosas do que aquelas que alicerçaram o desnaturado paredão e que era forçoso afogar. Talvez isso também explique que não tenha demorado a encher-se a albufeira que submergiu 17 km de ferrovia, na qual continuam a esbracejar tais sonhos e ilusões votados ao abandono. De palpável resta um emblemático edifício arruinado, bem no coração de Mirandela, à espera dos turistas que, ao que tudo leva a crer, só eles o poderão salvar do colapso ou da banal inutilidade em que definham muitos projectos apodados de culturais. Todas a esperanças continuam a recair na Mystic Tua, a novíssima empresa do conhecido empresário Mário Ferreira que se propôs trazer turistas qualificados, algumas centenas que sejam já será muito bom, e dar corpo e alma a tão peregrino projecto, que se prefigura, mesmo assim, de importância decisiva para o progresso de Mirandela e da própria região envolvente, em várias vertentes. Mystic Tua! Nome mais apropriado não poderiam ter encontrado, porque, até ver, tudo o que existe não passa de uma miragem, de um mistério, de uma devoção a Nossa Senhora do Amparo, para aqueles que acreditam. Para surpresa e desgosto de muitos, porém, Mário Ferreira veio recentemente a público ameaçar que se retirará do projecto se quem de direito continuar a não fazer o que deve ou a não decidir o que deve ser urgentemente decidido. Isto é, se a balofa Agência de Desenvolvimento Regional do Vale do Tua não decidir, ou não ousar que quem de direito decida o que deve, o projecto, que não tem alternativas, morre. Fica-se assim sem saber se a etérea Agência de Desenvolvimento Regional do Vale do Tua, um monstro acéfalo que se tem mostrado incapaz de levar a bom porto tão decisivo empreendimento, é a causadora de tamanho imbróglio ou ela própria o próprio imbróglio. Talvez esteja à espera da “bazuca” PRR, para caçar tordos! Foi com muito agrado, contudo, que os mirandelenses tomaram conhecimento público de que as obras de requalificação da emblemática Estação irão arrancar, finalmente, o que os leva a induzir que também o projecto Mystic Tua deixará, por fim, o domínio místico para se tronar realidade. É uma esperança que renasce. Esperemos que os tapumes que foram prometidos para os “próximos dias”, aguentem firmes para lá das eleições autárquicas que se avizinham, sinal de que a obras da estação arrancaram de verdade e que os prazos estabelecidos serão cumpridos. Pintar um depósito de água, ainda que simbólico, é poucochinho. Vale de Salgueiro, 15 de Fevereiro de 2021