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Luís Ferreira

Vendavais e a culpa vai ser das galinhas

As ameaças que nos têm chegado dos quatro cantos do mundo, umas mais sérias do que outras, têm alarmado a sociedade mundial e com alguma razoabilidade, diga-se.

Nos últimos anos tem-se vivido sob a incredibilidade de uma possível ameaça se tornar verdadeira e de um momento para o outro a verdade é bem mais terrível do que a suspeita lançada ao vento. O certo é que nós acabamos por apanhar com a verdade e toda a realidade que a envolve e com as consequências a ela inerente.

Quantas vezes fomos avisados da vinda de um vírus terrível que mataria muita gente? Quantas vezes alguém se arvorou em vidente e avançou com previsões aparentemente tontas e sem nexo algum e, tornaram-se reais?

Pois é verdade. Se formos atrás no tempo e não é preciso recuar muito, todos nos lembramos de uma ameaça de um vírus que viria de umas aves, que não chegámos a identificar, mas que alarmou de tal modo a sociedade mundial que logo surgiu um medicamento que poderia ser usado e que curaria ou evitaria a propagação do vírus e da doença então apelidada de gripe das aves. Lá se difundiu rapidamente o tal gel alcoólico em todos os locais, mas especialmente nas escolas. O gesto do tossir foi difundido tal e qual como agora. A desinfecção das mãos a mesma coisa.

Depois veio também a chamada gripe suína. Agora já não eram as aves as culpadas, mas os porcos. Quase acabaram as criações de suínos em todo o mundo. As recomendações foram as mesmas desde o tossir ao desinfectar das mãos. O mundo tremeu novamente. As mortes sucederam- -se um pouco por todo o lado. O medo alastrou identicamente. No meio desse vai e vem de medos e previsões catastróficas, apareceu a doença das vacas loucas. Terrível. Ninguém conseguia explicar o que acontecia às vacas, mas a partir do momento em que alguém disse que era uma doença de possível transmissão aos humanos, todos ou quase, deixaram de comer carne de vaca. Os criadores interrogaram-se sobre o que deveriam fazer. Algumas pecuárias passaram momentos difíceis. Algumas fecharam os estábulos de vez. Tempos difíceis.

O caricato no meio destas notícias todas é o facto de aparecer sempre alguém a acusar esta ou aquela empresa americana de ser a causadora desta ou daquela epidemia e de logo aparecer com o medicamento, como por magia, porque tudo estava preparado. Por trás estariam as grandes empresas farmacêuticas que ganhariam, e ganharam, enormes somas de dinheiro, à custa da morte de umas centenas de pessoas. Assustador.

A verdade é que a questão nunca se pôs a nível político. É sempre uma questão económica. Tem sido, pelo menos. Mas parece estar a mudar este pressuposto. O actual vírus que terá surgido aparentemente dos morcegos na China e alastrado por todo o mundo, vá-se lá saber se é verdade, põe em causa outros pressupostos, em que a vertente política ganha cada vez mais força. Inicialmente, tudo avançou como se se tratasse de uma má experiência originária da China ou dos EUA e que por azar dos Távoras, se espalhou rapidamente por todos os Continentes e países. Rodam informações sobre 127 possíveis vacinas quase prontas a serem realidade no tratamento da pandemia. Aventam- -se hipóteses e no entretanto, somam-se os milhares de mortes no planeta. Mais do que as últimas catástrofes acontecidas.

Ainda sem certeza de coisa alguma, vem agora mais um vidente agoirento, adiantar que virá um vírus ainda mais terrível que os últimos e que matará metade da população mundial. E adianta que esse vírus virás das galinhas. Uma vez mais, um vírus que vem dos animais caseiros e que servem de repasto frequentemente aos humanos. Uma vez mais a economia a ser atingida. Os avicultores que se cuidem. Desta feita, a culpa do vírus mortal, será das galinhas. Então o que fazer? Se o tal vidente cientista tem a certeza do que afirma, que informe como chegou a tal conclusão e como debelar a futura enfermidade. É que a ser assim, a culpa não será das galinhas, mas do próprio homem que as cria. Que fazer então? As galinhas vão ficar com a culpa?

Vendavais - O regresso

Eles não chegaram a partir. Talvez tivessem gostado de o fazer, mas não lhes deixaram alternativa. Não permitiram que abandonassem o seu lugar de permanência. Obrigatoriamente, ficaram retidos, para o bem e para o mal, mas retidos. Simplesmente retidos.
Na inimaginável sensatez e docilidade do jovem ser humano, eis que cumprem contrafeitos, mas sensatamente a determinação que os impede de sair e ir ver a namorada, o amigo, o tio, a avó. Durante quase dois meses ficaram presos a dois mundos: ao interior e ao exterior. Parecem antagónicos e talvez o sejam, mas são duas realidades a que não puderam fugir. O mundo interior que se resume ao local onde permanecem e o exterior ao qual não têm acesso e lhes está vedado. É como se estivessem numa encruzilhada, mas sem alternativa de escolha. Quem são eles afinal?
Todos estamos a viver uma situação para a qual não estávamos preparados e nem sequer sonhávamos que pudesse vir a acontecer. Enfrentar uma tão terrível epidemia é uma obra que arrasta toda a humanidade, que a responsabiliza e não lhe deixa alternativa. Tem de participar na luta global. 
As escolas fecharam antes da Páscoa e os alunos, retidos, não puderam continuar as aulas como costumavam. Não voltaram à escola, não voltaram a ver os colegas, os professores, os auxiliares, o espaço por onde corriam, saltavam, jogavam ou simplesmente se sentavam para ouvir a lição do mestre. Daí para a frente não saíram de suas casas. Mas um período novo surgiu nas suas vidas e tiveram de se adaptar. As aulas começaram a ser dadas por várias plataformas e eles, alunos e professores, viram as suas vidas seguirem rumos paralelos, mas totalmente diferentes do que era habitual. Ficaram todos retidos. Confinados. Presos em casa e ao computador. Por quanto tempo? Incógnita.
Depois do confinamento a que praticamente todos ficámos sujeitos, a etapa seguinte é quiçá mais ligeira, mas de igual se não maior responsabilidade. O mundo está a alargar o cerco e a permitir mais liberdade, mas a luta terá de continuar. O vírus não está vencido!
Em Portugal, o tempo de catástrofe continua, mas dia 18 de maio marca o início de uma nova etapa para toda a sociedade. Tudo vai abrir lentamente até porque a economia tem de iniciar o seu caminho de recuperação. Não acabam as aulas dadas à distância, nem o teletrabalho de quem quer que seja. As aulas continuam para os alunos mais novos e que não têm exame este ano a qualquer disciplina. Mas outros, os que têm exame a alguma disciplina, têm de regressar à escola. Vão ter aulas presenciais. Vão ver os seus professores nas salas de aula, mas sob novas orientações rigorosas e confrangedoras. 
Não sei como é que se pode proibir a uma criança de dois anos, por exemplo, de estar numa sala e não brincar com os colegas, mexer nos brinquedos habituais, repartir com os amigos o que está na sala e até mesmo, impedir o tal abraço há tanto tempo esperado. Como também me custa a acreditar que, apesar de toda a sagacidade juvenil, se impeça o João de abraçar a Paula, sua namorada e que não via há dois meses. E como manter dois metros de distanciamento entre os alunos que percorrem os corredores e se dirigem para as salas de aula onde terão de cumprir esse mesmo distanciamento. Difícil. Mas a verdade é que é um primeiro passo para que tudo possa acabar bem.
O regresso é difícil. Há regressos abençoados. Há regressos esperados e costuma-se dizer que quem regressa é por bem. Pois que seja. A minha esperança é que este regresso às aulas, não traga mais um confinamento forçado que se alargue até ao final do ano e tenhamos que passar o Natal entre quatro paredes. É que já há quem diga que a segunda vaga vem em Outubro. Pode ser que até lá nos deixe dar um mergulho no nosso mar, numa qualquer costa e pisar as areias quentes onde o vírus certamente não se esconderá.

Vendavais - E se a areia escaldar?

Em pleno Agosto, há alguns anos atrás, fui como muitos de nós, gozar uns dias merecidos de Sol e calor à beira mar, local preferencial para quem passa um ano inteiro a olhar os montes que nos rodeiam. A beleza deliciosa da paisagem, porventura agreste, dilui-se na orla marítima onde o horizonte é demasiado longínquo e o olhar se perde na distância, por cima de um mar sereno, que vem de mansinho, beijar a areia onde se espraia. Contraste absoluto.

Cheio de confiança e ansiedade por pisar aquelas areias vulcânicas e mergulhar o corpo no mar salgado e quente da praia das Américas, logo me vi em situação crítica e tive de retornar pois a areia escaldava de tal sorte que descalço era proibitivo avançar. Ao lado, uma vendedeira de chinelos, sorriu e mostrou-me que só comprando uns poderia entrar pelas areias fora. Mas eu já levava uns calçados. Não foi preciso. Não esperava que fossem tão quentes os areais de Tenerife. Mas eram. Apesar disso, desfrutei, logicamente, do Sol e do calor quase africano, e fiquei com vontade de um dia voltar.

Os pequenos “gostos” que queremos concretizar, levam-nos a tomar decisões audaciosas e que só confrontados com elas podemos avaliar se valeu a pena ou não tomá-las. Mas todos temos de tomar decisões seja para concretizar desejos ou simplesmente agir. E agora estamos à beira de uma decisão importante.

Acabada a emergência, entramos em período de calamidade, o que não é muito diferente, mas obriga a tomar as tais decisões, simplesmente porque há mudanças que, tal como nos automóveis, nos levam a desligar o limitador de velocidade, mas o excesso de velocidade continua a ser penalizado com coima grave. Quer isto dizer que embora em autoestrada, não podemos ir demasiado depressa, pois é crime e põe a segurança em risco, a nossa e a dos outros.

O estado de calamidade não vem alterar a responsabilidade das pessoas, só retira às pessoas a proibição de tomar determinadas decisões. As pessoas são mais livres para agir como em tempos normais, que não é o caso. Então continua a existir a exigência de um comportamento regrado, cujas balizas nos devem permitir não correr riscos. E os riscos são enormes.

O mundo inteiro está a viver a grande vaga de alarmismo e realidade severa de um avanço viral que já causou uma taxa de mortalidade elevadíssima. Mesmo assim, há os que não acreditam na letalidade apregoada que o “bicho” causa e há os que já mudaram de opinião. Mas também há os que vão alertando para uma possível segunda vaga que pode ser ainda mais mortífera que esta. E se for isso mesmo?

Quando Julho e Agosto chegarem, as autoestradas que nos conduzem às areias mornas do Sul, ficarão repletas de veraneantes que buscam novos horizontes e que querem chegar o mais depressa possível. As praias esperam, claro. A ansiedade é inimiga do bom senso e parceira do risco.

As regras para usufruir das areias quentes e das ondas do mar sereno, já estão a ser apregoadas para avisar os incautos, mas ainda falta muito para Agosto. E se a calamidade der lugar ao desrespeito, à falta de bom senso, ao não cumprimento de regras e sobrevier a necessidade de um novo confinamento para travar a segunda vaga? Não será muito pior perder novamente a liberdade? Travar a euforia e a ansiedade é da responsabilidade de cada um, mas é um direito de todos.

E se as areias escaldassem? Parece-me que se os areais queimassem como o que eu apanhei na praia das Américas, isso contribuiria para impedir a correria desmesurada que irá encher as orlas marítimas do sul. Mas atenção. Não venham a ser queimados pelo vírus, porque é bem pior que as areias e para ele não há chinelos que valham. Nem as máscaras e as luvas.

Vendavais - Um risco sem seguro

O Mundo está assolado por um vírus altamente letal e que está a transformar as pessoas, os países e o planeta, em palcos enormes onde dança a seu bel prazer uma dança mortal, em que os dois dançarinos, pessoa e vírus, acabam por ter um final idêntico. Ambos morrem, qual Romeu e Julieta.

Os milhares de mortos causados já por este assassino silencioso e invisível, são demasiados para que não haja um redobrar de atenção e um isolamento, ainda que penoso, eficaz de modo a enganar o atacante. É importante desviar-lhe a atenção. Não é fácil. Por todo o lado, todos os dias, a comunicação social informa, como se nada mais houvesse para informar, o número de pessoas que morreram e os que acabaram de ser apanhados pelo coronavírus. Já estamos fartos de ouvir sempre a mesma coisa. É só coronavírus. É só Covid19. Até há dois meses atrás, o espaço informativo entretinha-se com o terrorismo, com a Catalunha, com a guerra na Síria, com a Palestina e a relação com Israel, com os mísseis da Coreia do Norte e com a política em Portugal. Vários temas para distrair o povo e mantê-lo informado do que se passava um pouco por todo o lado. O povo sim, esse que agora anda apavorado com uma só coisa: o Covid19. Parece que agora nada mais interessa informar ainda que se torne enfadonho estar sempre a falar da mesma coisa, amedrontando cada vez mais, os que ainda têm esperança de fugir do temível atacante.

Os portugueses têm feito um trabalho exemplar de confinamento. Dizem-no os números dos que foram atingidos pelo vírus. Comparativamente aos outros países, Portugal até já foi considerado como um país atingido por um milagre fantástico, perante esses mesmos números. Não. Não é um milagre, mas é um esforço, um medo atroz e uma vontade imensa de querer estar vivo. E ainda estamos longe de ver um fim. Ainda a procissão vai no adro, como diz o povo.

Perante tanto medo e tanto isolamento e, novamente, um estado de emergência, o Governo e a Assembleia da República querem festejar o 25 de Abril. Metendo 300 pessoas dentro da Assembleia. Será possível? Então não é permitido andar na rua a menos de 2 metros de distância uns dos outros, não são permitidas mais do que três pessoas juntas na rua, são proibidos ajuntamentos, reuniões, festas e outras coisas similares e os que ordenam tudo isto, querem juntar 300 pessoas no mesmo recinto para festejar o 25 de Abril? Parece impossível!

A liberdade foi uma conquista fantástica e merece ser sempre festejada. Concordo e concordamos todos certamente. Mas será que permitir uma celebração desta natureza é festejar a liberdade? Não será antes um atentado à liberdade? Não será um atentado à saúde de cada um? Não será uma tentativa de assassinato? Se queremos travar o avanço do vírus e a sua disseminação, não se pode permitir tais atitudes, especialmente porque se põem em risco pessoas que podem acabar com a sua própria liberdade. O 25 de Abril jamais acabará e sempre se fará a sua comemoração e há muitas formas de o celebrar, sem precisar de pôr em risco a saúde de 300 pessoas só para mostrar ao país a festa que se faz na Assembleia da República em nome da liberdade. Qual liberdade? Qual democracia? Chama-se a isto democracia? Será democrático pôr trezentas pessoas em risco de contaminação quando se pede à população que fique em casa, de quarentena, e não ponha os pés na rua a não ser para buscar comida para não morrer à fome? Será democrático festejar o 25 de Abril e a liberdade, correndo o risco de morrer daí a 5 dias? Aliás, quantos deputados e outros indivíduos irão participar nesta celebração que têm mais do que70 anos? Nem sequer podem ir à rua, pois são pessoas de risco e por Decreto estão proibidos de sair à rua?  Usem uma vídeo-conferência e deixem-se de avarias. Agora está na moda.

Vendavais - O mundo jamais será o mesmo

A humanidade pensava, até há pouco tempo, que os males do planeta se iriam ultrapassar com simples cimeiras sobre o clima, sobre a poluição e sobre os males que atingiam o próprio homem. Enganámo-nos. Todos. Se Maomé não vai à montanha, vai a montanha a Maomé.

É arrepiante pensar no que está a acontecer hoje no mundo inteiro. É horroroso imaginar a quantidade de mortes que avassalam os países e a enormidade dos atingidos por este vírus assassino e cobarde. Podemos usar todas as estatísticas possíveis para explicar a quantidade de mortes, de atingidos e a progressão geométrica ou aritmética que quisermos, para mostrar o que se está a passar no mundo inteiro, mas nenhuma delas afasta o perigo que nos assola diariamente. Invisível, mortal, assassino, ele espalha-se entre nós sem nos pedir licença para entrar.

É tempo de parar para pensar. Pensar a sério no que está a acontecer. Não tanto sobre de onde vem o vírus, do que o provocou, se foi inventado ou não, se surgiu por acaso ou simplesmente se apareceu como um aviso sério, intrínseco, do próprio planeta ou de um ente superior que nos quer alertar para uma imensidão de perigos que a todos nos atingem, direta ou indiretamente. Se assim for, talvez possamos agradecer ao vírus por nos ensinar que afinal, somos dependentes de algo muito maior do que poderíamos imaginar.

Todos tínhamos como certo o luxo em que vivíamos, a abundância dos produtos que possuíamos, a liberdade, a saúde, mas agora temos que reequacionar tudo. Estávamos sempre demasiado ocupados, sem tempo para as coisas mais simples, para os nossos problemas que nos pareciam tão importantes e agora temos que agradecer ao vírus o poder mostrar-nos o que realmente é importante. A enorme quantidade de automóveis que circulavam a toda a hora em todo o mundo, poluindo a atmosfera silenciosa sem que valorizássemos esse facto, o vírus veio lembrar-nos que afinal teremos de pensar seriamente em tudo isso. Pensar no planeta.

As guerras que, no mundo inteiro, destroem cidades, matam milhares de pessoas, desfalcam a economia dos países e as famílias, parecem agora problemas menores. Tudo parou. Ou quase. Esse medo da guerra, das bombas, das balas, das metralhadoras, é agora menor perante a ameaça de um assassino que se esconde dentro de nós próprios. É um medo diferente, mas o outro passou. Este medo novo tem o condão de nos unir mais, de unir a nossa comunidade, de nos ensinar a ajudar responsavelmente.

Há muito que se alertava para uma mudança do mundo. Sabíamos que que o mundo iria mudar. Não sabíamos como nem quando nem porquê. Era uma necessidade imperiosa.

Se fizermos um reward de memória, identificamos uma série de calamidades como os fogos que destruíram milhões de hectares de floresta na Austrália, no Brasil, em Portugal e das enxurradas que destruíram e mataram milhares de pessoas na Ásia. Sim, conseguimos lembrar-nos. Culpas? O homem destruiu tudo. Arruinou tudo e agora, depois do caos, o homem tem de aprender a construir tudo de novo.

Este vírus veio dar-nos a oportunidade de construir um mundo novo a partir do zero. Talvez custe agradecer ao assassino esse facto. A verdade é que ele está dentro de nós, entre nós e liga-nos tanto fisicamente como geneticamente. Destrói-nos, mas alerta-nos para o essencial. Mata-nos, mas obriga-nos a retorquir cientificamente. Temos de procurar a imunidade, mas não podemos esquecer as várias vertentes e perspectivas de lidar com o problema e isso depende de nós. Nós é que temos de escolher a melhor perspectiva e estar atentos a todas as outras.

O mundo está a mudar. Na realidade, o homem esteve sempre de sobreaviso para epidemias já que ao longo da História a sociedade mundial enfrentou pestes terríveis que dizimaram comunidades inteiras. É disso exemplo a Peste Negra que dizimou quase metade da população europeia no século XIV ou a Peste espanhola que há 100 anos matou milhões de pessoas em Espanha e na Europa. O mundo mudou? Não podemos ignorar o facto de alguma mudança ter acontecido. O mundo mudou, mas os tempos eram outros. Claro que sim. Hoje os problemas são diferentes e talvez mais graves e agressivos, quer para a sociedade, quer para o planeta. Afinal, estamos num mundo global.

Devemos pois, ter consciência do que há que fazer, que atitudes tomar e aprender com o que este vírus nos veio ensinar. Devemos agradecer-lhe por isso? Talvez, apesar das muitas mortes. Mas as outras guerras de que nos esquecemos, não matam muito mais?

A verdade é que o mundo jamais será o mesmo. Nada será como antes.

Vendavais - Metáforas sobre uma luta desigual

Sem armas, sem balas, sem bombas, sem exército, eis que os assassinos do século XXI não precisam de se mostrar para ganhar as batalhas contra os inimigos que só eles escolhem. Esta é a luta que se trava hoje em todo o mundo.

Temos um inimigo comum e só lhe sabemos o nome. O nome que alguém lhe pôs. Não é o nome de arma, porque ele próprio é arma. Não é nome de exército, porque ele é o exército invisível que se multiplica sem custos de suporte. Não é nome de bomba porque ele é a bomba que detona em qualquer lado a qualquer hora e destrói mesmo. Não tem nome de assassino, porque ele é assassino.

Por obra de alguém ou simplesmente por desígnios da Natureza, este vírus surgiu onde mais poderia causar baixas e conseguiu causa-las, mas não contou com o outro exército chamado determinação, vontade de vencer. Com uma capacidade enorme de se multiplicar, mudou o seu exército para outros locais e, com uma estratégia vencedora começou a atacar em força. Iniciava-se uma luta de contornos macabros e aterradores. Essa luta continua e vai continuar por algum tempo mais. É uma luta contra um inimigo invisível e que se movimenta em obscuridade completa. Difícil de apanhar ou de ser surpreendido. Não há contra-ataque possível, nem movimentos antecipados de espera e de surpresa. Ele não se deixa surpreender.

O Mundo inteiro está a ser atacado por este exército invisível e que se multiplica tão rapidamente como o soprar do vento que passa. Custos da globalização. O que nos agrada e é determinante para justificar, de algum modo, o progresso que reclamamos, é o mesmo que nos ataca agora e nos destrói. Mas o Mundo, este Mundo em progresso e que avança saltando barreiras e mais barreiras, não está preparado para esta barreira. Fomos apanhados de surpresa e demoramos a reagir. Enquanto e não, fica para trás um rasto de mortes que evoluem num gráfico aterrador e exponencial.

A Europa pensava que estava longe do epicentro da guerra, mas não estava. A guerra movimentou-se demasiado depressa e saltou de um continente para outro e mais outro e ainda outro. A Europa foi mais um. Só mais um. É uma guerra com várias frentes. Tal como um fogo que devora tudo por onde passa. Mortos e feridos são demasiados já. No campo de batalha Itália, trava-se uma das maiores lutas e não se adivinha o seu términos. O exército assassino é ainda o vencedor. No campo da Alemanha, trava-se outra frente de luta terrível e sem vislumbrar que vai vencer. O vírus mortal continua a atacar sem misericórdia. Mata sem piedade. E ele avança por Espanha e Portugal sem encontrar exército capaz de o enfrentar e vencer. Ninguém estava preparado para esta luta. É uma luta desigual. Completamente.

Na verdade, só a vontade de muitos, a perseverança e a vontade de vencer, poderão dar um passo para a vitória. A arma que pode derrotar esta bomba, ainda não foi descoberta, segundo parece. Se o foi, ninguém o diz. Paira no ar o medo e o pânico, vertentes de uma luta que aceleram a derrota. Usa-se simplesmente os artefactos arcaicos como máscaras e luvas. Proteção para prevenir. Prevenção para não ser atingido. Uma defesa fraca e permeável ao vírus invisível.

O caricato de tudo isto é que este exército invisível é um exército de luxo. Viaja de avião e em todas as classes. Viaja de carro e de barco e não paga bilhete. Aterra onde lhe apetece e apanha boleia com quem está mais perto. Não pede autorização. É um viajante de gostos requintados! Como combater semelhante exército? As quarentenas não servem de muito.

Na realidade, a obrigatoriedade da quarentena serve para pouco e é o que é. São quinze dias de isolamento e nada mais, porque ao sair da compartimentação pode facilmente encontrar na esquina um agente inimigo que o atinge sem sequer dar por isso. E eis que a quarentena para nada serviu. Foram somente quinze dias com alguma segurança e recato no seio da família. O futuro não está dentro da quarentena.

Uma coisa poderá ficar entretanto como aprendizagem. É que é urgente o Mundo preparar-se para estas eventualidades. Nada voltará a ser igual. Temos a certeza disso. Até porque não sabemos, ninguém sabe, se no final do ano não haverá outra vaga assassina. Também não sabemos quando será o pico do avanço destas tropas destruidoras. E o pico não é igual para todos os países. Quanta incerteza.

Parece, no entanto, que tanto Trump como Bolsonaro, consideram este ataque um pouco ridículo e sem razões para alarme. Coisa que está de passagem! Certamente que está de passagem, mas qual os custos deste furacão? O que sobrará depois do tsunami passar? Trump já está a engolir sapos e Bolsonaro não tardará a fazê-lo igualmente. O que mais incomodava Trump em questões de saúde e que ele queria destruir era o Obamacare, mas agora já está a preparar a execução do programa de saúde para enfrentar a calamidade. Quando isto acontece, algo o justifica. É que a luta é mesmo desigual e só se vence com determinação. Tudo vai acabar bem!

Vendavais - Ministros, butelos e cascas

É tempo de Carnaval, de caretos e mascarados. Eles andam por aí. Eventos em cada esquina, pois é preciso mostrar que é tempo de Entrudo e que temos ainda a vontade de dizer que a tradição ainda cá mora. Pois claro.

Talvez porque a tal tradição chama gente e mesmo talvez porque a comer é que a gente se entende, não há evento deste género que não estejam presentes os membros do governo e dos partidos. Será porque comem de borla? Não me parece. Estes eventos são um espelho em que a comunicação social amplia a imagem muitas vezes e isso sim, vale a pena.

Há semanas, foi em Vinhais a Feira do Fumeiro, o chamariz de ministros e líderes da praça pública e eles compareceram. É tradição. Não será para abrilhantar o evento, pois isso fazem os salpicões, as chouriças e as alheiras. Esses sim são os ases do evento e é sobre eles que caem as luzes da ribalta. O que os ministros vêm fazer, não se entende muito bem, mas o certo é que vêm, convidados ou não. A comunicação social faz o resto.

Neste fim-de-semana, foram os diabos à solta, também em Vinhais, mas já não chamam ninguém importante, pois tratar com diabos não é nada fácil. Mas os diabos lá andaram à solta pelas ruas da vila, movimentando a localidade e as gentes que a isso se entregaram. Passearam e assustaram quem por ali estava, que a festa também é isso.

Em Bragança, neste fim-de-semana, também tivemos o desfile do Carnaval Careto e dos Mascarados que mostrou que a tradição cá, como em Espanha, ainda se mantem viva. Os caretos de Espanha marcaram presença uma vez mais, com toda a galhardia e contentamento. Foi interessante o longo desfile tão diverso como as culturas que o enformou. Aliás, em questões de caretos e mascarados, Portugal e Espanha são bastante parecidos, especialmente nas regiões fronteiriças. A História ensina-nos isso mesmo e nem mesmo as fronteiras que D. Dinis definiu, esmaeceram as realidades e o peso que os usos e costumes têm nestas gentes sempre longe do poder central.

Mas também esteve concorrida a Feira do Butelo e das Cascas, que chamou muita gente de fora, não só para ver como também para degustar e comprar. Estes eventos trouxeram a Bragança uma quantidade anormal de pessoas que talvez porque o tempo estava de feição, aproveitaram para um belíssimo passeio pela cidade. No Castelo queimou-se o Diabo ou o que quer que seja, para gaudio de quem subiu até ao cimo e passou as muralhas do belo castelo que temos, para assistir ao final do desfile Careto.

Com medo de se queimarem, os elementos do governo que resolveram fazer um Conselho de Ministros em Bragança, nada quiseram com os Caretos e com a queima, adiando por mais uns dias essa tão importante reunião. Admira não se quererem entrosar com os butelos e as cascas. Mas Marcelo, embora não se querendo disfarçar no meio dos caretos, não quis deixar passar o evento e foi aparecer em Podence onde os caretos são notícia nacional nos últimos tempos. No fundo, o que é preciso é aparecer.

Pois, nem o governo, nem o Presidente da República se alhearam dos butelos e das casulas, onde não se misturaram, nem dos caretos com quem não quiseram confraternizar directamente. Os diabos de Vinhais deixaram-nos à solta!

Quer queiramos, quer não, a verdade é que os ministros cheiram longe o aroma dos enchidos de Trás-os-Montes e logo correm a mostrar-se e a dizerem “presente” aos que os vêm passar. Penso que não ligam muito bem os ministros com os butelos e as cascas, mas podemos sempre dizer que alguns bem precisam de mudar de cascas, que é como quem diz, mudar de atitude e de aparência.

No fundo, uma coisa é certa: se for preciso fazer eventos onde os enchidos marcam pontos e os ministros aparecem, então façam-se os eventos. Pelo menos temos por cá nessa altura, os que nunca cá vêm. O interesse é que marca a hora!

Vendavais - Promessas e surpresas

Na política como em outras coisas, é habitual prometer seja o que for, ou por bom senso ou por simpatia ou mesmo por interesse. Estamos todos acostumados a que nos prometam muita coisa para posteriormente recebermos coisa nenhuma. Mas como faz parte do menu, se ninguém promete nada, é porque tem medo, porque não sabe o que dizer ou porque nada tem para oferecer e por conseguinte não merece credibilidade. Vá-se lá saber em quem acreditar.

Nos últimos tempos temos assistido a um corridinho político quer por parte do próprio governo com a instalação de ministros e secretários, com greves contra o governo exigindo o que o governo diz não poder dar nem prometer, com a discussão do Orçamento de Estado e com os partidos a alinharem em políticas diversificadas onde pontuam os seus interesses e não tanto os do país. Mais recentemente assistimos à eleição do líder do PSD depois de uma luta a dois em dois assaltos. Ganhou Rio. Claro, ou quase. Montenegro bem se mostrou e ameaçou e até fez promessas, mas foi surpreendido pelo resultado um pouco previsível. Não se calou nem se afastou como fez Seguro do PS há alguns anos. Esse desapareceu, não sei bem porquê!

Montenegro de facto reapareceu logo a seguir no Congresso deste fim-de-semana e fez questão de não se calar sob que protesto fosse, como afirmou. É bom que assim seja para clarificar a política e os políticos. Falando, podemos ouvir, ajuizar, criticar, julgar e decidir.

Por seu lado, Rio disse que ia ser uma oposição credível e fazer os ajustamentos necessários dentro do partido e no Parlamento. Para isto, Adão Silva mostrou-se disponível para liderar a bancada parlamentar. Talvez Rio lhe dê essa oportunidade e seguramente ficará bem servido. Muitos anos de política dão-lhe traquejo suficiente para debater com as outras bancadas e com o governo, os assuntos levados à liça.

Na discussão do Orçamento e no meio de tantas propostas que o governo teve de enfrentar e rebater e chamar Centeno a justificar certas tomadas de posição, Rio tentou sobressair, fazendo contrapropostas para marcar pontos, sabendo que era difícil ganhar alguma delas. Foi ajustando as suas propostas conforme o que o governo respondia, o que significou que teve de baixar a guarda para ver se conseguia a aprovação de alguma proposta. Na generalidade e na especialidade, tudo saiu confuso e sem o agrado do PSD. Rio não se conseguiu compor e acabou por ser criticado por Costa como patético que aproveitou a discussão do Orçamento para fazer política interna. Saiu-se mal Costa. Rio não precisava de fazer política eleitoral porque já tinha sido eleito e o Congresso não iria eleger ninguém e muito menos ele. Sem surpresas.

A surpresa veio do CDS e do PAN que deram uma “mãozinha” a Costa e ao governo, substituindo a geringonça, deixando o PSD a falar sozinho. A proposta de Rio de fazer baixar o IVA da luz, não conseguiu passar graças aos votos do CDS e do PAN. Amigos improváveis de Costa e do PS, já que não serão parceiros de governo, mas Costa fez questão de referir a “responsabilidade do CDS” e a surpresa que foi para ele esta atitude. A verdade é que Costa pode vir a precisar deste apoio em situações futuras. Não será uma promessa e será sempre uma surpresa certamente.

Surpresa também não é a candidatura de André Ventura à Presidência da República. Com a vontade que ele sempre tem de se afirmar e de levar avante as suas ideias radicais, não era de esperar outra atitude da sua parte. Sabe o que o espera e não será nenhuma surpresa, nem para ele nem para ninguém o resultado que daí advirá. Até pode fazer as promessas que quiser, pois sabe que nunca serão cumpridas. Assim é fácil prometer. Ninguém lhe vai cobrar nada com toda a certeza. O contrário seria uma enorme surpresa e essa, eu não gostaria de ver.

Vendavais - Do centro à direita ou vice-versa

Dizia-me um amigo que a política em Portugal nada mais é do que uma feira de vaidades. Dei-lhe razão. O que temos verificado nos últimos anos dá-nos uma certeza: parece que ninguém quer resolver os problemas do país, mas sim os seus. E como se resolvem? Indo para o governo, ocupando cargos importantes que lhes permitem dominar interesses e comandar vontades e passear-se pelo país vendendo imagens de um Portugal sereno, confiante e em crescimento.

A verdade é que os partidos políticos estão a perder votos e qualidades. Os partidos que foram o alicerce de um Portugal democrático estão a perder a base que os sustentava pela simples razão de que os portugueses deixaram de confiar em tudo o que lhes dizem. Os governantes estão desacreditados. Tanto prometem e tão pouco cumprem que não há meio termo possível.

Nos últimos anos, verificámos que os sucessivos governos perderam um pouco o Norte, desvirtuando o rumo que durante anos não se cansaram de afirmar. Pagaram por isso. Nas eleições a que temos sido chamados a votar, verificámos isso mesmo. Até os que pareciam ser os que mais prendiam os eleitores, como o Partido Comunista, têm vindo a ver o seu eleitorado desviar-se desse tal rumo certo e perder-se nas vielas estreitas de outros povoados. O mesmo aconteceu com o Partido Socialista que teve de se aliar a partidos completamente fora do seu âmbito, para poder governar, formando a tão conhecida geringonça. Interessava estar no poder a todo o custo, para poder controlar, dominar e comandar vontades. O PS saiu do centro para a esquerda radical e não se afligiu com isso, pois continuava a gerir os seus interesses e dos seus pares. O PC e o BE desviaram-se para a direita e sentaram-se temporariamente no centro, sempre com a mão na cadeira do poder, não fosse ela cair.

Pior esteve o PSD que não conseguiu entrar no jogo das cadeiras e não teve a força suficiente para exigir fosse o que fosse à geringonça governativa. Eram demasiados partidos para um país tão pequeno! Rui Rio ganhou e vai liderar, mas não se sabe bem o quê. O CDS que esteve ligado ao governo anterior, viu-se afastado do poder e perdeu o espaço que lhe pertencia, perdendo nas últimas eleições 13 deputados, ficando reduzido a 5 lugares no Parlamento. Quem ganhou estes lugares? Os radicais de direita. Claro. Parece impossível. Então criticava-se o facto de um partido ser muito à direita e agora acredita-se em novos partidos que são radicais de direita? Afinal o que quer este país? Ninguém se entende.

Este fim-de-semana o CDS esteve em reflexão para escolher o seu novo Presidente. Foram cinco os candidatos para um só lugar. O curioso e triste ao mesmo tempo, é que eram tantos os candidatos como os deputados do Parlamento. Não sei se o Partido está dividido se são os interesses pessoais de cada um que impedem a união em momento tão difícil para um Partido que ajudou a fundar a democracia em Portugal. Gastam-se energias, atacam-se os pares que ontem eram os amigos chegados, em vez de se unirem para ganhar um país que está à espera de soluções. Todos não são demais. Se o CDS quer continuar a ser a referência do Centro Direita, terá de se afirmar com esse objetivo programático e não se desviar muito, pois tem de ir buscar novamente os votos que foram para a direita radical que agora ocupa alguns lugares no Parlamento. Mas Francisco Rodrigues dos Santos, agora Presidente, parece-me um pouco radical. Portugal não é um país de direita radical. Nunca foi, mesmo nos tempos da outra senhora. Sabemos bem o que queremos e só a falsidade de alguns permitem que outros busquem novas paragens. O novo Presidente agora eleito, saberá com toda a certeza, que não pode trilhar o mesmo caminho que outros percorreram, mas há valores que não se podem vender por mais que se pague por eles. Valores que se não podem perder. É preciso respeitar a diferença de opiniões e ter uma cultura democrática. Os históricos do Partido serão sempre uma base de apoio, seja quem for o Presidente. Os novos de hoje serão os históricos de amanhã. As lideranças carismáticas precisam de ser mudadas, respeitadas mas não esquecidas.

No fundo, o que é preciso não esquecer é que o CDS é um partido do Centro Democrático. Não é nem da esquerda, nem da direita radical. Situemo-nos.

Vendavais - Navalhas demasiado afiadas

Nunca fui muito adepto do uso de navalhas. Desde muito garoto, achava que quem usava uma navalha era mais importante, não sei dizer porquê. Talvez porque tinha algo mais do que o que era preciso e que eu não tinha.

O meu pai trazia sempre consigo uma navalhita prateada. Demasiado pequena, pensava eu, para servir para o que quer que fosse. Com o tempo, acabei por perceber que sempre havia uma ocasião em que ela era usada e acabava por ter o uso merecido. A minha mãe, sempre solícita e atarefada nas lides de cozinha, adorava fazer uso dos seus dotes quando íamos fazer um piquenique. Frequentemente íamos até à serra da Boa Viagem, na Figueira da Foz. A minha mãe lá fazia um arroz de ervilhas, uns bifes panados e uns bolinhos de bacalhau, prato essencial para mitigar a fome no alto da serra e para dispor bem para o resto da tarde. O meu pai então lá puxava pela navalhita e fazia dela o uso a que estava habituado. Picava o bife para o prato e depois lá o cortava aos bocados como se deve fazer. Eu questionava-o porque é que não usava a faca. Ele logo respondia que assim era mais prático e era mais pequena fazendo o mesmo trabalho. Compreendi então a utilidade certa para a navalhita que o meu pai usava.

A partir dessa altura e com um pouco mais de idade, resolvi que também eu deveria usar uma navalha daquelas. Bonita, prateada, pequena e que cabia perfeitamente num bolso de umas calças de criança. Experimentei, mas não me habituei pela simples razão de que eu não ia a piqueniques a não ser uma ou duas vezes por ano e comia sempre à mesa, onde o talher habitual marcava sempre presença por ordem da minha mãe.

Hoje, passados tantos anos, ainda não sou capaz de usar tal instrumento, embora traga uma Palaçoulo no cofre do carro para uma dessas eventualidades em que temos de petiscar alguma coisa ao ar livre ou na adega de um amigo. Um naco de presunto cortado com uma Palaçoulo, sabe sempre bem. Mesmo assim, esqueço-me quase sempre dela no carro e quando vejo os outros puxarem pela navalhita, pareço que estou despido e não consigo comer nada de jeito, socorrendo-me de um amigo mais próximo. Nesses momentos as navalhas têm utilidade e dão imenso jeito. Fora disso, não lhes vejo outra utilidade tão vantajosa.

Porém, hoje é frequente ouvir notícias de agressões e assassinatos com arma branca. Quando era garoto nunca me passou pela cabeça que a navalhita do meu pai, fosse considerada uma arma! Parece-me que é a arma mais usada por todos hoje em dia e não será só para cortar presunto porque este, já morto e salgado, não precisa de nenhuma arma para o atacar, mas sim a gentileza de um expert para retirar uma pequena fatia e juntá-la ao pão caseiro que quase sempre o acompanha. Sem perigo algum.

O jovem cabo-verdiano que foi atacado por um grupo de outros jovens à saída de uma discoteca em Bragança e acabou por morrer passados dez dias em coma, não foi caso único e nem sei se foi usada alguma navalha. Penso que não. Mas o outro jovem a que a comunicação social deu ênfase de notícia, parece que foi vítima de uma facada numa perna. A estes juntam-se uma quantidade de exemplos tristes e macabros que infelizmente aumentam o número de mortes no país. São rapazes que agridem com facas as namoradas, os pais que agridem os filhos, as mães que esfaqueiam os filhos e os maridos, os pais que assassinam as filhas e os filhos e mais alguém que esteja na sua frente. A faca é a arma escolhida para agredir e matar. Isto não caso único em Portugal. Vimos o que aconteceu em Londres, em Paris e na Holanda e em outros países. Pessoas que esfaqueiam quem passa sem o mínimo pudor e sem triagem de alvo. Depois são apanhados ou mortos pela polícia, mas isso já é secundário. O objetivo foi atingido.

O uso de uma arma branca para estes propósitos leva a equacionar o que podemos usar para cortarmos um naco de presunto que não possa ser considerada arma branca. É que a navalha tão típica de Trás-os-Montes, a Palaçoulo, tão usual nos bolsos dos transmontanos, pode correr o risco de ser proibida por ser considerada arma branca. Contudo, há quem se apresse a justificar que para ser arma branca tem de ter mais de quatro dedos de folha, o que a remete para outro patamar, já que a maioria não tem a folha tão grande. Mão não deixa de ser igualmente perigosa nas mãos de quem tem instintos maléficos ou não sabe argumentar com palavras na altura de confrontos mais acérrimos. É mais fácil puxar pela navalha. Mete medo. Corta,

Afinal, a navalhita do meu pai, pequena, prateada e que ele usava nos piqueniques, nada tinha a ver com estas armas brancas e hoje eu compreendo perfeitamente porque razão eu nunca me habituei a usar algo parecido. Vou poucas vezes às adegas dos amigos e muito raramente participo em piqueniques. Para que preciso de uma navalha? Por mais rombuda que seja, ela pode até abrir-se no bolso e cortar o que não deve! Tudo tem a sua utilidade. Mas matar com uma faca ou navalha, é não ter noção de como é bom comer um naco de presunto na adega de um amigo, em vez de deambular nas ruas escuras a altas horas da noite.