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Luís Ferreira

Vendavais- Sexta-feira negra

Devido a uma quinta-feira negra, o mundo entrou numa das maiores crises económicas de que há memória. Corria então o ano de 1929. Quando tudo parecia correr muito bem, eis que a bolsa de Nova Iorque teve um crash inimaginável, arrastando consigo os EUA e o mundo inteiro para uma depressão terrível nos anos trinta. Foi o desmoronar de um sonho lindo para os americanos. Nada temos que nos assemelhe aos EUA e muito menos em termos económicos. Era bom que assim fosse, mas não é, a não ser que alguns dos aspetos ligados à economia, mas por razões menos agradáveis, nos levem a isso. E até lhe podemos chamar sexta-feira negra. Quando um dia corre mal, é sempre um dia negro. Até mesmo há dias quando Philippe Caveriviere, um radialista armado em bom, resolveu insultar os portugueses incluindo Ronaldo. Chamou-nos a todos atrasados e só faltou chamar-nos feios como fez o Cid. Que dia negro! A nossa bolsa não rebentou e nem podia, pois não tem qualquer força para isso. Mas esta sexta-feira negra de nove de abril tem a ver com a justiça e com os arguidos que estiveram em presença de um juiz instrutório ou instrutor de um processo que cheirava mal, de tanto estar guardado à espera de ser exumado. Todo o país parou para saber o resultado que iria sair da boca do juiz sobre o caso Operação Marquês. Ao fim de quase quatro horas, e depois de tanto apoucar o Ministério Público e seus juízes, o juiz instrutor deixou cair mais de cem crimes, não sendo objeto de posterior apreciação e julgamento. Simplesmente ficaram sem efeito e sem julgamento, como se nunca tivessem existido. Uns porque prescreveram outros porque não tinham provas substanciais que permitissem culpabilizar e condenar os arguidos, mesmo admitindo que alguns dos crimes existiram. Durante uma tarde inteira assistimos ao juiz Ivo Rosa a bater e a desmontar todas as acusações e provas apresentadas pelo Ministério Público, como se fosse o único detentor da verdade absoluta. Ele, representante da justiça a bater na própria justiça. A fazer pouco da justiça deste país. E se calhar tinha razão se começarmos pela sua própria atitude perante os factos apresentados neste processo. Vergonhoso. Houve crimes, mas ninguém pode ser culpabilizado. Acabou a concluir que em Portugal não há corrupção, simplesmente porque não há provas a comprová-la. Como é evidente, o corrupto não vai deixar um papel assinado a dizer que o é. As provas deverão estar subjacentes aos atos e são elas que se devem esgrimir para poder condenar. No que se refere às provas contra José Sócrates, desmontou-as, afastando o arguido de ir a tribunal, desculpabilizando-o pelo que supostamente fez e foi demonstrado pelo Ministério Público, como se alguém conseguisse acumular trinta e quatro milhões em meia dúzia de anos. Os portugueses desconheciam as capacidades de Sócrates que fazem lembrar o das antigas lavadeiras que levavam à cabeça as cestas de roupa suja para lavar à beira dos rios e depois de bem esfregada a roupa suja das casas ricas, punham tudo a corar para branquear os alvos lençóis retirando-lhe as nódoas negras da sujidade anterior. Ficámos a saber agora! Que tipo de enriquecimento é este? Ilícito certamente. E segundo parece, este branqueamento é o único crime de que é acusado, pois não há outra forma de justificar tamanha fortuna em tão pouco tempo. Mas Sócrates nega e diz que vai provar o contrário. Talvez. O curioso destas andanças políticas é o facto de se conhecerem tantos casos de corrupção e a que ocorre tão prontamente a justiça, sempre pronta a condenar mesmo sendo de muito menor monta, pois o que conta não é o montante mas o ato em si. Lembramo-nos de Izaltino Morais e de Armando Vara por exemplo. Atos de pouca monta! Pois bem, então condenemos os atos, porque eles existem, mesmo que prescritos, já que só prescreveram porque a justiça quis. Tanta lentidão para uns e tão apressada para outros! É o caso recente da Presidente da Câmara Municipal de Vila Real de Santo António, Conceição Cabrita, que foi detida terça-feira passada por suspeitas de crime de corrupção, com as instalações da Câmara a serem alvo de buscas. Segundo consta, a situação diz respeito a um negócio imobiliário, em Monte Gordo. Em causa está a venda de um imóvel a uma empresa, por valores abaixo do mercado, com o município a sair lesado da situação. Para além disso, há suspeitas de contrapartidas para a autarca e para um funcionário da câmara, que também foi detido. Corrupção ou recebimento de vantagens. Ora bem, que célere esteve a justiça neste caso a descobrir a corrupção da presidente da Câmara. De facto, a nossa justiça parece funcionar com dois pesos e duas medidas e também a duas velocidades. Depois não se admirem das manifestações de desagrado que surgem um pouco por todo o lado. Se para alguns casos bastam indícios, para outros não funcionam porquê? Quem quer a justiça desculpabilizar? Julgue- -se quem tiver de ser julgado e absolva-se quem tiver de o ser, mas depois de julgamento, não antes. Não brinquem com a justiça. A corrupção sempre existiu e há-de existir sempre, mas apanhem os culpados e julguem-nos. Não brinquem a este jogo, porque pode sair caro. Esta sexta-feira, nove de abril, foi naturalmente muito negra para a justiça portuguesa e talvez mesmo, para o juiz que protagonizou tal dia fatídico. Não se pode enterrar a justiça ao lado dos criminosos. O campo do funeral tem forçosamente de ser diverso e bem distante um do outro.

Vendavais- É difícil viver em liberdade

A liberdade tem servido os principais interesses do homem ao longo de séculos, mas nem por isso ela serviu os interesses de todos. Na realidade, muitos acabaram com a possibilidade de ela existir e usaram a falta dela para esgrimir o seu poder absoluto como se fosse um dom divino. É verdade que muitos foram os que usaram a liberdade para mostrar o seu valor, mas do mesmo modo, salientaram que a sua falta não era condição necessária para sobreviver, como se isso fosse uma lei a que se tinha de obedecer, o que fazia do governante um homem sem escrúpulos e sem sentido. Ao desvalorizar a liberdade teria de dar valor ao seu contrário e isso nunca foi bem aceite por ninguém em nenhuma parte do globo. Hoje questionamo-nos frequentemente sobre a liberdade e até se conseguimos ser efetivamente livres. Será que somos livres? Como se consegue a liberdade? Onde começa e acaba a nossa liberdade? Sobre estas questões exibimos os clichés como a resposta mais sábia e certa, mas será que é assim tão certa? Cada um de nós deveria ter a noção exacta da sua responsabilidade e do significado que a liberdade lhe dá para seu governo e assim saber como agir perante a sociedade. Não basta dizer que a liberdade de cada um acaba onde começa a liberdade do outro. Qual outro? E onde começa a liberdade do outro? É com silogismos desta natureza que os mais inadaptados se desculpam para fugir às suas responsabilidades perante uma liberdade com que não sabem conviver. A verdade é que ao pôr um limite à liberdade de cada um tem perante o outro, está-se a impedir a própria liberdade, ou seja, ela não poderá ser utilizada na sua plenitude, deixando de haver liberdade a partir de um determinado momento. Então como vamos poder saber usar a liberdade? Não é fácil. Perante a pandemia que hoje nos assola, a liberdade é deveras questionada em vários vectores. De facto, as várias manifestações em prol da liberdade de circulação e de reunião e convívio, é disso prova evidente. Não temos liberdade para circular, para visitar a família, para ver os amigos, para nos reunirmos e para conviver. É verdade, mas se queremos fazer tudo isso amanhã, ou seja, se queremos ser livres, temos de nos sujeitar hoje a ficar sem essa liberdade. Parece lógico. Desta forma, a liberdade passa a ser uma peça de um tabuleiro de xadrez que se movimenta no sentido de atingir um objetivo: o xeque-mate. Ganhar o jogo. Mas afinal, somos livres ou não? Se proibimos uns de serem livres, estamos a ter a liberdade de cortarmos a liberdade dos outros. Será que podemos fazer isto? Será que temos a liberdade para o fazer? Concordamos todos certamente, que tudo isto não teria sentido se não fosse a sobreposição de um bem maior que a liberdade, a vida. Sem vida, a liberdade de nada serve. Perante a morte ou a sua proximidade, a liberdade toma um valor muito maior e tem um custo incomensurável só admissível porque se está vivo. Pois é esta realidade, o enfrentamento do Covid19 e a proximidade de com ele desfalecer, que nos faz dar tanto ênfase à liberdade, quer condenando, quer exaltando o seu usufruto. De um modo ou de outro, ela não poderá ser arremessada como uma arma ou um troféu que se ganha ou perde, numa qualquer batalha. Esta batalha pela vida que agora vivemos no país, parece estar no bom caminho, mas não descuremos a responsabilidade em prol de uma liberdade que ponha tudo a perder. É que os excessos são sempre condenáveis. Temos de condenar os que querem ter demasiada liberdade neste momento, impedindo os outros de usufruir a liberdade que lhes dá o direito de se manterem vivos e saudáveis. Esta semana que agora acaba de entrar, será uma prova real para medir tanto a responsabilidade como a liberdade de cada um e de todos nós. A Páscoa, festa de reunião familiar e convívio, não deverá ter o mesmo sentido e o mesmo peso de outros anos, mas se queremos ter o direito de no próximo ano podermos usufruir livremente desse direito, teremos de nos retrair este ano e penso que muitos o terão feito. Talvez por receio, talvez por responsabilidade ou até por liberdade de luta contra um vírus que nos quer roubar a nossa liberdade. A Páscoa passou e com ela os convívios possíveis, mas ficou o receio de ver o resultado que esses convívios deixaram. Esperemos que sejam bons e nos facilitem os dias que aí vêm, para os podermos viver em maior liberdade. Na verdade, não é nada fácil viver em liberdade!

Vendavais- O travão da felicidade

Ao longo de séculos, o homem sempre procurou duas coisas inatingíveis: a fonte da juventude e a felicidade. A fonte da juventude é inatingível para quem já não é jovem, pelo menos fisicamente e a felicidade é e sempre foi relativa, já que depende de estados de alma e de momentos muito breves que não perduram no tempo longo. Este assunto levou muitos cientistas e psicólogos a debruçarem-se sobre ele e muitas foram as conclusões a que chegaram, mas nenhuma foi conclusiva. A felicidade existe, claro, mas é tão breve que não há tempo para a guardar. Não basta dizer-se “sou feliz” para ter a certeza de ter encontrado a felicidade pois ela pode ser muito mais do que o que se sente momentaneamente. A juventude existe também, mas só pelo tempo em que verdadeiramente se vive, ou seja enquanto se é jovem. É um tempo mais longo, mas irreversível. Podemos pois dizer que o homem vive entre dois paradigmas nem sempre atingíveis e que se esfumam por entre os seus dedos sem possibilidade de os guardar eternamente. Mas há uma certeza, é que não podemos deixar de tentar nem ser felizes, nem deixar de ser jovens, mesmo com o peso dos anos que se abatem sobre as nossas costas. Não parece ser este o pensamento de cerca de três mil pessoas que resolveram manifestar-se em Lisboa no passado fim de semana, sem máscaras, contra o confinamento. O curioso, no mínimo, deste facto, é que onde mais vítimas se registam e onde há mais casos de contágio, é onde as pessoas se manifestam contra o confinamento. Esquecem-se possivelmente que foi o confinamento que fez com que Portugal passasse do pior país da U.E. para o melhor, pelo menos por enquanto. Será que estes irresponsáveis, desejam ficar contagiados e ser os próximos a elevar o número de mortos no país? Por outro lado, manifestam- -se sem cumprirem as regras impostas pelo SNS. Sem máscaras e sem cumprirem o distanciamento, é um risco que os torna irresponsáveis e criminosos. Ao tomarem uma atitude destas eles estão a ser o travão da felicidade de muitos que conseguiram ainda não ser atingidos pelo vírus e viverem na esperança de que nunca o venham a ser. Estes, podemos dizer que vivem numa felicidade temporária, embora frágil e que esperam perdure mais algum tempo. Mas a incerteza é também um travão à mesma felicidade. Portugal tem visto descer o número dos contágios enquanto a U.E. os vê crescer, levando alguns países a voltar a confinar, como é o caso da França e da Alemanha. Aqui tudo se volta a complicar e muito. Será que Portugal, depois de dois meses de aprendizagem e de sucesso, vai deixar deitar a toalha ao chão e complicar novamente a vida de todos devido à irresponsabilidade de alguns? Se é “bom” ter só cerca de 450 casos e 8 óbitos em 24 horas, o inverso é assustador e é bom que estas pessoas que estão contra o confinamento pensem duas vezes, não só em si, como também nos outros. Na verdade, a juventude também está a ser atingida e muitos jovens já deixaram de poder viver a sua juventude. O vírus não deixou. É irreversível. Não há um travão para o vírus. Somente a vacina certa no momento certo e mesmo isto está a ser difícil de se conseguir. As informações que têm chegado todos os dias são contraditórias. Não há vacinas suficientes, algumas vacinas provocam doenças inesperadas ou mesmo a morte, não estão a ser vacinados todos os que deveriam em tempo certo por razões variadas, mas que não contrariam a realidade. Vivem-se pois, momentos de incerteza, de ansiedade e de medo, que são travões terríveis para quem procura momentos de felicidade e de paz e saúde quanto baste. Enquanto isto acontece, as autoridades andam a vigiar quem tenta sair do concelho em vez de proibir estas manifestações contra as imposições legais do governo e que põem em risco a saúde de quem anda a tentar fugir ao vírus há tanto tempo. Afinal, o que se pretende? Aumentar o número de casos e óbitos, ou diminuir de vez a possibilidade de podermos dar de caras com o vírus ao virar da esquina? Quem trava tudo isto? Haja responsabilidade e razoabilidade se não voltaremos a confinar até ao próximo ano.

Vendavais- Pregando no deserto

F oram necessários muitos séculos para que o cristianismo se espalhasse pelo mundo e fosse aceite como uma verdadeira religião. Como em todos os começos, foi difícil ser aceite por ser nova, contrária às existentes religiões politeístas, por ser monoteísta, mas com uma mensagem de amor e paz que mais nenhuma tinha. Num Império Romano absolutamente politeísta e onde até os imperadores eram adorados como deuses, era quase impossível entrar uma nova religião e pior, acreditar nela que só tinha um Deus. Como é que um só Deus tinha mais poder que todos os deuses do império? Não era fácil acreditar, mas alguns acreditaram e tiveram a coragem de espalhar a boa nova. Foram perseguidos, presos e mortos muitos deles, mas de nada valeu. A força e a coragem prevaleceram e o mundo, aos poucos, tomou conhecimento da nova religião. Teve Fé. A mesma Fé que os portugueses levaram mar fora e o mesmo Deus que os guiou e os implantou em paragens tão díspares como os deuses que por lá existiam. Venceu o Deus cristão. Estava demasiado distante o tempo em que um Papa cristão tivesse a coragem para enfrentar outras religiões, outros deuses, outros líderes religiosos. No local onde nasceu uma das mais antigas civilizações da História da Humanidade, a Mesopotâmia, e onde a imensa planície cortada pelos rios Tigre e Eufrates, ao longo dos quais se implantaram cidades importantes como Ur, Uruk, Larsa, Lagash ou Uma, o Papa Francisco reuniu- -se com os líderes muçulmanos, sem temor, e pediu a todos para serem portadores da mesma mensagem de amor, paz e humildade que o cristianismo apregoa. Ali, na terra de Abraão, todos ouviram e interiorizaram a mesma mensagem. Uma mensagem apregoada em pleno deserto. Na verdade, os presentes eram poucos. Resta saber se estavam interessados em ouvir o que Francisco disse. Quando soou a 9ª Sinfonia de Beethoven, Francisco desceu e pisou solo iraquiano. Pela primeira vez um Papa cristão pisava solo do Irão. Ali mandam os Aiatolas. Mandam muitos e todos querem mandar. Muitas vezes não se entendem, mas isso será problema deles. Francisco levava somente uma mensagem e disse-a. “Calem as armas”. Num país onde a guerra é quase constante, é difícil calar as armas e falar de paz. Francisco teve essa coragem. Em Bagdade celebrou a primeira missa na igreja de S. José, onde escasseava a audiência. Foi celebrada em quatro línguas para que todos entendessem a mensagem. Inesperadamente, até o primeiro-ministro apareceu para assistir. Sinais dos tempos? Duvido. Para o Papa Francisco, desta visita, ficará certamente uma sensação de ter pregado no deserto, já que na realidade esteve em pleno deserto em reunião com os líderes muçulmanos, teve pouca audiência na missa de Bagdade e não sabe se a mensagem foi entendida e bem aceite. Fica uma sensação diferente na missa de Erbil, capital do Curdistão, onde esteve perante cerca de dez mil fiéis. Aqui sentiu-se, certamente, em casa. Talvez este ato de Erbil, possa servir de incentivo para uma aceitação dos cristãos em terra de infiéis e onde têm sofrido perseguições e atentados de toda a espécie, como se fossem culpados por acreditar numa religião diferente e muito mais poderosa. Para o mundo, a visita do Papa Francisco foi demasiado arriscada. Um enfrentamento entre religiões opostas e praticamente inimigas, talvez não fosse aconselhável, mas Francisco nada temeu. Seguro das suas decisões e acreditando nas suas razões, enfrentou tudo e todos e nem o olhar desconfiado de alguns líderes muçulmanos, o incomodou. Respondeu sorrindo. Perante a desconfiança ele exibiu segurança e firmeza na crença e na Fé que deve mover os interesses dos homens, independentemente das raças e dos credos. Desafiou-os a calar as armas e a arvorar a bandeira da paz, do amor e da amizade. Ficaremos à espera e veremos se a semente que Francisco levou no bolso não caiu efetivamente em solo desértico e improdutivo. A esperança é que, mesmo pregando no deserto, a semente frutifique no coração dos homens.

Vendavais- A aVentura

Estamos bem. Sim, ao que parece, estamos bem pois os últimos números de casos da pandemia levam a essa conclusão. O vírus está a perder o transporte da transmissão que o levava a passear- -se impunemente por todo o país. O confinamento a que nos sujeitámos teve, até agora, efeitos positivos. Se fosse mais cedo teríamos poupado mais de 3.000 mortos, mas as decisões tomam-se quando se tornam efectivas e isso cabe ao governo e ao Presidente da República. Contrariamente às opiniões de muitos partidos políticos, o governo manteve-se relutante no encerramento das escolas alegando desculpas que já todos conhecemos, mas a verdade é que com as escolas confinadas, o país inteiro viu descer drasticamente o número de contágios, de óbitos e de internamentos. Claro que os custos são imensos. Terríveis e insuportáveis na sua maioria. São tempo de crise. Agora que tudo caminha para uma melhoria acentuada, já se fala em desconfinamento das escolas. Sabemos que os alunos estão a pagar uma fatura elevadíssima na sua formação arriscando o futuro e mesmo a continuidade dos seus estudos. Sabemos que os pais são abrangidos por esta decisão e não queriam que as escolas confinassem, já que os remetem a uma posição mais caseira e de teletrabalho, que não queriam. Deste modo, e se as escolas desconfinarem apressadamente, pode correr-se o risco de se inverter a tendência positiva que estamos a atravessar e entrarmos numa quarta vaga ainda pior. Há que correr riscos, ou manter a cautela? Neste momento e a este respeito, os partidos parecem estar divididos. Contudo, a data de 1 de março, parece ser a escolhida para iniciar o desconfinamento, incluindo o das escolas. Assim sendo, ainda apanhamos o combóio antes da Páscoa! Não parecendo estar muito preocupado com estes assuntos, é o deputado do Chega que no fim de semana se apresentou aos militantes no Porto, em comício, não se sabe se como líder, se como recandidato a líder ou se como demissionário ou simplesmente deputado único do partido. No entanto, numa manifestação de força, ameaçou o PSD e exigiu desde já, que quer seis ministérios do próximo governo com o PSD, caso contrário não haverá governo de direita em Portugal. E se o PS ganhar novamente? Francamente! Ao que chega a petulância de um petulante vaidoso e convencido! Ainda agora acaba de iniciar a sua viagem política e já quer dar ordens aos que por cá andam há tantos anos. A humildade é tão bonita! Mas um partido extremista não tem dessas coisas, claro. Na Assembleia da República, onde se remete a um único lugar, solitário, vai atacando tudo e todos fazendo lembrar o deputado Acácio Barreiros nos bons velhos tempos. Acabou por perder tudo e desaparecer. Mas ele até tinha a sua piada e era pacífico. Sabia conviver, o que Ventura não sabe. As ameaças e exigências que Ventura fez ao PSD e aos outros partidos, são de uma prepotência extraordinária, partindo de um partido com um só deputado. Claro que conta ter nas próximas eleições 15%, segundo diz. Até pode ser que os atinja. Vá-se lá saber! Para ele, o povo é que decide. Sabemos disso, mas também sabemos que o povo não embarca em navios furados e sabe escolher a embarcação onde quer viajar em segurança. Exigir seis ministérios como a Administração Interna e Justiça e agora a Defesa, seria entregar o leme do país a um marinheiro de água doce que nunca experimentou as tempestades e as revoltas do mar alto. Seria uma aventura demasiado arriscada que levaria o país ao abismo profundo onde nem a sua História se salvaria. Para essa aventura, não contem muito com o povo português. Já pagou bem por uma viagem idêntica e não quer outra. As aventuras são para as crianças que ainda acreditam no Pai Natal!

Vendavais Salas virtuais

Vivemos todos uma nova era, não que ela não tivesse sido anunciada já há alguns anos, mas que a realidade a fez realmente ver com os olhos da modernidade. Ao longo de toda a História o homem encarregou-se de fazer avançar a ciência ao ritmo das necessidades e, por isso mesmo, apareceram grandes invenções que fizeram avançar o mundo em quase todas as vertentes, das económicas às sociais. Contudo, a Natureza, sempre à espreita e por vezes adversa aos interesses do homem, prega-nos partidas incomensuráveis que nos obriga a inventar à pressa novas formas de combater a adversidade. Diz o povo e com razão que devagar se vai ao longe, ora o seu contrário pode ser catastrófico. Na realidade o aparecimento do Coronavírus, fosse derivado ao avanço da ciência e ao seu descuido ou a razões desconhecidas como se quer fazer crer, foi uma machadada enorme para a sociedade mundial que se reerguia de uma crise económica e social brutal. O desconhecido inimigo viral levou a ciência a correr muito à pressa para descobrir o meio de o combater, antes que fosse demasiado tarde, perante as inúmeras mortes que se estavam a verificar em todo o mundo. Em menos de um ano, foram descobertas quatro ou cinco vacinas capazes de iniciar um combate feroz ao vírus assassino. Apesar disso, os milhares de mortos não foram evitados, nem se evitam ainda em todos os países. Vemos o que se passa no Brasil, no México, na Alemanha, na Itália, na Espanha e em Portugal, por exemplo. Entretanto, as consequências foram terríveis e as medidas impostas foram extremamente necessárias, mesmo perante a contestação idiota dos apregoadores da liberdade e da democracia que não se lembram que a sua liberdade acaba onde começa a liberdade dos outros. Isto sim é democracia. O confinamento foi a medida mais imposta como indispensável ao avanço do vírus e ao travar da sua expansão. Infelizmente, muitos acharam que era um ultraje. Para o vírus, era a autoestrada para o seu progresso. As casas transformaram- -se em salas virtuais, onde as pessoas passaram a trabalhar e a conviver, sem poder fazer a vida que até então era normal. A prisão que ninguém queria! As escolas esvaziaram-se à pressa logo que o vírus se começou a espalhar, antes que as crianças e os professores fossem atingidos e os novos veiculadores do crescimento da doença. Os alunos tomaram contacto com uma nova realidade e um novo método de aprendizagem, bem diferente do habitual. O regresso à escola foi feito com alguma emoção, mas incompleto. Faltavam os cumprimentos, os abraços, a energia da empatia comum num espaço que todos queriam e querem, de alegria e sã convivência para além da aprendizagem e preparação para o futuro. Quando todos já pensavam que entrávamos numa época nova deste combate desigual, eis que uma nova vaga assola a comunidade mundial e também atinge Portugal, o tal do milagre português que, subitamente vira o pior exemplo da contenção da pandemia, tal o número de mortos e de contaminados diariamente. E apesar da relutância em admitir novas soluções drásticas, o governo vê-se obrigado a decretar novo estado de emergência e de confinamento. O não querer admitir que o fecho das escolas era uma medida necessária depois da abertura extemporânea do Natal e do Fim do Ano, vê- -se coagido a fazê-lo antes que seja demasiado tarde. A teimosia do senhor ministro da Educação e do primeiro-ministro, fez com que tardasse a indispensável tomada de decisão. De novo, as escolas fecharam abruptamente e à pressa, antes que os alunos e as escolas estivessem devidamente apetrechadas para encarar o novo confinamento. De novo em salas virtuais, os alunos vêm-se confrontados com aulas à distância onde impera o distanciamento social forçado, a incapacidade de interagir com os professores em tempo certo, a dificuldade na resolução de dúvidas e no avanço da matéria curricular proposta. Mas também os pais enfrentam o confinamento e o trabalho via internet, juntando-se assim aos filhos na mesma sala virtual a que o confinamento obriga. Seria escusado? Talvez. Que sirva de lição para a nova vaga que já se anuncia. Como costuma dizer a minha mãe, isto só acaba quando o mundo acabar! Talvez tenha razão.

Vendavais- As viragens da História

As coisas que acontecem ao longo da História e que são relatadas com algum empolgamento, são-nos, de algum modo, familiares porque são relatadas frequentemente. Episódios especialmente de cariz político, são os mais ventilados talvez porque mais apetecíveis e sujeitos a críticas. Quase todos referem mudanças abruptas em relação às linhas conceptuais até aí seguidas. Exemplos são vários. Alguns lembrar-se-ão das aulas de História, de uma rainha que começou por governar ainda menina depois de ter sido prometida em casamento, com apenas sete anos, a seu tio para que viabilizasse deste modo a governação do país. Pois ela era Maria da Glória, filha de D. Pedro, à época Imperador do Brasil e, por direito próprio, seria sucessor de seu pai D. João VI, na governação de Portugal. Pois o tio de Maria da Glória era irmão de D. Pedro, de seu nome D. Miguel, exilado pelo próprio pai, que aceitou o pacto proposto pelo irmão que tinha abdicado do trono em nome da filha que, obviamente, não poderia governar com sete anos. No governo, D. Miguel não quis saber do pacto e governou como rei absoluto e ditador, passando por cima da Carta Constitucional que o obrigava a cumprir as ideias liberais. Virou de tal forma o país que levou a que D. Pedro IV viesse do Brasil e invadisse Portugal entrando numa guerra civil em que sairia perdedor D. Miguel. Dª. Maria da Glória, com catorze anos acabou por ocupar o trono em vez do pai, iniciando um reinado atribulado e repleto de manifestações e revoltas. Antes já D. Maria I tinha sido chamada de Viradeira por alterar toda a política económica e não só que o Marquês de Pombal tinha levado a cabo. Como o detestava, era um modo de demonstrar a fraquíssima consideração que tinha por ele. O Marquês acabou na miséria. Do mesmo modo se lembrarão de ao longo da Revolução Francesa terem sucedidos episódios dignos de relevância não só pela crueldade de alguns como pelo inesperado de outros. Pois numa revolução que se sustentou na luta pela igualdade e pela liberdade, matar o rei e a rainha não só foi cruel como ficou a dever muito à liberdade e à igualdade apregoadas. No mesmo contexto, todos se lembram de Napoleão e dos seus feitos. Pois também ele protagonizou um episódio caricato, mas não único na História Universal, ao fazer um golpe revolucionário contra si próprio, o 18 do Brumário. A finalidade foi ter todo o poder nas mãos, nomear-se Imperador e conquistar um império a exemplo dos antigos romanos. A Viragem levou-o a perder e a ser expulso de França juntamente com a sua mulher Josefina, acabando por ser desterrado para a ilha de Stª. Helena onde acabou os seus dias. O destino virou-se contra ele! Mais recentemente temos o caso de Donald Trump. Numa governação repleta de sucessivos erros e falhas políticas, teimava em ser o mais lúcido, o mais apto e inteligente para governar a América e quando o poder lhe fugia debaixo dos pés, equacionou a possibilidade de uma Viragem repentina efectivando esse poder por assalto à casa da democracia americana. Saiu- -se mal. Acabou por sair pela porta das traseiras e, envergonhado, não comparecer na tomada de posse do novo Presidente para não dar o braço a torcer. Triste figura! A Viragem será feita por Biden já que ganhou e bem, onde menos os republicanos esperavam. Que tenha mais sorte. Voltemos a Portugal. No momento em que todos esperavam ultrapassar as vicissitudes ligadas à pandemia, eis que os resultados mostram uma Viragem espectacular, pela negativa, colocando-nos no ranking dos piores países do mundo. A teimosia e o bem-querer de Costa ao facilitar no Natal e no Ano Novo a circulação de pessoas, contando com a responsabilidade dos portugueses, acabou por piorar toda a situação. Agora, uma vez mais e por algumas semanas ou meses, ficaremos confinados compulsivamente na esperança de que o vírus se envergonhe e vá de férias também, como os alunos e professores. Aqui não vai haver Viragem certamente. O decréscimo esperado com esta medida não será nunca suficiente para dormirmos descansados e nem as vacinas que agora chegaram o permitem, tanto pela sua exequibilidade como pela escassez das mesmas. Aqui a viragem é outra que não a esperada. Nem as vacinas nos salvam!

Vendavais- O ano de todos os desejos

Tenho a certeza quase inabalável, de que sempre foi assim. No último dia de um qualquer ano, pedia- -se a Deus e a todos os Santos, fossem quais fossem os deuses e os santos, um rol imenso de desejos que se gostaria de ver cumpridos. E se o novo ano não pudesse ser melhor que o anterior, que não fosse pior. Os desejos solicitados e enviados aos diversos destinatários, levavam a intrínseca vontade de um cumprimento seguro, não se lembrando se no ano anterior, os pedidos formulados tinham sido cumpridos ou não. E isso não interessava. Os desejos deviam ser feitos na passagem de testemunho para um tempo novo. Claro que os tempos foram mudando assim como as mentalidades e até os desejos. Contudo, há alguns desejos que se mantiveram iguais ao longo de séculos e séculos, como se fossem irrevogáveis nos contornos do rol de solicitações formuladas. Os outros, os que poderiam mudar, variavam com a conjuntura, fosse ela climática, fosse política ou até social. No século XVII, por exemplo, um século de crise tremenda em que uma das causas foi precisamente a quantidade de maus anos agrícolas, de má colheita e muita fome que levou a uma elevadíssima taxa de mortalidade, seria justo e desejável que os desejos para um ano novo, fossem de melhores colheitas, menos fome e de paz. Paz, porque as guerras, entretém das sociedades violentas, é um item interminável desde então, como se fosse um jogo moderno em que os participantes se sentam em frente a uma televisão e se agridem uns aos outros com o objetivo primário de aniquilação de um deles. Na prática, o mesmo objetivo de há muitos séculos. Os que perdiam desejavam paz! Por outro lado, os que estavam sujeitos aos desejos de um tirano, desejavam que ele desparecesse para sempre para que a vida se tornasse mais leve e agradável. Estes pediam governantes mais sensíveis e amigos do povo. Assim, ao longo dos tempos, os que passavam fome pediam fartura e os que passavam por guerras pediam paz. Os doentes pediam uma morte santa. Já sem esperança, porque a medicina ainda não tinha evoluído e as simples panaceias não evitavam a morte, restava-lhes morrer quando Deus quisesse reduzindo o sofrimento diário e terminal. Hoje, os desejos são diferentes, mas há os que se mantêm iguais. Tão iguais como há séculos. De pé, com as doze passas na mão à espera das doze badaladas da despedida, como se se tratasse de epitáfio, já todos têm memorizados os desejos e logo os descarregam, num ápice, antes da última badalada e do estourar do Champanhe. Brinda-se ao ano novo, claro, na esperança de mais saúde, mais amor, mais alegria e mais paz entre os homens. Este ano, talvez como há séculos, muito mais saúde, mais paz e muita esperança em que o vírus desapareça de vez da vida dos homens e que a vacina agora chegada, sirva os seus propósitos antes que seja demasiado tarde. Mas os desejos de arredar os governos tiranos e desconcertantes, ainda se mantêm, como é o caso do da América em que parece terem sido ouvidos os desejos do ano passado. Finalmente livraram-se, a custo, do prepotente governante. Outros não tiveram essa sorte! Começado o Ano Novo, todos desejámos uma vida nova, os mesmos desejos de sempre e, com ódio nas gargantas entupidas pelo clamor da revolta da incapacidade e pelos gritos de revolta, pedimos que o Covid19 não se transformasse em Covid21. Desejamos as mesmas coisas e com os mesmos objectivos de séculos, mas com as variações conjunturais que lhes somam, quase sempre, as premissas que menos desejamos ter de enfrentar. Desejamos mais proximidade, mais abraços, mais beijos e mais família. Este ano é assim um ano onde todos os desejos se juntam numa confraternização redobrada para que, essa força, torne possível a sua concretização. E, se Deus e os Santos, os nossos e os dos outros, estiverem atentos e forem amigos, certamente nos darão o conforto da sua bênção para este Ano Novo.

Vendavais- Do Natal ao fim do ano

Já quase nas despedidas ainda há tempo para mais um renascer. Sim, porque o Natal é o nascimento do Salvador da Humanidade. No tempo em que o Natal era vivido com muito medo de perseguições e onde as famílias se refugiavam em grutas e cavernas subterrâneas, longe dos olhares e suspeições alheias, a intensidade não era menos forte, nas fracas condições que tinham ao seu dispor. Mas era a festa da família e não queriam intrusos. Cada uma reunia-se à volta do mesmo sentimento de união e na esperança de melhores dias futuros. Vai longe esse tempo. Mas não nos podemos iludir com a distância que tempo interpõe porque hoje o sentimento que preside à reunião familiar é o mesmo de outrora. A única diferença reside no intruso que teima em se manifestar no seio familiar e obriga ao mesmo medo, ao mesmo confinamento e ao distanciamento de outros que desconhecemos serem ou não, guardiões do intruso. Os desejos que todos proferimos com um sorriso e a alegria que nos identifica, não são os mesmos de todos os dias do ano, porque apesar de dizermos que Natal é quando o homem quiser, a verdade é que nem sempre o homem quer. Daí a diferença do nosso comportamento. Este é mais sincero, talvez, mais pessoal e amigo, mais próximo, mais direto e afável. Precisamos de o transmitir, de o gritar para a outra margem, para o outro lado da estrada, para a outra janela, para o vizinho que passa, para nós mesmos. Precisamos de acordar. Este Natal é diferente. Todos o dizem e não demais repeti-lo. É efetivamente diferente, Diferente pelo distanciamento social, pela separação da família, pela falta de união, pela falta dos abraços dos filhos e dos netos, que sentados à mesa, esperando os presentes da meia-noite, nem sequer adormeciam, acreditando que o Pai Natal haveria de descer pela chaminé com o saco das prendas às costas. Essa azáfama insubstituível, nada a faz esquecer, mas ela quase desapareceu neste Natal. Os pais celebraram sozinhos a noite de consoada, sem filhos e sem netos por perto, acompanhados simplesmente pelo sentimento de uma solidão desmerecida, de um quase abandono que o distanciamento e o intruso impuseram no seio das famílias, impedindo a comunhão habitual e salutar que, pelo menos uma vez no ano, existia para muitas delas. Longe de tudo e de todos, os avós e os pais que nas aldeias do interior ansiavam o Natal para comungar da união a que sempre presidiam na companhia dos que vinham da distância para lhes fazer companhia e dar aconchego, hoje viram-se perdidos nesse mesmo tempo, sem referências que lhes permitam manter a esperança de um novo Natal. Mas a culpa não é do tempo nem da distância. Até ao final do ano, muita água vai correr debaixo das pontes, mas o medo a par de uma esperança inesperada, vão manter-se juntos, tendo de permeio sempre o mesmo intruso. É um combate justo, mas de fim incerto. Oxalá a vitória venha a estar do lado do medo, pois seria sinal que o intruso teria soçobrado. Mas não vai ser fácil. Vamos pois continuar a viagem até ao fim de 2020, sempre com a esperança de que possamos desejar que o próximo ano nos traga mais proximidade, menos distanciamento, menos receio, mais alegria e um Natal mais igual a tantos outros em que as crianças acreditavam mesmo no Pai Natal e os avós abraçavam os netos cheios de saudades que a distância impunha, mas que o Natal e o amor eliminavam. Este ano que agora se prepara para terminar e despir a roupa já velha e mal cheirosa do bafio do confinamento, que não se repita, que não tolde a memória dos que cá ficam e esperam um tempo de alegria, de contentamento, de esperança e onde as tradições voltem a ser o que sempre foram. Que venha o próximo, vestido de novo, colorido e vistoso, ufano da sua glória e envolto no glamour das estrelas sem medos e desconfianças. Vamos esquecer 2020, este Natal atípico e desconforme, vamos verter a última lágrima que não pudermos evitar para chorar os que o intruso nos levou e vamos desejar um Novo Ano cheio de coisas boas, com saúde, paz e alegria. Assim seja.

Famílias desfeitas

Nunca se imaginou tal coisa. Durante séculos, arreigou- -se no mundo inteiro, o hábito de juntar a família para celebrar o nascimento do Menino. Em época em que a taxa de natalidade era muito problemática e fazia pender negativamente o crescimento demográfico, fazer inverter tal tendência era um objectivo primordial para todos e nem se questionava se seria possível criar os filhos perante as adversidades económicas que se viviam em toda a Europa e mesmo no resto do mundo. Épocas houve em que juntar a família era quase impossível, porque as epidemias e as guerras contribuíam para a separação ainda que forçada. Mas não era proibitivo. Tempos difíceis esses, em que as famílias se viam constrangidas a uma observância mais ou menos rigorosa, para evitar o contágio de epidemias como a peste que grassou na Europa no século XIV. E somente as famílias que ficaram desfeitas devido à peste e tiveram de fugir para outras paragens, perderam o lugar e o sentido de celebrar o Natal. Foi triste esse tempo de privações e de mortandade. Mas se não esquecemos esse tempo, porque a História e as gerações se encarregaram de o transmitir, como se de uma aprendizagem se tratasse, a verdade é que não conseguimos debelar tal fenómeno, idêntico como tantos outros, e precaver a necessidade de uma celebração conjunta da família do nascimento de Jesus. Não porque a culpa seja de alguém em especial, mas porque todos em conjunto, nos esquecemos de que para podermos estar juntos, deveríamos estar separados durante algum tempo. Sem atropelos, sem desrespeito pelo próximo, sem falsas sabedorias e sem ultrapassar os limites da própria lei. Se todos querem festa, então saibamos esperar pelo tempo certo. Se todos querem Natal, saibamos preparar o tempo de Natal. E não adianta dizer que o Natal é quando um homem quiser, pois com estes atropelos todos que se têm verificado, não há tempo nem haverá Natal para muitos elementos das famílias que esperavam juntar-se neste Natal. Completamente desfeitas, as famílias já não têm vontade de celebrar seja o que for, muito menos o nascimento, perante a morte que estão a sentir. A verdade é que estamos todos fartos de ouvir os mesmos noticiários e as mesmas notícias todos os dias sempre acompanhadas de mais mortes e de uma expansão da pandemia, que nos assusta cada vez mais. Desconfiamos de todos, mesmo dos amigos. Desconfiamos dos que se atravessam à nossa frente e fugimos dos que, em multidão, enchem os lugares públicos sem respeito pelos que querem usufruir do tal distanciamento social e fazer a sua vida diária, numa simples fugida a supermercado, porque o pão é necessário à mesa de todos nós. Mas não vivemos todos assim tão assustados e com medo de encontrar o vírus ao virar da esquina. Se assim fosse, talvez este não ganhasse o transporte grátis para o próximo porto de abrigo onde é fácil apanhar mais um táxi para a rua do lado. Parece um jogo. Mas não é. Perante os números que nos apresentam e que assolam todos os países, alguns são verdadeiramente arrepiantes, quase inverosímeis. Em vinte e quatro horas, os contágios são aos milhares e os óbitos de igual dimensão. Rezamos todos pela chegada de uma vacina milagrosa que impeça a proliferação contínua deste vírus assassino. Mas e até lá? A esperança é a última a morrer, como se costuma dizer. E ela reside no facto de antes do final do ano chegar também ao nosso país e começar a ser administrada em grupos seleccionados e de risco maior. É bom que assim seja, mas certamente não virá a tempo de celebrar connosco este Natal, onde muitas famílias, já destruídas, embora ansiando pela vacina, já nada mais querem do que ver-se livres de uma mortandade que lhes levou os entes mais queridos com quem esperavam celebrar o nascimento de Jesus. Mas haverá mais Natais, claro, mas os que partiram e já não celebraram este Natal, também não vão celebrar mais nenhum. Deixam, contudo, a falta, o sentimento, o lugar vazio na mesa da família, que não esteve reunida e que chorou, não o nascimento, mas a partida de mais um elemento que não voltarão a ver nos próximos Natais. Que venha rápido a vacina e que nos deixe viver outros natais, já que este o vírus conseguiu desfazê-lo completamente.