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Vendavais - Medo e risco de mãos dadas

Na insofismável mentalidade de cada ser e dependendo de cada momento que o mesmo vive, há sempre presente uma percentagem de medo acompanhado de um risco que por vezes o medo não consegue controlar.

Embora muitos neguem a ausência de medo perante situações desconhecidas, a verdade é que ele está presente, sendo que o risco faz com que o medo passe para segundo plano. Isto é válido para qualquer situação, seja um simples jogo disputado numa mesa de xadrez ou uma partida de futebol onde a necessidade de pontuar é um objetivo real.

Mas a realidade vai muito para além do que se possa imaginar e até do que o medo pode controlar no atual momento que atravessamos. Assumir riscos faz parte da natureza do homem, ser pensante, mas nem por isso mais atinado ou assertivo. Diz o povo e com alguma razão, que quem não arrisca, não petisca, o que significa que a necessidade de correr riscos é inevitável se queremos atingir objetivos. Na verdade, até pode ser assim, mas há riscos e risco, assim como necessidades. Estas fazem com que os riscos que se correm sejam mais ou menos perigoso e tenham consequências diferentes. Por exemplo, os treinadores de futebol fazem substituições com o objetivo de conseguir melhores resultados e de ganhar os jogos, mas podem não resultar, como sabemos. Joga-se no campo e com os jogadores, planos de jogo e correm-se riscos que por vezes não compensam. Perdem-se os jogos. Pois se cada vez que se fazem substituições se ganhassem jogos, então tudo estaria resolvido e todos os riscos compensariam, mas não é assim a realidade. O treinador corre riscos porque tem medo de perder o jogo ou, numa perspetiva mais animadora, para manter um resultado positivo. Mas nada lhe diz que até ao final do encontro, o resultado não possa ser diferente. O medo mantém-se.

Alargando horizontes, vejamos o que se está a passar em vários países incluindo Portugal, no que se refere ao alargamento das restrições face ao Covid19. O Verão chegou com baixas perspetivas económicas já que se impunham restrições a alguma circulação aérea e as zonas mais procuradas viram goradas as suas expectativas. Procurando salvar um pouco a nossa economia, o governo abriu o leque das liberdades, que económicas, quer sociais e as consequências podem ser desastrosas. Muitos perderam o medo e correram riscos tremendos, sem pensarem nas consequências que daí possam advir. Outros, para não perderem a oportunidade de salvar uns dias de férias depois de tanto confinamento, correram o risco de ir até ao Algarve, por exemplo, acompanhados pelo medo terrível de se encontrarem com o vírus invisível, que por lá se passeia, também ele a banhos. De mãos dadas, medo e risco, por lá se passeiam, ambos de férias, juntos com os veraneantes que a medo, pedem aos deuses que afaste deles o cálice do desespero e da dor e deixem gozar os poucos dias a que têm direito depois de tanto trabalho em confinamento imposto.

Mas, mais longe ainda e abrangendo o Mundo inteiro, não podemos esquecer os Jogos Olímpicos e todo o medo que o Japão viveu e viverá e o risco que correu para manter a realização destes jogos. Foram os primeiros jogos da Humanidade em confinamento. Sem público e sem glamour eles aconteceram, mas o medo e o risco, estiveram presentes em todos os momentos, fazendo com que, no fundo, fossem uns jogos falhados. Os atletas não conviveram, o público esteve ausente, não houve confraternização entre delegações, não houve calor humano, não se ouviram os aplausos, não existiu o entrosamento necessário entre os atletas e os apoiantes. Existiram somente e com muito medo, os atletas competindo, cada um por si, solitários, para depois, ainda solitários, se enfiarem no seu quarto, sozinhos e deitarem-se em camas de cartão, remetidos a um silêncio sepulcral. Aqui, só a possibilidade das medalhas, diminuiu o risco e o medo dos atletas. De mãos dadas, o medo e o risco, ensombraram estes jogos e o Japão não saiu vencedor.

A greve das cegonhas

Os meninos pelo feitio não ficam caros (Homem de Lagarelhos)

Os censos de agora revelam a perda de 250.000 habitantes relativamente aos censos anteriores. Por várias causas a população portuguesa vem diminuindo de ano para ano. Longe vão os tempos das famílias numerosas, seja no universo urbano, seja no rural. As ciências sociais elencam várias razões causadoras da rarefacção dos agregados familiares, prosaicamente os casais fazem contas à vida, as mulheres têm ao seu dispor a pílula, o truca-truca de José Morgado, glosado pela notável e bem-humorada poetisa Natália Correia deixou de ser praticado apenas com o móbil de engendrar descendentes, embora «fazer» filhos pelo feitio não fiquem caros segundo ouvi a um homem de Lagarelhos irmão de quatro raparigas e quatro rapazes, o seu adequado sustento, a sua boa educação (física, académica, científica e técnica) só está ao alcance de pais detentores de rendimentos acima da média e, nos dias de hoje os jovens nem nem a ficarem na casa paterna, usufruindo de cama, mesa, roupa lavada sem esquecer a mesada quantas vezes retirada das magras reformas dos progenitores. A mesada é forçada ali ou acolá, até de modo violento, segundo registam órgãos de comunicação social.

O acima exposto é uma pálida ideia referente à míngua demográfica reinante nas terras lusitanas, sendo muito maior no interior de Norte a Sul, pois as pessoas preferem viver no litoral apesar dos apelos de sinal contrário, provando-se a força do apelo do mar, ou fossemos um povo de marinheiros. No tempo da Maria Cachucha, da época em que os animais falavam e das fadas da Condessa de Ségur existia um serviço de mala-posta confiado às cegonhas as quais não tinham asas a medir na lufa-lufa de entregar bebés às mulheres casadas transmontanas e beiroas (contando ainda com o suplemento das mães solteiras de meninos marcados com o ferrete de zorros para infelicidade dos nasciturnos). As cegonhas deixaram de desempenhar tão grácil tarefa queixando-se da penosidade da profissão e não terem sindicato poderoso capaz de as defender, o dos motoristas de camiões de combustíveis mofarem ruidosamente da pretensão de união com as pernaltas de bico comprido, estas retiraram-se e vivem em ninhos no cocuruto de árvores e postes. Um escritor espanhol caminhante ao estilo de Camilo José Cela referiu um ninho de cegonhas nas imediações do restaurante D. Roberto em Gimonde, eu observei outro no cimo de uma torre de alta tensão na aldeia de Milhão, no tocante a mala-posta sobrou a localidade assim denominada Malaposta onde esparsamente estaciono a fim de revisitar o vetusto restaurante Pompeu dos frangos.

A desertificação do interior não se enfrenta nomeando e mantendo secretários de Estado (ajudantes de ministros) para lá do Marão, Serra da Estrela, Gardunha e S. Mamede, sustem-se tomando corajosas decisões, há dois séculos e meio o Sr. Sebastião Carvalho e Melo semeou indústrias nessas terras recônditas, Covilhã e Tomar servem de exemplo, agora tudo se transformou, a burocracia, a voracidade empresarial dos núcleos de maior peso demográfico (votos), a preguiça tecnologia do ar condicionado, as loas paisagísticas do interior a convidarem ao ripanço escoram a debilidade (não aludo a virilidade) no fazer/fazendo todos os esforços tendentes a minorar rapidamente as lacunas populacionais existentes sem estarmos à espera incerta dos migrantes e discretos para não acoimar de secretos os investidores cartão Gold e eclatante Platina.

Portugal e os ingleses

Bons dias vos dê Deus! Saúdo-vos com esta expressão que hoje, ao contrário de outros tempos, apenas sobrevive através dos que falam mirandês, ao que vos ouço retorquir “Deus vos dê bons dias!” Espero que andem com a saúde e o ânimo tão bem dispostos como uma brisa ao fim da tarde poente, sentida desde um banco de pedra à porta de casa como quem fecha mais um dia e contempla o anunciar do dia seguinte. Recentemente, tenho andado um pouco ocupado, a ultimar outras escritas um pouco mais académicas, de maneira que tenho andado mais afastado, mas não esquecido, da vossa inspiradora companhia.

Como eu costumo vir aqui de quando em vez, sou amiúde um comentador da desatualidade porque os meus tópicos estão já fora de moda num tempo em que os temas se sucedem tão rápido como se obsoletam, a grande e fugaz velocidade. É o carrossel da opinião do qual o combustível é a debitação incessante, o ruído das matracas, o bater das teclas do computador, o martelar dos debates, o macerar dos posts e podcats. Uma coisa cheia de industriais e ruidosas onomatopeias (traque, traque, traque, pum, pum, pum) à guisa de um Álvaro de Campos que hoje se perderia na enxurrada de chorrilhos e se excitaria com o progresso, as ânsias e ansiedades do savoir dire português parolamente polvilhado de englishcismos.

Neste momento vejo o país com dois tipos de portugueses. E não falo dos que que não acreditam que o Fernando Santos ainda tenha alguma coisa para dar contra os que creem na suas fortes capacidades de orar e rogar para que a divina providência nos coloque só “mijas nas escadas” pela frente (e faça descer mais um Messias para chutar à baliza na hora de um hipotético juízo final). Portugal faz-me lembrar cada vez mais a música do Sérgio Godinho, “não me olhes só da bancada lateral, desce-me essa escada e vem deitar-te na grama”, um dos amantes está no campo a dar o litro e o outro na bancada, um no palco sobre o calor das luzes e outro sentado na audiência, “não me olhes só dessa frisa lateral, desce pela cortina e acompanha-me em cena”. Há os que fazem e os que esperam que as coisas se façam para poderem fazer o seu trabalho e pôr mãos à obra no seu mester de fino e constante traque, traque, traque, noite e dia a burilar a crítica e a simples opinião. E como no Espetáculo de SG, os passivos, os assistidores, são muitos mais.

Estar confortavelmente na bancada a produzir doutas larachas sobre o que os outros fazem é o nosso país. Resumida, a democracia são uns no poleiro e outros a comentar desde a bancada parlamentar a fim de ver se conseguem lá chegar, e assim trocativamente. Os humoristas fazem cada vez menos humor, a maioria converteu-se ao massivo comentário para massas, mais e menos humorístico, activistas internéticos. Temos opinadores-mores que ninguém sabe de donde vieram, quantos padrinhos navegaram para aqui chegar, mas agora são especializada referência do tudo e mais alguma coisa. Ex-profissionais sem especial jeito para a profissão que encontraram redenção no conforto da bancada do comentário. O mais noticiado deputado do país chegou à Assembleia à custa de comentar o Benfica. Temos um presidente-comentador que enquanto jogador político foi assim-assim, mas uma vez na bancada, apurou o comentário até ao ponto de rebuçado, para incontestável se isolar na chegada à meta, e assim continua segurando as pontas do país através do domínio da bela e diplomática arte de tudo bem comentar. E outros se perfilam na mesma pista como aviões a aguardar autorização da torre de controlo para poder levantar voo. Nós portugueses gostamos especialmente do comentador porteira de bairro, las concierges du Portugal, além da opinião sabem sempre de fonte muito segura, fazem notícia, trazem- -nas em primeira mão, já sabem se são menino ou menina antes de nós sequer desconfiarmos da gravidez. Agora não há público nas bancadas num país que é toda uma bancada apinhada de público. Das antigas, sem cadeiras, daquelas em que o pessoal se ia apertando sentado no cimento e havia sempre lugar para mais um espectador assistir. Só os ingleses. Só os ingleses podem alapar os rabos nas nossas bancadas. É deplorável, é de causar vergonha alheia, a nossa falta de amor próprio, o espelho da nossa pequenez, sempre tão acima de tudo preocupados com os ingleses, mesmo no meio de virais mortandades. Mas eles podem, eles ganharam o direito histórico de nos usar, de nos despojar. Se calhar até nem nos pediram nada, nós é que estamos sempre a precisar de uma ajudinha. Sem os ingleses dificilmente haveria Portugal. Pelo menos, em 1383-85, na Restauração, nas Invasões Francesas, eles fizeram várias vezes com que Portugal não desacontecesse. Creio que devemos este país à teimosia d’el Rei Afonso I e à pontualidade dos ingleses em nos dar uma mãozinha nas horas H’s. São favores que pagamos para a vida e pagamo-los com o corpo que é tudo o que temos para dar. Por isso eles que nos usem e abusem, que ultimatem o nosso corpo de vencida prostituta, de alma estripada e olhar perdido nas bazucas de notas de libras que eles deixam espalhadas pela mesinha de cabeceira, desistidos há muito que estamos de alguma vez granjearmos amor, respeito, sequer um sorriso, ou o mais ténue sinal de afeto ou cumplicidade...

Nestas linhas torno-me um comentador da desatualidade, mais um cidadão passivo, um opinador, um indivíduo que aqui deixou uma hora da vida a verbear, sem produzir, sem nada ganhar ou acrescentar, pensando, talvez, que até disse alguma coisa de jeito. É isto Portugal e, ao fim ao cabo, tudo isto é ser-se suave e futilmente português.

Manuel Pires 

Para acabar de vez com o dinheiro do Fundo de Recuperação e Resiliência

Aqui há uns anos, ainda não havia o Euromilhões, um amigo meu comprava habitualmente um bilhete inteiro da lotaria do Natal. Num ano, no dia em que andava a roda, ao fazer o trajeto para Bragança, pôs-se a especular sobre como gastar o dinheiro caso lhe saísse a sorte grande. Depois confessou- -me: “Olha! Hoje, ao vir para Bragança, pus-me a pensar nas compras que faria se me saísse a taluda. E tu não queres saber que ao chegar cá já estava teso!” Não fui capaz de lhe perguntar pela lista das hipotéticas compras porque sabia de antemão que, além de coisas necessárias e de outras até imprescindíveis, estariam muitas absolutamente hilariantes.

Veio-me da memória esta lembrança, hoje muito em linha com as pretensões, as reivindicações ou as exigências que cada um faz no sentido de gastar o quinhão que lhe toca da chamada “bazuca”. E as propostas são muitas das vezes resultado de visões paroquiais, sem sentido das prioridades e alheias ao interesse nacional. Parecemos volvidos aos tempos do Maio de 68 em que os jovens anarquistas aconselhavam “Sêde realistas! Pedi o impossível”. A não ser assim como enquadrar a reivindicação de uma estrada de Macedo de Cavaleiros à Gudiña passando por Vinhais? E que é que iriam os de Macedo fazer à Gudiña? A Gudiña é uma aldeia! Dir-me-ão que a Gudiña representa a ligação à autoestrada das Rias Baixas. Mas a mobilidade das pessoas e mercadorias de Macedo e Vinhais não se processa no sentido de Vigo ou Benavente. Resumindo: esta petição só surge porque parece que sentimos que há dinheiro para tudo. Mas é esse mesmo espírito que preside à sugestão, como solução ferroviária para a nossa zona, da ligação de Bragança a Vila Franca das Naves na linha da Beira Alta (isto é que é um pensamento regionalista?!). Esta solução já tinha sido avançada, no final do sec XIX, pelo Eng. Militar João Crisóstomo quando ainda se pensava que Portugal era Lisboa e o resto paisagem. Também foi levantada essa hipótese para expedir o minério de Moncorvo para o Seixal. Ora, Bragança não é propriamente ferro para altos fornos e a ideia de João Crisóstomo foi prontamente abandonada pois não havia razão para privilegiar a ligação a Lisboa se Bragança tinha um intercambio cultural, social e mercantil muito mais forte com o Porto que com Lisboa. E assim permanece apesar do mundo ser mais global. O entusiasta da solução da ligação à Beira Alta, que começa por dizer ser incompreensível que Bragança e Vila Real sejam as duas únicas capitais de distrito sem serventia ferroviária, propõe uma solução que só contempla uma. (A solidariedade segue dentro de momentos). Aliás, sobre solidariedade e ferrovia queria fazer um parêntesis para dizer o seguinte: a construção da barragem do Tua provocou o encerramento definitivo da linha do Tua. Foi, então, criado um fundo de forma a criar contrapartidas no sentido de ressarcir, da perda de mobilidade, os concelhos lesados. Ora, os ditos concelhos são, segundo o entendimento de quem criou o fundo, Mirandela, Vila Flor, Carrazeda de Ansiães, Murça e Alijó. Estes dois últimos, situados na margem direita do Rio Tua enquanto a linha está na margem esquerda, nunca tiveram nem estação nem apeadeiro na linha do Tua. Como dizer que perderam mobilidade. Mais. Mesmo Vila Flor e Carrazeda tinham só meia dúzia de apeadeiros, a maior parte distantes, até, das povoações a que davam serventia. Portanto a perda de mobilidade desses Concelhos foi reduzidíssima. Mas, mais que estes argumentos cheios de sofisma, o que incomoda sobremaneira é não haver, da parte desses cinco magníficos, uma palavra solidária para quem perdeu mais e há mais tempo, como Macedo e Bragança. E não se perdia nada que o Fundo além de incluir estes sete já nomeados lhes somasse mais dois, Vinhais e Vimioso, que nunca tiveram as benesses da ferrovia. Isto sim, seria solidariedade, seria fazer alguma coisa pela coesão territorial e não tratar os temas que são comuns a todos com o espirito mesquinho, na lógica do “xico esperto,” sempre privilegiando o desenrasca. E os outros? Os outros…paciência.

Mas não foi só nesta questão que se manifestou a falta de espírito solidário dos Municípios do Distrito. O facto de deixarem passar em claro a não inclusão da melhoria dos acessos a Vimioso é disso exemplo flagrante. Seria a correção de uma injustiça quase congénita e também a forma de acabar com a vergonha de parasitar a estrada espanhola. Não nos esqueçamos que as gentes de Miranda, que usariam a estrada de Vimioso para a deslocação a Bragança, preferem fazer a viagem por Espanha. Haverá alguma explicação razoável para entender que a melhor ligação entre duas cidades portuguesas seja uma estrada espanhola?)

Li, também, como boa aplicação do dinheiro da “basuca” o aumento do comprimento da pista do aeródromo, condição necessária para a elevação à categoria de aeródromo regional. Não estou de acordo porque me parece um despesismo gratuito, fruto duma visão paroquial do assunto. Repare-se no seguinte: se imaginarmos um polígono cujos vértices fossem Porto, Guarda, Salamanca, Valladolid e Leon veríamos Bragança mais ou menos no centro desse polígono. Bragança dista mais ou menos 200km dessas outras cidades. Assim a área de influência de Bragança é a área de um círculo com centro em Bragança e com raio de 100km. Atendendo a que as cidades maiores têm maior área de influência o que faria cair Vila Real na órbita do Porto e Zamora na de Valladolid que é que ficaria para Bragança? Sete mil e tal km2 de território perfeitamente desertificado. Onde está a gente? Onde está a mercadoria? Acresce ainda que o actual aeródromo permite a utilização a naves como aquela, que Bragança viu aterrar, da ligação aérea a França. Atendendo a que a ligação aérea a França, com uma nave de 50 lugares, fechou por falta de passageiros e que a vez que transportou mais foi no dia da inauguração e só vinha a meio, pergunto: De que aviões estamos à espera?

Não devemos ter medo de gastar dinheiro quando a coisa se justifica. Mas não é gastar dinheiro para criar “elefantes brancos”. E é o que acontece se a um investimento caríssimo somarmos uma manutenção deficitária. Ora a manutenção comboio de Bragança já era deficitária no tempo em que era monopolista (lembremo-nos que não havia camionagem a competir com os comboios. Se de Bragança se quisesse ir para Macedo, Mirandela, Porto etc tinha que se ir obrigatoriamente de comboio. Só depois do 25 de Abril é que passou a haver camionagem nesses trajetos). Resumindo: Bragança não tem de ter comboio. Tem de ter boa mobilidade. E tem. A autoestrada dá-lhe boa mobilidade. Se me disserem que viajar de autocarro não é igual a viajar de comboio, concordo. Então, como contrapartida de não termos comboio, exijamos autocarros com requisitos das carruagens do comboio.

Os dinheiros do Fundo de Recuperação e Resiliência têm por objetivo reparar os danos económico e sociais provocados pela pandemia e aproveitando este ensejo tornar os países mais ecológicos, mais digitais e mais resilientes. Ora, um dos fatores que aumenta substancialmente a resiliência é a melhoria dos serviços de saúde e dos apoios à 3ªidade, com a criação de lares e com fiscalização exigente dos já existentes. As condições dos idosos em alguns lares, que a pandemia veio a revelar, enchem-nos de vergonha. Também o caso do idoso com alta hospitalar a ocupar a cama do hospital por não ter quem o receba, dá que pensar. Aí não podemos ter medo de gastar o que for necessário. Isto é um imperativo de carater geral com que toda a gente concordará. Assim como também será um imperativo a electrificação de todas as linhas de caminho de ferro por compromisso que Portugal assumiu pela descarbonização. Mas não chega. Tem de criar plataformas logísticas de forma a retirar das estradas os camiões de longo curso que transportam materiais pesados. Isto é: definir zonas de influência que teriam um parque para depósito de materiais pesados como combustíveis, de ferro, de adubos, de cimento etc que chegariam ali em comboio elétrico obrigatoriamente. Isto são medidas de carater geral como será a digitalização, fator determinante no crescimento económico futuro. Mas neste contexto que poderá fazer Bragança, particularmente, que possa contribuir para o bom desempenho do Plano de Recuperação e Resiliência? Em que sector ou sectores Bragança deve apostar com mais assertividade? Acho que tudo aponta para o sector da agricultura e eventualmente o turismo a ela associado. Digo isto pela conjugação de vários fatores: 1º foi a agricultura o sector que melhor tem resistido às dificuldades criadas pela pandemia, não só em Bragança mas em Portugal ou no Mundo; 2º este indicador associado ao plano Porter (o plano Porter ou relatório Porter foi um estudo encomendado pelo Ministro Mira Amaral nos anos 90 e cuja conclusão foi mais ou menos “lapalissiana” isto é, que Portugal devia fazer o que sabe fazer, por outras palavras, Portugal devia apostar nos sectores tradicionais. 25 anos depois fez-se uma avaliação desse Plano e a conclusão é que os sectores que maior desenvolvimento e competitividade evidenciaram foram os do calçado, têxtil, vestuário, vinhos e mobiliário. Foram, de facto, os sectores tradicionais) que, se dirigido a Bragança, diria: façam agricultura. Mas Porter também fala num problema endémico em Portugal que é a falta de escala. E a agricultura em Bragança tem esse óbice bastante acentuado. Posto isto, concluo: Bragança tem de fazer, já, o cadastro digital das propriedades agrícolas (transformação digital); tem de transformar todos os baldios em parcelas com tamanho quanto baste para criar entusiasmo nos empresários agrícolas; tem de criar imperiosamente industria agroalimentar( o fantasma do Cachão persegue- -nos); tem de fomentar a criação de empresas de prestação de serviços agrícolas à semelhança das que já existem para a floresta; tem de cortar os matos e investir nas “pastagens semeadas biodiversas” que é sequestrador de carbono(aliás subsidiado por isso), fixador biológico do azoto e fonte de proteína que tanto peso tem nas importações. Além disso ajudaria a dar corpo à última utopia de Gonçalo Ribeiro Telles: “que Portugal fosse o grande jardim da Gulbenkian”.

P.S. Não resisto a uma provocação. Porque será, que estando nós geograficamente situados nas faldas de três serras, Montesinho, Nogueira e Coroa e sofrendo forte influência de uma quarta, a serra da Sanábria(2170m), que não temos um queijo? Será culpa das serras?