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NERBA promove evento empresarial virtual para negócios internacionais a empresas de Trás-os-Montes

Ter, 13/04/2021 - 10:48


Nos dias 22 a 26 de março de 2021, a missão inversa virtual “Conheça os Produtores”, concretizou reuniões b2b virtuais, entre as 12 empresas portuguesas da região de Trás Montes participantes e 10 compradores europeus, dos mercados da França, Bélgica, Alemanha, Holanda, Roménia, Bulgária e Luxemb

Será que Adolfo Hitler nasceu em Vale de Telhas?

É por demais óbvio que Adolfo Hitler não nasceu em Vale de Telhas, nem lá perto. O malvado líder do Partido Nazi, responsável máximo do Holocausto, nasceu em Braunau am Inn, pequeno município no norte da  Áustria, à data integrante do Império Austro-Húngaro. Muito longe de Vale de Telhas, portanto. O título desta minha crónica, sugerido pelo dito jocoso de alguém que acompanhei numa breve visita, é obviamente provocatório, mas com boa intenção: despertar as consciências para o muito de bom que Trás-os-Montes tem e tudo que de bem que por cá se vai fazendo, ainda que seja muito pouco. Acontece que do riquíssimo património monumental desta formosa aldeia situada bem no coração desta mal-amada e pior tratada província nordestina, faz parte um tosco edifício a que o povo chama Casa dos Mouros, que tem a curiosa particularidade de ostentar, incrustados na frontaria de pedra miúda, vários ornamentos com simbologias díspares. Trata-se de objectos que alguém, sem grandes conhecimentos arqueológicos, por certo, embora com rara sensibilidade artística, terá arrebanhado das redondezas com o intuito de os preservar, conferindo-lhe esta nova função decorativa. Acontece que no meio dessa amálgama ornamental são visíveis suásticas (primitivas, claro!), o que não deixa de ser intrigante e que levaram o referido visitante a questionar, com ironia: será que o Hitler nasceu aqui, em Vale de Telhas? Ora, é por demais sabido que a  suástica,  a cruz suástica, a  cruz gamada, nas suas muitas variantes,  é um símbolo  místico em muitas culturas e religiões de diferentes tempos, designadamente nos ameríndios Astecas, nos Budistas, nos Gregos, nos  Hindus e nos Celtas muito em particular que é o que mais nos interessa. Infelizmente mais conhecida, todavia, é a suástica que o partido nazi de Adolfo Hitler adoptou como símbolo da sua suposta superior raça  ariana. E porque a foice e martelo emblemática do comunismo internacional muito se parece com a cruz gamada, embora tenha diferente significado e também apareçam foices e martelos estilizados em muitas estâncias arqueológicas, poderíamos igualmente citar, a este propósito, José Estaline, outro grande flagelo da Humanidade. Em Vale de Telhas, felizmente, não nascem homens deste calibre, mas apenas boas pessoas: ordeiras, pacíficas e trabalhadoras. A suástica gravada há milénios nas pedras de Vale de Telhas, como se vê, não foi inventada por Adolfo Hitler, como não foi José Estaline que criou a foice e o martelo. Muito menos Hitler e Estaline nasceram ou passaram por Vale de Telhas e conspurcaram o seu património arqueológico, que é muito mais profundo e valioso do que à primeira vista poderá parecer. Dele fazem parte monumentos relevantes de que destaco o castro celta do Cabeço, no qual especialistas situam a romana Pineto (Pinetum), o Pelourinho, dois marcos miliares, a Fonte Romana e o lagar do Poulão, para da lá da conhecida Ponte Romana, que de romana, todavia, apenas só já terá pedras, tantas foram as reconstruções de que foi alvo. Contrariando o deplorável esquecimento e abandono a que foram votados ao logo dos tempos, a Câmara Municipal de Mirandela tomou a louvável iniciativa de arrolar e ilustrar, no quadro do Plano Director Municipal elaborado em 2014, os monumentos mais visíveis. Também a Junta de Freguesia está presentemente empenhada em preservar, organizar e dar visibilidade a este valioso acerbo de que é titular, o que terá, estou certo, forte impacto na dinamização económica, social e cultural, não só de Vale de Telhas mas de todo o concelho. Para começar promoveu, recentemente, um “webinar” que foi muito bem moderado por Cátia Barreira, directora deste jornal, muito concorrido e no qual também participei com muito gosto. Outras acções se seguirão. Estejam atentos.

O Corso Orçamental

Na década de noventa, do século passado, quando convivia de perto com vários autarcas, um deles, candidato a novo mandato explicou-me o fundamento dos milhões de contos de reis que apresentava no seu programa para que não pudesse ser desmentido pelos seus opositores, coisa que temia. “Reuni todos os projetos que estando já aprovados ou, pelo menos candidatados e somei o valor total, global, independentemente dos anos em que se vão realizar. São projetos de futuro. É verdade que os eleitores vão induzir que serão realizados no próximo ano, ou, os mais cautelosos, no próximo mandato. Mas, isso não está explícito no que digo... embora a forma como o anuncio possa, efetivamente, induzir que assim seja entendido”. Não há memória que tenha sido contraditado. Outra via, menos avisada e muito menos inteligente, foi adotada por um autarca, em exercício. Em vez de falar de futuro resolveu glorificar o passado e apresentou na página do município o que ele chama de “investimento” o que, sendo verdadeiro, seria mais convincente e de maior impacto. O problema é que os milhões publicitados não aderem facilmente à enorme carência de realização nessa área... o que, obviamente, convida a visitar os dados oficiais contabilísticos certificados. A primeira nota que surge de imediato é a ausência de Contabilidade Analítica, apesar de ser obrigatória desde há muitos anos. Esta situação ilegal ou resulta da incompetência do autarca (que há vários anos que promete implementá-la no ano seguinte) ou, pior que isso, tem medo do que ela possa revelar e evita-a para poder mascarar a sua auto-elogiada gestão municipal. De qualquer forma, analisando a mais recente prestação de contas publicada verifica-se que o que é chamado de investimento resulta do somatório das verbas das despesas de capital que não são, nem de perto, nem de longe, a mesma coisa, como facilmente se pode verificar. Logo no resumo aparece uma verba significativa, quase vinte por cento, dizem respeito a amortização de empréstimos. Ora esta não representa, seguramente, qualquer investimento! Se a essa verba forem somados os montantes que se transferem para outras entidades, em rubricas de capital, mas que se destinam a despesas correntes, como a recolha e tratamento de resíduos, entre outros e, igualmente, o incompreensível, pelo astronómico valor total atingido, item de “outros”, exagerado em qualquer divisão da contabilidade geral, inaceitável na classificação de capital, o valor real do investimento efetivo desce para menos de metade do anunciado e, pasme-se, fica mais consentâneo com a perceção que se tem da atividade municipal. Dir-se-á que estas artimanhas são habituais e não são novas. É verdade que a habilidade de mascarar os números e alterar a realidade ajudou muitos autarcas a ganhar eleições, mas também houve quem as tivesse ganho sem romper com a verdade e a transparência. Mesmo que assim não fosse seria sempre boa altura para arrepiar caminho e nada como denunciar as dissimulações, começando, obviamente, pelas mais toscas e pouco inteligentes.

PERSEU de Ernesto Rodrigues Poesia, amor e mito

De Ernesto Rodrigues, veio a lume a obra poética que faltava na lírica portuguesa de hoje – Perseu. Digo que nos faltava ao constatar que esta poesia rompe todos os padrões que possamos conhecer, oriundos que sejam dos clássicos (antigos ou renascentistas), dos românticos, dos modernistas ou de quaisquer outros, que dos contemporâneos é o poeta seu representante maior. Motivado por Perseu, titã da mitologia grega, filho de Zeus e da mortal Danae, e inspirado por uma ninfa tágide, tem o mérito de conjugar, neste poemário, a cultura grega da Antiguidade com a poesia lusa dos tempos hodiernos. Há um primeiro capítulo metapoético – Da poesia. Primeiro porque os dois poemas iniciais, quase desgarrados (Sílabas e Caos) não formam tema algum e serão prolegómenos dos tratados que preenchem a obra e prenúncio do estilo rebelde que os vai marcar. Em Ernesto Rodrigues, a poesia acontece “Quando, por Março, erro da cidade / aos campos, silabando vida, bom / dia às aves, ao rumor de ser, / de súbito, no verde, como nunca / vi, amarelo-seda vem até /meus dedos…”. Poesia que está imanente na vida, na natureza, no ser… e que se consubstancia, basicamente, em sonetos e nos versos decassilábicos que constituem a sua essência e nos mesmos decassílabos de outras formas poéticas. Poderemos afirmar que é nestes versos que reside a força de sentir e expressar a natureza bela. Natureza, no sentido mais vasto, total, entenda-se, a humana e a imaterial, os campos, os rios, o mar, a arte e os sentidos. Natureza das coisas que nos fazem viver e nos preenchem a vida e que dela rememoramos, mais que tudo, a beleza: “Beleza – eu não sei como dizê-la, / tão jovem é, tão grácil, que nem Vénus…”. A beleza está na juventude e esta permanece eterna nos deuses, sendo ambas, a juventude e a beleza, a sua condição essencial (deixando de parte os seus pecados, considerando que os deuses foram feitos à imagem e semelhança dos homens). Depois, há a beleza das palavras ditas por sentidas, e nisto reside a essência da obra, ainda que, por vezes, inatingível (para os mais desatentos). E por isso é poesia, na qual, assim como em uma qualquer pintura ou em uma qualquer obra de arte, podemos ler o que mais nos impressiona, discorrer e ler e descobrir o que nem o próprio poeta em tal teria pensado. Se a poesia é a linguagem da paixão, viva e animada, escrita sob norma pré-estabelecida ou livre, regra geral, Ernesto Rodrigues optou pelo soneto e cumpre a norma para esta forma poética. À sua maneira, com recurso às liberdades poéticas (violações da norma?) como é timbre de um poeta rebelde. Não obstante, o decassílabo é intocável e é cumprido com rigor, que neste âmbito a liberdade foi suspensa. De liberdades continuou a usar o poeta na translineação em final de um verso para o seguinte. Mantendo-se o decassílabo, a rima e a acentuação. Senão veja- -se o poema IV de “Do amor incompleto”: “Sentes? Há um perfume no meu corpo, / que desce madrugada. Redivivo / poema, irei logo onde for pos- / sível para de novo estar contigo”. Em matéria de fuga à norma, constata-se um impensável e inédito desafio ao leitor nos últimos dois sonetos da obra: a translineação une o XIII ao XIV, sendo que o primeiro se apresenta violador da norma (será soneto sem a rima adequada?) e o segundo rigorosamente respeitador do modo parnasiano. Contudo, é neste duplo soneto que assenta a conclusão – a salvação de Perseu, que coragem não lhe falta, perante os perigos maiores que residem ofuscados pela rara / beleza da Medusa. Liberdades poéticas. O amor é, para qualquer poeta, um tema incontornável. Porém, em Perseu, distingue-se o “amor” do “amor incompleto”. Bizantinices ou subtilezas de poeta-filósofo? Nem uma nem outra destas propostas de justificação se podem aqui adequar. Obviamente, a resposta perpassa pela linguagem da paixão verdadeiramente vivida, a que chamamos poesia do sentimento amoroso: “Há muito tempo foi; resta-me só / a cor do teu sorriso; nem sequer / a pele nua, bela, que beber / bebo aqui. Quis-te minha: nem lazer, nem sofrimento. Dura foste. Oh, / se a terra não soubesse amar o pó…”. Por isso, já nem a beleza desperta sentimento daquilo que sentiu; a relíquia que foi assemelha-se agora a uma antiga nevrose. E então, só o adeus pode confortar o poeta. Mas, por outro lado, no tema “Do amor”, as quadras e tercetos decassílabos bem estruturados segundo a norma do soneto, ou em elaborada poesia de dísticos com a mesma métrica (porque se encaixam nas mesmas estrofes), exprimem a natureza bela do amor vivido, amor supremo pelo qual até a vida se pode entregar: “Bebido teu nocturno beijo, / vou dizer às flores como sou feliz”. Ernesto Rodrigues conseguiu, neste capítulo, subverter a ideia de que o poeta tem de ser necessariamente sofredor. Não conseguiu fingir (porque sofrimento não tem aqui lugar), facto que configura, talvez, mais uma violação da norma: o poeta é feliz porque “fazer amor é supremo bem”. E aqui, neste soneto IX (será influência do canto IX de Os Lusíadas?) os versos respiram sensualidade, luxúria, fogo, felicidade. Em “Do amor” representa-se o belo em formas de felicidade completa. Para longe vai a ideia de poeta infeliz. Encerra a obra o tema cujo nome lhe dá o título – Perseu. Herói da mitologia grega, era uma espécie de semideus, por ser filho de Zeus e de Dánae, neto de Acrísio, rei de Argos. O poeta logra unir dois factos da nossa cultura ocidental, muito afastados no tempo e no conteúdo: o mito de Perseu da cultura helénica e a mais avançada poesia lusófona. Para lograr este desiderato, ele próprio se faz “narrador participante”, como se pode constatar logo no poema I do capítulo: “Busquei em terra, mar, fogo, ar, cheiro / de parca, mas ninguém a viu. Derroto / a sorte, que persegue fracos, quando / outro destino urdo – de que sou”. A mitologia reza: um oráculo não-identificado previu que um neto do rei Acrísio o haveria de matar. Por isso, mandou lançar ao mar mãe e filho (Perseu), dentro de uma caixa a servir de barco: “Cauteloso (não sei inda / o que isso é) face ao pai de / minha mãe, que não gosta de mim…”. O poeta identifica-se com Perseu que recebeu ordem do amante de Dánae, sua mãe, para cortar a cabeça de Medusa. Elimina seus medos, ou por outra, “tira do medo forças” e enfrenta a beleza da ninfa e seus longos cabelos, vendo-a apenas por meio de instrumentos cedidos pelo deus Hermes (uma espada), por Plutão (uma bolsa e o elmo), por Atena (escudo bem polido) e pelas traiçoeiras ou amedrontadas górgonas (fazendo dele Pégaso com asas nos pés), e corta-lhe a cabeça. Regressou ao ponto de partida e entregou a cabeça de Medusa a Atena. O risco era tremendo: a deusa, como castigo pela entrega de Medusa, em amor, transformara os seus longos cabelos em serpentes e a terrível sina de petrificar quem a fixasse no seu olhar. Metaforicamente, o poeta reconhece que “perigos maiores / vivem os ofuscados pela rara / beleza da Medusa, cuja lisa / e longa cabeleira prende quantos / não olham ao ser, mas ao fingimento”. E assim encontrámos a simbologia do mito de Perseu, aliado ao de Medusa: o medo reside naqueles que penetram na essência profunda dos seres, desvalorizando a superficialidade das coisas vãs. O medo existe apenas na mente dos fracos: “Com cabeça, olhemos o céu, sem / falsas defesas… Ser tudo ou nada”. Segundo a lírica de Ernesto Rodrigues, eis o mito de Perseu.

António Pinelo Tiza

Bragança : A Nação Judaica em Movimento Manuel Fernandes: de Vila Flor para Bragança

Filho de um sapateiro, Manuel Fernandes nasceu em Vila Flor, pelo ano de 1601. Tinha 4 irmãos e 3 irmãs. Apenas um irmão, Pedro Vaz e uma irmã, Beatriz Vaz casaram e viveram em Vila Flor. Os outros 3 irmãos embarcaram para o Brasil, alguns ainda com bem pouca idade. As irmãs, Isabel Vaz, casada com Pedro Henriques, e Violante Rodrigues, casada com Pedro Marcos, foram assentar morada em Castela. Manuel Fernandes, por seu turno, fez-se tratante e negociava também por Castela, possivelmente em rede de negócios com os seus parentes. Ao findar da década de 1620, foi acertado o seu casamento em Bragança, com Catarina Pimentel. Nesta cidade o casal estabeleceu sua morada e ali lhe nasceram 8 filhos: 5 rapazes e 3 raparigas. Manuel Fernandes foi um dos cerca de 50 cristãos-novos brigantinos que, em Janeiro de 1661, assinaram uma petição dizendo que queriam apresentar-se a confessar seus erros, conforme vimos no texto anterior. Com ele assinaram aquela petição 4 de seus filhos, conforme se lê nos respetivos processos e que foram: João Pimentel, mercador como o pai, que então contava 24 anos e viria a morrer solteiro, em Sevilha, deixando um filho natural, chamado Manuel Fernandes como o avô, e que, por 1713, vivia no Algarve, com a profissão de ourives. Sebastião Pimentel, de 24 anos, torcedor e mercador de sedas e depois “ourives do ouro”, então solteiro e mais tarde casado com Maria da Costa. O casal foi também estabelecer morada em Faro, onde Sebastião acabou por falecer. Filipa Dias, de 15 anos, solteira. Jerónimo Pimentel, de 26 anos, torcedor de sedas, casado com Ventura Nunes Henriques que, meio ano antes, fora presa e levada para a inquisição de Coimbra, de onde saiu penitenciada no auto da fé de 9.7.1662. O casal viveu em Bragança e ali lhe nasceram 3 filhos que apresentaremos em próximo texto. Por agora diremos que os 3 deixaram Bragança e se foram para Beja. Um deles foi mercador e os outros dois fizeram-se ourives. Na geração seguinte, entre os netos de Jerónimo e Ventura, encontraremos gente formada pela universidade de Coimbra. E em Beja, terão problemas com a inquisição, pois alguns deles foram levados para as cadeias do tribunal de Évora. Estamos então em Bragança onde Manuel Fernandes e os filhos foram ouvidos pelo inquisidor Manuel Pimentel de Sousa, abrindo-se a cada um o respetivo processo e nele autuadas as suas confissões. Passaram 9 anos, ao fim dos quais, em Abril de 1670, todos foram chamados a Coimbra, para ouvirem suas sentenças, em mesa, e pagar as custas dos processos. No caso de Manuel Fernandes, as custas ascenderam a 618 réis. No mesmo ato terão sido também lidas as sentenças da mulher de Manuel Fernandes e de outra filha chamada Isabel da Fonseca, casada com Jacinto Ferreira. Depreendemos que ambas tivessem assinado também a referida petição, sendo ouvidas igualmente em Bragança e chamadas a Coimbra para o mesmo efeito. Não podemos, no entanto, ter a certeza, pois não tivemos acesso ao processo de Catarina Pimentel e nas listas dos ANTT não aparece qualquer processo instaurado a Isabel da Fonseca, que aparece nas listas dos réus sentenciados. Para além dos filhos já referidos, Manuel Fernandes e Catarina Pimentel tinham outros, a saber: Antónia Mendes, a mais nova, então solteira e moradora na casa paterna, a qual, mais tarde, casou com Domingos Mendes, ourives. O casal morou em Beja, onde Antónia era já falecida em 1712. Um filho destes casou com sua prima Catarina, filha de Sebastião Pimentel e Maria da Costa. Diogo Vaz que, por 1641, com pouco mais de 12 anos, se foi para o Brasil. Fernando da Fonseca Chaves que, por 1645, contando cerca de 11 anos, foi para Beja onde casou com Lina Maria e se tornou mercador. Seu filho, João Rodrigues da Fonseca, ver-se-á envolvido na chamada “cumplicidade de Beja”, sendo preso pela inquisição de Évora, denunciado pelo médico brigantino radicado em Beja, Dr. Francisco de Sá Mesquita. Se olharmos o enquadramento profissional de Manuel Fernandes, seus filhos e genros, deparamos com a preocupação de escolher uma profissão mais digna, em cada geração, visando a promoção social da família. Nenhum deles seguiu a profissão de sapateiro e poucos se ficaram pela mercancia. Antes se tornaram torcedores de seda e ourives. Na geração seguinte, veremos filhos destes ascender a contratadores, médicos, advogados... Outra consideração que se impõe é a grande mobilidade que marca o percurso desta gente, rumando de Bragança para o Brasil, Castela, Faro e Beja. Na geração seguinte encontramo-los em outras paragens. O caso desta família é bem exemplar. Até que ponto esta mobilidade seria voluntária e preparada? Ou seria forçada, em fuga permanente dos esbirros da inquisição? Difícil responder com certezas e as duas hipóteses confundem-se, pois que a mobilidade, a procura do desconhecido e a disposição permanente para abraçar qualquer negócio ou situação nova sejam características essências da gente da nação, uma “nação em movimento”. Voltemos a Bragança, ao patriarca Manuel Fernandes que, em 12 de Março de 1661, se apresentou voluntariamente “na casa onde pousava o senhor inquisidor” para confessar suas culpas de judaísmo. Confessou então que fora doutrinado na lei de Moisés, uns 36 anos atrás, em Medina de Rio Seco, por sua prima segunda, Isabel Marcos, natural de Torre de Moncorvo, casada com Sebastião Pimentel, mercador. Acrescentou que com eles fez, naquele ano, o jejum do Kipur. De seguida, denunciou a mulher e os filhos, envolvendo, indiretamente, outras pessoas. Veja-se o caso de Sebastião Lopes: - Há 10 anos, em sua casa, com sua mulher e um filho de ambos, chamado Jerónimo Pimentel, torcedor de sedas, casado com Ventura Nunes, presa, e estando os três, disse a ele confitente seu filho e à dita sua mãe, que Sebastião Lopes, torcedor de seda, defunto, mestre do mesmo do dito ofício, casado com Leonor da Mesquita, lhe ensinara a crença… De modo semelhante, denunciou Filipe Rodrigues, tendeiro, casado com Isabel Rodrigues, como doutrinador de seu filho João Pimentel. E também Diogo Nunes, por catequização de seu filho Sebastião Pimentel. Para além da família, denunciou, entre outros, Pedro Sória Nunes, mercador e cerieiro, morador na Rua Direita, Diogo Manuel, de Vinhais, com quem se declarou junto à “ponte das Tenarias”. Ambos tinham sido presos no ano anterior.

Abalo demográfico do Interior Norte

Em Portugal, na década de sessenta e meados de setenta, ocorreu o segundo grande pico migratório do século, em Trás-os-Montes e Alto Douro, as montanhas subitamente esvaziaram-se de gente. Um novo pico de 2010 a 2018, resultado da crise financeira, levou novamente a acelerar no caminho da emigração, procurando as condições de vida que a região e o país não proporcionam a todos. Em meio século, Trás- -os-Montes e Alto Douro foi atingido por um forte abalo demográfico, agora agravado pela réplica provocada pela crise sanitária. No conjunto dos 34 concelhos de Trás-os-Montes e Alto Douro, a população no ano de 1960 atingia os 692 029 habitantes, reduziu no ano de 2019 para 384 410 ou seja, em pouco mais de meio século teve uma perda de 307 619 habitantes o que representa 44,45%. O território despovoa-se de forma contínua, a ritmo acelerado, perdendo cerca de metade da sua população, que não irá recuperar nas próximas décadas. Representam 3,74%, da população do país, quando no ano de 1960 representavam 7,82%, situação dramática, que nos interroga, como foi possível chegar a esta situação e como sair dela. Trás-os-Montes e Alto Douro esteve sempre na linha da frente, desde a fundação da nacionalidade, da conquista que ao longo de cerca de século e meio permitiu a Portugal adquirir a dimensão continental, com as mais antigas fronteiras fixas de entre as nações europeias. Ganhou longa tradição nos caminhos da emigração, logo que lançada a aventura do Atlântico na conquista de novas terras e recursos, num desígnio e visão que mobilizou o país durante os reinados de 11 monarcas, das Dinastias de Borgonha e de Avis. Os portugueses, com valentia, forte sentido de identidade e fortes lideranças, lançaram-se num projeto nacional, que deu início à Era dos Descobrimentos portugueses a partir da conquista de Ceuta (1415), dando passos pioneiros e decisivos no processo da globalização, sempre um passo à frente dos outros europeus. Portugal tinha no ano de 1422 cerca de 1,043 milhões de habitantes. A supremacia portuguesa afirmou-se através da inovação e do conhecimento avançado na construção naval, na matemática, na astronomia náutica e técnicas de navegação, conquistando supremacia militar e comercial nos oceanos, nas rotas comerciais entre o ocidente e o oriente. Foi durante dois séculos um dos países mais ricos e poderosos. Uma série de decisões erradas minaram a sua força, e no final do século XVI, uma imprudência do rei D. Sebastião, levou à derrota do exército português na batalha de Alcácer Quibir e Portugal iniciou um período de declínio de poder, de conhecimento, de riqueza, de fragilidade política e de perda da independência, recuperada passadas seis décadas, aí iniciou a Dinastia de Bragança. Em pouco tempo perdeu muito do esforço heroico de gerações. O padre António Vieira, um dos mais influentes portugueses do século XVII, jesuíta, missionário, escritor e político, classificou o mundo português como o «Quinto Império – depois do assírio, do persa, do grego e do romano». A epopeia dos descobrimentos levou a diáspora portuguesa aos quatro cantos do mundo e a partir daí a natureza de povo de emigração não foi quebrada, teve períodos mais ou menos intensos, conforme as exigências políticas e económicas, processo que levou as correntes migratórias para destinos como as Américas e a Europa. Sempre em resultado da escassez de recursos e de organização. A procura de melhores condições de vida do que as que o país proporcionava foi uma constante, no passado e no presente. Na segunda metade do século XIX foi crescente o movimento migratório e a década de 1901 a 1911 foi o período de maior emigração antes de 1960. Esta vaga continuou no período subsequente, entre 1910 e 1919, do distrito de Bragança emigraram 18% dos seus habitantes, de Vila Real 13% e de Viseu e Guarda 12% da população de cada um dos distritos. A emigração fazia-se para a América e sobretudo para o Brasil. Eram famílias inteiras, mas sobretudo jovens que partiam, parte importante da força de trabalho agrícola que empregava 61% da população ativa, os campos ficavam mais abandonados. Após a II guerra mundial dá- -se o segundo grande período de emigração, de 1946 a 1973 terão emigrado cerca de 2 milhões dos cerca de 8,5 milhões de portugueses. Acentuou-se o êxodo do mundo rural sobrepovoado e pobre, a caminho das cidades industrializadas do litoral e de locais mais promissores no estrangeiro. Na década de cinquenta o principal destino foi ainda o Brasil e na década de sessenta e meados de setenta, o destino foi França e Alemanha, que absorveu muita mão de obra não especializada para a reconstrução pós-guerra. Devemos ter presente que muita da emigração era feita de forma ilegal. O projeto com a designação de “Memórias do Salto”, desenvolvido pela Associação dos Amigos do Museu Abade de Baçal, pelo Museu e pela Faculdade de Letras da Universidade do Porto, apoiado com fundos comunitários do Norte 2020, que no distrito de Bragança envolveu a recolha de 72 testemunhos de emigrantes que, entre 1954 e 1974 partiram para França, retrata a emigração clandestina a salto, apoiada por redes organizadas de passadores. Neste estudo é referido que neste período, do país emigraram 900 mil portugueses e que destes 550 mil o fizeram a salto. Segundo Maria Ioannis B. Baganha a emigração legal do distrito de Bragança no período de 1950 a 1979 foi de 53 220 e no de Vila Real 59 745. No ano de 2014, cerca de 134 mil portugueses abandonaram o país, face às difíceis condições económicas, resultantes da crise financeira de 2010-2014, no contexto da crise da dívida pública da Zona Euro, consequência da crise financeira global provocada pela falência do banco americano Lehman Brothers, também conhecida por “crise dos subprimes”. O Observatório da Emigração (ISCTE, 2019) refere que segundo relatório das Nações Unidas de 31 de dezembro de 2017, Portugal é o país da União Europeia com mais emigrantes em proporção da população residente (considerando apenas os países com mais do que um milhão de habitantes). Segundo o Instituto Nacional de Estatística, o período de 2011 a 2018 é um novo pico de emigração, partiram cerca de 850 mil portugueses, tendo como principal destino o Reino Unido. Em Portugal, no século XX, apesar de dois picos migratórios, a população quase duplicou, no ano de 1900 era de 5,42 milhões e no ano de 1960 de 8,85 milhões, no ano de 2001 de 10,36 milhões, tendo-se iniciado um ligeiro decréscimo para 2019, em que se registou o número de 10,28 milhões, uma ligeira quebra que confirmou a tendência do saldo natural negativo, reflexo da baixa taxa de natalidade, do envelhecimento da população e do saldo migratório negativo. Já no distrito de Bragança que no ano de 1960 tinha uma população residente de 233 441 habitantes, viu a população reduzir no ano de 2019 para 124 123, em pouco mais de meio século perdeu 109 318 pessoas, 46,83% da população. Há concelhos que perderam dois terços da população, o que é dramático, face ao que pode vir a seguir. O distrito de Vila Real tinha no ano de 1960 uma população residente de 315 034 habitantes e no ano de 2019 a população reduziu para 184 435, em pouco mais de meio século perdeu 130 599 pessoas, o que representa 41,46% da população. Há concelhos que perderam dois terços da população, caso de Boticas e Montalegre e mesmo Vila Real na última década entrou em perda. Analisada a evolução da população nos nove municípios da margem esquerda do Douro, dos distritos da Guarda e de Viseu, que integram a Comunidade Intermunicipal do Douro, verifica-se que no ano de 1960 a população era de 134 554 habitantes e no ano de 2019 a população reduziu para 75 862, ou seja, teve em pouco mais de meio século uma perda de 58 702 pessoas, o que representa 43,63% da população. Há concelhos que perderam mais de 60% dos residentes, caso de Penedono e Vila Nova de Foz Côa. Feita a ponderação dos números, ciente da situação demográfica do Interior do país e da tendência de regressão demográfica no país, não posso deixar de evidenciar a situação particular da região de Trás-os-Montes e Alto Douro, o grave despovoamento que atinge de forma diferenciada, mas idêntica na sua natureza todos os concelhos. A perda em termos globais no conjunto dos concelhos foi de cerca de metade da população, em pouco mais de meio século perdeu 307 619 habitantes. No quadro seguinte, apresenta-se a evolução da população no período de 1960 a 2019, por Comunidade Intermunicipal (CIM), realidade associativa atual, criada com base na Lei n.º 75/2013 de 12 de setembro que estabelece o estatuto das entidades intermunicipais. A situação é de elevada complexidade, pelo lado da economia, maior ainda pelo lado da realidade demográfica. A informação de 2019 diz- -nos que em TMAD, o índice de envelhecimento (número de idosos com mais de 65 anos em cada 100 jovens com menos de 15 anos) era de 275, mais de 2/3 acima da média nacional e o índice sintético de fecundidade (número médio de filhos por mulher em idade fértil), era de 1.01, em Portugal era de 1,42, um dos mais baixos do mundo. Para inverter este ciclo de quebra seria necessário um crescimento natural, diferença entre a natalidade e a mortalidade, fosse positivo, que a taxa de fecundidade, número de filhos por mulher não fosse inferior a 2,1. Sozinhos não temos qualquer hipótese. Estando a região em geral, dotada de modernas acessibilidades, ainda com algumas falhas, instituições de ensino superior e centros de investigação e de interface como nunca teve, boas infraestruturas culturais e ambientais, centros urbanos atrativos, o grande desafio é o de travar este abalo demográfico catastrófico sobre Trás- -os-Montes e Alto Douro, é o de reerguer a economia, dois enormes desafios à inteligência e união dos Transmontanos e Durienses em primeiro lugar, ao governo do país pela obrigação de governar para todos com justiça e equidade, promover a coesão em beneficio de todos os portugueses, de nunca esquecer a história e contributo do povo transmontano. Não hesitemos, a situação de despovoamento e de envelhecimento populacional conduz a situações próximas do não retorno de muitas das nossas aldeias, coloca a maioria dos concelhos debaixo de elevada incerteza face ao futuro, em termos populacionais, económicos e de viabilidade administrativa. O centralismo acentuado das últimas décadas agravou todos os problemas do Interior, temos a obrigação de honrar e igualar a valentia de gerações de transmontanos, lutar por um futuro de esperança, exigir ao governo justiça e equidade. Não deverá ser assim na utilização das ajudas da União Europeia, através do Fundo de Resolução e Resiliência?