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Há vidas que bem contadas fazem tremer calçadas

Ter, 27/02/2018 - 11:44


Olá familiazinha!
Como é tão pequeno, já está a acabar. Estou a falar-vos do mês de Fevereiro, que tem sido muito participativo no nosso programa de rádio, porque os temas que temos abordado puxam pela língua ao nosso povo, com uma média de 27 participações diárias. Também tivemos 30 novas matrículas na universidade da vida. Recordámos muito o tempo antigo, quando as pessoas viviam com mais dificuldades do que agora, mas eram muito mais felizes e havia mais respeito.
Na última semana falaram connosco pessoas de 24 aldeias onde já não há nenhuma criação de gado bovino. O tio José Luís, de Azinhoso (Mogadouro), ensinou-nos que antigamente os 7 domingos da Quaresma tinham todos nomes: “O primeiro é Ana, o segundo Magana, o terceiro Rebeca, o quarto Susana, o quinto Lázaro, o sexto Ramos e ao sétimo na Páscoa estamos”.
Tivemos mais uma perda na família, desta vez foi a tia Emerência, do Castedo (Torre de Moncorvo), que faleceu no dia 20, terça-feira, com 93 anos e prestes a fazer 94. Já que lhe festejámos a vida vários anos, também agora lhe choramos a morte. Paz à sua alma e que tantos anjinhos a acompanhem como em festas participou, sendo sempre das primeiras a chegar.
De parabéns estiveram a tia Teresa, de Cal de Bois (Alijó), a tia Irene, de Samil (Bragança), o tio António Canucho, de S. Julião (Bragança), que completaram 78 anos. O tio Arnaldo (92), de Deimãos (Valpaços), o tio António Xavier (70), de Coelhoso (Bragança), o tio Ramiro (63), de Freixedelo (Bragança), a tia Maria José (50), de Sacoias (Bragança), o tio Carlos Pinto (42), de Tabuaço e o Tio Carlos (65), de Alvarelhos (Valpaços). Parabéns a todos e que para o ano constem outra vez desta página.
Agora vamos conhecer a história de uma vida que bem contada, faz tremer uma calçada e, segundo o protagonista, “ainda deixou a missa a metade”.

NÓS, TRASMONTANOS, SEFARDITAS E MARRANOS - Luís Álvares Nunes (n. Vinhais, 1650)

Luís Álvares Nunes nasceu em Vinhais pelo ano de 1650, sendo filho de Baltasar Mendes, mercador, e Branca Nunes. Trata-se de uma família numerosa e que deu largo “pasto” ao “fero monstro” da inquisição.
Com efeito, andava Luís pelos 8 anos quando levaram presos para Coimbra os seus pais e 3 de seus irmãos: Francisco Cardoso, Leonor Marcos e Filipa Nunes.
Posteriormente, a espaço, foram presos outros 6 irmãos e apenas a irmã Ana Maria Nunes escapou da prisão porque foi para Roma com o seu marido, Duarte Pereira. E a saga da família nas prisões do santo ofício haveria de continuar pelas gerações futuras, como aconteceu com uma filha, Catarina da Costa e mais de meia dúzia de netos, nomeadamente os 5 filhos de sua filha Maria Lopes casada com João Lopes Pimentel e muitos sobrinhos e primos.
Tal como continuaram as fugas de membros da família para fora do reino, como aconteceu com Francisco Ramos da Silva e sua mulher Luísa Maria Perpétua, primos entre si, sobrinhos de Maria Lopes, primos em 2º ou 3.º grau de Luís Álvares Nunes, que foram dar vida a chãos de Inglaterra  (1)
Contava uns 30 anos quando, em 1680, Luís Álvares casou com Maria Lopes, de Vinhais, filha de Jerónimo Álvares e Francisca Rodrigues a qual lhe deu 13 filhos, 6 dos quais faleceram solteiros. A casa de morada seria na zona muralhada da vila, encostada à cadeia e, entre os seus bens, contava-se uma vinha, no sítio do Redondo.
Por 1702, faleceu Maria Lopes e Luís tratou de casar novamente, agora na freguesia de Rebordelo, com Clara Nunes, filha de Luís Álvares de Sá e Maria Marques, 25 anos mais nova do que ele. Deste segundo casamento, temos notícia do nascimento de duas filhas, uma das quais se chamou Catarina da Costa, nascida por 1707 e que viria a casar com Luís Henriques Tota, mercador, o patriarca de uma poderosa família de banqueiros. Também ela seria presa pela inquisição, em 1754, juntamente com sua filha Clara Maria. (2)
Vinhais… Rebordelo… A economia nacional e europeia entrava então no chamado “ciclo do tabaco”, assistindo-se a uma autêntica corrida no que respeita à distribuição do produto. Falta ainda fazer o estudo sobre a participação dos “homens da nação” de Trás-os-Montes nessa “corrida”, não apenas em Portugal mas também em Espanha e noutros países da Europa. Daria tal trabalho uma boa tese de doutoramento. Os dados que temos, se bem que muito parcelares, permitem-nos, porém, afirmar que eles tiveram um papel de grande relevo e, entre todos, sobressai o nome de Diogo (Moisés) Lopes Pereira (1699-1759), condecorado com o título de Barão de Aguilar, pelo arquiduque da Áustria, país onde teve o monopólio da venda do tabaco ao longo de 16 anos. (3)
Pois, também o nosso biografado se meteu na “corrida” abandonando Vinhais e Rebordelo e rumando à cidade do Porto onde arrendou ao contratador geral dos tabacos, Manuel de Aguilar, (4) um estanco na praça da Ribeira.
No entanto, o nosso estanqueiro do tabaco, não largaria os negócios tradicionais de estopas, sedas, baetas… e a atividade prestamista, a avaliar pelo inventário de seus bens. Com efeito, para além das fazendas existentes na loja, tinha na alfândega, chegados de barco e à espera de despacho, “6 fardos de baetas, 3 de cochinilha e 3 de cores” que valiam um conto e 500 mil réis e para o Brasil tinha enviado “uma carregação de panos de linho e um manto de barbadilho”. Tal como tinha em seu poder um cordão de ouro de uma pasteleira do Porto, a quem emprestara 20 mil réis.
Significativo das suas relações com Manuel de Aguilar, a quem estava devendo 300 mil réis, era o facto de ter “em sua casa 20 varas de estopa que são de Branca Teresa, (mulher de Manuel Aguilar), que tinha em sua casa para lhe remeter para Lisboa, que tinham vindo da tecedeira.
Em meados de junho de 1710, Luís Álvares foi preso pela inquisição, com base em denúncias feitas por pessoas de Lebução, Vinhais e Bragança que se encontravam presas e escrevendo de Rebordelo, o abade António Barbosa de Almeida, dizia:
- Ainda não estou muito capaz para lhe dar novas minhas e da terra que está em miserável estado. – Certamente que o “miserável estado” significava práticas de judaísmo.
Enquanto preparavam a condução para o tribunal de Coimbra, o prisioneiro foi metido em casa do familiar da inquisição Moura Carvalho, morador em “Vila Nova do Porto”. E tendo consigo 3 moedas de ouro, Luís entregou-as ao “carcereiro” para que as desse a sua mulher. Este porém, entregou-as ao depositário dos bens que foram sequestrados, não sem que antes descontasse uns tostões por despesas efetuadas.
Metido na cadeia do santo ofício, Luís Álvares logo começou a confessar seus pecados, dizendo que fora instruído na lei de Moisés 30 anos atrás pelos seus sogros, Jerónimo Álvares e Francisca Rodrigues, que lhe terão dito “que se queria casar com sua filha, havia de crer e viver na lei de Moisés”.
E vários dos seus pecados estavam exatamente relacionados com a morte do sogro, acontecida por 1698, em que ele e 7 filhos do defunto, seus cunhados, se juntaram para fazer jejuns judaicos por alma do falecido. E também o seu sobrinho José Rodrigues, o Traça, de alcunha, “pediu a ele confitente alguns vestidos do dito Jerónimo Álvares, para fazer jejuns judaicos por sua alma”. (5)
Pecado semelhante cometeu-o quando uma Branca Cardosa, a sanjoanina de alcunha, “lhe foi pedir um pouco de baeta para uma saia, e dizer que lhe pagaria em jejuns judaicos”.
Aliás, uma das denúncias que estiveram na base da sua prisão foi feita pelo citado José Rodrigues, o Traça, nos seguintes termos:
- Haverá 8 anos, em Vinhais, em casa de seu tio materno Luís Álvares Nunes, viúvo de Maria Lopes, agora casado com Clara Nunes, se achou com (…) na ocasião Luís Álvares pediu para fazerem um jejum judaico por alma de sua mulher maria Lopes e para isso lhes deu 6 vinténs a cada um. (6)
Não vamos continuar com as confissões de Luís Álvares, muito repetitivas, aliás, de declarações de judaísmo com seus familiares, conhecidos e amigos. E porque logo confessou e pediu perdão, seria condenado em penas espirituais, ao cabo de um ano. Resta dizer que, no seguimento da sua prisão, também a sua mulher, Clara Nunes e a sua filha Maria Nunes, foram igualmente processadas pela inquisição de Coimbra, saindo os três no mesmo auto da fé celebrado em 8.6.1711. (7)

Notas:
1- ANDRADE e GUIMARÃES  - Jerónimo José Ramos  ( 1726-1754)  in:  “ Jornal Nordeste  - de 22 Novembro de 2016  -p. 27
2-ANTT, inq. Lisboa, pº 2622, de Catarina da Costa; pº 2449, de Clara Maria. Nascida em Rebordelo, Catarina e o marido moraram no lugar de Peleias de onde se transferiram para a freguesia do Sacramento, em Lisboa e depois para Alhandra, onde tinham uma loja de fazendas, quando a prenderam. Mais tarde, a família constituída por Luís Tota e Catarina da Costa foram para França, fixando-se em Bordéus. Adotaram publicamente o judaísmo, tomando Catarina o nome judeu de Sara e Luís o de Abraham.
3.ANDRADE e GUIMARÃES, Um administrador do Tabaco na Áustria, in: jornal Terra Quente de 15.10.2001.
4-IDEM, Francisco Lopes Pereira (1617-1683) rendeiro dos milhões, in: jornal Nordeste nº 190, de 3.1.2017.
5-Ainda hoje, em muitas localidades de Trás-os-Montes, as famílias se sentem na obrigação de vestir uma pessoa com a roupa dos defuntos, para que ele não ande nu na outra vida. Será costume herdado dos judeus?
6-ANTT, inq. Coimbra, pº 9119, de Luís Álvares Nunes.
7-IDEM, pº 3241, de Clara Nunes; pº 6379, de Maria Nunes, casada com João Lopes Pimentel.
 

Oito de Março

Se tivermos em consideração a qualidade e os diversos graus de infelicidade das nossas Mães e Avós dos tempos até aos anos oitenta do século passado (estou a ser generoso) temos de concluir o óbvio: a maioria dessas Heroínas sofreram no corpo e na ânima persistentes trovoadas relampejadas de toda a casta de sofrimentos, quantas vezes raios a tirar-lhe a vida ou deixá-las tolheitas até ao fim dos seus dias. Não adianta colocar paninhos quentes nas bubas violentas arrecadadas ao longo das suas existências, não vale a pena soletrar palavras compungidas de remorso ou hipocrisia, as Mulheres na sua esmagadora maioria foram obrigadas a quase diária invenção no propósito de minorarem as dificuldades incluindo a de suportarem agruras por serem consideradas inferiores, quantas vezes a um nível mais baixo do que os animais domésticos a viverem nos seus lares.
Trazer e tecer considerações piedosas acerca da subalternidade da diferenciação social fica bem na lembrança de efemérides caso do dia oito de Março, pouco atreito a tal até porque considero ofensiva esta data a menoriza-las, pura e simplesmente as Mulheres têm direito (era o que faltava!) a em todos os dias do ano a ser iguais à outra parte, os Homens, na bonança e na tempestade, nos deveres e obrigações, no usufruto de bens espirituais e materiais, enfim…no viver vivendo conforme os seus códigos de conduta, convivialidade e circunstância na plena assumpção da unidade na diversidade religiosa, política e social. Tudo o resto é supérfluo e trivial, tanto como as simplistas ou simplórias campanhas das feministas implicadas nos movimentos da sua Maiorização.
As pensadoras femininas do calibre de Susan Sontag e Camille Paglia nos seus incisivos comentários evidenciaram o ridículo as possessas do feminismo, a exigente académica Paglia colocou a nu as dogmáticas senhoras, lembrando o óbvio – o despotismo masculino – combate-se dia a dia, hora a hora, se for necessário imitando Lisístrata (famosa comédia de Aristófanes) sem peias ou recuos.
O leitor fingirá não ter percebido o feito de Lisístrata, a leitora pensará: esta crónica é uma rematada hipocrisia porque ou estou esparvoado ou procuro esconder debaixo da manta de farrapos humanos a longa história de humilhações cometidas contra as mulheres, a bem viva violência doméstica desculpada aqui e onde não o deve ser, toda uma cultura de afundamento da personalidade das queridas Mães casadas com os queridos Pais, as violações verbais e físicas. Nem estou esparvoado, nem desconheço a história, muito menos o clima tendente a ilibar os pecadores, agressores e criminosos por torturarem, mutilarem e matarem.
Todo aquele que comete acções criminosas deve ser punido, os culpados não podem ficar impunes, as polícias e os tribunais existem e entre as suas finalidades a maior é garantirem a segurança dos cidadãos. Nem mais, nem menos. No entanto, os créditos das mulheres vão para lá da segurança corporal, no tocante ao espiritual a cousa fia mais fino, a filósofa Hanna Arendt escreveu sobre a banalidade do mal, dado admirar a discípula afeiçoada a Heidegger (é verdade) penso na ingente tarefa das mulheres se convencerem a si próprias na necessidade de repudiarem a banalidade em aceitarem e acharem normal incursões alheias ao seu telemóvel, às suas contas nas redes sociais, às suas contas bancárias, à sua correspondência, aos códigos dos cartões de crédito, tudo isso também considero quebra de respeito pelo íntimo e complexo edifício feito de pedaços das suas vidas. Se fosse há anos escreveria: Segredos!
Sim, eu sei, toquei no baralho de cartas prenho de ciúmes, dos ciúmes. E, manifestar ciúmes pode redundar e redunda em tragédias. O filósofo Nietzsche designou de Amor Fatti a exigência do bem e do mal no comportamento do homem, daí o Amor Fati é a emanação da teoria do super-homem, dando consistência à valoração do Homem mais forte, mais dotado, construtor de impérios e aniquilação dos mais fracos, menos dotados. Trago à colação o autor da Gaia Ciência não no sentido de repetir o dito mil vezes acerca do efeito dos seus escritos no concerto das Nações, sim na convicção do seu super-homem, Homem Novo, não ser alheio às representações do «que, posso e mando» sobre as mulheres num alarde de fraqueza intelectual ante a insofismável verdade – a Mulher e o Homem – são seres cuja formulação no corpo difere, no espírito não têm diferença. Os émulos do super-homem possuídos do temor e tremor (Kierkegaard) abusam da condição física, económica e postulados sociais a ampará-los nas tentativas quantas vezes exitosas de colocarem as mulheres nas masmorras da liberdade. A reacção é conhecida, delas e deles.

Água mole... Negócios da China

Reproduzo “ipsis verbis” uma frase já com alguns anos de um nosso representante no Parlamento Europeu e soou na altura (dois mil e nove) como se alguém friccionasse duas placas de esferovite junto dos meus ouvidos: “A campanha centrou-se mais em questões éticas do que políticas”. Por momentos pensei ter ouvido mal: um governante tinha explicitamente rasgado uma fenda entre aqueles dois campos, admitindo que o primeiro é de somenos importância, um empecilho para o que seriam os propósitos do segundo.
É sabido que ao longo da História, desde Aristóteles, inúmeros tratados se têm ocupado das ligações entre um e outro, tantos que talvez o homem não tivesse vagar de os ler a todos, o que é compreensível. Eu por acaso também não. Mas, mesmo sem estar com grandes especulações, apenas me é dado a entender que apesar de variações através das muitas sociedades e das que ocorrem com a passagem do tempo, ética e política têm mantido sempre uma relação próxima. Ou melhor dizendo, parecem não poder passar uma sem a outra.
Por exemplo, no final da era medieval Maquiavel achou que o negócio e o lucro não deveriam mais ser reprováveis, nem a riqueza um entrave para aceder ao reino dos céus. Por isso, na sua ótica era tempo de acabar com a velha ética de fidalgos e padres em política e inaugurar uma outra de burgueses, aquela que existe ainda hoje. E para os grandes totalitarismos do século vinte, passou a ser ético massacrar pessoas aos milhões em nome de um certo ideal de sociedade a construir num futuro resplandecente. Em ambos os casos os fins em vista justificariam quaisquer meios usados para os alcançar.
Se as novas éticas que exoneram as antigas são melhores ou piores do que estas já é outra questão mas, subentendida ou claramente, as duas esferas do pensamento e da ação humana andam sempre ligadas. Pois não terá a política a ver com o que por uma comunidade pode ser considerado bom e mau, justo e injusto, correto e incorreto? Isto é, com valores, com o que é basicamente do domínio da ética? Então não há uma ética democrática? E não a têm as nossas leis como fundamento?
É provável que a tirada apenas tenha sido possível por ser diminuta a percentagem de portugueses que conhece o significado de “ética”. De certa forma o povo tem os políticos que merece, até porque são seus filhos. Seja como for, e tendo em conta os discursos habitualmente dissimulados da classe, achei demasiada franqueza da parte do nosso parlamentar. O mais provável é que lhe escapasse um nadinha a boca para a verdade e aquela “boca” não fosse outra coisa afinal senão o rabo exposto de um gato escondido.
Para o compreender há que ter em conta que a nossa política não se tem limitado a ser, como a génese da palavra o exigiria, o conjunto de atividades cujo fim exclusivo são os interesses da maioria. Desgraçadamente, como sabemos, tal espírito tem sido desvirtuado de sobejo. Sem querer incorrer no pecado da generalização, o regime viu medrar uma casta de negociantes-políticos que se acolheram à sua sombra e à sombra do progresso económico que ele facultou. La bem no fundo é o que muitos são, negociantes que, a cavalo da velha máxima judia “onde há lucro não há escrúpulo”, tomaram de assalto o estado para alavancar (como eles dizem) os seus negócios em prejuízo do bem coletivo.
Calculo que para esses as obrigações da gestão pública propriamente ditas constituam uma maçada, uma pastilha a gramar enquanto se está com o sentido no que verdadeiramente interessa. Mas depois, e como se isso não bastasse, há ainda uma coisa chamada ética, essa irritante contrariedade com que se esbarra a cada momento e, se encarada como corpo de normas que balizam interesses egoístas, só pode ser um sério embaraço à expansão dos negócios. O que afinal vem lançar luz sobre a embirração do palavroso deputado e esclarece também o motivo pelo qual, pelos bons serviços e fidelidade ao chefe (cujas tropelias gananciosas começavam então a dar que falar), tenha sido agraciado com um confortável assento em Estrasburgo.
Talvez este seja o ponto mais infeliz e doloroso da vida portuguesa das últimas quatro décadas. A que não é alheia a pouca conta em que as pessoas em geral têm os políticos e explica o facto de perto de setenta por cento delas desvalorizarem os atos eleitorais. Já o velho padre Vieira reparara que eram os próprios pregadores os grandes culpados dos escassos frutos que a palavra de Deus produzia.

Vizinhos e chá de arestas

Como vai tudo forte gente? Ainda se vê neve por aí ou nem por isso. Acordar e ver tudo nevado, tão bom! Por aqui tudo a andar, felizmente. Também veio uma vaga de frio, mas é só um par de dias. Melhor o friozinho do Inverno que os tufões do Verão. Uma calma aparente e num instante um trovão a anunciar a arruada de vento e chuva a revirar tudo o que encontra pelo caminho. Às vezes dura uma noite outras vezes não mais que uns segundos. Em cada temporada saem avisos para as pessoas comprarem comida e não saírem de casa durante um par de dias, embora não costumem ser outra coisa se não umas chuvadas mais fortes. Acontece que aqui também se aplica a história de Pedro e do Lobo. Porque o ano passado o lobo correu por aqui desvairado e arrancou tudo pela raiz. Uma destruição nunca vista. De modo que, ainda que não venha a dar em nada, pelo sim, pelo não, o melhor mesmo é precaver. Curioso que aqui as previsões meteorológicas são estranhamente precisas, dia tal vem chuva e vem mesmo, à hora tal pára de chover, na mouche, vai chegar uma vaga mais fria e lá aparece ela à hora marcada. Comentava isto há tempos com um inglês que contava que também na Inglaterra dizem no rádio que as temperaturas estão altas e uma pessoa põe a mão fora da janela do carro e está um frio de rachar. Onde há temperaturas altas é na costa oeste dos EUA. Uma vez um vizinho americano de Las Vegas dizia que as temperaturas no Verão sobem tanto que as empresas mudam os horários de trabalho para evitar o sol. As pessoas entram às 17h e saem do trabalho à meia noite, uma da manhã, par fintar as torras de mais de 40 graus. Verão parecido com o nosso, tempo seco, mas com calor que se farta. E aquela coisa do negócio dos incêndios, dos bombeiros e dos incendiários que agem em prol de interesses cinzentos, onde há fumo há fogo e onde há fogos existem exactamente os mesmos mitos florestais à escala mundial. Por falar em mundial, na Argentina vivem o futebol de tal maneira que ninguém ousa levar crianças a ver os jogos e não são permitidos adeptos visitantes quando as equipas vão jogar fora. Imagine-se o que seriam os jogos do nosso campeonato se os adeptos dos clubes grandes, e dos outros, não pudessem ver os jogos fora. Pelo andar da carruagem já estivemos mais longe de tais demonstrações de irracionalidade animal. Capital humano é a resposta à pergunta “como pode um cidadão mexicano viver ilegal durante toda uma vida nos EUA?”. Capital humano, consiste numa comunidade estabelecida de modo que um cidadão consegue levar a sua vida normalmente, mesmo estando ilegal (um não-cidadão) recorrendo para o que for necessário a esse conjunto de pessoas.  Para tratar de todo o tipo de assuntos desde a saúde, à habitação, etc., essas pessoas chegam aos EUA e recorrem prontamente a essa rede de entreajuda composta por gente da mesma comunidade. Este é um conceito debatido e, inclusive, analisado academicamente, segundo um vizinho meu. E pronto, podem fechar o livro, ir às vossas vidas e fazer uso destes conhecimentos numa qualquer fila ou sala de espera perto de vós. Não sem antes vos dizer que aqui na China as pessoas quando saem à rua engripadas costumam usar aquelas máscaras dos médicos, aliás as autoridades recomendam isso mesmo, o que é uma medida que talvez aí diminuísse tanta gripalhada junta e tanto tempo a refletir sentado em frente às paredes das urgências de um hospital. Reduziria também a ocorrência daquela sinfonia de tosses e fungagás em espaços públicos em que um começa a tossir ou a fungar e depois logo outro aproveita a deixa e assim sucessivamente numa fanfarra a vários tons de narizes entupidos, lenços esfarrapados e gargantas ruçadas.  Por outro, era mau para a malta que faz as pastilhas e os paracetamóis, claro está, bem como para aqueles que apreciam meter baixa para passar uns dias sem tirar o pijama e pôr a leitura dos programas da manhã, da tarde, e de alguma novela da noite em dia. Se não querem seguir o meu conselho, para constipações e demais maleitas a minha mãe diz que chá de arestas vai bem com tudo. De modo que entre uns modos e outros vacinai-vos, toucinhai-vos e abafai-vos. Acho que o ditado não é bem assim, mas o que conta é a invenção. Forte abraço!