José Mário Leite

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O terrível e misterioso COVID 19

As potências mundiais possuem hoje uma capacidade de intervenção, nos mais diversos domínios, espantosa e de uma eficácia inimaginável há algumas décadas atrás. Os líderes políticos, religiosos e económicos têm a capacidade de, num ápice, determinarem, condicionarem e até destruírem a forma de vida, de subsistência e bem-estar de milhões de pessoas. Uma decisão, mais ou menos pensada, mais ou menos orientada, de Mark Zuckerberg pode contribuir decisivamente para o futuro político (ou outro) de dirigentes, partidos e fações em todo o mundo; um capricho, mais ou menos conveniente quando a braços com graves acusações internas, de Donald Trump, facilmente implica a execução, sem julgamento nem possibilidade de defesa, de uma alta patente militar no Médio Oriente; uma birra, sem qualquer outra justificação, para lá da alimentação do seu enorme ego, de Kim Jong-un faz tremer os poderosos exércitos vizinhos; uma fátua emitida por um dos aiatolas iranianos chega para condenar críticos religiosos, políticos, meros comentadores, humoristas e ilustradores, semeando o pânico nas sociedades livres que os albergam e obrigando as unidades de combate ao terrorismo a trabalho reforçado e empenhado. Vivemos um tempo em que se concentram em indivíduos ou grupos dominantes, poderes imensos sobre a natureza, sociedades e cidadãos. E, contudo, um organismo primário, com uma estrutura constitutiva muito simples, invisível a olho nu e mesmo aos microscópios óticos, um vírus do tipo corona, agora batizado por Covid 19, ridiculariza todos esses poderes e capacidades, espalhando o terror por todo o mundo. Pelo simples facto de existir e de se multiplicar, tal como acontece com todos os seres vivos, colocou as principais potências mundiais em estado de alerta, rindo-se dos seus sofisticados sistemas de segurança e de defesa: a China está em estado de sítio, a América está receosa como nunca e titubeia ao tentar repatriar alguns compatriotas “presos” num cruzeiro no oriente e a Rússia fechou a fronteira com o seu imperial vizinho do sul. Curiosamente, perante a incapacidade da tecnologia moderna e super-sofisticada da actualidade, os líderes tecnológicos, económicos e científicos recorrem a técnicas e metodologias medievais: isolam cidades, colocam doentes e suspeitos em quarentena, esperam a produção natural (ou artificial, sendo este o “único” toque de modernidade) de anticorpos capazes de lhe dar réplica efetiva e eficaz. Por isso a atenção redobrada nos que conseguem sobreviver à infeção.

É neste campo que surge um aspeto misterioso deste micro-organismo: a aparente imunidade das crianças a esta pandemia. Nos casos pretéritos tudo se passava ao contrário. Em muitas epidemias verificava-se haver um grupo etário, que não era afetado pelos agentes patogénicos. A característica comum desse grupo era ter mais do que uma determinada idade. Isso tem uma explicação

científica: em determinada altura terá havido um surto de doença causado por um vírus da mesma família e as pessoas que, tendo sido infetadas e lhe sobreviveram, por ação das defesas naturais ou por causa de vacinação a que tenham sido sujeitas, acabaram por adquirir a imunidade que depois lhes servia para uma luta eficaz ao novo agente.

Inexplicavelmente, agora, acontece o contrário. São os humanos situados abaixo de uma determinada faixa que estão a ser preservados da infeção. Não se conhece justificação lógica para isso. Há de ser encontrada, assim esperamos, pois não pode ser por simples “capricho” do molestador microscópico oriental. Para já é apenas mais uma característica misteriosa deste estranho e mortífero vírus!

 

A Nova Guerra Mundial

A guerra, a fome e a doença foram, desde os primórdios da história humana, as maiores ameaças à sobrevivência dos indivíduos e dos grupos onde se integravam. Foi a promessa de proteção contra elas, sobretudo a primeira que conferiu aos líderes históricos, o poder, reconhecido pelos seus pares.

A troco da segurança, a comunidade prestava vassalagem e pagava o respetivo trubuto ao chefe militar. Este mandou construir fortalezas para se proteger dos atacantes e ali dar igualmente, abrigo aos seus protegidos. A estratégia, tendo evoluído, ao longo dos séculos manteve, no essencial a estrutura consagrada e estruturada por Sun Tzu, no século IV AC no tratado “A Arte da Guerra” que, com mais ou menos variantes passava sempre pelo confronto direto com o agressor/invasor. Por muito importante que fosse a conquista a defesa foi sempre a principal preocupação pois era dela e da sua garantia que dependia, em última análise, a sustentabilidade dos exércitos. A proteção passou inicialmente pela construção de paliçadas, muralhas, cidades fortificadas, navios couraçados, fronteiras eletrificadas, escudos de defesa, antí-mísseis e... estamos no dealbar da guerra cibernética. Recentemente um general iraniano foi morto por um drone teleguiado. Contudo, a principal guerra, a vital batalha defensiva trava-se no ciberespaço, nos bunkers tecnológicos das Agências Nacionais de Informação. As guerras mundiais deixaram de acontecer, até agora, não pela diminuição dos equipamentos bélicos, não pela menorização dos exércitos e muito menos pela índole pacifista dos generais. Não há mais guerras à escala planetária porque, diariamente, constantemente, estão a ser monitorizados, vigiados, anulados e eliminados, preventivamente milhares de agentes bélicos e das suas continuadas ações.

O mesmo se passou com a saúde. Os combates às doenças têm, tal como outras atividades humanas, seguido caminhos paralelos aos da atividade marcial. O ataque aos agentes patogénicos, dificultado pela sua característica microscópica, dando-lhe por isso uma vantagem natural superior à dos exércitos tradicionais. As pandemias (guerras mundiais desta espécie) eram combatidas com quarentenas, isolamento de cidades, bandeiras negras demarcadoras e refúgio em zonas “limpas”. A evolução veio com o reconhecimento individual e científico do inimigo e com o uso da arma letal: os antibióticos; e muitas medidas preventivas: as vacinas. Contudo, ao contrário da outra, que nos últimos tempos se foca em eliminações cirúrgicas dos inimigos mais poderosos e mais perigosos, o uso maciço de antibióticos dedicou-se a eliminações indiscriminadas de todos os agentes patogénicos, logo, abatendo de imediato, os mais frágeis. Os que resistiram (cumprindo uma quota estatística, mesmo que pequena) foram sem dúvida, os mais fortes resultando portanto num reforço exponencial do inimigo! Por outro lado a globalização veio eliminar barreiras proporcionando viagens universais e gratuitas: os vírus não têm passaportes nem pagam bilhetes. E, ao contrário dos exércitos modernos, são democráticos: não escolhem as suas vítimas. Para complicar não reconhecem nem se detêm perante fronteiras, bunkers ou outros “esconderijos”. As poderosas lideranças dos tempos modernos não atemorizam os microscópicos vírus e bactérias que evoluem, continuamente, se reproduzem eficazmente e se disseminam rapidamente. Os custos em vidas e em recursos económicos e financeiros crescem exponencialmente e só tenderão a agudizar-se.

Tal como na guerra clássica, é necessário mudar radicalmente, o paradigma. Mais do que a proteção das pessoas que os mantêm, o que os ricos e poderosos têm em mãos, é a sua própria proteção. E, perante os riscos da ação curativa e da despesa associada ao combate às crescentes e frequentes pandemias, só se antevê uma atuação consequente e racional – apostar tudo na prevenção e no combate precoce. Para isso só se antevê uma solução: a implementação do Serviço Mundial de Saúde, eficaz, global, acessível e gratuito.

 

Mi bisabuelo vos saluda!

Ernesto Rodrigues publicou mais um livro. Trata-se de uma edição do CLEPUL, dirigido até há pouco tempo, pelo escritor de Torre de D. Chama – Mirandela. “LITERATURA EUROPEIA E DAS AMÉRICAS” traz-nos o olhar crítico do ensaísta sobre vários dos principais escritores mais recentes dos lados de cá e de lá do Atlântico. Recebi um exemplar diretamente das mãos do autor e não resisti – comecei de imediato a folheá-lo, agradado com as várias referências que iam saltando do interior das páginas à medida que as ia desfolhando fossem europeus (Sartre, Dino de Buzzati) ou latino-americanos (Vargas Llosa, Machado de Assis, Drummond de Andrade e Jorge Amado). E, claro o grande Jorge Luís Borges cujo texto li, de uma assentada, ao serão do mesmo dia em que recebi a obra deste meu velho amigo. Antes, tínhamos tido a oportunidade de relembrar os cento e vinte anos do seu nascimento, cumpridos a 24 de agosto do ano findo, sem que tal tivesse sido motivo para a merecida homenagem, na terra de onde, segundo o próprio, partiu no final do século XVIII, o seu bisavô Francisco Borges em direção à América do Sul.

Ernesto Rodrigues dedica-lhe um dos textos mais extensos e completos. Analisa não só a obra do autor argentino mas também vários ensaios entretanto publicados sobre ele, bem como alguns aspetos da sua vida, nomeadamente, as suas vindas a Portugal, com especial destaque para a de 1984, presenciada pelo mirandelense, tendo sido visitado por uma delegação de moncorvenses que lhe levou o título de Cidadão Honorário de Torre de Moncorvo e a quem terá dito a famosa frase «Mi bisabuelo vos saluda!»

Entre algumas “revelações” ressalta uma expressão usada pelo ficcionista sobre o maior romancista português «yo no sé português y he leído a Eça de Queiroz. Cuando no entendia una frase la leia en voz alta y el sonido me revelava su sentido.» Desconhecia completamente esta afirmação borgiana, contudo foi exatamente o que eu disse ao saudoso Amadeu Ferreira quando me defrontei com dificuldades para compreender os seus escritos, em mirandês.

Ernesto evidencia algumas das características relevantes de quem António Alçada Baptista disse ser (na altura) «o maior escritor vivo», nomeadamente e a par com a sua cultura enciclopédica, a sua atração pelo infinito, consagrada na incomensurável Biblioteca de Babel, concentrado no Aleph, no Livro Infinito e, mais ainda, no vocábulo sem medida mas de um poder tal que, uma vez pronunciado faz desaparecer o objeto (um palácio) que descreve e é, ao mesmo tempo, uma sentença de morte para quem o pronuncia, pois com essa expressão esgota todas as razões possíveis, para viver!

Revela-nos ainda um estudioso das ciências exatas, explorando alguns paradoxos matemáticos, nomeada e curiosamente o uso do conceito de infinito invocando Zenão no seu célebre Paradoxo de Aquiles e da Tartaruga.

Surpreendeu-me a revelação de uma afirmação feita no Salão Palmela do Hotel Estoril-Sol em 1980 «Os superlativos são uma forma de terrorismo cultural que se prestam à polémica».

A Alma e a Linha

Num artigo de opinião, no jornal Público, Rui Tavares lembra um episódio de 1932, na Alemanha pré-hitleriana. Klaus Mann (escritor, filho do célebre Thomas Mann) ouvindo uma conversa de Adolf Hitler, num café em Munique, enquanto se empanturrava de bolos, autocensurou-se pela forma como combatera o nazismo nascente. Um homenzinho, inculto, rodeado de acríticos admiradores e com um discurso simplista e baseado em falsidades não podia representar qualquer perigo na sua ambição de liderar a poderosa, culta e nobre Alemanha. Baixou a guarda. Combatê-lo seria conferir-lhe a importância que não tinha. Pouco tempo depois penalizava-se pelo seu flagrante erro de avaliação.

Quem não se lembra da forma, quase anedótica como há pouco mais de cinco anos, era comentada por vários dirigentes democratas (Barack Obama incluído) a possível (pouco provável, diziam) candidatura de Donald Trump à presidência dos Estados Unidos. Rapidamente se viram forçados, pelas circunstâncias, a reconhecer flagrante falha de apreciação.

Na sua edição de fim de semana, o Expresso traz entrevistas com dois dos candidatos à liderança do PSD. Pinto Luz, obtida a visibilidade, vem colar-se, mesmo que afirmando o contrário, às teses estratégicas de Montenegro. Para marcarem a diferença, relativamente a Rio, traçam ambos uma linha vermelha à esquerda. A afirmação do PSD passa pela alternativa absoluta e sem qualquer compromisso com o PS. Só assim, juram, podem chegar ao poder. Obtendo, obviamente, do eleitorado a confiança de uma maioria absoluta. O problema é que a realidade não acompanha as estratégias gizadas nos gabinetes sobretudo para convencer militantes, tradicionalmente mais radicais que os eleitores comuns. Contudo, mesmo as eleições internas não se vencem só com o apoio dos mais inflamados apoiantes. E para convencer os mais moderados é necessário trazer alguma razoabilidade ao discurso. Sendo as maiorias absolutas, cada vez mais raras e, tendencialmente, inacessíveis a um único partido, é preciso dizer onde se vão buscar os apoios necessários para a chegada à cadeira de S. Bento. Traçada uma fronteira inultrapassável à esquerda, só resta o espetro da direita para ir pescar à linha ou em aliança. De forma, quase ingénua, enunciam os pontos comuns com o neófito mas perigoso Chega! Para manter a lógica de diferenciação (não só do PS, mas sobretudo do atual presidente social-democrata) não hesitam em vender a alma ao mais radical dos populismos. Para não serem “muletas” dos socialistas, vão procurar quem, supostamente, se contentará em servir-lhe de “muletas” a eles!

Tal “ingenuidade” é quase confrangedora. O objetivo de todos os partidos, sem exceção, é alcançar ao poder, sozinhos, se possível, liderando, se for necessário ou servindo um outro partido maior se não houver outra alternativa. Os pretendentes à cadeira de São Caetano não podem alegar desconhecimento sobre a ambição, clara e explicitamente enunciada pela liderança de Assunção Cristas, ouvida e registada num passado bem próximo, do recente parceiro de coligação.

Obviamente que a defesa de propostas diversas e alternativas, favorece e fortalece a Democracia. Mas as linhas vermelhas, a existirem, devem situar-se nos extremos, nunca ao centro.

E esta, hein?

F oi notícia, na semana passada, a “preocupação” dos autarcas com a venda das barragens instaladas no Nordeste à Iberdrola. O Presidente da Associação Ibérica de Municípios Ribeirinhos do Douro (AIMRD), perante a possibilidade de mudarem de dono as barragens portuguesas situadas no Douro Internacional e as do Baixo Sabor e Foz Tua manifestou-se muito preocupado, sobretudo com a alienação das barragens de Miranda do Douro, Picote e Bemposta. Segundo Artur Nunes, estaria em causa a regulação do caudal do Douro e a economia local onde estes ativos assumem grande importância. Esta posição teria sido ratificada na Secção dos Municípios com Barragem, na Associação Nacional de Municípios. Muito estranha esta notícia. Cheguei a duvidar da sua data efetiva. Teria havido um lapso temporal e esta “novidade” era requentada de mais de dez anos? Porque se o fosse, talvez se pudesse encontrar aqui um louvável nacionalismo, mesmo assim, pouco ortodoxo, quando vindo diretamente da AIMRD. Mas, nos dias de hoje, seria oportuno perguntar ao Presidente da Câmara de Miranda que, subentende-se, fala também pelos seus colegas nordestinos, igualmente atingidos por esta “adversidade”, o que os leva a confiar mais nos chineses da EDP do que nos espanhóis da Iberdrola? Será que os restantes associados da AIMRD subscrevem as afirmações mirandesas? Seria estranhíssimo que assim fosse, pois dos quarenta e dois associados daquela agremiação, vinte e cinco são… espanhóis! Dir-se-á, em abono da verdade que a Iberdrola não é 100% espanhola. Claro que não. Mas, a fazer fé na informação pública, 43,73% da sua composição accionista é- -o. Na EDP, sabe-se, pelo que é público, que, pelo menos 54,66% não o é. Aceite-se que possa haver uma participação nacional idêntica em ambas. Contudo, na Iberdrola, não existe, como accionista de referência, nenhuma empresa pública de outro país! O que faz toda a diferença! As decisões estratégicas, para o bem e para o mal, seguirão as regras e conveniências do mercado e não os ditames de um politburo político com demasiado poder económico para ter de se preocupar com outros pormenores que não sejam a sua estratégia expansionista! Curiosíssima é ainda a referência à Secção dos Municípios com Barragem da Associação Nacional de Municípios. Esta não foge à regra geral (porque haveria de fugir?) das outras secções, que convido o leitor a visitar na página da internet da ANMP. São nove e com temas absolutamente cruciais para o desenvolvimento regional, como a atividade taurina! A maior parte das atas são secretas o que não deixa de ser curioso, numa corporação autárquica. Um pouco mais de transparência não lhes ficava mal. A menos que esse segredo seja para “proteger” a pouquíssima utilidade e ainda menor participação que aquelas que são públicas já revelam. Em concreto, a dos Municípios com Barragem integra oitenta e oito municípios e já realizou seis reuniões. De duas delas não há ata. Das outras quatro, duas atas são de acesso reservado!!! Das restantes, em que o senhores autarcas se deram ao incómodo de partilhar com os humildes cidadãos as suas elevadíssimas decisões, uma foi electiva e nela participaram apenas 26% dos membros (conceção bizarra da participação democrata!) A outra teve quórum ainda inferior (24%) e foi, vejam bem, para protestar com a atuação da EDP!!!! E esta, hein? – como diria o saudoso Fernando Pessa!

Voto contra!

O PSD que Rui Rio promete e quer fazer afirmar é um partido responsável, honesto e racional. Não faço ideia do que lhe possa ir realmente na cabeça, mas não posso deixar de concordar quando diz que o voto do PSD terá de atender à validade das propostas e não à autoria das mesmas. Outra e radicalmente oposta é a proposição de Luís Montenegro que entende que o Partido, liderado por si, reprovará tudo quanto vier do PS ou de qualquer partido à sua esquerda. Pinto Luz suavizou esta última opção colocando como primeiro passo a leitura e conhecimento do projeto governamental, mas foi logo avisando que não acredita na bondade do que quer que seja que venha daquele espetro político. Tem sido, por isso, referido como aquele que teve o melhor discurso, mais inteligente e mais assertivo. Talvez. Foi, sem dúvida o mais oportunista. O mais ambicioso, no pior sentido do termo.

A posição radical de Montenegro, agrada, de forma clara e entusiástica aos militantes, principalmente aos mais radicais. Estou certo que o propósito de Rio terá maior aceitação nos eleitores. Pinto Luz quer abraçá-los a todos. Por isso foi batizado como talentoso.

Os partidos não são clubes de futebol. Estes, sim, existem para combater todos os outros porque é esse o seu objetivo e porque não é possível ter sucesso de outra forma. Os partidos não. Programaticamente têm como missão o serviço público, embora, pragmaticamente o que os move é a busca do poder. Que não tem grande mal se forem capazes de os compatibilizar. O que, aparecendo levemente no atual Presidente do PSD (por tática eleitoral?), está totalmente fora dos planos dos seus dois contendores. Não há a menor dúvida que todos se reclamam herdeiros e continuadores de Francisco Sá Carneiro. Como tal, nenhum deles enjeitará ou repudiará a máxima política que celebrizou o advogado portuense: “O País está à frente do Partido”. Contudo, só o actual líder se propõe levar à prática tal norma sendo exactamente por isso que mais o criticam os seus oponentes!

Votar contra só porque uma proposta vem de um concorrente e adversário, sem qualquer outra razão, não é fácil de sustentar exceto junto dos mais radicais seguidores. Mas estes não alargam o estreito caminho para a cadeira de S. Bento. É necessário arranjar uma justificação. A principal razão pela qual os dois desafiadores “garantem” o voto contra todas propostas socialistas, reside no congelamento do partido do poder, na orla da geringonça que suportou o governo na anterior legislatura, diabolizando todas as propostas vindas dessa área. A terem sucesso, paradoxalmente, pode trazer grande prejuízo para o próprio partido. Se houver adesão eleitoral a esta hipótese, a consequência mais imediata será, a recentragem do PS. Ora o risco para o partido de S. Caetano à Lapa não lhe vem de um Partido Socialista encostado à extrema-esquerda, (isso seria uma bênção!) mas sim a virar ao centro, roubando-lhe, a partir da cómoda cadeira do poder o eleitorado centrista (social-democrata) entalando o PSD contra o ascendente Chega! e a disputar o, cada vez mais diminuto, eleitorado do CDS.

In memoriam (O Genocídio Arménio)

Ouvi várias vezes e usei, muitas outras, a expressão “jovens turcos” para identificar e classificar grupos que emergem, sobretudo em partidos políticos, constituídos por pessoas mais novas com propósitos de romperem com a ordem estabelecida. A expressão perdeu força e é agora também usada para caracterizar situações de renovação geracional noutro tipo de instituições. O verdadeiro significado da proposição, percebi-o numa visita recente a Erevan, capital da Arménia.

No cimo de uma colina, nos arredores da capital, junto ao rio Hrazdán ergue-se um memorial dedicado às vítimas do genocídio de 1915. Uma torre com mais de quarenta metros aponta para o céu, ao lado de um monumento composto por doze lajes de basalto negro, representando as doze províncias perdidas para a Turquia. Num extenso muro estão inscritos os nomes das cidades e vilas onde aconteceram massacres. O resto do espaço está ocupado por um extenso jardim de abetos plantados por muitas das celebridades que visitaram o local. Foi aí que, com uma música fúnebre de fundo, a guia, emocionadamente, recordou as atrocidades cometidas contra o seu povo na sequência da política de homogeneização cultural e limpeza étnica levada a cabo pelo movimento iniciado pelos Jovens Turcos!

Dos dramáticos relatos sobre essa tragédia enorme e sem medida houve dois que me impressionaram especialmente, ambos relacionados com a memória, com a descoberta dos seus mais recônditos labirintos, um, com a sua inaceitável perda, o outro.

Os carrascos turcos enviaram para o deserto sírio, várias e numerosos grupos de arménios, cujo destino traçado foi a morte pela fome, sede e desidratação. Desesperadas, muitas mães, ofereceram os filhos a tribos nómadas com quem se cruzavam. Mais tarde, as autoridades arménias pretenderam resgatar essas crianças e repatriá-las. Duas enormes dificuldades se lhes depararam: as raparigas estavam já, na sua grande maioria, casadas integrando famílias constituídas e estabilizadas, por ser tradição árabe casá-las ainda muito jovens. Havia também um obstáculo na identificação dos rapazes, mais livres e disponíveis: a maioria deles não sabia nada da sua ascendência, nem tão pouco falava ou reconhecia qualquer palavra arménio. A forma como foram identificados foi pela forma como reagiam a canções arménias de embalar. O reconhecimento desses sons familiares, recônditos, despertou nos jovens, momentos adormecidos e quase apagados.

O segundo tem a ver com a indiferença como o mundo tratou, na altura, este horrendo crime contra todo um povo. Foi de tal forma desvalorizado, desmerecido e desacreditado que, quando a chamada “Solução Final” para exterminar os judeus alemães e polacos foi apresentada a Adolf Hitler e este a aprovou, alguém lhe chamou à atenção sobre a repercussão que tal plano poderia ter na imagem internacional da Alemanha, este respondeu que seria um fenómeno passageiro argumentando: Quem se lembra já do genocídio arménio?

Para evitar a repetição do Holocausto é necessário lembrá-lo e descrevê-lo. Mas é necessário, antes, reconhecer e condenar o horrendo genocídio arménio. Porque aconteceu e porque o precedeu e porque foi desvalorizado, negado e esquecido!

In memoriam (O Genocídio Arménio)

Ouvi várias vezes e usei, muitas outras, a expressão “jovens turcos” para identificar e classificar grupos que emergem, sobretudo em partidos políticos, constituídos por pessoas mais novas com propósitos de romperem com a ordem estabelecida. A expressão perdeu força e é agora também usada para caracterizar situações de renovação geracional noutro tipo de instituições. O verdadeiro significado da proposição, percebi-o numa visita recente a Erevan, capital da Arménia.

No cimo de uma colina, nos arredores da capital, junto ao rio Hrazdán ergue-se um memorial dedicado às vítimas do genocídio de 1915. Uma torre com mais de quarenta metros aponta para o céu, ao lado de um monumento composto por doze lajes de basalto negro, representando as doze províncias perdidas para a Turquia. Num extenso muro estão inscritos os nomes das cidades e vilas onde aconteceram massacres. O resto do espaço está ocupado por um extenso jardim de abetos plantados por muitas das celebridades que visitaram o local. Foi aí que, com uma música fúnebre de fundo, a guia, emocionadamente, recordou as atrocidades cometidas contra o seu povo na sequência da política de homogeneização cultural e limpeza étnica levada a cabo pelo movimento iniciado pelos Jovens Turcos!

Dos dramáticos relatos sobre essa tragédia enorme e sem medida houve dois que me impressionaram especialmente, ambos relacionados com a memória, com a descoberta dos seus mais recônditos labirintos, um, com a sua inaceitável perda, o outro.

Os carrascos turcos enviaram para o deserto sírio, várias e numerosos grupos de arménios, cujo destino traçado foi a morte pela fome, sede e desidratação. Desesperadas, muitas mães, ofereceram os filhos a tribos nómadas com quem se cruzavam. Mais tarde, as autoridades arménias pretenderam resgatar essas crianças e repatriá-las. Duas enormes dificuldades se lhes depararam: as raparigas estavam já, na sua grande maioria, casadas integrando famílias constituídas e estabilizadas, por ser tradição árabe casá-las ainda muito jovens. Havia também um obstáculo na identificação dos rapazes, mais livres e disponíveis: a maioria deles não sabia nada da sua ascendência, nem tão pouco falava ou reconhecia qualquer palavra arménio. A forma como foram identificados foi pela forma como reagiam a canções arménias de embalar. O reconhecimento desses sons familiares, recônditos, despertou nos jovens, momentos adormecidos e quase apagados.

O segundo tem a ver com a indiferença como o mundo tratou, na altura, este horrendo crime contra todo um povo. Foi de tal forma desvalorizado, desmerecido e desacreditado que, quando a chamada “Solução Final” para exterminar os judeus alemães e polacos foi apresentada a Adolf Hitler e este a aprovou, alguém lhe chamou à atenção sobre a repercussão que tal plano poderia ter na imagem internacional da Alemanha, este respondeu que seria um fenómeno passageiro argumentando: Quem se lembra já do genocídio arménio?

Para evitar a repetição do Holocausto é necessário lembrá-lo e descrevê-lo. Mas é necessário, antes, reconhecer e condenar o horrendo genocídio arménio. Porque aconteceu e porque o precedeu e porque foi desvalorizado, negado e esquecido!

A PENa e a enxada (a propósito das Leituras Públicas do PEN)

O prestigiado Pen Club Portugal, quase a completar cinquenta anos de atividade em Portugal, renasceu da letargia em que tinha mergulhado nos últimos tempos, com a nova Direção liderada pela Teresa Martins Marques tendo na Presidência da Mesa da Assembleia o transmontano Ernesto José Rodrigues. Das novas actividades, ressaltam, pela importância, pelo simbolismo e pelas consequências, as Leituras Públicas cuja primeira edição foi levada a cabo em maio com o poeta Luis Castro Mendes (ex-ministro da Cultura), Manuel Frias Martins e Teolinda Gersão. A segunda jornada aconteceu em setembro, com Nuno Júdice, Artur Anselmo e Jaime Rocha.

Para além do destaque que estas iniciativas trazem para os participantes e, por consequência, para a sua obra, bem como para a literatura em particular e a cultura, em geral, há algo de novo e singular nestes encontros públicos: o outro lado!

Na primeira sessão, descobri esse lado de lá na forma como a autora da Casa da Cabeça de Cavalo olhava para a memória e no que a motivou a escrever a belíssima ficção sobre a existência para lá da vida real através da recordação de alguém.

Na segunda sessão, a entrada no outro mundo aconteceu com Jaime Rocha cuja produção literária assenta, essencialmente, segundo o próprio, na sua experiência juvenil de nazareno muito ligado ao mar. O autor de “Tonho e as Almas” trouxe para as leituras a visão autoral da escrita. Mostrou o sentimento com que o autor observa a realidade, a compreende e transmite, depois de a enformar, aos seus leitores. Não resisto a partilhar uma história maravilhosa trazida à livraria Ferin pelo poeta, ficcionista e dramaturgo da piscatória Nazaré.

Estava ele, contou, a ler o jornal numa esplanada de Lisboa quando viu passar o Artur, um vizinho seu, com uma enxada ao ombro, seguindo, determinado, debaixo do boné, desafiando com o olhar todos quantos aproveitavam a manhã soalheira, tamborilando com os dedos no cabo do sacho, como se fosse o dono do mundo. Era, pensou o autor, um momento literário que deveria captar e registar para posterior partilha. Surgiu-lhe, contudo, uma dúvida: qual o género em que deveria enquadrar a fugaz realidade de profundas características rurais, no ambiente urbano e citadino? Poesia, teatro ou ficção? Para cada uma delas teria uma abordagem que compartiu com todos os que o ouviam na cave da centenária livraria da Rua Nova do Almada.

Se escolhesse reproduzir o momento através da poesia, teria escrito:

“Um homem caminha para a

[morte.

Vai enterrar-se a si mesmo,

Sozinho, como uma maçã num

[prato,

Abandonado à sorte,

À espera dos pequenos bichos...”

Mas se a opção caísse no teatro, seria:

“— Então Artur? Desta é que é! Quantas batatas já plantaste na vida?

— Mais de mil... Mas, desta vez, é para fazer a tua cova!”

Finalmente, a transcrição para um conto ou romance seria assim:

“Os pombos fugiram à passagem do homem. Não era ele, o seu corpo, o modo como andava a coxear, como se tivesse medo de pisar as primeiras folhas das árvores de outono... era a enxada. Trazia a enxada no ombro esquerdo e ia afagando o cabo com as rugas da mão. Ria-se dos pombos. Sabia que era ele quem mandava naquela rua de ervas daninhas.”

Ficámos todos presos das palavras do autor à espera da prometida revelação da verdadeira atividade do seu vizinho Artur, naquela tarde outonal. Revelou-lha o dono do quiosque, sabedor de todos os mexericos das redondezas e disponível para esclarecer todas as dúvidas dos clientes habituais.

— Não sabe? O Artur, agora, dá-lhe para enterrar os cães e os gatos da vizinhança, ali no descampado!

 

As leituras do PEN, são muito mais do que este episódio, mas este, por si só, seria suficiente para lhe granjearem, em definitivo, a adesão, incondicional, dos amantes da literatura!

Da ferrovia e da utopia!

A vinte e seis do corrente mês de outubro, a RIONOR organizou, em Alcañices – Espanha mais uma edição dos Conselhos Raianos, sob o tema “Cooperação Transfronteiriça e Desenvolvimento” onde compareceram vários autarcas raianos, do lado de cá e de lá da raia, bem como outros responsáveis regionais políticos e académicos. Dos vários temas tratados há um que me é caro e pelo qual dou a cara: a ferrovia! Que, aparecendo agora, mesmo que timidamente, na ribalta dos roteiros políticos, há três anos, quando o tema foi lançado pela Rionor, em Bragança, não passava, como muito bem lembrou o João Ortega, de uma utopia!

Uma utopia, em Portugal e no nordeste, já que no resto do mundo, os avanços neste campo não param de nos surpreender não só com a recuperação de vias abandonadas, com o incremento de muitas existente e, sobretudo, com os avanços tecnológicos, no advento do comboio-bala que atingirá, brevemente, a espantosa velocidade de quatrocentos quilómetros por hora!!

O que pode justificar que, em pleno século XXI se continue a reclamar a concretização de ligações móveis com base em tecnologia proveniente do século XVIII com as devidas modernizações e adaptações. Usei, para o justificar, um acrónimo MES, em triplicado. Nos dias que correm o comboio é Moderno, Modular e Motor de desenvolvimento sustentado.

A Modernidade traduz-se no elevado estado da arte dos comboios pendulares, dos trens de grande velocidade, dos metros citadinos e suburbanos das grandes metrópoles, sem esquecer o já referido comboio-bala. É Modular e isso é uma enorme mais-valia nos tempos modernos onde a adaptação, a personalização e a produção baseada nos stocks nulos e o “just-in-time” são a base comum da maioria dos processos produtivos. O Motor de desenvolvimento regional fica facilmente evidenciado se se fizerem coincidir as linhas propostas pelo PNPOT e as linhas férreas existentes no país, no início do século passado.

São também três as características começadas pela letra “E”: Ecológico, Económico e Eficiente. Usando um canal exclusivo, sendo elétrico e, sobretudo magnético, sem emissões de CO2 e sem outras agressões ambientais, é difícil encontrar meio de movimentação mais Ecológico que o comboio. Não é necessário demonstrar a Economia associada às linhas ferroviárias, seja para transportar todo e qualquer tipo de mercadorias ou passageiros. A Eficiência mede-se pela capacidade, sem qualquer limitação tecnológica, para reverter as funções dos elementos motores que, a descerem, facilmente se convertem em geradores recuperando larga percentagem da energia consumida.

Finalmente, os “S”. A Segurança e o Silencio são de tal forma óbvios que merecem poucos comentários. Comparado com o principal concorrente, o avião, as vantagens são esmagadoras. O último S é recente. O grande nível de sex appeal revelou-se na última campanha eleitoral lusitana. Não tendo havido uma única referência digna nas eleições de 2015, nas mais recentes, não houve nenhuma força partidária, das duas vintenas de concorrentes que não colocasse a ferrovia como um desígnio nacional, no respetivo programa.

Ora se todos concordam com a aposta no comboio como uma prioridade só resta, como muito bem referiu a vice-presidente da Rionor, Raquel Linacero, dar corda ao relógio e pô-lo a funcionar!