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Sentir do Ferroviário

Dizem os sábios das nossas terras que as memórias mais antigas vão sendo recordadas com o decorrer dos anos. É mesmo assim. O meu avô Tatá, conhecido por todos, especialmente por todos quantos frequentavam há décadas atrás, o café Mira, teve uma vida saudável durante os seus 100 anos. Era uma pessoa especialmente afável, com um espírito de humor imparável, sempre oportuno em todas as suas dicas aos mais novos. Os comboios sempre foram a sua paixão, apesar de durante anos a fio ter convivido com o desgosto de não ter tirado a carta de condução. À época, como ele tão bem retratava, não era necessário, porque não pagava bilhete de comboio e tal era extensível a toda a família. Já o meu bisavô Lima, ferroviário também e, por sinal, respeitado em todas as estações que chefiou, tinha uma grande família, como também era habitual à época. Viviam nas estações ferroviárias de então e foram aprofundando a proximidade com o “sentir do ferroviário”. Anualmente, o meu avô e amigos organizavam um almoço em Mirandela, onde juntavam dezenas de colegas. Ainda temos, felizmente, fotografias destes convívios. Um dos últimos, foi na Residencial Globo, onde o meu avô fez um discurso com alma e coração.
Recordo-me perfeitamente da primeira viagem de comboio, acompanhada pelo som caraterístico das nossas antigas locomotivas e carruagens, dos cheiros típicos e da buzina à chegada a cada estação. As viagens até ao Porto, as paragens no Tua e as paisagens únicas da linha que fazem parte da memória coletiva de todos os estudantes da minha geração.
Sempre gostei de andar de comboio. Infelizmente, não pelas nossas terras. Foi, nos idos finais da década de 1980, um golpe duro à nossa interioridade e riqueza regional, altura em que o governo de então e a CP planearam o encerramento de grande parte das linhas secundárias em Portugal. Ficamos sem comboio e estamos seguramente mais pobres.
A história do comboio em Mirandela e em todo o Distrito (como julgo em Portugal) fortaleceu todo o crescimento urbano, ainda hoje visível, nas proximidades das estações ferroviárias. Em Mirandela, a estação ferroviária ao abandono desde o encerramento da linha, tem criado um movimento da sociedade civil, em torno da legítima qualificação do edificado. Há umas semanas o apelo de um anónimo figurava na entrada principal da estação. Está escrito: “Não me deixem cair” numa faixa branca, visível por todos quantos passam numa das ruas mais movimentadas da cidade, particularmente nas viagens do centro até ao nosso Liceu. Concordo e apoio esta luta! Desde os tempos ainda do meu avô a todas as novas gerações, o poder político nada fez para preservar este e outros edifícios que fazem parte da memória de todos. Vale a pena recordar também as palavras de uma historiadora brasileira, bem a este propósito: “Um povo sem memória é um povo sem história. E um povo sem história está fadado a cometer, no presente e no futuro, os mesmos erros do passado.”

Falando de … Combateremos a Sombra, de Lídia Jorge

Conversa telefónica de ocasião, conduziu-nos a uma escritora que muito admiramos, mas para tanto livro e tão pouca vida, não nos temos dedicado à sua produção literária.
Lídia Jorge, nome maior das nossas letras, chegou às nossas mãos. Conhecíamos a sua escrita e com ela e por ela vimos representada no Teatro de Bragança, Adelaide Cabete, A Maçon, pelo grupo de teatro da Escola Abade de Baçal.
Como o tema da conversa era o livro epigrafado, não podíamos adiar a sua leitura. Com primeira edição em 2007, iniciámo-la por uma leitura preliminar e marginal. Já em Maio de 1994, em Cadernos de Lanzarote II, Saramago descrevendo uma ida a Praga, dá conta que Lídia Jorge estava a escrever um romance cujo título era O Homem do Poente. Saramago e comitiva, considerando o título fraco (sic) pediram outro título, ao que a autora, inicialmente, hesitante, pensou em Combateremos a Sombra, mas que o tinha posto de parte. Passados treze anos, surgiu ao público com todas as honras que merecem as grandes obras. Escritora bastamente premiada, viu este seu livro receber em 2008, o Prémio Charles Bisset, em Paris, da Associação Francesa de Psiquiatria.
Ao longo de três meses, percorridos através de cerca de 480 páginas, Osvaldo Campos, psicanalista, professor de Instituto, outrora oftalmologista, cidadão atípico, emotivo, solidário e experimental, algo instável, em luta constante contra o tempo, rico de palavras e silêncios, vai ultrapassando o mundo penumbroso onde gravitam os seus pacientes, ao mesmo tempo que vai enfrentando com êxito a sua vida em ruptura conjugal.
Com laivos de texto kafkiano, vamo-nos instalando e acomodando à medida que nos é percepcionado o universo dos pacientes de Osvaldo Campos, a braços com a solução para uma questão que lhe é posta “Quanto pesa uma alma”. Como se fosse um texto realista, o narrador vai fornecendo, de um modo disperso, argumentos que nos permitem retratar cada uma das personagens, bem como espaços por onde passam. A realidade contamina a ficção. À medida que a leitura se processa, menor a ambiguidade, melhor a legibilidade. O narrador atingiu o seu desiderato. O leitor não abdica dos seus propósitos e o texto vai ao seu encontro, conquanto a torrencialidade do léxico, simples, acessível e variado. A modernidade do tema capta-nos. Não abandonamos a leitura, feita entusiasmo. Apetece dizer, venceremos as dificuldades de interpretação, se acaso nos aparecerem.
No consultório, também local de habitação, coopera uma secretária: Ana Fausta. Pacientes muitos. Cada um com as suas mazelas. Elísio Passos, jornalista, o general Ortiz, o jardineiro Lázaro Catembe, Maria London, a sua paciente magnífica, a que lhe permite pôr à prova toda a sua capacidade de clínico, e equilibrar o seu deve e haver, tão depauperado.
Num mundo em declínio, de muitos a viverem na sombra, carentes de meios, de desigualdades, tentando sarar feridas de há muito herdadas, buscam na psicanálise a ajuda de que necessitam.
Um texto retratando a contemporaneidade, onde a utopia é a marca de água de um médico que não regateando preços, ainda se serve da sua generosidade para colmatar diferenças numa sociedade composta por aqueles que pagam e pelos que não pagam porque não podem, tarefa que compete a Ana Fausta.
Maria London, a paciente preferida. A que lhe ocupa mais tempo e a que lhe traz mais preocupações. Ele ouve-a. A verbosidade de Maria London, o seu distúrbio discursivo, a incoerência da palavra, constituem o laboratório, onde o enigma se constrói e que urge decifrar. Decifrar, completando o que não é dito, descodificando o que fica por dizer e o que é feito, nem que para isso tente vislumbrar o que é feito, certificando-se do que é afirmado. E é no silêncio, na introspecção e na reflexão que o Professor Campos descodifica toda a existência da sua paciente. Maria London, confitente primorosa, transporta o fio de Ariadne que fará do psicanalista a alma-mater que uma teia que deseja desmaterializada
O mistério, o dinheiro que perverte e suja entram na vida de Osvaldo Campos que há muito deixou de ser um homem só. A literatura policial a compor um tecido textual que se adivinhava, unicamente, de costumes. A surpresa a enriquecer e a inovar o romance em língua portuguesa.
Rossiana de Jesus Inácio, a que aparece na escuridão, que fuma desalmadamente, de vida sofrida, mulher escondida em apartamento não muito distante do consultório, entra na sua existência, sustentáculo e luz de vida. A Casa da Praia em Mar de Salgados, a 300 km a sul de Lisboa, marcará o momento do encontro adiado. Vítima de uma teia que Osvaldo tenta captar, verá nele o refúgio e o alento de um homem que augura um futuro que dificilmente alcançará.
Combateremos a Sombra é um livro novo, do nosso tempo, com uma história do que acontece no nosso quotidiano. Começa por fazer apelo à memória, para depois ir desenvolvendo uma trama que nos vai preocupando e está dentro da nossa vivência.
Osvaldo Campos não pára. Quer ser ele o descodificador daquela teia que o envolve. Pertence-lhe o fio da meada. É preciso ir mais além. Levar a cabo uma tarefa a que se propôs. O inspector Toscano e a jornalista Marisa Octaviano acompanham-no. Não com a astúcia própria de um psicanalista. O país é mais forte. O embuste, a desonra, a impunidade campeiam e dominam.
Osvaldo Campos, personagem principal, é movido pelo seu talento de bem fazer, misturado de alguma ingenuidade e romantismo que tenta evitar, soçobra face ao desvendamento da existência difícil de Rossiana, numa relação onde o amor encurta a distância. Se á verdade que perde numa luta desigual, a mediocridade não é capa que o cubra.
Fortalecido pela sua capacidade de ouvir, de suspender a comunicação criando hiatos de silêncio, interpreta o paciente agindo através da palavra. Da sombra são os seus pacientes e é a partir da sombra que ele arquitecta a sua vida privada, a sua vida profissional e a vida de combatente, embora lute contra forças desiguais. A palavra a quem sabe e deve com ela saber lidar, mesmo que o silêncio não seja mais do que abdicar da palavra inapropriada.
A leitura deste livro que vivamente aconselhamos, pese embora o seu volume, suscita-nos o regresso a um passado que configura um período de turbulência que nos foi legado pelo grande historiador Heródoto que viveu no século V A.C.
Xerxes, imperador persa, comandante de um exército de cerca de 250 000 homens invadiu a Grécia por volta de 480 A.C., deparando-se nas Termópilas com um exército de 7 000 gregos e de 300 espartanos, comandados por Leónidas. Do alto do seu comando, mandou Xerxes um mensageiro a Leónidas, exigindo a sua rendição, dada a diferença de efectivos, além disso, as flechas dos persas eram tantas que ao dispararem tapariam o Sol deixando tudo na sombra. Leónidas respondeu que poderiam ir buscar as armas e que os espartanos combateriam à sombra.
A exiguidade de meios não demoveu Leónidas que hoje, perpetuado, tem uma estátua nas Termópilas, aí permanecendo umas fontes de água quente onde o viajante aproveita para se banhar,
Osvaldo Campos, figura singular, tal como Leónidas, mostrou o seu destemor, a sua audácia e a sua intrepidez. Assim sejamos nós.

   Não foi adoptado o Novo Acordo Ortográfico.

Por João Cabrita

Terror e Associados, SARL

Esta crónica não faz mal a uma mosca. Também não resolve coisa nenhuma, nem eu pretendo nada disso. Quando muito ficarei contente se ela merecer a consideração de quem a ler.
Se assim for não será uma crónica inútil porque será mais uma voz que se levanta contra a selvajaria insana que varre o mundo e que parece privilegiar a demente e senil Europa, cada dia mais enredada nas suas divisões e contradições.
Pelas piores razões o terror está na ordem do dia. O terror e seus associados, a corrupção, a pedofilia, a droga e demais vícios e misérias, que se constituíram, com escritura notarial em muitos países, numa verdadeira sociedade anónima de responsabilidade limitada.
Uma multinacional gigantesca, com participações nos maiores bancos, cotada nas bolsas do mundo inteiro, e assento nas administrações das indústrias químicas e de armamento, entre outras.
Lícito era supor que depois de duas guerras mundiais que fustigaram o mundo inteiro, e que massacraram a Europa em especial, para lá de outros conflitos terríveis de âmbito local, os grandes senhores da política tivessem ganho juízo e se predispusessem a uma paz e cooperação genuínas.
Mas não. A tentação hegemónica e totalitária está de volta, mais estrondosa, sub-reptícia e cruel do que nunca. É o senhor Putin que pretende restabelecer a URSS. A rainha de Inglaterra que continua a sonhar com o Império Britânico. A senhora Merkel que se bate pela Grande Alemanha. O líder supremo do Irão que aposta no restabelecimento da antiga Pérsia. O senhor Erdogan que tem saudades do Império Otomano. Os chineses que querem comprar e vender o mundo inteiro. Os americanos que não querem perder o domínio do planeta.
Só mesmo os portugueses parecem não se preocupar com coisa nenhuma para lá da conquista de campeonatos de futebol.
Estranhamente, porém, não haverá líder mundial que se preze que não tenha o seu grupo terrorista de estimação.
Particularmente terrível e insidioso é o demoníaco DAESH que impiedosamente ataca o coração da velha Europa, se propõe restaurar o império muçulmano medieval e que, entre outros insuspeitos padrinhos, terá o alto patrocínio da Arábia Saudita, sunita e wahabista.
Os mais influentes líderes europeus, enredados em intrincadas teias económicas e políticas, negligenciaram esta ameaça, e permitiram, ou mesmo apadrinharam, a instalação dos agentes do terror no seio das cidades europeias. Agora dizem-nos, pateticamente, que o terrorismo está para lavar e durar e que temos que aprender a conviver com tal.
Não basta, porém, mobilizar mais polícias e bombardear as hostes do DAESH que continuam a calcorrear o deserto. É necessário, enquanto é tempo, fazer cumprir escrupulosamente e sem excepções, sem olhar a raças ou credos, as tradições e leis em que se alicerça a secular cultura europeia.
Rever e clarear os negócios e alianças entre os países europeus e os patrocinadores do DAESH. Exigir aos países muçulmanos que concedam aos europeus os mesmos direitos e liberdades, designadamente de culto, que é conferido aos muçulmanos nos países europeus.
O massacre sistemático de cidadãos inofensivos e inocentes não pode ser o preço a pagar para garantir boas relações e negócios chorudos com os estados árabes que sustentam o terrorismo.
Já nenhum europeu que se preze compreende que enquanto governos de religião muçulmana excluem e perseguem cristãos, governos laicos europeus favoreçam e privilegiam muçulmanos.
O tempo urge. Os líderes europeus não estão a garantir a segurança dos seus cidadãos. A Europa está ameaçada de morte.
Este texto não se conforma com o novo Acordo Ortográfico.

Um certo Turismo Rural a Nordeste

Estou sempre de regresso ao Nordeste onde é possível escrever como quem come pão centeio, bebe do vinho da pipa e embebeda-se com a água do ribeiro a regurgitar de peixes avaros dos mistérios dos poços fundos.
Então tudo é fácil, o grande livro do Nordeste está aberto e só é preciso copiar a cópia cem vezes repetida na escola da vida.
A tia Augusta, de avental de cotim às riscas penteia-se na varanda, com o bigode muito bem-posto e chama as suas pitas que comem o renovo da vizinha.
O Tio Lopes, há anos que não fala com a tia Augusta, coisa de namoricos antigos, ciúmes velhos em tempos da Senhora da Ribeira. Contudo, a Tia Augusta admira-se como o tio Lopes lavra o seu quintal, rasgando a terra num namoro perene com os sulcos direitos e fundos, acariciando a semente para que a planta nasça num anúncio cúmplice com a natureza.
Por isso, eu continuo a acreditar no Nordeste e no Turismo rural que timidamente já é uma mais-valia.
O Jaime que já esteve em França, vocês conhecem, pois então, ele até comprou uma camioneta para ir ao negócio, mas as coisas não lhe correram bem, pois, vocês conhecem o Jaime, já ergueu o seu pombal, com dinheiro fresco vindo da Europa. A brancura do pombal será o renascer do Nordeste afeito aos voos largos no esvoaçar de mil pombas.
E se o Turismo trouxer gente, ávida de memórias ancestrais, será possível evitar a fatalidade da morte anunciada da nossa terra. E o forno vai cozer de novo trigo alvo arrancado com valentia ao coração do Nordeste que se cansou de trazer ao colo fragaredos infindos e se resolveu na maternidade da farinha, do azeite, das cerejas vermelhas e amêndoas doces, anunciando esta terra prometida onde corre leite e mel.
O moleiro está de regresso ao rio depois de tanta ausência do convívio das noites de lua cheia e da pedra alveira amante da farinha branca como a neve das invernias.
O milagre vai acontecer, porque o Turismo rural reclama que se acorde o lavrador, se avise o pastor, se erga a forja, se renove a casa de pedra, se povoe a capoeira, se acenda o forno, se abra a adega, se faça o folar, se encomendem as almas, se solenizem as Endoenças, que vamos às romarias, que matemos o porco, que façamos alheiras e curemos os presuntos, porque o Turismo rural reclama que tenhamos está força telúrica em preservar as nossas memórias sem descorar o futuro e o desenvolvimento. Memórias que vêm do princípio dos tempos.
E então talvez possamos dizer: o trigo já está na tulha, as vinhas vindimadas e as castanhas ainda esperam mais umas chuvas bem caídas até que os ouriços se comecem a rir para a gente. Os lavradores mais cuidadosos já espreitam o vinho, fazem um garrafão de jeropiga, enquanto as mulheres se entretêm a fazer compotas de quase tudo. Compotas de pêssegos, cerejas, ginjas, amoras, marmelos, figos, numa infusão de açúcar em ponto.
Assim, acredito que o Nordeste tem futuro. Acredito que vindos de longe, das canseiras e do desassossego do mundo, outros Povos chegarão a este último reduto onde a vida ainda é possível, onde o homem foi capaz de humanizar a natureza sem se desumanizar, nesta cumplicidade de quem sabe que a cultura tem que estar ao serviço da humanidade, independentemente deste despudor que se chama aldeia global, onde perdemos a privacidade da nossa casa e a diferença de comer as batatas com a casca porque não gostamos delas doutra maneira.
Com essa gente, vinda de longínquas paragens, virá dinheiro e principalmente mulheres à beira de serem mães e nascerão crianças e de novo abriremos a nossa escola na alegria do “giroflé giroflá” cantado em jogo de roda pelas crianças que vieram de longe.
O Nordeste povoar-se-á na alegria dum desenvolvimento sustentado, de novo correrá leite e mel nos nossos vales tão floridos de estevas e giestas e faremos, sem dúvida, a nova Páscoa, nem que seja a Páscoa duma utopia consentida, mas que desejamos.

Justiça

«A justiça é a grandeza das nações», lemos em Provérbios, 14: 34. À frente (25: 26), lemos: «Fonte turvada e um manancial contaminado, / assim é o justo que vacila diante do ímpio.» Parafraseando dito marxista, escrevi, já, que a justiça é o pio do povo. Pio, no sentido de se fazer ouvir, enquanto liberdade de expressão, não ópio, mesmo se casos mais badalados se transformam em lamentáveis narcóticos informativos.
Dois protagonistas, nossos comprovincianos, concorrem para a grandeza desta nação: Luís Maria Vaz das Neves e Manuel da Costa Andrade. Aquele acaba de se jubilar como presidente do Tribunal da Relação de Lisboa; este acaba de ser eleito presidente do Tribunal Constitucional. Falarei, ainda, de uma senhora desembargadora.
Conheci Costa Andrade há 41 anos, deputado do PPD na Assembleia Constituinte. Num regresso de Lisboa a Bragança, deu-me boleia até Coimbra, e dormida em sua casa, espaçosa, com ar de república, iluminada por essa generosidade que sempre associei ao sorriso do nosso grande penalista. Acompanhei-o de longe, apreciei alguns pareceres e, como exemplo de vida, nunca esquecerei a confissão das dificuldades por que passou na Alemanha, quando preparava o doutoramento.
Luís Vaz das Neves conheci-o, tão-só, há um lustro, no pontificado amigo de Amadeu Ferreira, a cuja biografia – O Fio das Lembranças (2015), de Teresa Martins Marques – dedicou larga prosa e um tesouro de afectos, na concorrida apresentação pública, quatro dias após a morte física de quem assinava Fracisco Niebro, entre outros pseudónimos. Em sede institucional, o mirandês de Luís Maria ia a par do português, caso da apresentação do volume-álbum Tribunal da Relação de Lisboa. Uma Casa da Justiça com Rosto (2010): «Este texto está em mirandês porque esta é a primeira das duas minhas línguas maternas, aquela em que aprendi o mundo e o sentido de JUSTIÇA.»
Galardoado pelo seu município de Miranda do Douro, em 10 de Julho, ignorou a Imprensa regional a homenagem da véspera, em hotel de Lisboa, onde duas centenas de comensais, das áreas do Direito e da Justiça, da respectiva ministra a familiares e amigos, cantaram loas a quem deu rosto fresco a velha casa, abrindo portas e convocando a sociedade. Peregrino de décadas na Rua do Arsenal, intrigava-me edifício que decide de tantas vidas; conheci-o, enfim, no consulado de Luís Maria, assistindo a apresentação de obra sobre a Ópera do Tejo ou Real Casa da Ópera, sensivelmente no espaço da actual Relação, e que entre Março e o primeiro de Novembro de 1755, só estreou uma peça, em 16 de Outubro.
Teresa e eu, contudo, não vemos Luís Vaz das Neves – seja à mesa ou nos nossos lançamentos – sem Dina Maria Monteiro, já na coordenação daquele volume sobre a Relação, onde é desembargadora, já na organização do jantar-surpresa de 9 de Julho. Isso ainda seria pouco, se não houvesse angariação de fundos para obras de solidariedade, decorrente de uma impressionante capacidade de reunir profanos e agentes da Justiça. Sair daquele Tribunal e descer ao terreno não é para todos: sem vacilar, assim se combate a impiedade, ou a dura sorte. Dina Monteiro, vinda do Brasil, transmontana de adopção, concorre igualmente para a grandeza de Portugal.