class="html not-front not-logged-in one-sidebar sidebar-second page-frontpage">

            

Vendavais- O ano de todos os desejos

Tenho a certeza quase inabalável, de que sempre foi assim. No último dia de um qualquer ano, pedia- -se a Deus e a todos os Santos, fossem quais fossem os deuses e os santos, um rol imenso de desejos que se gostaria de ver cumpridos. E se o novo ano não pudesse ser melhor que o anterior, que não fosse pior. Os desejos solicitados e enviados aos diversos destinatários, levavam a intrínseca vontade de um cumprimento seguro, não se lembrando se no ano anterior, os pedidos formulados tinham sido cumpridos ou não. E isso não interessava. Os desejos deviam ser feitos na passagem de testemunho para um tempo novo. Claro que os tempos foram mudando assim como as mentalidades e até os desejos. Contudo, há alguns desejos que se mantiveram iguais ao longo de séculos e séculos, como se fossem irrevogáveis nos contornos do rol de solicitações formuladas. Os outros, os que poderiam mudar, variavam com a conjuntura, fosse ela climática, fosse política ou até social. No século XVII, por exemplo, um século de crise tremenda em que uma das causas foi precisamente a quantidade de maus anos agrícolas, de má colheita e muita fome que levou a uma elevadíssima taxa de mortalidade, seria justo e desejável que os desejos para um ano novo, fossem de melhores colheitas, menos fome e de paz. Paz, porque as guerras, entretém das sociedades violentas, é um item interminável desde então, como se fosse um jogo moderno em que os participantes se sentam em frente a uma televisão e se agridem uns aos outros com o objetivo primário de aniquilação de um deles. Na prática, o mesmo objetivo de há muitos séculos. Os que perdiam desejavam paz! Por outro lado, os que estavam sujeitos aos desejos de um tirano, desejavam que ele desparecesse para sempre para que a vida se tornasse mais leve e agradável. Estes pediam governantes mais sensíveis e amigos do povo. Assim, ao longo dos tempos, os que passavam fome pediam fartura e os que passavam por guerras pediam paz. Os doentes pediam uma morte santa. Já sem esperança, porque a medicina ainda não tinha evoluído e as simples panaceias não evitavam a morte, restava-lhes morrer quando Deus quisesse reduzindo o sofrimento diário e terminal. Hoje, os desejos são diferentes, mas há os que se mantêm iguais. Tão iguais como há séculos. De pé, com as doze passas na mão à espera das doze badaladas da despedida, como se se tratasse de epitáfio, já todos têm memorizados os desejos e logo os descarregam, num ápice, antes da última badalada e do estourar do Champanhe. Brinda-se ao ano novo, claro, na esperança de mais saúde, mais amor, mais alegria e mais paz entre os homens. Este ano, talvez como há séculos, muito mais saúde, mais paz e muita esperança em que o vírus desapareça de vez da vida dos homens e que a vacina agora chegada, sirva os seus propósitos antes que seja demasiado tarde. Mas os desejos de arredar os governos tiranos e desconcertantes, ainda se mantêm, como é o caso do da América em que parece terem sido ouvidos os desejos do ano passado. Finalmente livraram-se, a custo, do prepotente governante. Outros não tiveram essa sorte! Começado o Ano Novo, todos desejámos uma vida nova, os mesmos desejos de sempre e, com ódio nas gargantas entupidas pelo clamor da revolta da incapacidade e pelos gritos de revolta, pedimos que o Covid19 não se transformasse em Covid21. Desejamos as mesmas coisas e com os mesmos objectivos de séculos, mas com as variações conjunturais que lhes somam, quase sempre, as premissas que menos desejamos ter de enfrentar. Desejamos mais proximidade, mais abraços, mais beijos e mais família. Este ano é assim um ano onde todos os desejos se juntam numa confraternização redobrada para que, essa força, torne possível a sua concretização. E, se Deus e os Santos, os nossos e os dos outros, estiverem atentos e forem amigos, certamente nos darão o conforto da sua bênção para este Ano Novo.

Teófilo Vaz

No início de 1976, na Estação de Caminhos de Ferro de Santarém, de segunda a sexta-feira, juntava-se um grupo onde pontificava o saudoso Fernando Salgueiro Maia, caído em desgraça na sequência do 25 de Novembro, que apanhava o comboio das sete da manhã e até Lisboa nada escapava no crivo crítico da actividade política e dos costumes para nosso gáudio e frenesim palavroso a envolver circunstantes. Em Castanheira do Ribatejo juntava-se a nós um rapaz que o Barros da família Barros da rua Direita, em Bragança, nos tinha apresentado. O Barros trabalhava na Segurança Social, na CPN, e continua a residir na capital do gótico. O rapaz era de Bragança disse-nos o Barros, logo «estava em casa», apesar da outorga do passaporte grupal, este salientava-se por ser extremamente reservado, falava quando interpelado, ante a alacridade preferia esboçar prudente sorriso porque «aquela gente» possuía Mundo assanhado pela guerra colonial, a agitação política numa oposição inorgânica cujo ponto focal era a Livraria Apolo escalabitana. O rapaz era o Teófilo Vaz. Passados alguns anos encontro-o em Bragança, ele na qualidade de professor de História, eu enquanto membro da Assembleia Municipal, na bancada do PSD. Retomamos o contacto, recordamos o indómito capitão de Abril, fomos falando. Já desligado da Assembleia Municipal, um compromisso partidário impediu-me de aceitar o convite para nesse órgão continuar, apresentei ao executivo Municipal uma proposta de construção de um livro destinado a assinalar uma efeméride cujo tema foi Bragança antes e depois da restauração da democracia. Obra de vários matizes e representações, convidei o Teófilo Vaz para escrever sobre a Toponímia do burgo brigantino, convite aceite de imediato, daí um texto de grande qualidade que pode ser apreciado na referida obra. As alteridades surgidas no Nordeste Informativo originaram a sua designação de Teófilo como Director do semanário onde já escrevia. De modo sereno, sem brusquidão, chapodou a face do jornal tornando-a glabra, escanhoou-a limpando-a de adornos espúrios, o jornal multiplicou a opinião, os editoriais do Director primavam pela justa análise tendo-se transformado em justificada leitura obrigatória, por isso, amiúde, lhe endereçava merecidos elogios dada a concisão o acertado toque na buba ou exemplo a seguir. O meu Amigo Engenheiro António Jorge Nunes deu- -me a saber do infausto acontecimento da sua morte. Fiquei pasmado, durante largos minutos meditei, relembrei o Teófilo alegre e bem disposto a mostrar-me a sede do jornal e da rádio, entusiasmado, e a apresentar-me as e os jornalistas, bebermos um café de seguida, distendido, rememorou episódios e desfiou projectos exequíveis para fortalecimento da sua paixão jornalística. Estava feliz. Ofereci- -lhe um livro da minha autoria, trocámos um abraço, zarpei. O Teófilo respirava força e vigor. Na altura do passamento de uma personalidade marcante, o caso de Teófilo Vaz, os obituários luzem encómios tal como as placas douradas a indicarem pessoas, alhos e bugalhos, secos e molhados, os chorosos de hoje, riem destemperadamente amanhã. É a vida! Faço um pedido a quem de direito, não deixem apagar a sua memória. A criação de um prémio com o seu nome destinado a jovens jornalistas seria (será) uma forma de o fazer. Assim o penso e escrevo.

Balbina Mendes: Alma Mater!

Guerra Junqueiro, o Poeta que, um dia, partiu de Freixo de Espada à Cinta para o Mundo, lembrou-nos que a grandeza de uma Pátria é associada aos Homens de Cultura. Para ilustração de pensamento, esgrimava, para além de outros argumentos, que ninguém dizia que pertencia à “Pátria de Burnay”, mas sim à Pátria de Herculano, ou de Quental. Balbina Mendes encarna, com afinidade e natural justiça, essa mensagem Junqueiriana que, diga-se, faz tão bem à nossa vaidade pátria… Mais. A singularidade e a força da obra de Balbina Mendes, nasce, desde logo, num detalhe: as origens. Palavra de transmontano! Balbina Mendes pertence a este naco de terra, onde as fragas são lavadas pelo Douro, e um outro idioma foi resistindo pela vontade dos Homens. Essa circunstância, porventura limitadora, não a fraquejou! A sua obra sublime, por sê- -lo, ultrapassa, com cores fortes, o espírito redutor e tão português com que, assaz se cataloga o que é ou não relevante, em função da geografia… Não é o caso, não foi o caso, o que se louva, para bem, também, da nossa vanglória geográfica! A este propósito, não resisto, em modo provocação suave, lembrar o que, com ironia endógena, contou um dia o Professor Adriano Moreira: um transmontano, quando não acompanhado por outros transmontanos, deve evitar dizer que o é, porque os “outros” podem ficar com inveja! Orgulhamo-nos da obra evolutiva de Balbina Mendes. Um brio verdadeiro, sólido como uma fraga, mas elegante, porque não somos petulantes! Porque é tão forte a obra de Balbina Mendes, pese embora o regionalismo marcante da sua inspiração? As tradições, as particularidades mais campestres, as paisagens únicas, estão, ad initium, na sua pintura. Sem esquecer, obviamente, o estoicismo no trabalho Margens Douro Nascente Foz, que encerra em si uma dimensão ibérica. So quite so simple: ao regionalismo soube dar-lhe linguagem global, sem que daí adviesse adulteração para a raiz da obra. Assim se cria, com mestria, uma pintura com poesia, porque, em cada tela, lê-se a alma de um Povo, que é parte de nós, e ao fazê-lo, eleva- -se com simplicidade e nobreza o que nos reporta para a essência: tudo nasce numa terra com carácter.

Adeus Teófilo

O Agrupamento de Escolas Emídio Garcia está de luto duma das personalidades mais marcantes dos seus corredores enquanto homem e professor. Permitam-me tão somente que reúna alguns traços da sua imagem que ficarão certamente gravados nas nossas memórias. Com a sua passada serena, mas sempre firme no seu pensamento, claro nas suas palavras e nas suas decisões: O Teófilo era sincero e leal. Inimigo de grandes compromissos, contudo era profundamente humano, duma amizade certa e de conselhos esclarecedores. Ninguém o conheceu sem se prender no seu estilo atípico, acabando mais tarde por lhe dar razão. De cultura clássica, quem de nós não conheceu a sua alegria e fecundidade intelectual, percorrendo o mundo greco-romano. Os seus alunos deleitavam-se com a precisão e clareza das suas aulas e das solicitações que lhes testemunhava e sugeria. Ninguém esquecerá tampouco a sua participação no Conselho Geral; as suas intervenções breves, tantas vezes lapidares, sempre pertinentes que esclareciam utilmente as questões debatidas e facilitavam as soluções. Não esquecerei tampouco a precisão de pensamento e elevação dos seus pontos de vista quanto à educação do presente e visão do futuro. Amigo das artes, sabia como parar o tempo na sua contemplação. Tentava assim transformar a sua arte e a sua vida na sua arte de viver. À colega Fernanda, aos seus filhos, em nome dos colegas e amigos, deixo as minhas tristes condolências e calorosa simpatia de todo o Liceu, para quem ele ficará um exemplo de probidade intelectual, de coragem, de actividade, de entrega e de recordação de que, sabemo-lo todos, a sua imagem nunca se apagará. Adeus Teófilo.

Mensagens escritas e beijos

Há cerca de duas décadas as mensagens escritas tornaram-se corriqueiras. Primeiro, nos telemóveis. Tínhamos que gerir bem quanto escrevíamos, para só pagar uma mensagem, e a quem a  enviávamos.  Uma mensagem escrita era um evento controlado. E tínhamos que ter um motivo válido para as receber ou enviar. Aprendemos a escrever telegraficamente, por causa dos tais caracteres contados. Usávamos abreviaturas manhosas, onde reinavam letras como o k. Infelizmente, há quem tenha ficado preso nos anos 2000, e essa forma de assassinar a língua materna permanece viva. Era entendimento geral que não era suposto manter uma conversa longa pela via escrita, no telemóvel. Por norma, havia um propósito, um objectivo. Se fosse só para chamar a atenção, dávamos «um toque». Havia quem tivesse códigos, qual jogo do copo, mas com o telemóvel e pessoas vivas. «Um toque sim, dois não». «Manda toque ao saíres de casa». Hoje em dia, isto seria um «olá», assim, à paposeco, em qualquer plataforma de conversa online. Para delongas, tínhamos a internet. Primeiro, o mIRC. Sou mais do tempo do Messenger, com aqueles dois bonequinhos, um verde e outro azul. Entretanto, veio o Facebook, e depois passámos a ter um Messenger lá. Não sei a ordem correcta dos eventos, mas o velhinho Messenger desapareceu por esta altura. Mudanças que tivemos que acompanhar, e que o fizemos de forma muito natural. Por esta altura, já a internet era mais acessível, a todos os níveis. Chegou a todo o lado, aos telemóveis sem teclas também. Tudo a uma velocidade (mais ou menos) galopante. Agora, quem não está disponível online é como que se não existisse. Está fora de mão. Estamos todos habituados a falar por escrito, online. Não me lembro a última vez que escrevi, à mão, uma carta inteira para ir aos Correios. Quanto muito, escrevo no envelope. E até isso estamos a perder. Hoje, é quase obrigatório usar bonequinhos para exprimir sentimentos. É possível fazer frases só com estes amigos coloridos. Completa a parte escrita, como uma bengala, para conseguirmos transmitir correctamente as nossas emoções. É que escrever é sempre um exercício individual, mesmo com a tecnologia. Podemos escrever, saber o que queremos dizer, achar que é entendível da maneira como o concretizámos. Mas ser imperceptível para o receptor, porque criámos um “ruído”, algo que impede a t ra nsmissão do que queremos dizer. Outras vezes, somos só mal interpretados. Até escrevemos bem as nossas ideias, só que ler também é um exercício pessoal. E nem sempre se entende o que o emissário quis, de facto, dizer. Uma interpretação deficiente, ou personalizada, se preferirem, não é incomum. Uma das coisas mais dúbias para mim nas conversas online são os «beijos», «um beijo» e «beijinhos», nas despedidas. Deve ser por isso que raramente, nestas interações, cumprimento ou me despeço, a não ser que saiba o que é seguro. É seguro mandar “beijinhos” a toda a gente. “Beijos” também é mais ou menos seguro. Mas “um beijo” é diferente. Parece demasiado pessoal. É só um. Repenicado. “Um beijo”. Claro que tudo depende de quem o diz e para quem se diz. Não teremos dúvida que há “um beijo” equivalente a “beijinhos”, e vice-versa. Contudo, “um beijo” parece criar proximidade, mesmo virtual. Ficam dúvidas, que podem provocar ruído e causar uma impressão equivocada, para o bem e para o mal. E é por isso que, para deixar tudo em pratos limpos, às vezes temos mesmo que optar por fazer as coisas à antiga. Cara a cara. Viver de verdade, por esse mundo afora. Como antes das mensagens escritas. E como deve ser.