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Vendavais- A febre de Trump

A sapiência popular, digna de todo o respeito, diz que no melhor pano cai a nódoa e disso não restam dúvidas, mas também costuma dizer que quem muito fala pouco acerta. Não podemos duvidar desta sabedoria já que ela é demasiado certa e acutilante. Prova disso é o que aconteceu aos Presidentes do Brasil e dos EUA. Na verdade, tanto um como outro dos ditados populares, se aplicam aos dois estadistas. Falaram demais, minimizaram a situação do Covid 19 e acabaram por ser atingidos e remetidos a um confinamento indesejado. Pois é, Deus escreve certo por linhas tortas. Não é da minha índole desejar mal seja a quem for. Critico, bem ou mal, de acordo com o que penso e sinto, mas a verdade é que talvez o que aconteceu a Trump e à esposa, o levem a pensar duas vezes e a tomar mais a sério os efeitos da pandemia e os milhares de mortos de americanos que ele parece depreciar. Agora, contaminado, perdeu um pouco da arrogância com que se apresentava perante as câmaras de televisão, com o se fosse invencível e intocável por um inimigo que não consegue ver. Foi visto e atingido. Sorte a dele que tem ao seu dispor o melhor dos hospitais e os medicamentos necessários para combater o vírus, coisa que não tiveram os que já morreram e aqueles que ainda lutam por uma sobrevivência cujo futuro é demasiado incerto para estarem sossegados em qualquer hospital onde estejam. Os que o avisaram sobre a realidade que estava a acontecer e foram ignorados, podem agora atirar-lhe essa ignorância à cara. Certamente que não desejarão a sua má sorte, mas o aviso fica bem patente num momento em que se avizinham as eleições e que ele terá de enfrentar, mesmo sabendo que está atrasado na corrida. Debilitado, a corrida será mais penosa, mas ele terá mais armas ao seu serviço para poder superar algumas falhas na subida até à meta. Se vai ganhar ou não, isso é incerto, mas para os americanos, que se deixam levar por falinhas mansas, pode ser uma influência tremenda ao fazer dele uma vítima que se quer erguer das cinzas para depois se apresentar como vencedor. Sabemos bem que os americanos gostam destas coisas lamechas. Melhor atitude teve Biden ao enviar directamente os desejos de melhoras rápidas ao Presidente da América, mesmo depois de lhe dizer na cara, dias antes, que ele é o pior presidente que a América já teve na sua História. Politiquices. Dias difíceis os que se aproximam para Trump e para a primeira-dama. Com febre, tosse e um receio atroz sobre o que lhe pode acontecer e com uma campanha para fazer, vive certamente momentos terríveis e desejará ter feito mais alguma coisa para combater a pandemia e com toda a certeza se arrependerá de muitas coisas que disse indevidamente. Este não é o caso para dizer preso por ter cão e preso por não ter. É o contrário. Penso que quase todos somos da opinião que este presidente não é o mais indicado para os EUA. Já foi apelidado de louco, de arrogante, de atrevido e agora até de ter fugido ao fisco, o que é claramente motivo para ser expulso do lugar que ocupa. Na América, estas coisas são demasiado sérias para serem esquecidas ou se passar um pano por cima. Os americanos podem ter muitos defeitos, mas em casos semelhantes eles não perdoam. Lembremo-nos do caso Watergate, por exemplo, ou do aconteceu a Clinton, embora por motivos bem diferentes. Para Trump, o momento atual pode ser um ensinamento extraordinário. Pode ser que passe a enfrentar a vida, a sua e a dos outros, de uma forma diferente, com mais seriedade e menos arrogância e prepotência. Se a febre lhe passar e eu penso que passará, podemos esperar um resto de uma campanha mais política, mais séria, mais pessoal e menos mentirosa. Esperemos que a febre lhe passe, que é sinónimo de recuperação e não fique com sequelas que o impossibilitem de ser um homem melhor. A mulher desejará o mesmo certamente.

O tramposo estilo Trump

A multidão de comentadores criticou acerbadamente o estilo acídulo e grosseiro do presidente dos Estados Unidos no primeiro debate relativo à campanha eleitoral para as presidenciais nas quais ele é candidato. Têm razão os comentadores em denunciarem o grotesco «cavalheiro de indústria», porém esqueceram-se de fazerem pedagogia enaltecendo as virtudes da contenção expressa no provérbio quando fala um burro, o outro baixa as orelhas. Ora basta assistirmos a uma sessão de uma Assembleia Municipal para verificarmos a consolidação do estilo tramposo assente na arrogante desqualificação do adversário, quantas vezes da mãe dele, e da Instituição que representa. Desde a Antiguidade que os fanfarrões eivados de pesporrência procuram suster a argumentação dos outros recorrendo a toda a espécie de ardis, felizmente, chegaram até nós suficientes textos a referirem uns e outros sem esquecer as frases mortíferas amiúde utilizadas ao modo de muletas de pão de marmeleiro a zurzirem os costados do interlocutor. O grande orador António Cândido, a Águia do Marão, deixou-nos páginas de enorme brilhantismo na arte de desventrar, de demolir, de reduzir a cacos os incautos que se atravessavam à sua frente no Parlamento utilizando magistralmente a nossa língua sem recorrer à linguagem de sarjeta ou taberna. Agora, vale tudo, mesmo tudo, se considerarem um exagero as minhas palavras recordem-se das podres peixeiradas nas televisões a propósito do futebol. O truque obsceno de Trump no interromper a toda a hora e momento o contraditor é velha arma de arremesso nas tertúlias e comandita, na época em que podia frequentar os cafés e locandas em Bragança vigorava, com raras excepções, o falar alto abafante dos educados, fosse no Chave d’Ouro, fosse no Moderno, no Central ou no Flórida, não era preciso muito para prevalecer o grito engalanado tal como o andor do S. Bartolomeu no dia 24 de Agosto, de palavrões suaves e ásperos. Há um saco de anos participei num debate que tudo indicava ser cordato, civilizado, embora duro e aguerrido, a tempestade iniciou-se quando uma senhora inglesou um termo genuinamente latino, não latão. A senhora não aceitou o reparo, desceu ao patamar do mais abjecto calão e o debate soçobrou antes de principiar. A criatura foi deputada vários anos, ensaísta e os maldosos acrescentavam ser boca infecta ao estilo do libelista italiano Pietro Aretino. A má educação exibe-se planturosamente nos múltiplos remoques no decurso dos debates na Assembleia da República, antes da liderança de Rui Rio, o deputado Duarte Marques rivalizava com o socialista João Galamba e a inefável Senhora Cristas, sem esquecer a inefável Teresa Leal ao Coelho, nesta legislatura apareceu um deputado socialista a empregar o termo «chafurdice» a ilustrar quão educado é o honorável representante do povo. No dia 1 de Outubro, a TVI levou a efeito um frente a frente a propósito da disciplina de cidadania e troca o passo, os inter-locutores foram o eurodeputado Nuno Melo e uma senhora apresentada como professora e (missionária da doutrina ministrada na referida disciplina) a qual evidenciou ridente talento trumpista na algaraviada função de não respeitar as regras do asno que fala e o jumento que ouve. O astucioso Nuno Melo não perdia ocasião de lhe avivar a falta de chá e carência de maneiras. A «educadora» que se vangloriou de visitar Escolas na missão de catequista da «cidadania» demonstrou à saciedade o desconchavo pois não possui autoridade para avisar os pequerruchos de dez anos de nunca esquecerem o emprego de boas maneiras, porque a doutrina da vulgata do género a cavalheira deixou indicações de ser especialista na matéria. Ao torto e ao direito, à destra e à sinistra, a referida disciplina motiva chamamento à liça da lei de bases do sistema educativo, por descargo de consciência pedi opinião ao principal autor dessa lei onde participei ao modo de cigarra dorminhoca, o eminente especialista na área das ciências da educação salientou a falta de literacia no estudo desse normativo estruturante ao modo do manga-de-alpaca de um centro laboratorial a perorar pseudo-cientificamente acerca do vírus e suas mutações que no inferniza a vida, quando não a retira aos mais fragilizados de tudo. Os males apoquentam-nos e metem- -nos medo, Medo como o Padre a clamar (descalça-me a bota) infligia a todos quantos se atreviam a passar à meia-noite no monte da forca existente entre Espinhoso e Rebordelo, porém existem fortes probabilidades de as nuvens negras se dissiparem brevemente ao ser executada a directiva do ministro Cravinho no tocante à extirpação da linguagem de caserna…nas casernas. Este governante filho de mãe inglesa nunca foi recruta em lado nenhum e o calão utilizado na linguagem castrense não deslustra ninguém e como a chuva civil, não molha militar.

Assadores furtivos

Boa tarde a todos, principalmente aos que vivem o luxo, e se calhar não sabem, de se assomarem à rua para se sentarem no banco de pedra à porta de casa e ficarem a ver os fins de tarde passar. Bem haja vós! Aqui perto de mim quando passo pelos fins de tarde vejo um restaurante que tem sempre dois senhores, um de cada lado, a dar fogo às peças ou a pôr as peças no fogo. Cada vez que passo por lá lembro-me das pessoas que trabalham nas churrasqueiras a virar frangos e pianos de entrecosto, sai frango e meio com batata e arroz, o pessoal dos santos populares que vive as festas na óptica do fogareiro entre nuvens de sardinhas, pimentos e bifanas, os homens dos restaurantes com assados na brasa a tratar diferentes tipos de pescado com o respectivo carinho e a carne passada mal ou bem, nem bem nem mal, mais para o bem, mais para o mal, consoante as demandas e demandices dos clientes. Uma nobre arte de transformar matéria-prima em bruto em valor acrescentado, às vezes em obra prima. Um labor digno de referência, embora furtivo, ou seja, escondido, feito de forma oculta. Aqui trata-se de um restaurante de Xingjian, uma das maiores províncias em área da China, no oeste, em cima do Tibete. A comida e os restaurantes desta região são famosos por dois aspectos: as muitas variedades de massa que são sempre feitas na hora. Os chineses dizem que os italianos devem as massas ao Marco Polo que por aqui andou no seculo XIII. Nao sei se é apenas mito, mas a ser verdade não me espantaria. E depois a carne, por ser uma região montanhosa e com muito pasto. Como é a província onde vivem os Uigures, minoria étnica chinesa de confissão muçulmana, a especialidade é o cordeiro, principalmemte umas espetadas, ou digamos, uns pinchos de cordeiro. Por alguma razão na vila espanhola de Alcañices lhes chamam pinchos morunos, pois foi um hábito introduzido em Espanha pelos mouros como certa vez ouvi da própria senhora Maria do bar/ restaurante “Maria y Manolo” onde os pinchos eram (são) também a especialidade. O mundo é um T-zero deve ser a frase que eu mais repito por aqui. Os Uigures são umas das 56 minorias étincas chinesas, uma vez que 97% da população pertence à etnia Han. O povo uigur por algumas vezes foi notícia ruim - peço desculpa pelo pleonasmo, claro que se é notícia é porque é ruim - mas essas coisas não são preto no branco como os opinadores profissionais fazem sempre tudo parecer. Tenho alunos uigures, sim também há uigures a aprender português (curiosamente na universidade até os próprios colegas chineses lhes perguntam de que país são por causa das suas feiçoes nada extremo-orientais) que me falam abertamente da situação. Os atentados lá são frequentes, eles próprios ja presenciaram alguns, e ninguém se identifica com isso, ninguém gosta de viver num ambiente assim. Os seres humanos de toda a parte querem viver em paz. Vejam no que deu a ETA e os bascos. É bastante complicado, principalmente para os que têm de viver com estas coisas. Para quem vive seguro na paz do senhor sofá, imbuído na falácia dos tempos modernos de que julgamos saber tudo bem sabido por termos muito acesso a informação, e em que estes conflitos são apenas coisas distantes que surgem em ecrãs, para esses costuma ser sempre tudo tão claro como água. Água quente. Por cá as pessoas andam sempre com o termo de água morna ou às vezes de chá, das crianças aos avós, de modo que ver os homens a dominar o assador, sob um calor de humidade sub-tropical e a dar goladas de água quente... É a mesma impressão que os assadores fumadores me causam, no meio de ondas de brasa e fumo e ainda para mais de cigarro na boca para juntarem mais chama a um cenário já de si ardente. É uma sufocante redundância que só de ver desconforta, a alta-temperaruta ao quadrado, lançar ainda mais achas para a fogueira. Ou na verdade, estoicismo. Coisa de faquir, um patamar de atenção plena e imperturbabilidade que se atingirá com a experiência de domesticar o transcendente do incandescente. É isso que mais me fascina, enquanto eu e os outros passamos sobre brasas no ir e vir do trabalho/casa, os assadores mantêm-se sempre furtivamente impassíveis, o avental enciscado, vira, espera, revira, pincelada, golada de água, tudo faz um morno sentido, os dias da vida parecem ali um fogo amigo, um fogo fátuo, um fogo descontrolado transformado em lume brando. Os assadores furtivos são merecedores do nosso agradecimento, de uma devida salva de palmas. A todos os assadores furtivos o meu profundo respeito. Aliás, dever-se-ia decretar o dia mensal da salva de palmas. Não só quando estivessemos com o rabo apertado de medo a bater palmas aos que tivessem de nos ir salvar a pele. Todos os meses se deveria criar o hábito de ir à janela homenagear, batendo palmas ou panelas, um determinado grupo de pessoas. Os seguranças que passam os dias em pé, os que passam os dias sentados nas caixas dos supermercados, os que vivem atrás de balcões. E os restantes. No fundo todos nós somos dignos de empatia e de palmas ou porque trabalhamos uns para os outros ou simplesmente porque só nós sabemos, só Deus sabe, aquilo que nós tivemos de andar para aqui chegar. Alguém tem de começar e eu começo hoje, aliás, começo já. Uma longa salva de palmas e já agora um abraço demorado para cada um de vocês, sim, para ti mesmo caro(a) amigo(a). Tu sabes muito bem porquê!

Museu da língua

O concurso, para a escolha do projecto para o Museu da Língua Portuguesa, foi um processo atribulado por violações formais do regulamento do concurso. A iniciativa, que eu pensava abandonada pela controvérsia que despoletou, está reafirmada nos seus propósitos como é manifesto pelo anúncio da entrega da execução da obra à Empresa “Evolucion Portugal ACE”. Discordando em absoluto, não com a iniciativa mas com a sua materialização, fui consultar o projecto disponível na “internet” pois tinha curiosidade em saber como se compatibilizaria uma estrutura feita de desenvolvimentos verticais individualizados com a necessidade expositiva. Seria um novo Guggenheim de NY (em desenvolvimento vertical) ou seria uma peça clássica feita do somatório de desenvolvimentos horizontais? Fiquei a saber que é um clássico feito de desenvolvimentos horizontais e que o projectista para o conseguir teve de reduzir a zero todo o espaço compreendido entre os dois planos que contêm os eixos dos cilindros que compõem cada conjunto de 7. Quer dizer: de toda a estrutura agora existente ficam só as meias canas exteriores que assim delimitam o espaço onde o projectista idealizou o museu. Não entendo que se queira aproveitar o que não tem qualquer aproveitamento para o fim a que se quer destinar quando havia outras funções que aproveitariam toda a estrutura na sua plenitude. (Não percebo porque foi abandonada a ideia da residencial estudantil nos silos. Dada a localização e a lacuna existente na oferta da habitação além do total aproveitamento da estrutura, tudo levava a pensar que seria esse o desfecho. Enganei-me.) Mais valia fazer sem ter de partir. Vai ser uma obra cara no desfazer. Mas porquê destruir uma estrutura imponente, (o que fica é irrelevante) porquê este pseudo aproveitamento? Dei voltas à cabeça e só me restaram duas razões plausíveis (por ironia, claro): uma seria por analogia estética. As meias canas dos cilindros fazem lembrar as lombadas de livros numa prateleira; a outra seria uma analogia funcional. Aquilo que durante tanto tempo foi fiel depositário de alimento para o corpo, cumprirá com facilidade a função de fiel depositário de alimento para o espírito. Além disso os 250 milhões de falantes de Português exigem para o Museu da sua língua uma dignidade pouco compatível com a recuperação dos “salvados” de um celeiro. Deveria ser uma obra de raiz, que não impusesse constrangimentos ao projectista, onde este pudesse dar largas à sua criatividade, inovação e, quiçá, a alguma rebeldia conceptual. Que fosse obra única. Se, como dizia Goethe, a “arquitectura é a música petrificada” o Museu da nossa língua deveria ser a petrificação da musicalidade dos nossos fonemas. Tanto quanto sei o museu da língua é um museu virtual. Isto é: as peças do seu acervo são digitais não têm existência física. Claro que sendo assim o seu conteúdo em breve passará para a internet e poderemos ver em casa aquilo que veríamos no museu. A consequência é imediata: a parte mais apelativa do museu estaria na casa que alberga o museu em detrimento do seu conteúdo. Mas isso exige uma obra marcante, emblemática, uma obra icónica que fizesse de Bragança a Taprobana do Português. Infelizmente, vejo isso algo distante.

Nós trasmontanos, sefarditas e marranos- OS LEDESMA - Família e Mobilidade: O Dr. Gabriel Rodrigues Ledesma

Voltemos à cidade do Porto, a casa de António Ledesma que, ficando viúvo de Beatriz Nunes, casou em segundas núpcias com Maria Ferreira de Carvalho, de uma família dividida por Coimbra e Porto, mesclada de cristãos-novos e velhos. Antónia Carvalha, irmã de Maria Ferreira, viveu em Coimbra, casada com António Mascarenhas e tinham 2 filhas freiras e um filho, chamado Manuel Mascarenhas, prebendeiro da universidade. Todos foram presos pela inquisição, acabando Manuel Mascarenhas por ser relaxado à justiça secular no auto- -da-fé de 14.6.1671. Catarina Ferreira de Carvalho era outra irmã de Maria Ferreira. Estava casada com Diogo Cardoso Pereira, natural de Torre de Moncorvo, escrivão dos agravos da Relação do Porto. De entre os seus filhos (4 rapazes e 3 raparigas), uma referência para o filho Gaspar Pereira de Carvalho que, em 1662 contava 24 anos e se mantinha solteiro, morador em Lisboa, na Rua das Mudas, depois de uma viagem e estágio comercial de 4 meses no Brasil, com dois de seus irmãos. No Porto começara a vida profissional como escrivão dos órfãos e em Lisboa estivera ao serviço do sargento-mor do Regimento de Cavalaria de D. João V, Henrique Henriques de Miranda, familiar do santo ofício, entrando depois para a Casa dos Viscondes de Ponte de Lima. Certamente receando ser preso pela inquisição, tomou a iniciativa de se apresentar, ao final de Julho de 1662. A última notícia que dele temos é de Junho de 1689, altura em que a inquisição decidiu ajustar novas contas com ele mas não o conseguiu porque ele se encontrava ausente, morando em França.  Um dos filhos de António Ledesma e Maria Ferreira chamou-se Gaspar Rodrigues Ledesma, o Galego, de alcunha. Nasceu no Porto, por 1650 e foi morador em Bragança, dedicando-se à tecelagem de sedas. Casou com Clara Gonçalves e, enviuvando, casou segunda vez com Maria de Castro. Ambas lhe deram filhos e ele e as mulheres e os filhos, todos conheceram as cadeias da inquisição. Terá falecido por 1745, conforme declaração feita em 12.2.1749, pelo Dr. Francisco Furtado Mendonça perante os inquisidores de Coimbra: - Haverá 27 anos, em casa de Gaspar Rodrigues Ledesma, tecelão de sedas, casado com Maria de Castro, falecido, e se declararam até à data em que faleceu, haverá 3 ou 4 anos.  Gabriel Rodrigues Ledesma foi um dos filhos de Gaspar Ledesma e Clara Gonçalves. Nascido em 28.11.1684, ter-se-á criado em casa do tio materno, Manuel Rodrigues, o Clérigo de alcunha, morador em Carragosa, junto a Bragança. Formado em medicina pela universidade de Coimbra, Gabriel foi médico do partido da câmara e do hospital militar. Homem de elevado estatuto social e muito pretendido, em termos de contrato nupcial,  casou por 1707, com Angélica da Silva, filha de Miguel da Silva, tratante e rendeiro. Filho de mãe solteira, Miguel da Silva nasceu fora do casamento, em Macedo de Cavaleiros, mas não foi abandonado pelo pai, morador em Bragança, que lhe deu o nome, o educou e o casou naquela cidade, com Brites de Sória. Trata-se de uma família abonada de bens e prestigiada entre a gente da nação brigantina. O pai de Miguel pertencia à elitista classe dos contratadores, um irmão e um cunhado eram prateiros em Castela e um terceiro irmão, João da Silva Morais, era escrivão do judicial e notas de Bragança enquanto a irmã, Micaela de Morais, estava casada com o contratador Fernando da Fonseca Chaves, natural de Bragança, morador em Lisboa. Todos eles foram processados pela inquisição, pelo ano de 1713. Ao contrário da restante família e também do seu marido, Angélica da Silva não foi levada nessa vaga de prisões, ficando em Bragança com suas 3 crianças, ainda pequenas: Gaspar, Perpétua e Rosa. Em 1716, porém, resolveu apresentar-se voluntariamente em Coimbra. Ouvida a sua confissão, foi mandada regressar a Bragança, ficando em aberto o seu processo, que só foi concluído depois que a ré faleceu em Bragança, em 17.3.1719, e foi enterrada na igreja de S. João Batista.  Ficando viúvo, o Dr. Gabriel Rodrigues Ledesma casou novamente, com Luísa Josefa Henriques, filha de Pedro Cardoso, de Vinhais e Esperança Rodrigues, de Bragança. Luísa tinha 11 irmãos, entre eles, Francisco Rodrigues Ferreira, que foi preso pela inquisição de Coimbra em 1714 e segunda vez em 1747. E é do seu processo que retiramos a seguinte acusação feita por Domingos Pires, cristão-velho, 36 anos, solteiro, tecelão de sedas, em 23.9.1740, perante o comissário Roque de Sousa Pimentel: - Disse que sabe por ver que alguns cristãos-novos desta cidade se ajuntam à noite, uns em casa dos outros, porque na rua aonde ele testemunha mora, viu que vão para casa do médico Gabriel Rodrigues Ledesma, morador na mesma rua, António Rodrigues Ferreira e seu irmão Francisco Rodrigues Ferreira, cunhados do mesmo médico, e o seu genro António Novais da Costa e o bacharel António Mendes Borges, moradores na mesma rua, e Pedro de Castro Lafaya, cerieiro, e seu filho Gaspar, moradores na Rua Direita, e Francisco Mendes Furtado e sua mulher, e Beatriz de Castro, viúva de Henrique Rodrigues Gabriel, alferes de ordenanças, e sua filha Luísa casada com Gabriel Rodrigues Ferreira Cardoso, e Beatriz Lopes, viúva do Cunha e seu filho Manuel, e João Rodrigues Ledesma, o Galego, de alcunha, irmão do mesmo médico, e sua mulher Francisca Rosa. E os dias em que fazem o dito ajuntamento é nas sextas-feiras e sábados, pelas 8 para as 9 horas da noite, e que as cerimónias que fazem não sabe, porém que assistiu em casa do dito médico por tempo de um ano e viu que cerram as portas e não admitem cristão-velho algum e ainda os próprios criados mandavam para fora de casa ou para a loja.  Esta denúncia deixa-nos adivinhar um pouco da ambiência religiosa da “nação judaica” de Bragança onde a casa do Dr. Gabriel Ledesma funcionava como verdadeira sinagoga e onde não faltava gente que viajava para o estrangeiro a fim de se circuncidar, como vimos ao falar de António Manuel de Lima que, para o efeito, se deslocou propositadamente a Londres. Ser circuncidado e cumprir o Kipur são condições essenciais para ser judeu e assim o entendiam os judeus brigantinos do tempo da inquisição. E é impressionante a forma como em Bragança se guardava o Kipur. Dizem os testemunhos que, na Rua Direita, havia uns 150 tornos e nenhum deles trabalhava em dia de Kipur. Mas veja- -se, em concreto o depoimento do padre Bento Rodrigues, referindo-se ao Kipur de 1746: - Caiu o tal dia 24 de Setembro em um sábado, em que pelo reportório, se contavam 10 dias da lua e observou que os cristãos-novos desta cidade guardam por Santo o tal dia; e a razão da sua afirmativa é porque tratando quase todos os cristãos-novos desta cidade em teares de seda, naquele tal dia não trabalharam neles, porque correndo ele testemunha a cidade pelas 7 da manhã, 8 e 10 e pelas 2 e 4 horas da tarde, não viu trabalhar nos teares cristão-novo algum, antes sim os viu estar conversando uns com os outros.  Impressionante também como a gente da nação de Bragança praticava ritos e cerimónias judaicas, nomeadamente no que respeita ao enterramento dos defuntos. Vejamos apenas um apontamento sobre o enterro de um cunhado de Gabriel Ledesma, conforme testemunhou João Pires, familiar da inquisição: - Aos seus defuntos, ainda que levem hábito de S. Francisco, entende ele testemunha, por desprezo ou para enganar os católicos, pois todos, por baixo, levam mortalhas de pano de linho, novas e ainda por cima do mesmo hábito, como ouviu dizer fora enterrado Manuel Rodrigues Ferreira, falecido há poucos dias, que levava uma granacha de seda, com bocais de veludo por cima do hábito de S. Francisco, a modo de Desembargador; e que todos levam barrete branco de pano de linho; e enterram-se os mais deles em covas profundas, em terra virgem, e para isso elegem sepulturas na igreja de S. Vicente, por não ser paroquial e se sepultarem lá poucos cristãos-velhos, sendo certo que nesta igreja lhe custa a sepultura uma moeda de ouro (4.800 réis) para cima e na paróquia só 500 réis.  Mas se para ser judeu eles consideravam essencial ser circuncidado e guardar o Kipur, isso não esgotava a prática religiosa da gente da nação de Bragança. Antes pelo contrário, a leitura dos processos da inquisição revelam uma infinidade de ritos e cerimónias que marcavam a prática da lei mosaica, como era o caso da celebração do Sabat, dos jejuns do Purim, do thanis, do primogénito, do capitão, ou das cerimónias que cumpriam quando aconteciam grandes calamidades, ligadas a fenómenos atmosféricos como os incêndios e as chuvas. Um pouco ao acaso abrimos o processo de uma mulher solteira, de 31 anos, natural de Bragança e moradora em Lisboa, e deparamos com a confissão seguinte: - Disse (…) que guardavam os sábados de trabalho como dias santos vestindo camisa lavada na sexta-feira à noite; não comiam carne de porco, coelho, lebre, peixe de pele, sangue, nem sebo 9 dias antes que fizessem o jejum do dia grande, da rainha Ester, da sentença, do incêndio, e das grandes águas turvas…