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Abençoado populismo! Benditos populistas!

Parafraseando aquela engraçada adivinha da pescada, pergunto: quem será o candidato à Presidência da República, que antes de o ser já o é? A resposta é óbvia: Marcelo de Sousa, um presidente sempre presente, contente e sorridente, embora tenha mais que chorar do que rir. Com o descalabro da Saúde, por exemplo, e a vergonhosa falência da Justiça, que atafulha esqueletos nos armários. É óbvio que se Marcelo de Sousa honrar a coerência e lisura que dizem ser seu timbre abandonará o cargo presidencial no final do presente exercício porquanto, quando em 2014 analisou, na televisão, os oito anos da presidência de Cavaco Silva, defendeu categoricamente que “o próximo presidente”, fosse quem fosse, não deveria candidatar-se a um segundo mandato. Não pensava, na altura, por certo, que o próximo seria ele. Marcelo de Sousa, porém, não está só nesta matéria. É seu “companhon de route” António Costa que declarou, em 2009, “não haver partido à esquerda que merecesse credibilidade para uma coligação com o PS” e qualificou o Bloco de Esquerda como «um partido oportunista que parasita a desgraça alheia e incapaz de assumir responsabilidades». Ironia do destino: o BE viria a constituir-se, pela mão do próprio António Costa, num dos esteios da “geringonça”, a sua tábua de salvação. Já que à rede veio pescada também as pescadinhas de rabo na boca merecem ser citadas. Senão vejamos: o PCP, fiel aos seus sacrossantos preconceitos, acaba de anunciar João Ferreira como o candidato da praxe. O BE idem aspas: recandidata a candidata anterior como se de um fetiche se trate. Fica-se com a ideia de que o que verdadeiramente pretende é renovar a registo de Marisa Matias em Bruxelas. No PS repete-se o escabeche do costume, o que levou Ana Gomes saltar fora do covil socialista. Já o PSD de Rui Rio continua com o motor gripado, à espera do reboque do PS. PS e PSD que têm um objectivo comum: repartir os privilégios e mordomias que o Regime lhes confere, sendo que só o populista pró-sistema Marcelo de Sousa os une nessa antidemocrática função. Concluindo: andam todos a morder os rabos, como as populares pescadinhas. Falta saber quantos do PS irão votar em Ana Gomes, quantos do PSD e do CDS irão votar em André Ventura e qual destes será capaz de seduzir maior número de abstencionistas, passar à segunda volta e eventualmente destronar Marcelo de Sousa. Cenário que não é de todo despiciendo face à imprevisibilidade reinante na política nacional. Poderemos contudo admitir que se a populista Ana Gomes for eleita nenhum mal virá ao Regime ainda que a “geringonça” possa voar mais alto nos céus socialistas e só aterre na Venezuela. Mais incerto é o que acontecerá se o populista André Ventura for eleito, ainda que o presidente da viciosa república lusitana não tenha mais poder que a decorativa rainha de Espanha. Será que PCP e o BE passam à luta armada? Instalar-se-á uma guerra civil em Portugal? PSD e PS coligar-se-ão, finalmente, para defender o Sistema? Ou será que tudo vai continuar como está, com o Estado transformado numa monstruosa pescada que morde o próprio rabo, servida com arroz de malandros, o prato predilecto dos lambões do erário público? Imbróglio que só os eleitores que o mais lídimo populismo nacionalista conseguir mobilizar, poderão desfazer. Abençoado populismo! Benditos populistas! São a nossa derradeira esperança!

O máximo e o mínimo

S egundo Máximo dos Santos, Vice-Governador do Banco de Portugal e Presidente do Fundo de Resolução, depois do esforço já feito no auxílio ao Novo Banco, seria dramático comprometer todo o encargo já suportado, recusando as últimas transferências a que, de acordo com o contrato de venda, a Lone Star pode ainda reclamar. Pôr em risco a estabilidade da entidade bancária, sucessora do tristemente célebre BES, seria um desastre total. Será razoável que, depois de milhares de milhões de euros entregues ao Fundo Financeiro norte-americano, colocar em risco a estabilidade do frágil (apesar de tantas notícias, num passado recente, a dizerem exatamente o contrário) sistema financeiro, por menos de uma injeção inferior a mil milhões? E que, ainda por cima, será a última? Porque não se entrega aos gestores do Banco a totalidade do valor acordado e se enterra de vez o problema? Porquê andar agora a levantar ondas, com a praia á vista e com a fundada expectativa de acabar de vez com a sangria com que os recursos públicos tem sido castigados nos últimos anos? Pois se o contrato de venda já previa essa possibilidade... Assiste alguma razão, a Máximo dos Santos... mas não toda! Por duas razões. Em primeiro lugar é preciso esclarecer que são coisas muito diferentes prever uma possibilidade e estabelecer uma inevitabilidade. Se o contrato de venda previa compensações que poderiam, no pior dos cenários, atingirem um determinado valor é porque ambos, comprador e vendedor, concordaram que, sendo esse um possível limite, havia várias outras perspetivas, inferiores a tal montante. Por outro lado, e bem mais importante, a “ameaça” ou mesmo perspetiva fundada de uma falha de pagamento, previsto e autorizado, provocar grave distúrbio ao Banco e ao sistema onde está inserido não pode servir de justificação para que tal seja aceite de forma imediata e acrítica. Seja dramático ou não, esteja previsto ou não, o pagamento só poderá ser devido se, devidamente justificado. É preciso estar seguro que as complexas operações e justificações que servem de base para a reclamação de mais uma e generosa injeção de capital, são verdadeiras, honestas e razoáveis. Seja qual for o risco associado à recusa de pagamento, o mínimo que o senhor Máximo deve fazer é garantir que a fiscalização do Fundo a que preside e cujo capital é suportado pelos contribuintes, é efetiva, adequada e exigente, independentemente das suas consequências. É certo que quer o Presidente do Banco, quer o próprio Lone Star já vieram garantir que todas as operações efetuadas, mesmo aquelas que custam a compreender, a entender e, sobretudo, engolir, foram visadas e autorizadas pelo Fundo de Resolução. Pois é, mas isso só serve de justificação válida se o tal Fundo, presidido pelo senhor Máximo, pelo menos assegura o mínimo, na defesa intransigente e completa dos interesses dos cidadãos. Se o faz, então que o demonstre... Porque também aqui se aplica o milenar aforismo da mulher de César... Principalmente depois de a pergunta mais óbvia e natural, que anda na boca de toda a gente, políticos, financeiros, estudiosos e especialistas, obtém do responsável pela fiscalização porque se não fiscaliza, então a aprovação é uma mera assinatura de cruz e não pode servir de justificação da justeza e adequação) obter como resposta um claro “não sei nem poderei saber, eu não sou o Sherlock Holmes...” Pois se não é, contrate quem seja. De outra forma que garantias temos que a solução proposta e cujo preço preenche, na totalidade, os requisitos do pior dos cenários... é adequada e inevitável, necessária a impedir o desastre total da operação que, desde sempre foi garantido ser a única que não traria qualquer encargo para os contribuintes?

Perseu

Evoquei, já, a importância de dois livros no meu despertar para a literatura: Narrativas e Lendas da Antiga Grécia (1956), de Nathaniel Hawthorne, e Coração, de Edmondo De Amicis. Recebi-os de uma prima, em 1961, tinha eu cinco anos, quando começava a ler. No limiar da tese de doutoramento, salientei Cuore, mas A Wonder Book perseguia-me. Assim, quase sessenta anos depois, pego nessa tradução (que há muito mandei encadernar, e não doei, com outros oito mil volumes), da qual sai, a abrir, “A cabeça da górgona”. Não me recordava disto, ao encadear 14 sonetos sobre Perseu, que dá título ao recente livro de poemas (Fafe: Editora Labirinto, 65 páginas). Mas é certo que, num escaninho da memória, esse herói me acompanhou durante décadas. Em ficção e estudos sobre a crónica, eu já aproveitara alguns feitos de Zeus. Terei acordado o meu herói à leitura, nos 25 anos, de André Bonnard, Les Dieux de la Grèce, tão extraordinária era a história de Perseu, com tanto de Bíblia como de Camilo Castelo Branco, e remissão para Édipo, mas sorte diferente. Retorna em 1992, pois o segundo capítulo de Mitologia Clássica. Guia Ilustrado, de A. R. Hope Moncrieff, trata de Perseu, nas cores de Ticiano e E. Burne-Jones. A Editora Labirinto dá na capa Perseu com a Cabeça da Medusa, de Antonio Canova, um neoclassicismo sereno que simplifica igual título do clássico Benvenuto Cellini, longe da imagem terrífica da górgona. A história é simples: o rei de Argos ouve de oráculo que um descendente vai assassiná-lo. Encerra a filha, guardas em volta de entrada cuja chave traz consigo. Zeus metamorfoseia-se em chuva de ouro e gera criança. Respeitoso do deus, o rei poupa filha e neto, que lança em barca frágil. Salva-os pescador, irmão de rei que, autoritário, sonha desposar aquela. Na tensão entre irmãos (já se adivinha qual ganha), e para afastar Perseu de uma decisão desfavorável, confia-lhe missão impossível: matar Medusa, cujo olhar petrifica mortais. Ajudado por Hermes e Atena, essa é só a primeira aventura, com manhas e pormenores que não descrevo. Mas a cabeça sabiamente cortada vai servir para acabar com a raça do rei mau e salvar a mãe, entretanto refugiada no templo de Atena. A segunda aventura é salvar Andrómeda de um monstro, com ela casar e subir ao céu. Acontecem outras, mas corramos ao final: durante uns jogos, falha um lançamento de disco e mata, involuntariamente, o avô, cumprindo-se oráculo. Recusa o trono de Argos, governa Tirinto (ou Tirinte) e funda Micenas. Persée é uma entrada do Dictionnaire des Symboles, de Jean Chevalier e Alain Gheerbrant, que não acolhe muitos outros heróis, mas falha ao curar da «complexité de la relation père- -fils, fils-père, existant en tout homme». Ora, Perseu não tem problemas com Zeus pai, nem com o avô, cuja fatalidade é de outra ordem. E vencer, sobre um Pégaso alado, a Medusa – «image excessive de la culpabilité –, não significa vencer uma culpabilidade própria, mas, sim, «acquérir le pouvoir de se regarder soi-même sans défomation». Curar de «vanité» e de «ses propres monstruosités» (que não podemos extrair da vitória sobre o monstro desejoso de Andrómeda) sobre que Perseu triunfou é adulterar o mito de alguém esforçado, que nem o destino atropela (como se deu com Édipo), já recusando o fácil (Argos), já erguendo cidade do nada (Micenas). Eis a narrativa de um amadurecimento, sobre que os versos também evoluem. Outras considerações roubariam ao leitor o gozo de pequenas descobertas. Valha dizer que os sonetos deste livro (e só um texto não é soneto), conjugados com a variedade da penúltima selecção – Do Movimento Operário e Outras Viagens (2013) – completam a imagem que me faço da poesia, subida, afinal, das brumas da infância.

Antropocêntrico

Vi por duas ou três vezes na national geographic um programa chamado os Irwins. Nele uma voluntariosa família australiana corre o país em operações de resgate de animais feridos ou em perigo, que inclui centros de acolhimento, tratamentos, cirurgias e restituição ao meio natural sempre que possível. Tudo devidamente acompanhado por apaixonados beijos e abraços aos bichos por parte dos Irwins. Não duvido das boas intenções, porém delas está o inferno cheio e a mim aquilo parece-me ser o resultado de consciência pesada pelas patifarias que per saecula saeculorum lhes temos andado a fazer. É justo sentir culpa quando fundamentada: uma das bases da nossa civilização reside na convicção da superioridade do homem relativamente aos outros animais, meros objetos para nosso usufruto. Juízos em causa própria que têm servido de justificação para os matarmos a fim de lhes comermos a carne, vestirmos a pele e os considerarmos fonte de inúmeras matérias-primas, os tirarmos aos montes, domesticando-os, para nos protegerem e servirem, os escravizarmos nos trabalhos mais pesados, os cruzarmos entre si, criando raças que satisfazem os nossos caprichos, os enjaularmos e exibirmos como objetos de diversão, os usarmos para descarregar neles ódios e frustrações, os submetermos a torturas indescritíveis na pesquisa científica, os privarmos mesmo do direito à existência provocando a extinção de espécies inteiras. Muitos povos, partindo do princípio da sacralidade e da dignidade de todos os seres vivos sem exceção, desconhecem aquela hierarquia. O caso mais conhecido são os hindus, mas há outros. Em certas culturas tradicionais, de cada vez que se mata um animal para alimentação ainda se faz uma cerimónia em que se lhe pede desculpa por esse ato repleto de cinismo (como lhe chamou o filósofo edgar morin) que consiste em tirar a vida a um ser para a dar a outro. Nós consideramo-los um estorvo à expansão e à loucura humanas, enclausuramo-los em campos de concentração a que chamamos jardins para os protegermos da sua única ameaça, nós próprios, e em nome da ciência fazemos com eles muitas coisas que têm a marca da arrogância e do preconceito antigo. Inclusive, as relações na aparência mais benignas exibem aquela atitude preconceituosa básica. Passará pela cabeça da malta do pan que a expressão “animais de companhia” assume que o papel deles é satisfazer uma necessidade humana sem que alguma vez a sua vontade seja tida em conta? Por mais que os apapariquem, ocorrer-lhes-á que obrigá-los a vegetar em apartamentos significa negar-lhes o direito à liberdade no seio da natureza e de acordo com as suas leis? Quais serão os seus sentimentos sobre isso? O que nos diriam se os pudessem exprimir? Tal como muitos outros, os Irwins são sem dúvida sinais de civilização, mostras de que a consciência e o desejo de proteger estão a despontar. É melhor que nada, e por este andar talvez um dia se venha a pedir perdão à bicharada por tanto abuso, como agora se faz com os descendentes dos escravos. Mas eles parecem-me fazer parte de uma vaga de gente citadina “ambientalista” que não consegue abrir mão de nenhum conforto material, coleciona sempre mais e mais objetos inúteis, venera as mil bugigangas oferecidas pela tecnologia moderna e disfarça através do “protecionismo” extremista o remorso de precisar de três planetas para sustentar o estilo de vida que leva. Também tenho muito respeito pelos animais e sinto um enorme peso por ainda não ter conseguido deixar de os comer. Tirando esse pecado, sou dos que param na estrada para enxotar uma lebre que se me atravesse à frente do carro (o que já aconteceu várias vezes) e incapaz de fazer mal a seja o que for que mexa, até mesmo a uma mosca exasperante. Mas acho que eles passam bem sem declarações de amor piegas e dispensam absolutamente ser tratados como pessoas. Aliás a nossa ação só os pode prejudicar. Tirando os que são um produto do nosso egoísmo e não sobreviveriam sozinhos, os que ainda são livres só precisam de nós para que os deixemos em paz. E isso pode começar, por exemplo, por recusar o dogma segundo o qual a população humana deve aumentar de forma desregulada como tem vindo a acontecer. É a maneira mais eficaz de não invadir os seus ecossistemas e de os deixar lá sossegados com a menor intervenção possível da nossa parte.

Ouvir a música e viver a vida

No meio de um restaurante, um grupo que não devia exceder os dez elementos (até porque isso tudo está proibido) almoçava e ria. De repente, passa um bolo com duas velas espetadas, vi eu da minha mesa. Um dos elementos fazia anos. Em poucos segundos, o grupo entoou o “parabéns a você” com vontade, e, para meu espanto, afinadinhos e com alguns bons cantores. Foi bonito de ouvir. Logicamente, como em todos os grupos de amigos, há sempre um ou dois engrançadinhos que cantam propositadamente fora de tempo e de forma estranha. É isto a vida, no fundo - tudo afinado, mas, de repente, há algo que estraga aquilo que, hipoteticamente, poderia ser a perfeição. Há quem defenda, certamente, que é impossível atingir a tal perfeição. Porque nunca nada é perfeito. Porque ninguém é perfeito. Eu cá acho que estão é a levar demasiado à risca a definição de “perfeição”. O problema, tenho chegado à conclusão, é que na vida é tudo circunstancial. Durante anos quis acreditar que não. Que era sempre possível adaptar, contornar o que seria mais fácil, mais óbvio. E viver aquilo que realmente nos faz felizes, dando chances ao que, por força das circunstâncias, acabamos por deixar passar. Parece que já ninguém luta contra as circunstâncias. Que, simplesmente, se fica rendido ao que está à frente do nosso nariz e se ignora todo o mundo à volta. Estamos a caminhar pelos trilhos da cobardia, do mais fácil e, muitas vezes, da hipocrisia. Batemos no peito, dizemos que somos frontais, boas pessoas. Mas, será? Em tempos de ghosting, hauting e benching, diria só que somos egoístas. Voltando à analogia com os cantores no restaurante, ninguém espera para ouvir a música até ao fim. “Ah, estão a cantar os parabéns. Sei de cor. “, e seguimos, sem sequer olhar para trás. Dizemos que vamos estar sempre lá, para o que for preciso. Será que vamos honrar? Se pedirem para nos descrevermos, diremos maravilhas de nós. Parecemos unicórnios - seres que não existem. Tão bons, com tantos feitos alcançados, sempre sofridos e à espera de poder dar o nosso melhor ao outro. É mentira. Estamos só à procura de validação e de bajulação. De uma massagem no ego. Até que deixa de dar adrenalina (o que passa muito rápido) e vamos à procura da próxima injeção, sem pensar no caos que criámos, qual elefante a andar numa loja de cristais. Afinal de contas, quem quer saber? Não é problema nosso, nunca prometemos nada. Nunca levámos a sério. Por toda a gente que deixa as canções a meio e anda sempre a saltar as faixas da playlist porque já conhece tudo, apreciei aquele momento dos parabéns afinadinhos, e dos amigos a fazer piadolas. E foi divertido. Mais pessoas aplaudiram o momento no final, endereçando felicidades ao senhor Adérito (o aniversariante). Foi bonito, também. E, lá no fundo, fiquei a pensar que a vida seria perfeita se deixasse de ser circunstancial, baça, previsível. E passasse a ser aquilo que nós quiséssemos, ao som da música que nós próprios escolhêssemos trautear.

Nós trasmontanos, sefarditas e marranos- OS LEDESMA - Família e Mobilidade: António Manuel de Lima, advogado.

Jerónima Ledesma e Fernando Fonseca tiveram uma filha que nasceu em Bragança, por 1683 e foi batizada com o nome de Maria da Fonseca. Esta casou com Manuel Rodrigues Lima, também nascido em Bragança, pela mesma altura. Na sequência de mais uma investida da inquisição, Manuel Rodrigues Lima foi-se apresentar-se em Coimbra onde foi ouvido, admoestado e mandado regressar a casa. O mesmo caminho e idêntico procedimento foram seguidos por Maria da Fonseca. Sobre Manuel Rodrigues Lima, diremos que era filho de José Rodrigues Lima e Maria Henriques, família radicada em Mirandela, com fortes ligações a Vinhais. Manuel Rodrigues e Maria da Fonseca tiveram vários filhos, mas só dois chegaram à idade adulta. O mais velho, nascido por 1711, chamou-se José Rodrigues Lima, como o avô paterno. Seria um homem com bastante relevância na sociedade Brigantina, pois ocupava o posto de Capitão de Ordenanças, geralmente disputado por gente da maior nobreza cristã-velha. No entanto, ele teria perfeita noção dos perigos que corria, em matéria de fé, pois que em 6.8.1749, decidiu apresentar-se na inquisição de Coimbra. Mandado de regresso a casa, foi chamado em Abril de 1754 para ouvir sua sentença e abjurar de seus erros. Foi casado com Isabel Perpétua Rosa, de uma família bem martirizada pelo santo ofício. Com efeito, Jerónimo José Ramos, irmão de Isabel, seria um dos últimos, senão o último judeu brigantino a ser queimado nas fogueiras da inquisição de Lisboa, em 1754.  António Manuel de Lima, o outro filho, nasceu em Bragança, por 1718. Completados os estudos preliminares, em Bragança, rumou a Coimbra a estudar Leis. Concluído o curso, o jovem advogado, “por se achar com algum dinheiro e viver na lei de Moisés, e lhe dizerem que, em Londres, havia liberdade de cada um viver na lei que queria”, para ali embarcou e por lá ficou durante 6 meses frequentando a sinagoga para aprofundamento da lei mosaica e fazendo-se circuncidar.  Este seria o objetivo principal da viagem, como ele próprio referiu, deixando entender que a sua formação e entrada na vida ativa e adulta impunha a circuncisão, ritualidade essencial para ser judeu. Aliás, em Bragança esta ideia seria corrente e são conhecidos bastantes casos de homens que foram circuncidar-se lá fora e voltaram à terra, geralmente fazendo algum proselitismo. Foi o caso de José Rodrigues Mendes, morador na Rua Direita que, em Bragança, foi educado por “judeu de nação” e depois se dirigiu a Londres para ser circuncidado, tomando o nome de Moisés Mendes Pereira. Regressado a Bragança, dava informações sobre o que lá vira e como ali se vivia. Contou, por exemplo que ali encontrou Francisco Lopes Franco, filho bastardo de Baltasar Lopes Franco, capitão de ordenanças de Chacim, e de uma cristã-velha e que, por isso mesmo, por ser meio-judeu, teve de ser purificado com muitos banhos e cerimónias, para ser admitido na sinagoga e circuncidado. Falou também de outros Brigantinos que encontrara em Londres, nomeadamente os filhos de André Lopes da Silva; a família Costa Vila Real, cujo líder era João da Costa Vila Real, que foi circuncidado aos 73 anos de idade; Luís de Sá, porteiro da sinagoga da Bevis Marks, casado com de Ester Sá e seu irmão Alexandre, aliás, Abraham de Morais, casado com Mariana (Sara) da Costa Vila Real; António Mendes Álvares, filho de Gabriel Álvares Lotas, casado com Maria Josefa. Mas não era só a Londres que iam circuncidar-se. Também a Livorno, aproveitando muitas vezes a viagem a Roma onde iam buscar um documento da Cúria Papal que lhes permitia casar-se dentro da família, com tias ou primas. Veja-se, a propósito a seguinte declaração feita pelo médico brigantino Francisco Furtado Mendonça: - Disse que havia 24 anos, em Bragança, em casa de Francisco de Almeida, meirinho do assento, ausente em Génova, e que o mesmo se circuncidara em Livorno e que tinha livros impressos na Holanda, enviados por judeus daquela sinagoga e deles formava cadernos de calendários para observância das festas, os quais distribuía pelos cristãos-novos de Bragança e lhos deu a ele, médico, para se servir deles  Também por Livorno, a caminho de Roma, passou e lá se demorou José Rodrigues Gabriel, que, mais tarde. Contou aos inquisidores: - Há 34 anos, em Livorno, em casa de Gabriel de Medina, natural deste reino, homem de negócio, entre práticas ele lhe disse que para seguir a lei de Moisés tinha que se circuncidar, e com efeito ele se circuncidou na casa do mesmo, dali a poucos dias, para cujo efeito veio um cirurgião que o cortou na presença do mesmo Gabriel de Medina e outros 4 judeus, que ele não conhecia. António de Morais, esse foi circuncidar-se a Bayonne, em França, onde tomou o nome de Jacob de Morais. Regressou a Bragança onde era torcedor de seda, e foi preso, em 1718, quando contava 30 anos. Veja- -se a sua confissão: - Haverá 7 anos que se mudou para Bayonne e que o circuncidou em casa dele réu um judeu francês chamado Samuel Talavera e lhe puseram o nome de Jacob e pelo tal nome foi tratado e conhecido pelos judeus e ali fazia a guarda das cerimónias da lei com Lopo de Mesquita, torcedor de seda e hoje se chama Abraham de Mesquita, tendeiro, natural de Bragança e com Salvador Mesquita, filho deste, tratante de chocolate, casado com uma filha de Mécia de Morais e hoje em Bayonne se chama Isaac de Morais. Voltemos a Londres, ao encontro de António Manuel Lima que ali terá contactado com alguns familiares fugidos da inquisição, muito em particular Abraão Mendes Campos, aliás, Diogo de Campos Pereira, natural de Lebução. Diogo era também formado em direito por Coimbra e, por 1720, morava em Lebução, casado com Clara Maria de Mesquita Campos, que, em Londres se fez judia e tomou o nome de Sarah Mendes Campos. Diogo, aliás, Abraham, tinha 5 filhas, uma das quais se chamou Teresa Maria de Campos, que casou com Baltasar Mendes Cardoso. O casal teve vários filhos e duas filhas. Uma delas, batizada com o nome de Rosa Maria de Campos, casou com Francisco Rodrigues Álvares, que faleceu no terramoto de 1755. A outra, Josefa Teresa, foi casada com José Álvares de Lima, irmão do anterior e ambos primos de António Manuel de Lima e de Baltasar Mendes Cardoso, pai das mesmas.  Pois, é bem possível que tenha sido em casa deste seu parente, Abraão Mendes Campos que, em 1740, o jovem advogado António Manuel de Lima, se tenha hospedado, prolongando-se a estadia por meio ano. Em Londres passou a Páscoa, confessando ele que a “celebrou por dois dias, comendo neles pão asmo e um cordeiro”, como a lei de Moisés determina. Quatro anos depois, em Agosto de 1744, vivia já em Lisboa o advogado Lima, quando, em Londres, faleceu Abraão Mendes, tendo feito testamento no dia 20 do mês anterior. E nesse testamento, incluiu a cláusula seguinte: - Item, deixo e lego a Branca, filha de José Rodrigues Lima, de Mirandela, cinquenta mil réis.  Não pudemos exatamente situar este José Rodrigues Lima na árvore genealógica dos Lima, de Mirandela. Sabemos é que estava casado com Violante Pereira, irmã do testador, Abraão Campos Pereira. E sabemos também que aquele José Rodrigues Lima e Violante Pereira, sua mulher, para além da Branca da Silva contemplada no testamento do tio, tiveram um filho chamado Alexandre Pereira que casou com Luísa Maria Bernarda, filha de André Lopes dos Santos, da família Raba.  Em Lisboa, regressado de Londres, António Manuel Lima empenhar-se-ia na divulgação dos seus ideais religiosos e catequização na lei de Moisés, como se depreende da seguinte confissão de André Lopes dos Santos (Raba): - Disse que indo a casa de António Manuel de Lima, que mora por detrás da igreja de Santa Justa (…) e estando ambos sós, puxou o dito António Manuel Lima de um livro que lhe disse que era a Sagrada Escritura e que cuidasse bem em que Deus sempre era Deus verdadeiro e que ele fora circuncidado em Londres, havia 10 anos, por isso não lhe faltava Deus, antes o favorecia muito…